12. O Ensino de Matemática na Criação de Jogos Digitais no Scratch

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Marília Rampanelli
Gene Maria Vieira Lyra-Silva
Maria de Fátima Teixeira Barreto

Resumo: A Terceira Revolução Industrial, que teve início em meados do século XX, caracterizou-se pela inserção da tecnologia em nosso âmbito social. Com essas inovações, o processo de ensino e aprendizagem passou a ter novas demandas que se caracterizam pelo uso da tecnologia na sala de aula. Porém, o que se observa é que, até os dias atuais, não ocorreram mudanças significativas na escola de educação básica, em especial da rede pública. Esse fato, uma vez que se compare o uso de tecnologias fora e dentro da sala de aula, acaba por levar certo distanciamento dos estudantes no envolvimento do aprendizado de conteúdos curriculares. Para entender esse distanciamento, visando à efetivação da aprendizagem e inovação para o ensino, realizou-se a presente pesquisa, baseada no estudo de invariantes conceituais na matemática por meio da construção de jogos digitais aplicando o software Scratch. Como resultado, obteve-se uma proposta pedagógica para o estudo dos invariantes explorados que utilizou da tecnologia com alunos do ensino fundamental. O Scratch possui uma interface lógica de programação simples que é baseada no encaixe de blocos coloridos que consegue atrair a curiosidade e o raciocínio do estudante em sala de aula. Por fim, constatou-se que é possível aprender matemática na programação de jogos digitais, possibilitando um ensino mais dinâmico e com construções significativas durante o aprendizado dos estudantes.

Palavras-chave: Educação matemática. Invariantes conceituais. Programação computacional.

O uso de linguagens computacionais em ambientes educacionais

A revolução técnico-científica, iniciada em meados dos anos 1970, trouxe diversas descobertas e evoluções no âmbito da tecnologia. A partir daí, algumas linguagens utilizadas para se comunicar com o computador foram evoluindo e contamos, atualmente, com diversas linguagens computacionais, das mais acessíveis e introdutórias, até as mais complexas.

Devido a este desenvolvimento, diversos ambientes educacionais começaram a implementar atividades de linguagem de programação nas atividades cotidianas dos estudantes, pois estudiosos, como Diniz (2017), defendem que a linguagem de programação logo será como o inglês, necessariamente uma outra língua a ser estudada. A autora nos informa que, no Brasil, principalmente as escolas particulares, já estão adotando o Letramento Digital nas suas grades curriculares. No Reino Unido, as crianças, desde 2014, a partir dos cinco anos, já têm o direito de aprender a linguagem computacional e, nos Estados Unidos, 40% das escolas ensinam programação na educação básica (DINIZ, 2017).

No futuro que se aproxima, saber programar será uma das competências necessárias para profissões que visam o uso da tecnologia (DINIZ, 2007). Na mesma direção, Demo (2008) fala sobre as “multialfabetizações” como uma ideia de que serão muitas as alfabetizações necessárias para se destacar no mundo do mercado e que a fluência tecnológica será uma das principais. Mas, mesmo frente a esta demanda, pode-se perceber que essa realidade ainda não chegou na maioria das escolas públicas do Brasil, o que pode ter como justificativa a falta de estrutura das escolas e/ou a falta de segurança dos professores em trabalharem com tantas inovações.

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Diante desta situação, surgiu a inquietação em relação a formação dos estudantes das escolas que não têm condições de fornecer um ensino voltado para a tecnologia, o que levou ao desenvolvimento da pesquisa de mestrado, intitulada “A programação de jogos no Scratch como situação para estudo de invariantes conceituais na matemática” e que era voltada para o ensino de matemática e a programação de computadores em uma Organização Não-Governamental (ONG), localizada em um setor periférico de Goiânia/GO. Nesta pesquisa, buscamos verificar quais seriam os invariantes conceituais matemáticos que poderiam ser explorados em uma situação de criação de jogos digitais no software Scratch.

