3. Para Além da Transmissão de Informações: um ambiente propício à produção de conhecimentos sobre frações

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Roberta Mendonça Resende
Luciano Feliciano de Lima

Resumo: Neste estudo, reflete-se sobre como possibilitar um ambiente de aprendizagem para contribuir com maior participação dos alunos na produção de conhecimentos de frações. Adota-se uma perspectiva qualitativa com dados produzidos por meio de textos narrativos: memorial de formação e diário de campo. O memorial foi utilizado para refletir sobre o passado e o presente de uma professora em formação em relação ao processo de ensino e aprendizagem da matemática. O diário de campo foi adotado para registrar o planejamento e a realização de uma sequência de aulas sobre frações, em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental. Promover ambientes de aprendizagem para uma participação ativa dos/as alunos/as na produção de conhecimentos requer um constante pensar e repensar a prática, a abertura para mudanças e atitudes específicas de uma facilitadora da aprendizagem, como buscar ser mais “humana”, aceitar que professor/a e alunos/as são pessoas, assim como confiar nos educandos, que são incompletos no saber, mas capazes de aprender por si próprios quando incentivados a isso. Criar um ambiente propício à produção de conhecimento requer professor/a e alunos/as reflexivos com incentivo às perguntas, a um diálogo harmonioso entre estudantes e professor/a, à exposição de perspectivas em que todos/as são vistos como sujeitos de aprendizagem.

Palavras-chave: Pesquisa sobre a própria prática. Pesquisa narrativa. Professor reflexivo. Abordagem Investigativa. Educação Matemática. Ensino de frações.

Para início de conversa

Olá, me chamo Roberta e começo dizendo que desde meu ingresso na Licenciatura comecei a trabalhar como professora em uma escola particular. Concomitantemente, buscava relacionar a teoria aprendida durante a formação inicial com a prática docente. Fazia isso sem uma organização sistemática das ações realizadas com meus/minhas alunos/as. Contudo, em 2019, em meu último ano de Graduação, deveria realizar um Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Câmpus Cora Coralina. Foi um momento oportuno para realizar uma pesquisa experienciando outro modo de ser professora com a criação de um ambiente para promover maior envolvimento dos/as discentes durante a aula. É essa experiência que compartilho no presente texto.

Busco analisar criticamente minha prática, tanto os resultados positivos quanto negativos para conhecer o que é preciso melhorar. Faço a opção pela metodologia da pesquisa narrativa. Em um primeiro movimento, optei pelo memorial de formação, definido por Souza e Cabral (2015, p. 153) como “[...] uma forma de narrar nossa história por escrito para preservá-la do esquecimento.” Compreendo que as histórias pessoais levam à compreensão de nossa prática, nos dando a possibilidade de repensá-la, criticá-la e mudá-la. Em um segundo movimento, adoto o diário de campo que utilizo para registrar minhas ações, desde o planejamento de uma aula, os momentos mais significativos dela e para refletir sobre como as interações ocorreram.

Esta escolha por investigar minha prática por meio da pesquisa narrativa relaciona-se a uma busca permanente em entender meu processo de constituição como professora de matemática. Como afirmam Passeggi e Souza (2017, p. 14), pesquisas acerca da própria formação implicam em um posicionamento do pesquisador frente à produção e à democratização de conhecimentos, nesse modo de pesquisar “se sobressaem as práticas não instituídas e as aprendizagens experienciais”. Por meio da pesquisa, refletindo sobre minha prática, (re)leio meu passado, intento compreender meu presente e (re)penso meu futuro, uma vez que nessa modalidade de pesquisa

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[...] destacam-se como objetivos a compreensão da historicidade do sujeito e de suas aprendizagens, o percurso de formação e, sobretudo, de emancipação, promovida pela reflexividade autobiográfica que, superando a curiosidade ingênua, cede lugar a curiosidade epistemológica e a constituição da consciência crítica. A pesquisa passa a fazer parte integrante da formação e não alheia a ela. (PASSEGGI; SOUZA, 2017, p. 15).

Faço isso aqui com o objetivo de compreender como possibilitar a criação de ambientes de aprendizagem para uma maior participação dos/as alunos/as na produção de conhecimentos.

Quando iniciei minha carreira docente, minhas compreensões relacionadas ao ensino da matemática e ao papel do/a professor/a e dos/as alunos/as tinham a ver com: a exposição de técnicas e fórmulas em detrimento de um diálogo com os alunos sobre o objeto de estudos; acreditar que a minha obrigação era transferir os meus conhecimentos para os estudantes, no lugar de proporcionar um ambiente para que eles produzissem o conhecimento da temática estudada; um entendimento de que cabia aos alunos memorizar o que lhes era apresentado, ao invés de refletir criticamente sobre o conhecimento matemático. Tais compreensões derivaram em interações com os/as estudantes que trouxeram muitas frustrações porque a aprendizagem não ocorria do modo como eu esperava. Com o tempo, minhas certezas sobre esse modo de ser professora foram se abalando, se desconstruindo e eu precisava me reinventar como docente.

