Capítulo 7
A aula e a lição: inclusão e poesias em tempos de ensino remoto
Em tempos de sindemia
as palavras encantam
cantaria
sentidos contra a ironia
presente
num corpo de tirania
Resiste, existe, insiste
poesia
carregando balburdia
mania
de conectar temas
laboratórios de inclusão
das diferentes Marias
dos diferentes Joãos
que estão na academia
Introdução
Inicio este ensaio com o poema lido quando tive a oportunidade de participar de uma conversa com o Grupo de Estudos e Pesquisas em Conexões entre Práticas Corporais, Tecnologias e Inclusão – ConnectLab da Universidade Federal de Goiás. É um poema que carrega uma produção discursiva caminhando de mãos dadas com as possíveis resistências diante do modo como o governo brasileiro atual vinha e vem conduzindo o enfraquecimento da República e a condução desastrosa do Estado para/com a pandemia da COVID-19 ou segundo Veiga-Neto (2020, p. 5) “Sindemia Covídica”. O poema, também, é uma forma de agradecimento por dialogar durante um período que ficou próximo de noventa minutos e que permitiu o desdobramento do escrito que ora apresento. Com estas primeiras palavras, gostaria de agradecer o convite feito para contribuir com a produção acadêmica e literária organizada pelas autoras.
Pretendo trazer aqui um desafio que está posto para todos e todas os/as professores/as que foram e ainda estão sendo convocados a exercer a sua docência em condições distintas daquelas que habitualmente fazemos quando estamos ministrando, presencialmente, as nossas aulas. E o que é uma aula? Geralmente, quando se fala nela, lembramos daquele espaço quadriculado e entre paredes, em que o tempo e o espaço estabelecem uma relação curricular, bem como, um local onde são produzidas práticas disciplinares e de controle dos corpos, fazendo menção aqui a um modo de pensar foucaultiano. Tomo aqui, como sala de aula, todos os espaços escolares em que as relações entre um/uma professor/a e um/uma aluno/a os posicionam enquanto o processo de ensino ocorre. Com este entendimento, a quadra, por exemplo, é entendida como um espaço de sala de aula, assim como o pátio, o campo, a rua etc. De uma forma literária, poderia expressar que:
A AULA não é só materialidade/ ela se transforma/ como num olhar do artista/ que toca no pensamento/ rumina o ensinamento. A aula está sendo/ ela se desloca, dobra/ aqui e acolá dentro de mim/ moldando um discurso./ A aula é o vento viajando/ se saio ao vento, tento e invento. (MANDARINO, 2020, p. 21).
Ao refletir, poeticamente, sobre a aula ou as aulas, coloco-me a pensar, constantemente, sobre a prática pedagógica que dali emerge, sentindo-me mais afetado ainda com ela. Trata-se de uma afetação da relação em que o/a professor/a convoca os/as alunos/as a fazerem, entre outras coisas, no seu processo formativo, algumas lições. Sobre a lição, Larrosa (2004, p. 139) comenta que “[...] uma lição é uma leitura e, ao mesmo tempo, uma convocação à leitura”. E continua o autor, afirmando que, “uma lição é a leitura e o comentário público de um texto cuja função é abrir o texto à leitura comum”.
Este é um exercício em que a escrita permite ao/à professor/a uma ação de ensinar e de aprender consigo mesmo e com os/as alunos/as. Larrosa (2004, p. 142) explica que “[...] na leitura da lição não se busca o que o texto sabe, mas o que o texto pensa [...] o importante não é o que nós sabíamos do texto, mas o que – com o texto, ou contra o texto ou a partir do texto – nós sejamos capazes de pensar”.
A aula e a lição podem ser compreendidas como que ligadas a posições do ensinar e do aprender. Sendo assim, é nesse ponto que gostaria de delimitar aqui, entre tantas outras coisas, no que a Sindemia Covídica nos desafia. A Sindemia Covídica aproximou-nos, no ensino remoto, com videoaulas, aulas síncronas, assíncronas, aulas simultâneas, uso de plataformas digitais que até então não faziam parte das rotinas acadêmicas de grande parte dos/as docentes. A aula mudou e mudou de tal forma que produziu e está produzindo uma transformação no modo como estabelecemos a nossa relação com os/as estudantes, com o modo como a aula e a lição ocorrem. É comum e recorrente nos relatos feitos pelos/as docentes, que nas aulas síncronas não enxergarmos os rostos de quem está nos ouvindo durante a aula e isto não deixa de ser um desconforto. O propósito aqui será o de transitar, mesmo que de forma incipiente, pois não desenvolvi nenhuma pesquisa específica com este tema, no terreno da inclusão e a Educação Física escolar no isolamento social em decorrência da Sindemia Covídica.
