Comunicação pública da ciência na pandemia: o contexto das ações extensionistas do fórum de licenciatura da UFG
84Resumo:O presente trabalho buscou compreender e diferenciar os significados dos termos “divulgação científica”, "popularização da ciência”, “comunicação pública da ciência” e “extensão universitária”. Além disso, objetivamos compreender como o contexto pandêmico afetou as ações extensionistas que compõem o Fórum de Licenciatura da Universidade Federal de Goiás (UFG). A pesquisa aconteceu em dois momentos interconectados: o primeiro de revisão bibliográfica sobre os conceitos e o segundo com a criação de uma tecnologia, em específico, um programa de podcast, para a divulgação de entrevistas com professores que coordenaram ações extensionistas voltadas para a pandemia de Covid-19 e que estavam vinculadas ao Fórum de Licenciatura. Concluímos que a extensão universitária é de grande importância para a sociedade brasileira como um todo. Também ratificamos que a relação entre a comunidade acadêmica e a comunidade não acadêmica deve ser bilateral e dialógica.
Palavras-Chave:Divulgação Científica. Popularização da Ciência. Comunicação Pública da Ciência.
Introdução
A extensão universitária pode ser definida como uma expressão do compromisso social da universidade com a sociedade, representando o elo entre a pesquisa e o ensino (MARQUES et al., 2020; ROCHA et. al., 2020). Apesar de surgir ainda na Inglaterra do século XIX, no Brasil, esta ideia só começou a ser debatida e desenvolvida na década de 1930 com o Estatuto das Universidades Brasileiras (RODRIGUES et al., 2013; GADOTTI, 2017).
Entretanto, foi somente com a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, que estabeleceu-se a extensão como uma das bases da Universidade Pública brasileira, juntamente com o ensino e a pesquisa (BRASIL, 1988). Desde então, várias resoluções foram publicadas sobre a extensão universitária.
A Resolução nº 7 de 18 de dezembro de 2018, estabelece que a extensão na educação superior brasileira constitui-se como um processo interdisciplinar que busca promover a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e demais setores da sociedade. O documento também afirma que a concepção e a prática da extensão deve ser pautada na interação dialógica entre a comunidade acadêmica com a comunidade externa, promovendo a troca de conhecimentos, além da formação cidadã dos estudantes (BRASIL, 2018).
No contexto da Universidade Federal de Goiás, entre as ações que estimulam a extensão universitária, podemos citar o Fórum de Licenciatura da UFG, que se constitui como programa de extensão e possui projetos, cursos e eventos de extensão vinculadas. O Fórum é uma instância colegiada da Universidade e constitui-se espaço coletivo, consultivo e de permanente debate sobre a formação de professores e trabalho docente, tendo a finalidade de constituir diagnóstico, acompanhamento e a articulação das políticas de formação e trabalho dos profissionais da educação na UFG e no estado de Goiás.
Até o início de 2020, o Fórum de Licenciatura e todas as suas ações vinculadas, bem como a pesquisa e o ensino na UFG, aconteciam de modo presencial. Entretanto, após a pandemia da Covid-19 se disseminar de forma abrupta pelo mundo, as disciplinas e atividades presenciais em andamento foram ofertadas de modo remoto.
A partir desse pressuposto o presente trabalho se propôs analisar os diferentes conceitos relacionadas a extensão universitária e comunicação científica, bem como produzimos um material de divulgação (podcast) para as redes sociais do Fórum de Licenciatura, buscando promover a divulgação das ações extensionistas relacionadas ao período de pandemia e os resultados da presente pesquisa.
85Percursos da pesquisa
O presente trabalho foi realizado em dois movimentos de pesquisa: um de revisão bibliográfica e a criação de tecnologias, em específico, o desenvolvimento de um podcast. A revisão bibliográfica teve como objetivo principal estudar sobre os diferentes conceitos de extensão universitária, divulgação científica, comunicação pública da ciência e popularização da ciência.
Já no movimento de criação de tecnologia, foi produzido sete episódios de um podcast denominado “Café com extensão”, cujo objetivo foi discutir sobre os conceitos estudados no decorrer da pesquisa e realizar entrevistas com os professores que coordenaram os quatro projetos de extensão vinculados ao Fórum de Licenciatura da UFG que discutiram a educação em tempos de pandemia.