A reinvenção, inicialmente tão distante e improvável, surgiu a partir de leituras que me apresentaram outras possibilidades ao ambiente de ensino e aprendizagem da sala de aula, diferente daquele ao qual estava acostumada, ou mesmo, adaptada. Foi possibilitada a partir da leitura crítica de autores como Paulo Freire, que aborda mazelas de uma concepção bancária da educação e sobre as potencialidades de uma educação problematizadora. Educação e Mudança (FREIRE, 1979) e Pedagogia da Autonomia (FREIRE,1996) foram textos que contribuíram significativamente para uma mudança de minha perspectiva sobre o ser professora. Por falar em perspectiva, as minhas se ampliaram com a defesa dos pesquisadores Alrø e Skovsmose (2006) a um diálogo para o ensino e aprendizagem da matemática. Eles consideram o diálogo como um elemento imprescindível para interagir com os/as alunos/as, falando com eles/as e, consequentemente, ouvindo-os/as, por meio de uma ação em que professor/a e alunos/as buscam se entender simultaneamente.

O contato com a literatura me permitiu vislumbrar uma educação em que professor/a e alunos/as dialogam, uns/umas com os/as outros/as, para produzirem, num processo ativo, conhecimentos sobre o assunto estudado. Acrescente-se a isso a ideia da insubordinação criativa, apresentada pelas pesquisadoras D’Ambrósio e Lopes (2015), como uma maneira de atuar, mesmo em um ambiente engessado, para garantir uma formação de qualidade aos/às estudantes.

Como tive a oportunidade valiosa de iniciar a carreira docente um mês após meu ingresso na licenciatura, pude estreitar a relação entre teoria e prática; nesse movimento fui, e estou, me reinventando como professora. O condicionamento a um trabalho exclusivo com o livro didático, uma determinação da escola em que trabalho, estava aquém de tudo o que lia, discutia e refletia sobre o processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Por isso, resolvo analisar criticamente uma experiência com a criação de um ambiente de aprendizagem mais propício à produção de conhecimentos sobre frações. Procuro evidenciar o movimento reflexivo que se desenvolveu para, na e sobre a ação, uma vez que estes três instantes, presentes em minha prática cotidiana, contribuem como um meio de caracterizar o meu processo de constituição como professora reflexiva de matemática, preocupada com uma participação ativa dos/as alunos/as durante a aula.

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A prévia

Ao ingressar no curso de Licenciatura em Matemática, um susto! Imaginava que estudaria exclusivamente disciplinas envolvendo números e cálculos. As outras matérias eram, para mim, desnecessárias. Compreendia como um bom professor o profissional que tivesse domínio de conteúdo. Outras preocupações em relação ao trabalho docente eu considerava como banalidades. Contudo, foram justamente as disciplinas distantes dos cálculos e demonstrações matemáticas que me mostraram outras perspectivas para compreender outros modos de ser professor. Elas despertaram em mim preocupações referentes à interação com os/as alunos/as, relacionadas a ouvi-los/as, a estimulá-los/as, a acreditar no potencial criador deles/as. Elas me auxiliaram a enxergar minhas aulas centradas em um absolutismo burocrático. Segundo Alrø e Skovsmose (2006), em um ambiente com predominância do absolutismo burocrático, cabe apenas ao professor dizer o que é certo e o que é errado, sem explicar aos alunos os critérios para tal decisão. E isso era justamente o que eu fazia.

Cheguei a um ponto de resolver todos exercícios na lousa, pois, assim, caberia aos/às estudantes apenas acompanhar a explicação e copiar as resoluções. Ao rememorar minhas ações, penso que comigo a concepção bancária de educação, apresentada por Freire (1979), chegou ao seu máximo. Acreditava fazer o melhor quando transferia o máximo de informações que conseguia para serem memorizadas e sacadas em momentos avaliativos. Mas, apesar de todo meu esforço, os/as alunos/as não demonstravam a aprendizagem que eu esperava. Isso me deixava muito contrariada e, simultaneamente, pensativa. Queria entender o porquê isso acontecia.

Ao relatar essa situação, me impressiono com tamanha ingenuidade. Como acreditar que seria capaz de transferir meus conhecimentos para alguém? Atualmente, meus esforços vão em outras direções. No mesmo pensamento de Rogers (1977, p.111), procuro despertar a curiosidade, deixar os alunos seguirem os caminhos ditados por seus interesses, desenvolver o senso de pesquisa e a indagação. Em outras palavras, procuro ajudá-los a construírem seus próprios conhecimentos. Assim como o autor, reconheço que nem sempre isso é possível de se realizar, mas quando é, em partes ou totalmente, a experiência é inesquecível.

Não queria mais ser apenas eu quem sentia o prazer de acertar as respostas, em assumir todas as responsabilidades do processo. Precisava mudar porque: “Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas” (ALVES, 1994, p. 67). Com Rubem Alves (1994) aprendi que o mais importante como professora é ensinar os/as alunos/as a fazer perguntas.

Não queria mais me restringir ao paradigma do exercício que, segundo Alrø e Skovsmose (2006), centra-se na transmissão de informações, explicação de exemplos de aplicação e resolução de exercícios de fixação, geralmente advindos do livro didático cujo fim único desses exercícios é resolvê-los. Queria outra coisa, criar um ambiente com maior espaço às perguntas e à produção ativa de conhecimento por meio de um diálogo, como caracterizado por Alrø e Skovsmose (2006) em que: a) realiza-se uma investigação, já que o diálogo deve ser entendido como um processo de descobertas e aprendizagem; b) corre-se riscos, uma vez que o diálogo é imprevisível; c) promove-se igualdade, visto que participar de um diálogo não pode ser algo compulsório.