O texto que ora escrevo, então, no seu desenrolar, fará um exercício de escrita recorrendo a um pequeno recorte da parte analítica da minha tese de doutorado para estabelecer uma relação com o exercício ensaístico apresentado nas reflexões e posicionamentos em relação aos desafios do presente. Este será o movimento que pretendo imprimir aqui.
A Matriz da Docência Cuidadosa
Para esta seção, trago aqui, enquanto suporte acadêmico e para colocar em questão o que temos experimentado no campo educacional, no curso de dois anos (2020 e 2021), o esquema da Matriz da Docência Cuidadosa para ajudar a olhar em relação aos sentidos que o ensino remoto tem produzido.
Fonte:MANDARINO, 2020 (Tese de Doutorado)
Com esta matriz, inicialmente, pretendi fazer um tipo de incursão sobre obras pedagógicas acadêmicas analisadas que evocam um cuidado de si e cuidado como o outro. Obras que, ao circular no âmbito acadêmico, necessitaram ser analisadas sob o ponto de vista da sua produção de conhecimento e como colaboraram para a construção de verdades de um tempo. Para o que me proponho aqui, vou apresentar uma delas, O Mestre Inventor, escrito pelo filósofo Walter Kohan, e explorar a docência cuidadosa que se constitui por um ethos, um ethos docente inclusivo referindo-se aqui a um eixo já apresentado noutro trabalho, num cuidado de si e do outro. Tomo aqui a Docência Cuidadosa como algo que carrega tanto o modo de ser e agir, em que a ética e a moral de cuidar de si para cuidar do outro entram em jogo, quanto a constituição de um ethos docente e uma relação com aquilo que constitui o seu processo formativo. Neste sentido, a questão que me parece ser pertinente aqui, é a seguinte: de que forma a matriz da docência cuidadosa nos ajuda a pensar a Educação Física escolar em tempos de Sindemia Covídica no âmbito da inclusão?
Quando pensamos na política de inclusão somos conduzidos a pensar que o seu imperativo garantirá a participação de todos e todas. De certa forma, a ações inclusivas caminham nesta direção e a partir delas o campo acadêmico já produziu e continua produzindo uma quantidade significativa de pesquisas para encontrar alternativas sobre como dar conta desse desafio, como problematizá-lo, enfim, tomando como tema central de investigação. Estudos, produção do conhecimento, problematizações, enfim, a quantidade de assuntos que são investigados está à disposição de pesquisadores/as, professores/as que procuram respostas neste sentido. Até então, poderíamos dizer que os problemas giravam em torno do como fazer, do como proceder, do como deslocar os discursos que emergem da inclusão escolar na Educação Física. Agora, como pensar nos desafios que estão postos para as pessoas com deficiência visual, os surdos, os deficientes intelectuais, os deficientes físicos, enfim, todos aquele/as que estão inscritos numa discursividade das necessidades educacionais especiais. Diante da Sindemia Covídica, um novo cenário nos convoca a agir com o ensino remoto, as aulas síncronas, aulas simultâneas, as salas de aula on-line em plataformas como o Zoom, Meet, Teams, entre outras. Aproveito aqui para trazer a reflexão de Inés Dussel para expressar como o ensino e a aprendizagem foram separadas dos corpos. Comenta a autora:
La enseñanza y el aprendizaje tuvieron que separarse de la co-presencia de los cuerpos y de la ocupación de un lugar físico compartido. De repente, millones de docentes y estudiantes se vieron compelidos a trabajar desde el ámbito doméstico, con una mezcla hasta ahora no vista de lugares y actividades. (DUSSEL, 2020, p. 338).
Estar em casa em tempos de Sindemia Covídica pode ser entendido como algo que caracteriza uma fuga daquilo que Jorge Larrosa Bondìa comentou, na esteira de Jan Masschelein e Maarten Simons, como sendo a presença de estudantes na escola, um tempo/espaço em que ocorre uma suspensão. Suspensão, porque, na separação da escola com a casa, afastam-se das pessoas que os/as cuidam. Esta suspensão é uma importante experiência de si consigo mesmo (FOUCAULT, 2006a; 2006b). Uma experiência transformadora se entendermos que a transformação é aquilo que nos faz sair diferentes de como entramos, uma experiência em que a passagem pela escola permite que o mundo a ser apresentado passa, agora, por uma instituição que se consolidou nos últimos séculos como um lugar onde estão circulando saberes que são passados por professores e professoras. Os/as professores/as têm a responsabilidade de cuidar daquilo que seus/suas estudantes têm que aprender. Para isso, eles/elas preparam-se para o exercício da docência, estudando, lendo, fazendo cursos, viajando, seguindo as diretrizes curriculares, enfim, exercem a função-educador (CARVALHO, 2014). Na Sindemia Covídica, a suspensão não ocorre e as possibilidades de alunos e alunas passarem pela experiência da suspensão, também não acontece. Não acontecendo isso, as possibilidades para interpretar as coisas do mundo, a partir da escola, ficam interrompidas e interrompe-se a possibilidade de se colocar em confronto a diferentes maneiras de se pensar sobre as coisas do mundo. Interrompe-se também a aula presencial, que é uma relação muito cara no exercício da docência, ou seja, a relação professor/a aluno/a.