O Scratch é um software livre que possui uma linguagem computacional simples, o que permite que crianças, adolescentes e até mesmo adultos construam seus próprios jogos, histórias, animações e outros, por meio do simples encaixe de blocos de programação. O encaixe destes blocos é conhecido como algoritmo da programação e ao criar algoritmos é possível perceber diversas possibilidades de aprender matemática e desenvolver o raciocínio lógico.

Durante as criações no Scratch, alguns conceitos matemáticos podem surgir e se tornar necessários para dar continuidade à programação desejada, sendo este momento caracterizado como uma situação que levará o estudante a construir o conhecimento em relação ao campo conceitual matemático ali despertado. A construção do conhecimento dar-se-á de forma dinâmica e de acordo com o interesse do estudante, em que o professor exerce o papel de mediador e não de detentor do conhecimento.

Nessa perspectiva, buscamos por referências que tivesse em suas bases teóricas a construção de conhecimentos que tenham sentido para os estudantes, nos baseando em estudos da Teoria Construcionista de Seymour Papert e na teoria dos Campos Conceituais de Gérard Vergnaud. Papert desenvolveu sua teoria, tendo seus estudos baseado nos conceitos abordados por Piaget e acreditava na construção do conhecimento por meio da interação entre aluno e máquina. Já Vergnaud tenta integrar os conhecimentos de Piaget e Vygotsky e defende a ideia de propor situações que promovam a estabilização das crianças e em que elas tenham alguma razão para aprender.

Sendo assim, diante da ideia de propor situações que propiciem aos estudantes um ensino de matemática baseado nas vivências com a programação, propusemos a criação de jogos digitais, por meio da programação do computador, para estudantes do Ensino Fundamental II e apresentamos, neste trabalho, os resultados sobre os conteúdos possíveis de serem explorados ao trabalhar com algoritmos computacionais.

Scratch: software de programação de computadores

O Scratch é um ambiente de programação livre e está disponível tanto em versão online quanto offline. Para a versão offline, basta instalar o aplicativo no computador e ele pode ser acessado com ou sem internet. Ele foi criado em 2007, pelo Media Lab do Massachusetts Institute of Technology - MIT e, atualmente, está disponível três versões. A primeira versão é o Scratch 1.4, a segunda o Scratch 2.0 e, no ano de 2019, lançaram a versão Scratch 3.0, que é a versão mais recente. Nesta pesquisa, utilizamos a versão 2.0, pois a versão 3.0 ainda não havia sido lançada. A Figura 1 abaixo apresenta a tela inicial do Scratch e exemplifica os seus principais componentes:

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Figura 1 – Principais componentes do Scratch. Fonte: arquivo dos autores.

A linguagem computacional do Scratch permite que sejam inseridos diversos objetos (sprites) e cenários e a construção dos algoritmos de programação é feita por meio do encaixe de blocos de instrução coloridos. Esses blocos são separados por cor, ou seja, para cada ação existe uma cor. No Scratch é possível criar histórias animadas, jogos digitais, animações e o que mais a criatividade nos permitir. Essas criações são salvas como projetos pelo próprio software e podem ficar salvas no computador ou serem compartilhadas em uma conta criada no site do Scratch. Esse compartilhamento pode ser aberto para que outras pessoas visualizem o projeto ou pode ficar apenas na conta do usuário, sem compartilhar. Outro ponto importante é que o Scratch pode ser utilizado em várias línguas, inclusive na língua portuguesa, o que facilita o acesso aos nossos estudantes e crianças.

Desta forma, o Scratch possibilita que trabalhemos com a ideia de programação de computadores de uma forma interativa e lúdica, em que diversos projetos podem ser criados por crianças ou até mesmo adultos, pois oferece uma linguagem computacional de fácil compreensão e permite o desenvolvimento do raciocínio lógico e até mesmo de aprendizagens matemáticas.

A construção do conhecimento matemático na proposição de situações

A tecnologia chegou na educação como algo que revolucionaria o ensino, mas, com o passar dos anos, vimos que isso não aconteceu e parece estar longe de acontecer. Um dos motivos que esta grande mudança pode não ter dado certo é a forma como os computadores foram organizados nas escolas, a falta de preparo dos professores e a falta de estrutura dos ambientes educacionais, em que são raras as escolas públicas que possuem computadores em bom estado e disponíveis aos estudantes.