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A promoção desse tipo de ambiente tem a ver com um ensino que contribua com a formação de cidadãos críticos e reflexivos, capazes de utilizar o conhecimento para interpretarem o mundo e para nele intervirem, transformando a realidade que os cercam, como destacado por Freire (1979). Relaciona-se com a formação de sujeitos no mundo, com o mundo e com os outros e, por esse motivo, capazes de trabalhar coletivamente. A importância de um trabalho conjunto é exigência de uma sociedade que necessita, cada vez mais, de pessoas capazes de trabalhar em equipe, como defende Demo (2015).

Corroborando com essa ideia, Moraes et al (2008, p. 5) recomendam um trabalho com grupos nas aulas de matemática como forma de promover “a interação entre os alunos, além da melhoria da aprendizagem de conceitos, uma vez que há a possibilidade de ajuda mútua, da discussão e da troca de experiências.” Para criar um ambiente com prevalência desse tipo de diálogo para a produção de conhecimentos é importante

[...] que um bom professor possa analisar as situações do cotidiano escolar e do seu trabalho, a fim de entendê-las em sua complexidade, sua totalidade e seu contexto, ou seja, que ele compreenda o que faz, como faz e por que faz. Que ele pense sobre isso e com base nesse entendimento possa colher elementos para mudar o que for preciso. (ANDRÉ, 2016, p.28).

O texto de André (2016) contribuiu para meu entendimento de que sempre refletia sobre o meu trabalho. No entanto, nunca o fiz intencionalmente, como forma de melhorar minha prática. Não tinha consciência de que não basta apenas refletir, é preciso refletir criticamente, isto é, se debruçar sobre o próprio trabalho, para poder entender o que está sendo feito, avaliar o que é bom e o que precisa ser mudado para conseguir melhores resultados (ANDRÉ, 2016).

Alarcão (1996) acrescenta que um professor reflexivo deve enxergar o/a aluno/a da mesma forma, isto é, como sujeito reflexivo, capaz de produzir seus próprios saberes, tal como o/a professor/a, deve manter “[...] uma relação entre pensar e agir, teoria e experiência.” (ALARCÃO, 1996, p. 179). O/a professor/a reflexivo/a, ao caminhar para uma pedagogia mais crítica, entende sua contribuição para a formação de “[...] pessoas que além de ler e escrever saibam se posicionar e lutar por seus ideais a fim de serem críticos e capazes de perceber a realidade e transformá-la, ressignificando sua existência” (GHEDIN; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2015, p. 158).

No entanto, ser um profissional reflexivo não é simplesmente uma questão de querer ser. Como diz Alarcão (1996), embora o pensamento reflexivo não ocorra naturalmente, é possível desenvolvê-lo, isto é, “cultivá-lo” para que ele “desabroche”. Disposta a “cultivá-lo”, apesar das dificuldades, estava determinada a realizar as mudanças que fossem necessárias. Mudanças também necessárias aos/às alunos/as que podem estar acostumados/as a esperar que o/a professor/a lhes apresente tudo pronto, desde as fórmulas até as respostas dos exercícios, como destacado por Alrø e Skovsmose (2006). Assim, decidi iniciar esse processo, que é longo e demorado, a ser implementado aos poucos para “desacostumar” os/as alunos/as e a mim mesma.

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Outro caminho para ensinar frações

Concordo com Rogers (1977, p. 120), quando afirma que “[...] só correndo o risco de novos caminhos pode o professor descobrir por si mesmo, se é ou não eficiente, se aqueles novos caminhos lhe convêm ou não.” Correr o risco de novos caminhos era um de meus maiores medos, mas entendi ser imprescindível enfrentá-lo. Como argumenta Alarcão (2007), as situações problemáticas com as quais nos deparamos, em nossa prática educativa, marcam o início da reflexão. Esta, por sua vez, nos faz sair a procura de novos caminhos que possam trazer soluções para nossos problemas. Um problema que vivenciava, durante o ensino de frações em minhas turmas de 5º ano, me levou a refletir sobre o assunto e a trilhar novos caminhos. Meu refletir segue a perspectiva de André (2016): começo por entender o “porquê” do meu problema, em seguida, penso “no que fazer”, para, finalmente, meditar sobre “como fazer”.

Quando iniciei o estágio, vi o mesmo problema sendo enfrentado pela professora do 7° ano, os alunos não compreendiam frações. E, com isso, fui percebendo que esse é um tema bastante problemático para muitas pessoas. Problema este que se comprova por meio de estudos internacionais, que mostram que estudantes de 9, 13 e 17 anos de idade não compreendem o conteúdo de frações (SANTOS, 1997).

Acredito que isso esteja relacionado à complexidade do tema. Santos (1997) e Lopes (2008), trabalham nessa perspectiva. A primeira, afirma que “[...] a extensão do conceito de número natural para número fracionário é complexa” (SANTOS, 1997, p.103). O segundo, se refere a dificuldades como o estatuto epistemológico das frações e sua notação, que pode ser confusa para uma criança, visto que “[...] não é trivial a associação de uma parte através de dois números inteiros separados por um tracinho” (LOPES, 2008, p. 9). Se o/a estudante não compreende, certamente, terá muitas dificuldades nas séries seguintes, uma vez que o conteúdo de frações oferece base para o estudo de vários outros tópicos matemáticos, como números racionais, razão e proporção, porcentagem etc. (SANTOS, 1997).