Entendo que, mais do que uma multiplicidade de possibilidades para se trabalhar com o ensino remoto, fomos provocados e convocados a fazer uma imersão num universo das mídias digitais que nos colocaram à prova em relação aos modos de racionalidade contemporâneos que têm nos capturado. A alternativa que se apresentou foi a de aprendermos a manejar com as ferramentas que se apresentavam ou, simplesmente, ficarmos imobilizados.
No que se refere à constituição de como operar com o eixo da docência cuidadosa, os deslocamentos do cuidado de si para ensinar o cuidado do outro, em diferentes espaços formativos (escola, universidade, ente outros) entendo que uma possível resposta estaria naquilo que nos coloca numa responsabilidade do “ethos” docente inclusivo e como comenta Dal’Igna (2017, p. 6) que, “[...] problematiza saberes, conhecimentos e pedagogias, mobilizados e produzidos nas áreas de Educação, Formação de Professores e Pedagogia, compreendendo-os como instâncias de produção de identidades profissionais docentes”. Me parece que nesta direção poderemos encontrar outros modos de nos posicionarmos diante da Sindemia Covídica.
A Docência em Tempos de Sindemia Covídica: aulas e lições
Entendo que cabe aqui um breve relato de como foi e está sendo, tanto no espaço escolar como no espaço universitário, o transitar no ensino remoto. Assim que o ensino remoto começou, não posso negar que um grande desconforto passou a tomar conta de mim. Acostumado com a experiencia docente em que a presencialidade é um elemento em que o exercício do ensinar constitui modos de ser e agir consigo e com o outro, a sensação era de que faltava algo. Acostumado a escrever sobre as experiências pedagógicas desenvolvidas, tanto na universidade como na escola pública, tendo como eixos a densidade pedagógica, ethos docente inclusivo, práticas pedagógicas artesanais, enfim, isto que está presente numa matriz de docência cuidadosa, não posso negar que a impressão era de que algo não se amarrava. Até mesmo o exercício de escrever poemas, a partir das aulas que desenvolvo nos níveis de ensino em que atuo, estava interrompido, pois, o princípio que utilizo para escrevê-los é elaborado a partir daquilo que ocorre durante as aulas e a lição que decorre delas. As crianças da escola infantil deixaram de ser atendidas e os vínculos eram estabelecidos, inicialmente, com a criação de vídeos a serem enviados para as famílias, que repassariam para seus filhos/as. Posteriormente, com esta relação estabelecendo-se por grupos de WhatsApp das turmas de crianças. No final, com a abertura de salas de reuniões, para estabelecer contato síncrono. Em se tratando dos desafios da inclusão, nenhum aluno/a participou dos momentos oferecidos na formação de vínculos. Já no ensino superior, com uma estrutura com mais recursos e tendo como alunos e alunas os/as acadêmicos/as do Curso de Educação Física da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), a aula e a lição foram mais bem estabelecidas.
Neste sentido, apresento a seguir um texto que circulou bastante nas redes sociais no ano de 2020 e que mostrava um pouco daquilo que aconteceu em função do ensino remoto.
NÃO HAVERÁ APLAUSOS PARA OS DOCENTES
De um dia para o outro, os professores montaram todo um sistema de educação obrigatória a distância, para continuar a sua missão de vida a partir de casa... Com dedicação!!!!
Materiais? Seu celular e computador privado e pessoal, sua internet, sua luz... pagas do próprio bolso.
Espaços? A sala de sua casa, que a torna pública a desconhecidos, a intimidade de sua casa.
Direitos autorais? Cedidos! Pesquisas, imagem, textos, tarefas...
Exigências? Muitas!!!! Reclamações de todos a todo momento, sem sensibilidade alguma ao esforço súbito a que estamos submetidos! A escola na sala de casa nunca acaba.
Um milhão de e-mails para atender... grupos pelo WhatsApp, chamadas, atendimento personalizado, aproximando-se da função tutorial... reuniões a qualquer hora, mensagens de toda ordem...