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Com o uso da tecnologia, é possível proporcionarmos um ensino mais dinâmico e voltado para o interesse dos estudantes; mas, para isso, precisamos de estrutura e formação. Papert (2008), na sua ideia do construcionismo, traz a concepção de que o ensino seja construído pelos estudantes por meio da interação com a máquina. Para Papert (2008), a ideia como o computador foi inserido nas escolas, em um laboratório de informática, não foi a forma mais adequada, pois ele deve ser usado como uma ferramenta que propicie aos estudantes um aprendizado contextualizado, em que eles usem esta máquina para construir seu próprio conhecimento.

O construcionismo, criado por Papert, foi influenciado pelo educador Jean Piaget, visto que os dois trabalharam juntos em Genebra, sendo uma teoria que acredita que o conhecimento não pode ser transmitido para o aluno, sendo o desenvolvimento cognitivo um processo ativo de construção e reconstrução das estruturas mentais (MALTEMPI, 2012). Ainda nesta teoria, “o aprendizado deve ser um processo ativo, em que os aprendizes ‘colocam a mão na massa’ (hands-on) no desenvolvimento de projetos, em vez de ficarem sentados atentos à fala do professor” (MALTEMPI, 2012, p.288).

Para além de “colocar a mão na massa” em desenvolvimento de projetos, o construcionismo também nos faz refletir sobre a ideia de termos alunos engajados na construção deste projeto, que estejam construindo algo que realmente tenha sentido para eles e que lhes permita falar sobre este produto e ainda apresentar a outras pessoas. É com base neste ideal que Papert acredita no uso do computador no ensino de matemática, sendo esta uma das formas de tornar a aprendizagem matemática mais humanizada, natural e contextualizada, o que tem a ver com sua ideia de falar matemática na “Matelândia”.

A ideia de “falar matemática” a um computador pode ser generalizada a aprender matemática na ‘Matelândia’, isto é, num contexto que está para a aprendizagem da matemática assim como viver na França está para aprender francês. Assim, uso a imagem da Matelândia - onde a matemática se tornaria um vocabulário natural - para desenvolver minha ideia de que a presença dos computadores poderia aproximar as culturas humanística e matemático-científica”. (PAPERT, 1986, p. 19).

Ao aprender matemática na “Matelândia”, a aprendizagem dos alunos seria realizada de forma natural, o que tem relação com a teoria de Piaget referente à aquisição da língua materna. E, assim como Piaget, Papert engrandece a relação do sujeito-objeto na aprendizagem das crianças e, mesmo tomando como base as concepções da teoria construcionista de Papert neste trabalho, compreendemos a necessidade de seguirmos a abordagem dos estudos de Vygotsky, em que a influência dos materiais possui menor relevância e a mediação do professor se faz importante durante o processo de ensino e aprendizagem.

Considerando o ensino como uma troca de saberes construídos pelo outro e que pode ser agregado às nossas vivências e conhecimentos, de forma reflexiva, é que não podemos considerar que a aprendizagem se dê sem a interação entre pares. Na teoria socio-histórica, Vygotsky (1987, 2007) argumenta que, desde o início da vida, já acontece a relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento, sendo de suma importância a compreensão do contexto social, histórico e cultural para que se dê o processo cognitivo.

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Acreditamos que um processo de formação de conceitos se dê pela mediação das palavras, em que aprendemos sobre os objetos à nossa volta por meio de sua utilização e seus significados. Gérard Vergnaud é um psicólogo que realiza pesquisas na área da Didática Matemática. Ele desenvolveu a Teoria dos Campos Conceituais, que consiste em realizar pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo na formação de conceitos matemáticos. Ele defende que sejam propostas situações que estabilizam as crianças, considerando sempre os objetivos do aprendizado.