Ensinar frações de outro modo foi muito desafiador porque precisava inovar sem deixar o livro didático de lado, exigência da escola em que trabalho. Precisaria apelar para uma “insubordinação criativa”, ou seja, me contrapor à burocracia educacional na aula de matemática, como sugerido por D’Ambrósio e Lopes (2015). Melhor dizendo, diante da complexidade educacional, desobedecer a algumas regras e ordens em prol do desejo de promover melhorias no processo de ensino e aprendizagem pode ser uma ótima opção. Passaria os exercícios do livro como tarefa de casa e dividiria os/as alunos/as em grupos de forma que cada um ficasse encarregado da resolução de um certo número de exercícios. Era uma possível solução para realizar todas as tarefas do livro, obedecendo às determinações da escola, sem ter que me limitar a isso.

Atuaria como uma facilitadora da aprendizagem dos/as alunos/as, incentivando a cooperação e a participação deles/as durante o processo. De acordo com Rogers (1977), ser um facilitador da aprendizagem não é simples, porém, na sociedade mutável em que vivemos, são fundamentais os esforços nessa direção. O pesquisador enumera tais esforços como: a) o/a professor/a deve buscar a autenticidade, visto que é uma pessoa e deve agir como tal no ambiente escolar; isso pode parecer fácil, no entanto, ainda é muito comum os/as professores/as usarem uma “máscara” ao entrarem em sala, isto é, buscam se passar por um ser totalmente superior, que tudo sabe e nada sente; b) o/a docente deve confiar e apreciar o/a aluno/a, pois ele também é uma pessoa, incompleta no saber, mas com capacidade de aprender por si próprio, desde que incentivado a isso; c) o/a facilitador/a precisa também compreender o/a estudante, não de forma sistemática, mas humanamente, ouvindo o que ele/a tem a dizer.

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Para além desses esforços, teria que me dedicar a trabalhar com as crianças o espírito cooperativo. Assim que iniciei o ano letivo, percebi, em minhas novas turmas, alunos/as bastante individualistas e a maioria muito competitiva. Identifiquei neles/as sinais apontados por Demo (2015, p. 19), como, por exemplo, “[...] a fala irônica, o olhar sobranceiro, o comentário sarcástico, o afastamento privilegiado, sempre voltados contra aqueles que não estariam no mesmo nível”. Também percebi que os discentes, assim como os das turmas anteriores, eram muito dependentes de mim para lhes dizer o que fazer. Pensar lhes parecia muito cansativo, por isso preferiam os exercícios de aplicação direta.

Dessa forma, um grande desafio seria não só “[...] ajudar a desenvolver nos alunos, futuros cidadãos, a capacidade de trabalho autônomo e colaborativo, mas também o espírito crítico” (ALARCÃO, 2007, p. 32). Autonomia e espírito crítico dificilmente são possíveis de se alcançar com monólogos expositivos. Por isso mesmo, é necessária a construção de um ambiente dialógico em que o convite do/a professor/a e a aceitação dos/as alunos/as são elementos imprescindíveis, como sugerem Alrø e Skovsmose (2006).

A partir das reflexões expostas até aqui, organizei três atividades diferentes, uma para cada dia da semana, restringindo-se a cinco aulas. Não sabia qual seria a reação dos/as alunos/as frente a essas aulas. Como procederia se, logo no primeiro dia, os/as alunos/as não gostassem das tarefas sugeridas? Por isso, preferi planejar uma maior variedade de situações com o intuito de promover a participação durante as aulas. Mas, com qual atividade iniciar o conteúdo de frações? Usar o livro didático em algum momento?

No material didático adotado pela escola, os exercícios utilizados para iniciar o conteúdo em questão são típicos do paradigma do exercício, com apenas uma resposta correta. Além disso, as atividades do material didático não costumam despertar questionamentos do tipo “o que aconteceria se...”. Geralmente, o aluno sabe de antemão, por conta do conteúdo explicitado anteriormente, qual caminho deve percorrer para responder a tarefa (ALRØ; SKOVSMOSE, 2006).

Não era esse o meu objetivo, queria desenvolver atividades diferentes destas com as quais os alunos e, acima de tudo, eu estávamos acostumados. Em outros termos, queria desenvolver atividades que “apresentam problemas que geram discussões sobre conceitos matemáticos [e] propiciam que os alunos pensem, argumentem e apresentem suas próprias soluções” (SANTOS, 1997, p. 3). Além do mais, compreendia que resolver somente os exercícios do livro não seria o suficiente para um aprendizado efetivo. Seria melhor os/as alunos/as resolverem as listas do livro como tarefa de casa ou na semana seguinte a esta sequência de aulas, como forma de reforçar o que aprenderam. Por isso, optei por não incluir o livro didático nesse planejamento.

Ao examinar outro material, “Avaliação de Aprendizagem e Raciocínio em Matemática: métodos alternativos”, organizado por Santos (1997), encontrei uma ótima maneira de iniciar a sequência de aulas: fazendo uma avaliação do conhecimento que os alunos traziam da série anterior em relação ao conteúdo de frações. Como afirma a autora, a avaliação deve acontecer durante todo o processo educativo, inclusive quando se inicia o processo de ensino-aprendizagem, como um diagnóstico da real situação encontrada. Fazer essa avaliação evitaria qualquer previsão equivocada acerca do que os alunos sabem e o que não sabem.