Gestores, Alunos, Famílias, Sociedade... nós professores, estamos trabalhando...
Na verdade, multiplicamos por muito as nossas horas de trabalho, pois agora esclarecemos as dúvidas um a um, corrigimos as tarefas uma a uma, sem acréscimo salarial ou mero reconhecimento ou agradecimento por isso... Doamo-nos para além do conteúdo, sem falar sobre as orientações de ordem psicológica, dentro da compreensão de fazer com que os nossos alunos vejam a transcendência do que estamos vivendo...
NÃO HAVERÁ APLAUSOS PARA OS DOCENTES!
Mas, eu aplaudo os professores! Eu aplaudo os meus colegas! Eu aplaudo os professores com todas as minhas forças! Por brindar à educação, o lugar que lhe cabe nesta época de crise...
Fazemos parte da história... Ainda que não sejamos aplaudidos!!!!! Eis aqui um milhão de aplausos para todos nós!
Assim como este texto, é provável que outros escritos puderam acompanhar as angústias, desafios e os modos de exercer a docência em tempos de Sindemia Covídica por parte de professores e professoras. Entendo que, na sua produção discursiva, está presente um sujeito que, ao exercer a docência, está operando com uma mudança radical em relação aos modos de ensinar que, até então, estavam presentes para a maior parte dos/as estudantes de diferentes níveis formativos.
Para estabelecer um viés entre a docência na Sindemia Covídica, olhando para a aula e a lição, entendo ser interessante para pensarmos sobre as pessoas com deficiências, que nos desafiam em relação a sua inclusão, e trazer aqui a obra pedagógica acadêmica do O Mestre Inventor, como uma aula e tomarmos ela como uma lição. No final, tento amarrar a obra pedagógica acadêmica aos desafios da inclusão. Nesta obra pedagógica acadêmica, o autor nos coloca diante dos desafios que estavam presentes num tempo em que se fazia necessário inventar modos de ensinar. Errar, ensaiar, pensar numa educação que estivesse atenta aos excluídos, aos índios, aos pobres, durante um momento histórico em que tudo estava sendo construído “[...] a escola mista e antirracista, a escola dos mais pobres, dos negados, mais além da educação popular, e na volta, o desafio de formar novos cidadãos, os novos republicanos para as repúblicas americanas em nascimento.” (KOHAN, 2013, p. 13). Ao comentar sobre a experiência transformadora pelo qual passou Simón Rodríguez com o encontro com o menino chamado Thomas, Walter Kohan escreve o seguinte:
Enquanto Rodríguez ainda está pensando com as crianças uma solução sem encontrar alternativa, Thomas, um negrinho que sempre os assiste com olhos brilhantes, manifestando vontade de participar do jogo sem atrever-se a pedi-lo, e que tinha acompanhado todo o episódio em silêncio, quase de um salto, e sem respirar, diz a Simón Rodríguez: “Por que as crianças não sobem em seus ombros e uma delas pega o chapéu?”. (KOHAN, 2013, p. 31)
Resolvida a situação e já em casa, começa a refletir sobre o que tinha acontecido e como diz o comentador do livro, esta é uma experiência que irá acompanhá-lo durante a sua vida fazendo aquilo que Veiga-Neto (2011, p. 174) comentou no texto “A Cola” como sendo um recuo em que, “cada vez que faço um recuo no tempo e visito esta minha história, estou empreendendo uma nova interpretação do passado”. Cabe comentar que neste recuo ao visitar a sua responsabilidade e modo de ser e agir, Simón Rodrígues está constituindo-se, pelo que nomeio como docência cuidadosa em que os desafios que ele encontrou no seu tempo, com o processo formativo, o provocam a estabelecer uma relação consigo mesmo e com os outros. O que ele viveu nos mostra que a aurora desse professor moderno, libertador, com influência do iluminismo e da igualdade, constituiu-o um ponto fora da curva das verdades que a escola europeia oferecia aos colonizados.
Nesse “tornar-se” um docente que passa a cuidar de si e a cuidar da formação dos outros, naquilo que Carvalho (2014) nomeou como uma função-educador que o levou a pensar sobre a educação dos excluídos da América, podemos dizer que, quando um menino, “Thomas”, que não frequentava nenhuma escola; resolveu uma situação que apareceu, ao jogarem o chapéu num busto de uma casa e não saberem como recuperá-lo sem chamar a atenção dos proprietários. Surgiu dali o seu compromisso com os excluídos da América (negros, índios e pobres). Para o propósito do que escrevo aqui a pergunta que deixo é a seguinte: em tempos de Sindemia Covidica como o nosso compromisso com a inclusão tem sido garantido?