Em sua teoria, Vergnaud (1993) ressalta as operações lógicas estudadas por Piaget como importantes para as estruturas de pensamento, compreendendo que as funções cognitivas ocorrem quando o sujeito se encontra em uma situação que lhe propicie aberturas no desenvolvimento de conceitos, destacando o valor das representações (linguagem) e dos invariantes (regularidades no interior de um conceito). O estudioso defende que o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem acontecem de forma simultânea, por isso, a definição da teoria dos campos conceituais tem como base a proposição de um conjunto de situações que deem sentido a um conceito, sendo essencial que estas situações sejam analisadas por vários conceitos (VERGNAUD, 1993). A definição de campo conceitual é salientada por Magina (2011, p. 67) como “um conjunto de problemas ou situações, cuja análise e tratamento requerem vários tipos de conceitos, procedimentos e representações simbólicas, os quais se encontram em estreita conexão uns com os outros”.

Nessa perspectiva, Vergnaud apresenta em sua teoria alguns conceitos abordados por Piaget e também por Vygotsky. Com relação a Vygotsky, Vergnaud evidencia a importância da mediação durante o desenvolvimento de situações que propiciem a compreensão dos invariantes conceituais, que são necessários para formar os teoremas em ação (VERGNAUD, 2009).

Nos estudos de Piaget, é dada ênfase aos estudos sobre assimilação, acomodação e esquemas, sendo os esquemas o conceito chave trabalhado na teoria de Vergnaud. Para Vergnaud (1993), a conexão entre as situações e os esquemas é a principal fonte de representação e conceitualização dos esquemas, sendo os esquemas responsáveis por manter o vínculo com as características das situações apresentadas. Seguindo nessa linha, como alicerce para o conceito de esquema, sustentam-se os invariantes operatórios: conceitos em ação e teorema em ação.

Os conceitos em ação são considerados importantes no momento que temos uma ação em situação, sendo considerados como os ingredientes dos teoremas e os teoremas em ação são as proposições tomadas como verdadeiras na ação em situação (VERGNAUD, 2009). Por isso, a palavra e a representação são importantes, pois a explicação se torna necessária para que os teoremas em ação e os conceitos em ação se tornem verdadeiros, compondo os conceitos científicos.

Os conceitos mencionados por Vergnaud (2009) são formados por uma trinca de conjuntos representada pelas letras C, I, R, onde:

S é um conjunto de situações que dão sentido ao conceito;

I é um conjunto de invariantes (objetos, propriedades e relações) sobre os quais repousa a operacionalidade do conceito, ou o conjunto de invariantes operatórios associados ao conceito, ou o conjunto de invariantes que podem ser reconhecidos e usados pelos sujeitos para analisar e dominar as situações do primeiro conjunto;

R é um conjunto de representações simbólicas (linguagem natural, gráficos e diagramas, sentenças formais, etc.) que podem ser usadas para indicar e representar esses invariantes e, consequentemente, representar as situações e os procedimentos para lidar com elas. (MOREIRA, 2002, p. 10).

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De acordo com o autor, em uma situação, podemos explorar mais de um conceito e um conceito pode ser explorado em diversas situações, desde que seja considerada a relação entre os conjuntos das trincas na construção do conceito. Estas situações, às quais Vergnaud se refere, são compostas por tarefas que dão sentido a um conceito e se tornam necessárias durante o desenvolvimento das tarefas propostas, apresentando os invariantes operatórios que são demonstrados pelo sujeito por intermédio de representações.

A construção do conhecimento matemático na programação de computadores

Na busca por identificar possibilidades pedagógicas que propiciem a construção de conceitos matemáticos durante a programação de jogos digitais no Scratch, este estudo teve como base os ideais de uma pesquisa qualitativa. Os dados de uma coleta de pesquisa são qualitativos, de acordo com Bogdan e Biklen, quando estes são “ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico” (1994, p. 16). São dados mais voltados para a relação com as pessoas e para a construção de conceitos juntamente com os envolvidos, sem dar muita importância para o quantitativo.