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No entanto, como fazer essa avaliação? Dentre os instrumentos avaliativos apresentados na obra de Santos (1997), optei pelos mapas conceituais, que são:

[...] uma representação visual em que o indivíduo (ou grupo de pessoas) demonstra através do uso de palavras, desenhos e outros símbolos o que percebe (percebem) em sua mente (ou suas mentes) sobre um determinado tema ou assunto central. A partir de um conceito central, o indivíduo (ou o grupo) coloca (colocam) as palavras e as ideias que relacionam-se com este conceito. Esta organização visual de palavras exibe as propriedades do conceito central, apresenta exemplo e características do mesmo e registra também outros conceitos relacionados a este tema central. (SANTOS, 1997, p. 19-20).

Optei pelo mapa conceitual do tipo diagnóstico, visto que seria a abertura de minha sequência de aulas. Mas, antes de iniciar a sua produção, Santos (1997) diz que o professor deve deixar bem claro aos discentes que nesse modelo não há certo e errado. Além disso, ao final, é importante que o docente discuta com os estudantes a respeito do mapa produzido.

Como pretendia desenvolver a solidariedade entre os alunos, decidi que a confecção desses mapas se faria em grupos. Além disso, para trabalhar a capacidade de argumentação, cada equipe teria que apresentar seu mapa, explicando o porquê de cada palavra e/ou símbolos empregados. Para os outros dois dias, decidi trabalhar com desafios. Nas palavras de Santos (1997)

,

[...] qualquer questão pode ser considerada um desafio, desde que sejam feitos questionamentos a respeito de como essa questão foi resolvida ou como o aluno pensou para resolver a questão. Podemos ainda classificar uma questão como um desafio, quando ela apresentar um obstáculo cognitivo ao aluno perante o raciocínio usual de resolução. Ou seja, quando a questão força o aluno a repensar suas estratégias de solução e os conceitos já compreendidos. (SANTOS, 1997, p. 139).

Os desafios escolhidos também foram selecionados do livro de Santos (1997). O primeiro, ao propor a solução de um quebra-cabeça de palavras utilizando frações, trabalharia a ideia de fração como parte do todo. Além de resolver o quebra-cabeça, as crianças teriam que criar o próprio “enigma”.

O segundo desafio trabalharia o conceito de fração dentro de um problema. Queria ver quais estratégias utilizariam para resolvê-lo, uma vez que ele trata de fração de uma quantidade, um tópico específico do conteúdo de frações que ainda não havia sido trabalhado com eles/as. Caso perguntassem como deveriam resolver o problema, eu retornaria a pergunta, como no processo sugerido por Alrø e Skovsmose (2006): Sim, como podemos resolver esse problema? O que precisa ser feito? Por onde devemos começar? Faria perguntas desse tipo com o intuito de contribuir para que pensassem no quê e em como estão fazendo para a proposta de soluções. Nesse sentido, possibilitando ao/à aluno/a, como considera Freire (1996, p. 24), ser “sujeito também da produção do saber”.

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Para a organização do trabalho em grupo, segui a orientação de Demo (2015), tomando o cuidado para os grupos não recaírem em conversas fiadas, e cuidando para que as tarefas não fossem realizadas por apenas um integrante, enquanto os outros só “fazem de conta”. Incumbi que cada grupo elegesse um líder a ser responsável pelo desenvolvimento do trabalho. Em vista disso, selecionei os grupos, de forma que cada equipe contou com um aluno mais desinibido para liderar as apresentações realizadas ao final das atividades. Além disso, me dedicaria a organizá-los de modo a separar a “turminha da conversa”.

A avaliação foi realizada durante o processo educativo, por meio de diferentes instrumentos, individual e coletivamente, servindo de base para a definição dos rumos do processo educativo. Para além da avaliação inicial, com a produção do mapa conceitual do tipo diagnóstico, no decorrer das cinco aulas, fiz anotações sobre a participação e o interesse dos alunos, o oferecimento de ajuda aos colegas, o raciocínio e as estratégias utilizadas. Estes dois últimos sendo específicos para as aulas de desafios.

Uma semana diferente: refletindo sobre frações

Entendo com Freire (1996, p. 109) que “[...] o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescrito’”. É o que pretendo fazer nesse item: “ler”, “interpretar” e “escrever” o que se passou quando coloquei em ação a sequência de aulas sobre frações. Algo totalmente diferente ao modo como estava acostumada a lecionar. Como destaca Freire (1996), essas reflexões me ajudarão a “reescrever” a minha prática de amanhã.

Enquanto analiso minha prática, reflito, simultaneamente, acerca de minha relação com os/as alunos/as, bem como a relação entre eles/as, e destes com o conhecimento, uma vez que não há, como afirma Freire (1996), docência sem discência. Para a “reconstrução” das cincos aulas sobre frações, conto com o auxílio do meu diário de campo, que me acompanhou durante todo o processo, assim como com os registros escritos produzidos pelos/as alunos/as na realização das tarefas.