Interessa aqui mostrar, como uma aula, que este compromisso para com os excluídos da América, na sua lição, carrega uma potência que foi a vida docente de Simón Rodrigues. Walter Kohan nos permite olharmos para uma estética docente da qual Simón Rodriguez está constituído e que, agora, pensando a inclusão em tempos de Sindemia Covídica, nos remete a um ethos, um ethos docente inclusivo.
Trazer aqui o espírito revolucionário de um professor, que ousou pensar uma outra educação para os pobres e excluídos da América, mostra que as tensões existiam e os processos excludentes ainda não tinham sido postos da forma como as escolas estavam estruturadas. Trata-se de uma experiência que nos ensina a olhar o passado com seus modos de uma docência cuidadosa. A ética do cuidado do mestre inventor é uma ética que envolve o cuidado do ensinar, o cuidado de inventar ou errar. Nesta regra, do inventar ou errar, se constitui um modo de ser e agir docente atento àquilo que é necessário para si e para o outro.
Fonte: Obras pedagógicas acadêmicas.
Inventar é uma experiência cuidadora da sua própria formação e da sua ação de ensinar aos alunos e alunas. No campo educacional, isto deveria ser um exercício presente no dia a dia de um professor. Ele deveria em algum momento pensar como iria inventar uma estratégia pedagógica para trabalhar determinados conhecimentos nas suas aulas. Inventar a aula e a lição em tempos de Sindemia Covídica não deixa de ser algo característico de um tempo em que a velocidade com que vivemos nos convoca para estarmos fazendo algo “inovador”, nos convoca a “práticas de sucesso” por meio de uma “docência flexível”, típico da racionalidade neoliberal. Mas inventar também necessita de um tempo mais longo saindo e estando em resistência à racionalidade neoliberal. Necessita de um tempo em que a continuidade de um determinado conteúdo, a sua repetição, encontra uma diferença, porque sempre há algo de novo na repetição. Para inventar, é necessário ser um pouco de artesão, praticar, tentar modos que necessitem de um refinamento, dar uma continuidade aos conteúdos, provocar uma densidade pedagógica, consistente sobre aquilo que será ensinado.
Quando o professor se inventa, ele acessa uma verdade ou, então, coloca em questão outras verdades. Inventar passa a ser um devir-professor, mas, novamente, não é um devir que está desconectado de um tipo de exercício de si consigo mesmo.
O professor é uma figura pedagógica e um mestre, ao mesmo tempo dedicado e bem versado sobre o assunto. Mas também um mestre que faz a escolha consciente de remover seu ofício ou negócio da esfera produtiva, onde ainda tem um retorno claro, a fim de engajá-la e oferecê-la total e exclusivamente como matéria (o assunto por amor ao assunto, o ofício por amor ao ofício). (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013, p. 131).
Podemos perceber, no trecho anterior, o cuidado de si como uma forma de constituição docente que, através de exercícios e modos de ser e agir docentes, conduzem e preparam o professor para o conhecimento, à verdade. Para chegar à verdade (ou às verdades da ação docente), é necessário que o professor se ocupe de si mesmo; é necessário que o professor caminhe.
Nesta experiência da descoberta, o professor ensina o/a aluno/a a reconhecer-se, narrar-se, controlar-se, incluir-se etc., a partir de determinadas práticas. O primeiro exercício faz com que o/a aluno/a se reconheça a partir de uma prática que o posiciona num lugar de aprendiz. É preciso que o/a aluno/a aprenda a cuidar de si enquanto alguém que tem um devir. A relação professor e aluno está posta a partir de um lugar em que o encontro é inevitável.
Fonte:Maurits Cornelis Escher, 1956 (ERNST, 2007).
Olhar para esse quadro de Maurits Cornelis Escher, em que os cisnes estão voando dentro de um espaço que representa a fita de Möbius, torna possível aproveitar o momento de poiésis, de criação do artista, que mostra o cruzamento dos cisnes para colocá-los na função de que voam, se deslocam, fazem a migração para fazer um encontro.
O encontro, aqui, é o do/a professor/a e do/a aluno/a, da aula e da lição. Enquanto a relação docente e discente existir, enquanto o/a professor/a e o/a aluno/a estiverem colocados frente a frente, a trajetória deste infinito não cessará de trazer novas perguntas, de reposicionar os problemas. Aqui, um questionamento: como esta relação tem ocorrido em tempos de Sindemia Covídica?