Em uma pesquisa qualitativa, “o objetivo principal do investigador é o de construir conhecimentos e não dar opinião sobre determinado contexto” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 67) e que esta construção seja em conjunto com o estudante para que o ensino e a aprendizagem ocorram de forma conjunta e que promova o protagonismo de todos os envolvidos.

Tendo como base os estudos teóricos abordados, a realização prática da pesquisa foi essencial para a sua concretização. A realização da coleta de dados da pesquisa se deu por meio da realização de oficinas em uma Organização Não-Governamental do município de Goiânia/GO, com seis estudantes do Ensino Fundamental II, com idades entre onze e treze anos e que frequentam a escola regular no anos escolares do sexto ao oitavo ano. Essas oficinas tiveram como ponto central a vivência de situações que possibilitassem a identificação de invariantes conceituais matemáticos, durante a proposta de programação de um jogo digital com o uso do Scratch, na concepção dos Campos Conceituais de Vergnaud. No total, foram doze oficinas que ocorreram duas vezes por semana e no horário do contraturno escolar. Dos seis estudantes, três possuem computador em casa, mas apenas dois têm acesso à internet pelo computador, os outros têm acesso ao computador e a tablets somente nas atividades da ONG.

Para o desenvolvimento das atividades, os estudantes foram organizados em duplas, sendo que cada um escolheu sua própria dupla. Optamos por deixá-los escolherem seu par por considerar que ali eles estariam construindo novos conhecimentos e lidando com uma ferramenta nova; então, suas habilidades com a ferramenta seriam descobertas ao longo das atividades e a afinidade era importante para que trabalhassem de forma conjunta durante a criação do jogo.

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As oficinas, inicialmente, foram realizadas por meio de atividades relacionadas ao pensamento lógico computacional, nas quais foram utilizadas os blocos lógicos e as práticas desenvolvidas com o próprio movimento do corpo. Após estas atividades iniciais, foi apresentado aos estudantes o software Scratch. No Scratch, começamos com uma breve explicação do movimento dos objetos e da programação em si, realizamos algumas atividades para que os estudantes compreendessem o funcionamento do software e, a partir daí, eles puderam dar início à criação dos jogos. Para a organização dos dados, as atividades foram filmadas com uma câmera e também por webcams, que filmavam o estudante realizando a atividade e a tela do computador, simultaneamente, e foram transcritas de forma original para que fossem feitas as análises finais. Nas transcrições, usamos alguns pseudônimos para identificar os estudantes e a dupla a qual faziam parte, denominando-os por AD1 (estudante A da dupla 1), BD1 (estudante B da dupla 1), CD2 (estudante C da dupla 2), DD2 (estudante D da dupla 2), ED3 (estudante E da dupla 3), FD3 (estudante F da dupla 3) e a letra P para identificar as intervenções feitas como professora/pesquisadora.

A atividade dos blocos lógicos consistiu em explorar alguns conceitos da lógica matemática, como a ideia dos operadores lógicos em proposições matemáticas. Para isso, eram apresentadas algumas sentenças que envolviam os operadores lógicos e as duplas precisavam separar as peças dos blocos lógicos conforme o que estava dizendo a sentença. A Figura 2, a seguir, representa as peças separadas pela dupla 1 para a seguinte sentença: blocos amarelos ou triangulares.

Figura 2 – Peças separadas pela dupla 1 como solução da sentença descrita. Fonte: arquivo dos autores.

Na sentença descrita acima, explorou-se a ideia da disjunção inclusiva (ou) que, para ser verdade, precisa que pelo menos uma das proposições seja verdadeira, ou seja, as peças separadas precisavam ter a característica amarela ou terem o formato triangular, sendo necessário ter as duas opções. Outros operadores lógicos explorados foram a conjunção (e), a condicional (se...então) e a bicondicional (se e somente se). O diálogo a seguir é um exemplo da realização da atividade voltada para o uso de condicionais com a dupla 2:

P [sentença lida]: Agora, se triangulares ou circulares, então coloridos. Senão…
P: Quais foram os separados?
DD2: Os círculos e os triângulos. [tempo] Coloridos.
P: Tá, e o que sobrou então?
DD2: Os retângulos e quadrados coloridos.