O dia 06 de maio de 2019 foi o primeiro da sequência de aulas sobre frações; era minha inauguração de outro modo de ser em minha aula e estava com um “friozinho na barriga”. Cheguei mais cedo à escola para organizar as carteiras na sala de acordo com os grupos de alunos/as que eu havia selecionado.

Por estar na hora do recreio, algumas crianças observaram o que eu estava fazendo na sala. Eu havia informado, na semana anterior, que desenvolveriam, em grupos de três componentes, algumas tarefas sobre frações que não estavam no livro didático. Observando a organização dos grupos, elas demonstraram certo descontentamento. De início, não me importei. Porém, quando o sinal para o fim do recreio tocou e todos voltaram para a sala, a situação ficou quase insuportável.

Cumprimentei os alunos de forma alegre como faço cotidianamente, no entanto, acho que nem ouviram. Os minutos se passavam e eles não paravam de reclamar. Tentei explicar que havia organizado as equipes de forma a separar os que conversavam mais. Mas a situação ficou ainda pior, pois disseram que fui injusta, deixando alguns colegas juntos e outros não. E eu, sem saber o que fazer diante de tamanha algazarra, disse, em um tom de voz mais elevado, que as atividades da semana estavam contando como a nota do trabalho bimestral e que, por isso, deveriam se comportar e parar com as reclamações.

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Que disparate! A ideia de não forçar os alunos a participarem por conta da nota acabara por se desfazer. Analisando essa situação, vejo que faltou diálogo de minha parte. As crianças não estavam erradas, como diz Freire (1996), os/as alunos/as têm o direito de criticarem, de indagarem e de duvidarem. Eu poderia ter explicado mais detalhadamente os critérios utilizados na formação dos trios e dizer que aquela era uma oportunidade para se fazer novas amizades. Mas, pelo contrário, retomei o temperamento intimidante que tanto detestava em meus antigos professores.

Entendi o significado do silêncio que fizeram como medo de perderem nota. Decepcionada comigo mesma, continuei a aula pedindo para que escolhessem um nome para seus respectivos grupos e os nomes escolhidos foram: Trupe da Alegria, Os Js, Proplayers de FF e Os Problemáticos. Este último grupo era o mais insatisfeito com a forma como organizei os trios, daí o nome.

Depois disso, me dediquei a explicar o que fariam naquela aula. Inicialmente, perguntei se sabiam o que era um mapa conceitual. Uma aluna respondeu que se tratava de um mapa de conceitos, mas a maioria disse não saber do que se tratava. Então, fui à lousa e escrevi a palavra multiplicação. Perguntei quais palavras poderiam ser relacionadas com o vocábulo. Adição, operação, sinal de “vezes” e aumentar, foram algumas sugestões. Expliquei que todas as palavras estavam certas e disse que agora teriam que fazer algo semelhante com o termo frações e que, ao final, teriam que explicar o porquê de cada palavra e/ou símbolos empregados. Eles se mostraram bastante animados. Entreguei a cartolina e eles iniciaram logo a confecção de seus mapas.

No momento de apresentar o que haviam feito, as crianças também se mostraram muito à vontade. Cada equipe comentou as palavras utilizadas para se referirem às frações. Enquanto um grupo apresentava, os demais participavam concordando com a argumentação dos/as colegas ou não. Todos/as queriam se posicionar, estavam envolvidos no processo.

Com esta avaliação inicial, pude comprovar que estava muito enganada nas previsões que fazia nos anos anteriores a respeito do que os/as alunos/as já sabiam e do que ainda não tinham conhecimento. Embora tenham estudado frações no ano anterior, não dominavam conceitos básicos como os de numerador e denominador. Apenas dois grupos associaram fração com a palavra numerador, não se lembrando do termo denominador (Figura 1). Já a ideia de divisão foi colocada por três equipes. Talvez isso esteja relacionado aos exercícios que tratam da divisão de pizzas por meio de frações, que parecem ser bastante comuns às crianças, tendo dois grupos relacionado a palavra pizza ao conteúdo (Figura 2). Além disso, foi curiosa a ligação que três equipes fizeram entre frações e simetria, que foi o conteúdo visto na semana anterior.

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Figura 1 – Mapa conceitual do grupo “Trupe da Alegria. Fonte: arquivo pessoal da autora.

Durante as apresentações, aproveitava para realizar explicações sobre conceitos básicos. Foi um momento significativo, pois se mostraram participativos/as, fazendo perguntas e colocações. Percebo que naquele momento estávamos em um verdadeiro diálogo. Diálogo no sentido pleno da palavra, que está de acordo com o que dizem Alrø e Skovsmose (2006), posto que não estava seguindo, ali, um roteiro pré-estabelecido, tampouco me colocando em posição superior aos alunos. Éramos, simplesmente, nós nos deixando levar pelas curiosidades que surgiam no decorrer das apresentações.

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Figura 2 – Mapa conceitual do grupo “Os Problemáticos”. Fonte: arquivo pessoal da autora.

Após esse momento admirável, digo isso porque foi envolvente e prazeroso, entreguei uma folha para cada aluno/a escrever, individualmente, o que achou da atividade. Notei que as crianças foram muito objetivas, isto é, escreveram de forma sucinta suas impressões, sendo que a maioria focou na questão da organização dos grupos. Por exemplo, uma aluna comentou: “Foi legal, pois gostei de fazer o trabalho, mas não gostei do grupo (odiei)”. Também houve quem se mostrasse satisfeito, inclusive com o trabalho em grupo, como um aluno que escreveu: “Eu achei que esta atividade foi muito legal fazer com o meu grupo e eu quero fazer outro trabalho de matemática com esse grupo e eu aprendi mais fração”.