Talvez perceber que neste processo do cuidado de si e do cuidado do outro, a travessia, enquanto um inventar, é o encontro de um com o outro que coloca em prática o cuidado de si e do outro como uma emergência nos modos de ser e agir docente. Isto pode ser aquilo que me constitui na relação de encontro comigo mesmo ou com outra pessoa. Em cada uma dessas situações, a diferença se manifesta. Porém, é necessário fazer o que os cisnes fazem nesta obra do pintor, ou seja, fazer a travessia, viajar, sair do seu lugar para ir ao encontro do que Larrosa (2004) posiciona como o porvir ainda não conhecido. Este é um movimento que deve ser feito por professores e alunos que estão diante do encontro e da experiência de si consigo mesmo (FOUCAULT, 2006a; 2006b).
O voo dos cisnes repete-se e, a cada vez que os movimentos se cruzam, assim como cada vez que nos encontramos com as experiências pedagógicas, saímos diferentes de como éramos antes ou saímos com alguma coisa que não tínhamos antes, assim como estamos passando pela Sindemia Covídica.
O encontro é este acontecimento de fazer uma reflexão sobre um contexto desta natureza, que nos remete a pensar como podemos potencializar as nossas travessias, a pensarmos o ensino enquanto uma travessia (SKLIAR, 2014). Os caminhos, portanto, não se bifurcam, mas sim se atravessam, para estarem um do lado do outro, um afetando o outro e se constituindo. O professor está nesta posição de ensinar o outro a descobrir o que é, mas também descobre a si mesmo no exercício da docência.
Seria interessante olhar o “inventar” como métodos e exercício de si consigo mesmo para, então, voltar-se ao outro. Esse exercício de si produz uma docência, uma docência cuidadosa. Olhando sob esta perspectiva, afasta-se da armadilha que o culto ao novo e a inovação promovem. Sendo assim, as autoras oferecem a possibilidade de posicionar o “inventar” como algo que movimenta, diferente de promover o pedagógico. No próximo excerto, tensiono a tenuidade entre o inventar ou errar:
Fonte:Obras pedagógicas acadêmicas.
A questão moral e ética que ensina a cuidar de si para cuidar dos outros é que “inventamos ou erramos e que a invenção é o caminho para essa transformação”. Tomar esta orientação de como deve ser um professor na América liberta da colonização espanhola é um modo de vida docente a ser seguida. Novamente, encontra-se aí uma docência que está em travessia para pensar uma maneira de ensinar, ainda não estabelecida nem prevista. A docência não seguia aquele critério que encontramos hoje para certificar o estudante que está buscando um campo de atuação profissional, em que diferentes disciplinas o constituem a partir das diferentes ideias pedagógicas.
O mestre inventor, depois da experiência de uma vida voltada para cuidar de si e dos outros, tende a desaparecer, cair no esquecimento e até mesmo ser excluído do rol das experiências pedagógicas. Porém, o interessante é que a motivação por educar os mais pobres, os índios, os negros, enfim, dedicar-se a uma educação social, reaparece na figura de outros educadores da América Latina, tais como Paulo Freire, entre outros. Preocupações com as questões sociais passam a sofrer um deslocamento de tal forma que, hoje, dedicar-se a uma docência voltada para a educação social, é um ato “revolucionário”.
Se para Simón Rodríguez era necessário que o professor ou a professora inventassem para não errar, pois isto era o que ele trazia no bojo da sua leitura sobre as necessidades dos povos da América Latina, para Paulo Freire a educação era um ato de libertação. A educação social muda alguns sujeitos dos seus focos, mas, apesar das diferenças, ambos os educadores propõem uma educação em que o papel da docência necessita um cuidado de si e cuida dos outros.
Fonte: Google Imagens
A imagem de uma criança pobre e fora da escola é trazida aqui para resgatar uma lembrança que acompanhou a vida de Simón Rodríguez, a de Thomaz. Na constituição da sua função-educador, Simón Rodríguez passa a colocar no seu modo de ser e agir um ethos docente que não aceita a exclusão à qual estão sujeitos os pobres, os índios e os negros. Esta é a cena que passa a chocar Simón Rodríguez, que estava começando a sua vida como educador. A docência cuidadosa corre na mesma direção de um cuidado de si, e enquanto processo, provoca uma ética para si que não enxerga o lugar de Thomaz como algo naturalizado. A imagem anterior, colada ao relato de Simón Rodríguez, nos ajuda ver uma proximidade que caracteriza o relato, ou seja, um dos alunos era uma criança pobre excluída.
Neste exercício de docência da Sindemia Covídica, a história de Simón Rodríguez é uma aula que nos oferece como lição o inventar ou errar. Para pensar a inclusão da Educação Física escolar em tempo de isolamento social é necessário inventar e inventar em resistência à racionalidade neoliberal, inventar num ethos docente inclusivo, inventar em aula de si com o outro, inventar a lição da travessia, inventar em perguntas, inventar o que o pensamento pensa ao ensinar.