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Figura 3 – Peças separadas pela dupla 2 como solução da sentença descrita. Fonte: arquivo dos autores.

Na Figura 3, é possível notar que a dupla separou as duas partes da resposta, as peças circuladas em rosa representam a solução da primeira parte da sentença (triangulares ou circulares, então coloridos) e as circuladas em roxo, a segunda parte (senão), ou seja, se não forem nem triangulares e nem circulares, então serão retangulares e quadriculares, conforme mostra a fala do estudante DD2.

No segundo dia de oficina, ainda buscávamos explorar as noções iniciais sobre a ideia de programar; para isso, realizou-se uma atividade que relacionava a programação de computador com os movimentos físicos, em que os estudantes descreviam os passos necessários para que a pesquisadora chegasse a um objeto qualquer na sala. Depois, nas duplas, um dos estudantes tinha que descrever o passo a passo para que seu colega chegasse em um certo objeto colocado em uma parte da sala, conforme podemos ver na sequência de imagens apresentadas a seguir:

Figura 4 – Momento inicial da programação física com a dupla 1. Fonte: arquivo dos autores.
Figura 5 – Dupla 1 realizando a programação física. Fonte: arquivo dos autores.
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Figura 6 – Dupla 1 realizando a programação física. Fonte: arquivo dos autores.
Figura 7 – Dupla 1 realizando a programação física. Fonte: arquivo dos autores.

As estudantes que aparecem nas fotos formavam a dupla 1. A programação delas se baseou em ter um comando inicial que dava início aos movimentos de deslocamento até a cadeira, sendo o aperto de mão definido como o ponto inicial, conforme podemos ver na Figura 4. Depois, a estudante andou três passos (Figura 5), virou noventa graus à direita (Figura 6) e andou mais 4 passos, para chegar exatamente na localização do objeto (Figura 7). Esta atividade foi realizada por todas as duplas, mas com a variação de lugar do objeto e do ponto de partida.

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As próximas oficinas já foram realizadas no computador com o uso do Scratch. Inicialmente, as atividades com o Scratch tiveram como foco a introdução ao software, com o desenvolvimento de atividades simples de programação para que os estudantes fossem compreendendo como funciona uma linguagem computacional. Estas atividades começaram com a ideia de fazerem simples movimentos no palco do software e, por fim, terminaram com a criação de um simples jogo que denominamos de “furando balões”. Depois, as duplas puderam dar início a programação dos jogos que cada uma escolheu.

Aprendizagem matemática na construção de jogos digitais

O construcionismo é uma teoria que acredita na construção e participação ativa dos estudantes no ensino-aprendizagem, principalmente quando lhes é proposta a realização de um projeto que lhes interessa. Para Papert, “os estudantes aprendem melhor quando eles estão ativamente envolvidos na construção de algo que tenha significado para eles, seja um poema, um robô, um castelo de areia ou até mesmo um programa para computador” (2008, p.137).

Nessa perspectiva, o produto final das oficinas foi a elaboração de um jogo digital por parte das duplas participantes, as quais tiveram autonomia na escolha do jogo. Para a construção do jogo, cada dupla decidiu sobre o tema e tipo de jogo que iria desenvolver e iniciaram elaborando as regras, o seu funcionamento e os objetos que seriam necessários. Em seguida, deram início à programação no software Scratch. A dupla 1 optou por criar um Quiz com perguntas sobre conhecimentos de língua portuguesa, matemática, geografia, inglês e entretenimento; a dupla 2 elaborou um jogo de Ping-Pong para dois jogadores; e, a dupla 3, um jogo chamado Obstáculos Perdidos, que tinha como objetivo que o jogador passasse por diversos obstáculos do caminho sem encostar neles.