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No dia seguinte, ao entrar na sala, fui recebida pelos/as alunos/as se organizando em grupos, mais uma vez pediram para fazer algumas alterações na composição deles. Respondi que manteríamos a organização original porque havia gostado muito do resultado da tarefa da aula anterior. Assim como Freire (1996), acredito que o ato de ensinar exige autoridade, o que não é o mesmo que autoritarismo, e, nesse caso, a minha ação visava garantir um ambiente favorável à aprendizagem.

Na sequência, expliquei a tarefa, um quebra-cabeça de palavras utilizando frações que despertou o interesse das crianças. Não obstante, após entregar a primeira parte da atividade (Figura 3), elas perguntavam a todo o momento o que significavam as frações no enunciado. Em resposta, pedia para lerem novamente e pensarem um pouco mais. Observando os alunos naquela empolgação, compreendi, assim como menciona Freire (1996, p. 160), que “A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo de busca.”.

Não demorou muito para que o grupo “Trupe da Alegria” resolvesse a tarefa encontrando a palavra do quebra-cabeça de frações. Em seguida, outros dois grupos também resolveram o problema. Houve somente um grupo que demorou um pouco mais. Embora os/as colegas de outros grupos quisessem ajudar, seus integrantes se recusavam a aceitar a ajuda. Diante dessa situação, disse aos alunos que tínhamos que respeitar a opinião de cada um e que se o grupo dispensasse auxílio, não devíamos insistir. Contudo, não tardou para a equipe aceitar a contribuição dos demais estudantes, que se mostravam muito felizes em ajudar. Foi muito agradável presenciar uma interação, proporcionada pelo trabalho em grupo que, muitas vezes, impedi ao manter os/as alunos/as sentados/os cada um/a em sua carteira, trabalhando individualmente e em total silêncio.

Figura 3 – Primeira parte da atividade frações de palavras. Fonte: Santos (1997).
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Terminada a primeira parte da tarefa, pedi aos/às discentes para produzirem o próprio quebra-cabeça. O ambiente agradável, assim como o interesse e a participação continuaram. Parecia terem esquecido a questão dos grupos. À medida que iam terminando, trocavam os quebra-cabeças entre as equipes para que fossem respondidos. Quando o grupo que elaborou o enigma dizia ao outro que a resposta encontrada estava correta, eles gritavam e pulavam de alegria.

Após a aula, em um movimento reflexivo, percebi que os/as estudantes, enquanto criavam os seus próprios quebra-cabeças, estavam muito preocupados com os erros. A todo o momento me questionavam se estavam certos. E eu, como que automaticamente, acabava apontando o erro, sem ao menos discutir o porquê estava errado, ainda me inseria no absolutismo burocrático destacado por Alrø e Skovsmose (2006). Evitar esse posicionamento é muito difícil porque preciso manter uma vigilância constante sobre mim mesma para possibilitar aos/às alunos/as encontrarem e corrigirem seus próprios erros.

Na quinta-feira, dia 09 de maio de 2019, seriam nossas duas últimas aulas sobre frações sem o uso do livro. A atividade desenvolvida pode ser vista na Figura 4; na sequência, solicitei uma autoavaliação. Este instrumento permite aos/às estudantes avaliarem o desempenho e contribui para um maior conhecimento de si acerca da própria aprendizagem, auxiliando, por exemplo, a descoberta de quais são e os porquês de suas dificuldades em determinado conteúdo (SANTOS, 1997).

Entreguei a atividade impressa juntamente com o material que representava notas de real, para ajudar na resolução. Passados poucos minutos, percebi a falta de leitura de todo o enunciado. Consideraram a tarefa muito fácil e sequer usaram a representação do dinheiro preparado para a aula. A maioria, ao ver no problema a quantia de R$ 45,00 para ser repartida entre três filhos, apenas dividiram 45 por 3. Aproveitei para pedir que lessem com mais atenção, visto que os filhos não receberam a mesma quantia.

Após dizer isso, eles ficaram pensativos e, alguns, até inquietos. Tinha em mente que o meu papel seria de mediadora ou, como diria Rogers (1977), de facilitadora da aprendizagem. Foi muito difícil, pois as crianças me chamavam constantemente em suas carteiras. Nesse sentido, busquei agir conforme aconselha Freire (1996, p. 78): “Se trabalho com crianças, devo estar atento à difícil passagem ou caminhada da heteronomia para a autonomia, atento à responsabilidade de minha presença que tanto pode ser auxiliadora como pode virar perturbadora da busca inquieta dos educandos.” Queria contribuir com a autonomia de meus/minhas alunos/as, auxiliando-os/as em suas buscas.

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Figura 4 – Atividade resolução de problemas pelo grupo “Os Js”. Fonte: arquivo pessoal da autora.

Não demoraram a encontrar o resultado de 13 de 45 e 13 de 30. No momento das apresentações, no entanto, percebi que muitos tiveram dificuldades para explicar como encontraram a resposta, usando como argumento que tinham feito os cálculos “de cabeça”. Para estes, acredito que o uso do dinheiro facilitou bastante. Por outro lado, notei que, para o grupo Os Js, as representações de dinheiro não foram determinantes, tendo em vista que os participantes desta equipe optaram por resolver as questões por meio de cálculos matemáticos, como pode ser observado na Figura 4.