Considerações Finais
Finalizando este ensaio, retomo à pergunta feita inicialmente sobre o isolamento social em decorrência da Sindemia Covídica e tento amarrar a inclusão e Educação Física escolar com a obra pedagógica acadêmica do Mestre Inventor.
O isolamento social em decorrência da Sindemia Covídica convoca os/as pesquisadores/as a proporem temas de pesquisa que ajudem a interpretar de que forma são produzidos mais ou menos processos de exclusão ou então, como nós (professores/as) ficamos limitados nas nossas ações em relação às políticas de inclusão. Por este entendimento, pode-se perguntar o seguinte: quem são os Thomas que foram excluídos das aulas no ensino remoto? Quantos deles tinham ou têm alguma deficiência? Quantos estão em vulnerabilidade social? Como pensarmos aulas que produzam sentidos.
Por um lado, a obra do Mestre Inventor remete a um exercício em que a docência cuidadosa está concorrendo com um modo de ser e de agir que emerge com Simón Rodríguez, fazendo com que conceitos que hoje são estudados se façam presentes, com que uma ideia de formação docente apareça e as morais e éticas do cuidado de si nos ensinem a olhar para a obra como uma possibilidade de não ficarmos conformados com uma educação e ensino que já estejam dados. De outra forma, o próprio exercício de docência cuidadosa na Educação Física e inclusão escolar foram colocados em xeque diante do tamanho desafio que se apresentou?
Mas a obra pedagógica acadêmica do Mestre Inventor é uma aula a nos ensinar a inventar outros modos de se exercer a docência. A sua lição é forma como vamos retomar, mais e mais vezes aquilo está presente da vida de Simón Rodrígues e, nos desafios estão por vir, produzir modos outros de planejarmos e desenvolvermos nossas aulas.
Se, a partir do ensaio aqui escrito, já trazíamos algumas coisas a pensar, que agora, ao seu final, possamos pensar outras coisas que ele nos faz enquanto uma aula e uma lição, encerrando com algumas perguntas a serem tomadas por aqueles/as que pretendem se debruçar com os desafios que o presente nos convoca: o que aprendemos, ou, ainda estamos aprendendo com a Sindemia Covídica? Que aprendizagens estamos trazendo na constituição da docência cuidadosa e do ethos docente inclusivo para os desafios de um futuro que se apresenta? Que produção discursiva acompanha o que tem sido nomeado como “novo normal”? Que características específicas, no Brasil, a Sindemia Covídica assumiu para além das questões sanitárias?
Referências Bibliográficas
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Notas
1.Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), nos cursos da Educação Física e Pedagogia. Professor da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre/RS. Membro do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Participa do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Docências, Pedagogias e Diferenças – GIPEDI.
2. Como é o neologismo a ser adotado de empréstimo no decorrer do texto, destaco que, no seu artigo, o autor comenta: “Ela encerra o conceito criado pelo antropólogo-médico estadunidense Merrill Singer, na década de 1990, para designar as combinações sinérgicas entre a saúde de uma população e os respectivos contextos sociais, econômicos e culturais, aí incluídos os recursos disponíveis (hospitais, ambulatórios, medicamentos, especialistas etc.) (p. 4). Mais adiante justifica que: “A criação desse neologismo não significa apenas uma especificidade ou maior adequação entre a terminologia técnica e os novos fenômenos colocados em marcha pela pandemia da COVID-19. Bem mais do que isso, essa nova palavra encerra um conceito poderoso para uma compreensão mais abrangente e refinada dos problemas criados pelo novo vírus e, consequentemente, para um enfrentamento mais efetivo de tais problemas, em termos de reorientar tanto os tradicionais enfoques e procedimentos da medicina clínica, quanto os tradicionais programas de saúde coletiva. Em suma, referir-se à pandemia covídica como uma sindemia é interessante, importante e potente, na medida em que acentua o seu caráter extremamente polimórfico e complexo” (p.5). No andamento do trabalho passo a utilizar o neologismo Sindemia Covídica.