Tendo como base a diversidade de tipos de jogos escolhidos pelas duplas, o planejamento das oficinas, a partir da oficina VII, foi organizado com base nas possíveis situações matemáticas que poderiam surgir durante a construção dos algoritmos de cada jogo e não ficaram descritas, como as anteriores, mas foram exploradas nos relatos, nas análises dos dados e nas descrições dos jogos que estão disponíveis na dissertação de mestrado.

Na construção dos jogos, as duplas se reuniram e colocaram a “mão na massa”, utilizando os conceitos de matemática e de programação, explorados nas oficinas anteriores e, também, construindo novas aprendizagens. Para começar a criação dos jogos, as duplas escolheram os personagens necessários, a partir das regras criadas anteriormente, e os cenários, para depois darem início à programação dos algoritmos.

A programação de cada jogo possibilitou o estudo de invariantes conceituais matemáticos, sem seguir uma ordem e sem ser os mesmos invariantes estudados pelas duplas. Cada jogo trouxe suas aberturas para o estudo destes invariantes. A seguir, relataremos os conceitos estudados por cada dupla.

Na programação do jogo pela dupla 1, que foi o jogo Quiz E.E, conforme a dupla o denominou, foram usados um objeto para cada área do conhecimento, ou seja, as questões de matemática tinham um objeto numérico, de geografia o objeto escolhido foi a imagem da Terra e assim por diante. Na construção dos algoritmos deste jogo, foi possível explorar a construção dos conceitos de variável, coordenadas cartesianas, adição e subtração de números inteiros e dos operadores lógicos, conforme nos mostra a Figura 8, apresentada a seguir, que é o exemplo da programação de um dos objetos:

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Figura 8 – Programação do objeto da área de conhecimento da matemática. Fonte: arquivo dos autores.

Observando os algoritmos utilizados, podemos perceber o uso dos conceitos matemáticos mencionados anteriormente e, também, a sincronização necessária para o momento certo do objeto aparecer ou não. Esses conceitos também apareceram na construção dos jogos das outras duplas, alguns se destacaram mais em um jogo do que em outro, mas todos foram importantes para a aprendizagem de programação de computadores e para chegarem ao produto final, que era a elaboração do jogo.

Na dupla 2, no jogo Obstáculos Perdidos, as operações com números inteiros se destacaram e noções sobre porcentagem, conforme podemos observar na Figura 9, pois o objeto principal do jogo precisava diminuir do seu tamanho original, que era 100%, para um tamanho que permitisse que passasse pelos obstáculos sem encostar e, ao reiniciar o jogo, voltava para seu tamanho original. Já na dupla 3, no jogo de Ping Pong, explorou-se, além dos conceitos já mencionados anteriormente, o conceito de simetria na programação das raquetes, que precisavam iniciar na mesma localização uma da outra, mas em lados opostos, detalhados nas Figuras 10 e 11.

Figura 9 – Programação do objeto principal. Fonte: arquivo dos autores.
Figura 10 – Programação da posição da raquete 1. Fonte: arquivo dos autores.
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Figura 11 – Programação da posição da raquete 2. Fonte: arquivo dos autores.

Essas atividades e a própria vivência delas propiciaram a elaboração do produto educacional desta pesquisa, que foi desenvolvida no âmbito de um mestrado profissional. Este produto possibilita ao professor uma ação pedagógica voltada para a programação de computadores e o ensino de matemática, com sugestões de ações esperadas do professor e dos estudantes, mas considerando que essas vivências podem trazer outros resultados, sendo que dependem da realidade em que serão vivenciadas.

Resultados e considerações finais

O avanço da tecnologia está trazendo para as escolas uma nova linguagem a ser trabalhada com os estudantes, que é a linguagem computacional. Esta linguagem, como vimos anteriormente, muitas vezes é ofertada em escolas particulares ou em cursos particulares, sendo poucas as escolas públicas que dispõe dessa promoção. O uso desta linguagem não é algo novo, mas precisa ser buscado para que todos os estudantes tenham o direito de ter acesso a este novo conhecimento.