A realização dessa tarefa reforçou minha compreensão de que os/as alunos/as não aprendem da mesma maneira; por isso mesmo, ensinar de uma única maneira, como fiz em anos anteriores, expondo a minha técnica, não era eficaz. Alguns preferem fazer o cálculo mentalmente, outros por escrito, alguns se apoiam em materiais didáticos, como dinheiro “de mentira”, outros não.

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Faltando cerca de quinze minutos para o término da aula, entreguei a folha para que os/as alunos/as fizessem a autoavaliação do desempenho durante toda a semana. Um aluno que se mostrava desatento e com dificuldades em minhas aulas habituais, me chamou a atenção com a sua reflexão sobre as atividades, que pode ser vista na Figura 5. Ele se percebeu como sujeito de aprendizagem, provavelmente porque as aulas fizeram sentido para ele. No trecho “depois dessas 5 aulas me facilitou a melhorar o meu desempenho da fração, multiplicação, divisão e da matéria de matemática” é possível intuir um reconhecimento dele, considerando o ambiente como um espaço para facilitar sua aprendizagem. Neste sentido, creio ser possível admitir que fui uma facilitadora da aprendizagem dele.

Além disso, este estudante me fez entender o que já havia lido no texto de Rogers (1977, p. 124): “Aprendizagens significativas são as de caráter mais pessoal – independência, autoiniciativa e responsabilidade, libertação de criatividade; tendência para se tornar, mais, uma pessoa”. De fato, a escrita deste aluno mostra que ele compreendeu “que sempre podemos descobrir o resultado”, ou seja, que ele é capaz. Sem dúvida, aconteceu uma aprendizagem significativa e isso foi muito gratificante tanto para ele quanto para mim.

Figura 5 – Autoavaliação de um aluno. Fonte: arquivo pessoal da autora.
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Essa experiência potencializa minha compreensão da necessidade de equilibrar o andamento do conteúdo programático com a participação dos discentes na produção de conhecimentos sobre o objeto de estudo. Sei que nós, eu e os/as alunos/as, somos sujeitos em busca do conhecimento, eu aprendo ao ensinar e eles ensinam ao aprender (FREIRE, 1996). Por isso, acredito na relevância de, sempre que possível, sair do habitual para testar outros caminhos pedagógicos, buscando superar os obstáculos que surgem no processo de ensino e aprendizagem.

Considerações: finalizando uma escrita, mas não a história

Ao elaborar um ambiente para uma maior participação dos/as alunos/as na produção de conhecimentos sobre frações, busquei fazer uma releitura do modo como ensinava para compreender o modo como desejo ensinar. Nesse processo, compreendi que a profissão docente está em constante transformação, com acertos e erros, assim como com uma busca permanente em melhorar a prática e, acima de tudo, em oferecer ambientes favoráveis à produção de conhecimentos pelos/as discentes.

Percebo, assim como sugere Freire (1996), que minhas inquietações ingênuas de criança, no decorrer dos anos, foram se aperfeiçoando, se criticizando, até chegar ao ponto de me despertar para mudanças, isto é, de me instaurar, de forma consciente, em um processo de constituição como professora reflexiva de matemática. Os problemas que enfrentei, no início de minha carreira docente, também foram fundamentais nesse sentido, uma vez que me levantaram muitos questionamentos acerca de como ensinar.

Analisar minha prática durante o ensino de frações reforça minha compreensão da necessidade de ir além de aulas com exposição de informações e técnicas a serem memorizadas e reproduzidas pelos/as alunos/as. Faz-se necessário procurar outros caminhos para facilitar o processo de aprendizagem dos/as estudantes, possibilitando a eles um ambiente em que se percebam como sujeitos produtores de conhecimento. Procurei mostrar o “porquê” de me colocar, e o “como” me colocar, diante de um processo para fazer um planejamento diferente, no qual os/as alunos/as, com meu apoio, são responsáveis, junto comigo, no processo de ensino e aprendizagem.

Termino por concluir que ser uma professora que promove ambientes de aprendizagem para uma participação ativa dos/as alunos/as na produção de conhecimentos requer um constante pensar e repensar a prática. É preciso estar aberta para mudanças e atitudes específicas de uma facilitadora da aprendizagem, como buscar ser mais “humana”, aceitando que professor/a e alunos/as são pessoas, assim como confiar nos educandos, que são incompletos no saber, mas capazes de aprender por si próprios, quando incentivados a isso.

Referências

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p.43

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GHEDIN, Evandro; OLIVEIRA, Elisangela Silva de; ALMEIDA, Whasgthon Aguiar de. Epistemologia do conceito de professor reflexivo. In: GHEDIN, Evandro; OLIVEIRA, Elisangela Silva de; ALMEIDA, Whasgthon Aguiar de. Estágio com pesquisa. São Paulo: Cortez, 2015. Cap. 5, p. 129-163.

LOPES, Antonio José. O que nossos alunos podem estar deixando de aprender sobre frações, quando tentamos lhes ensinar frações. Bolema, Rio Claro, v. 21, n. 31, p. 1-22, 2008.

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