3. Como professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) aprendi e passei a usar cotidianamente a Plataforma Teams para aulas síncronas, organização dos conteúdos no Moodle, estabelecimento de grupos de contado pelo WhatsApp, produção de vídeos
4. Estou me referindo ao trabalho apresentado no XXI Conbrace e VIII Conice no GTT 8 – Inclusão e Diferença, em que acadêmicos/as do curso de Educação Física “comentam sobre a inclusão escolar, como algo que devem assumir enquanto uma responsabilidade, remete a um ethos docente que atua numa rede em que tanto o espaço social, institucional, a diferença e o processo formativo estão convocando os estudantes a assumirem uma atitude que cuide de si em relação ao processo de inclusão” [...] “É este modo de cuidado de si, das práticas escolares, dos pensares docentes, dos jeitos de fazer quando se ensina, que vai se constituindo um tipo de ethos que emerge no processo da formação docente, do exercício de fazer de si que a docência nos remete”. MANDARINO. C.M. O Cuidado de Si em Estudantes de Educação Física em Cartas sobre Inclusão e Diferença. In: Anais. XXI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE e VIII CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 2019, Natal. O que pode o Corpo no Contexto Atual, 2019.
Cabe comentar que este eixo também foi criado por Weschenfelder e Fabris (2019, p.148), em que trata-se de um Ethos Docente (inclusivo), aquilo que “[...] seria constituído por um modo de ser e agir do professor comprometido eticamente com o seu fazer pedagógico e com a justiça social, com um olhar sensível para as diferenças e capaz de transformá-las, sobretudo, em singularidades.” WESCHENFELDER, Viviane Inês; FABRIS, Elí Teresinha Henn. Narrativas de mulheres negras sobre a escola e a constituição de um ethos docente (inclusivo). In: THOMA, Adriana; HILLESHEIM, Betina; SIQUEIRA, Carolina de Freitas Corrêa. (Orgs.). Inclusão, diferença e políticas públicas. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2019. p. 147-163.
5. Entendimento de Docência Cuidadosa retirado da Tese de Doutorado defendida no ano de 2020 (p. 112-113)
6. Lembro aqui, entre outros espaços acadêmicos existentes, dos inúmeros trabalhos que têm sido apresentados no GTT 8 – Inclusão e Diferença nos eventos do Congresso Brasileiro de Ciências do Esportes e Congresso Internacional de Ciências do Esporte (Conbra/Conice), chancelados pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE).
7. Uma coisa que tem chamado a atenção ao pensarmos sobre a docência em tempos de Sindemia Covídica, é que a função docente, com a sua presencialidade, ganhou mais força durante esse período. Se, em algum momento, encontramos uma narrativa defendendo o homeschooling e criticando, principalmente, a escola pública, a correlação de forças empregada pelos grupos empresariais, orientados pelo mercado e a economia, defendem a narrativa de que o ensino é uma atividade essencial.
8. Em muitas postagens, o texto apresentado aparecia como “autor desconhecido”. Fazendo algumas buscas no Google, encontrei como sendo um escrito da Professora Alacoque Lorenzini Erdmann, com a seguinte menção: (Texto da Professora Alacoque Lorenzini Erdmann. Adap). Disponível em: https://girandonovale.wordpress.com/2020/05/31/nao-havera-aplausos-para-os-docentes-professores-montaram-todo-um-sistema-de-educacao-obrigatoria-a-distancia/
9. Neste livro, o comentador Walter Kohan apresenta um educador chamado Simón Rodríguez, o mestre de Simón Bolívar. Simón Rodríguez, numa de suas experiências como professor, passeando com os seus alunos na rua – ou seja, fazendo-os experimentarem os espaços da rua, caminhar por ela –, vivenciou um fato que viria a modificar a sua responsabilidade e modos de ser e de agir na educação, ou como afirma Kohan (2013, p. 34), “[...] vive uma experiência filosófica e pedagógica, de transformação.” Nesta experiência filosófica e pedagógica, entra em cena um menino chamado “Thomas. Podemos dizer que, quando este menino, “Thomas”, que não frequentava nenhuma escola; resolveu uma situação que apareceu, ao jogarem o chapéu num busto de uma casa e não saberem como recuperá-lo sem chamar a atenção dos proprietários. Surgiu dali o seu compromisso com os excluídos da América (negros, índios e pobres). O que deixou intrigado Simón Rodriguez (que neste momento estava na Jamaica), era o fato daquele menino “Thomas”, ficar observando o impasse que ele tinha se colocado com seus alunos quando, mesmo sendo advertido pelo mordomo, resolveu brincar com seus alunos.
10. Pierre Dardot e Christian Laval (2016, p. 17) comentam que a “[...] racionalidade neoliberal tem como característica principal a generalização da concorrência como forma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação. O termo racionalidade não é empregado aqui como um eufemismo que nos permite evitar a palavra ‘capitalismo’. O neoliberalismo é a razão do capitalismo contemporâneo, de um capitalismo desimpedido de suas referências arcaizantes e plenamente assumido como construção histórica e norma geral de vida. O neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência”. – Introdução à edição inglesa.