Na proposta metodológica deste trabalho, buscamos desenvolver uma série de oficinas voltadas para o ensino de matemática na programação de computadores com estudantes do Ensino Fundamental II, em uma ONG localizada em um bairro periférico do município de Goiânia/GO. A realização destas atividades teve como produto final a criação de um jogo digital por parte dos participantes e, conforme mostramos no tópico anterior, essas atividades possibilitaram a abertura para o estudo de alguns conceitos matemático, tanto nas atividades anteriores à criação do jogo quanto durante esse momento.

As diversas situações propostas - atividades práticas, programação do computador e elaboração do jogo -, durante a coleta de dados, possibilitou a construção do conhecimento quanto aos conceitos de geometria espacial, geometria plana, plano cartesiano e números inteiros por parte dos estudantes. Alguns conceitos de geometria espacial foram explorados durante a atividade prática com os blocos lógicos que são formados por figuras geométricas com três dimensões; conceitos de geometria plana foram trabalhados o tempo todo, pois, na linguagem computacional, utiliza-se muito as localizações no plano, compreensões sobre ponto e ângulos, sendo que o estudo sobre ângulos se tornou necessário desde o momento das atividades práticas, em que as duplas realizaram a atividade de programar o colega, pois precisaram ter conhecimento sobre as rotações dos ângulos e de direção para chegarem no obstáculo disposto e, também, nos momentos de programar o objeto no software para que este se movesse pelo uso das setas do teclado.

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Compreensões sobre o plano cartesiano, no Scratch e em muitas outras linguagens computacionais, são essenciais para o desenvolvimento durante a programação de computadores. O movimento no Scratch, por exemplo, se dá todo em cima de um plano cartesiano, conforme podemos ver na Figura 12, os objetos inseridos para serem programados se movem e se localizam de acordo com os eixos de um plano cartesiano.

Figura 12 – Desenho do plano cartesiano no palco do Scratch. Fonte: arquivo dos autores.

As figuras dos algoritmos formados na programação dos jogos, mostradas no tópico anterior, expõem claramente a assimilação dos conceitos de localização e movimento de um objeto no uso desta ferramenta. E, por fim, o estudo dos números inteiros, tanto no movimento dos objetos por meio do plano cartesiano, que possui os eixos com valores negativos, quanto ao trabalhar com variáveis no Scratch, com a ideia de que, no jogo, temos a opção de também perder pontos, foi utilizado em dois dos três jogos construídos.

Já mencionamos anteriormente que o nível escolar dos estudantes participantes variava entre sexto e oitavo ano. Esta heterogeneidade no nível escolar dos participantes mostrou que é possível trabalharmos conceitos matemáticos com estudantes que ainda não estão no ano escolar em que se aprende esses conceitos, pois mostramos que crianças do sexto ano aprenderam sobre os números inteiros mesmo não estando no sétimo ano, que é a idade escolar em que se aprende tal conteúdo. Crianças do sexto e sétimo ano aprenderam sobre o plano cartesiano que é um conteúdo do oitavo ano.

Então, esta pesquisa proporcionou aos estudantes o acesso a conhecimentos matemáticos e tecnológicos por meio da programação de computadores e construção de um jogo digital, perpassando as noções iniciais que os estudantes tinham sobre os jogos digitais, propiciando novas concepções quanto ao funcionamento de um jogo e tudo o que está por trás dos avatares e teclas de ação que vemos ao jogar. Finalizamos com a angústia de que ainda muitos estudantes não terão acesso às linguagens computacionais, pois são muitos os desafios encontrados nas escolas públicas para que um trabalho com o uso da tecnologia se desenvolva, porém continuamos acreditando em professores que lutam diariamente pela busca de uma educação potencialmente eficaz e com a qualidade desejada.

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Referências

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DINIZ, A. M. Programação é o novo inglês. 2017. Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/blogs/ana-maria-diniz/programacao-e-o-novo-ingles/. Acesso em: 15 jan. 2019.

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MOREIRA, M A. Aprendizagem significativa: um conceito subjacente. Aprendizagem significativa em revista, Porto Alegre, 2011, v. 1, ano 3, p. 25-46, dez. 2011.

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