Entre conceitos e produções sobre educação em tempos de pandemia
No Brasil, tende a prevalecer um modelo verticalizado de extensão universitária, onde a comunidade acadêmica é detentora do conhecimento e a comunidade não acadêmica, os meros receptores deste conhecimento. Reis (1996) classificou este modelo de extensão como “eventual-inorgânica”. Para o autor, esse tipo de extensão é definida pela “prestação de serviços ou realização de eventos, isolados ou desvinculados do contexto ou do processo ensino aprendizagem e de produção de conhecimento da universidade” (REIS, 1996, p. 3).
Como contraponto a essa visão, Reis (1996) propõe uma extensão processual-orgânica, isto é, uma relação dialógica, dialética e que prevê retroalimentação entre a Universidade e a comunidade não acadêmica. Sobre isso, Catoira (2019, p. 32) afirma que:
Com a noção da retroalimentação as universidades assumem que levam conhecimento na mesma medida em que o buscam nas comunidades, percebem que a sociedade também é espaço de produção do saber, também compartilha e dissemina conhecimento e cultura, assim, horizontalmente, se constitui em parceria, partilha e troca, sendo os saberes produzido tanto pela sociedade, como pela universidade, em conjunto.
No mesmo sentido, Kochhann (2019) afirma que para a sua efetivação, a extensão deve se apresentar de maneira interdisciplinar, estabelecendo diálogos entre o ensino e a pesquisa. Essa relação é importante, inclusive, para a formação dos futuros profissionais, que articulando os conhecimentos do ensino e da pesquisa, constroem novos significados em diálogos com a comunidade externa (CATOIRA, 2019).
Assim como a extensão universitária, diferentes conceitos e modelos de comunicação científica têm sido debatidos no campo teórico. No Brasil, existem três conceitos principais para se referir a comunicação entre a comunidade acadêmica e a comunidade externa: Divulgação Científica, Popularização da Ciência e Comunicação Pública da Ciência. A utilização destes termos depende dos contextos temporais, geográficos e culturais de cada povo (MASSARANI; MOREIRA, 2021). Entretanto, defendendo um modelo dialógico de comunicação científica e de extensão universitária, em nossas pesquisas bibliográficas, buscamos compreender a lógica semântica destes vocábulos.
De acordo com José Reis, o termo “Divulgação Científica” refere-se a veiculação em linguagem acessível, dos fatos e princípios da ciência (REIS, 1964). Na sua raiz etimológica - do latim, Divulgare - o termo “divulgação” assume sentido de difusão, propagação e transmissão. Esse sentido transitivo desvela uma relação de poder onde o divulgador científico é detentor do conhecimento e a comunidade não acadêmica, os meros receptores desse conhecimento. Para Fares, Navas e Marandino (2007) esse modelo que tem como foco a “disseminação do conhecimento” tende a prevalecer no Brasil.
86Já o termo “popularização da ciência” começou a ser utilizado na França do século XIX, mas não teve grande penetração no país, sendo bastante empregado pelos britânicos e por outros povos de língua inglesa (MASSARANI; MOREIRA, 2021). O termo "popularização” no sentido transitivo direto, assume o mesmo significado de divulgar, propagar e disseminar - aproximando-se do modelo unidirecional descrito anteriormente.
Entretanto, alguns autores como Mueller (2005) defendem que a popularização refere-se à transposição de ideias e conceitos científicos para os meios de comunicação populares, sendo esse conceito bastante utilizado nos países latino-americanos, provavelmente por causa das diversas lutas sociais e populares que marcam a região.
Visando uma comunicação dialógica entre a Universidade e a população não acadêmica, defendemos que o termo “Comunicação Pública da Ciência” melhor representa esse diálogo. De acordo com Cuevas (2008) apud Costa, Souza e Mazocco (2010, p. 115) esse modelo dialógico ou democrático de comunicação “busca uma relação de igualdade entre cientistas e público, com ênfase no diálogo entre eles, como pré-condição de uma resolução satisfatória nos acordos a serem celebrados.” Assim, a comunicação pública da ciência reconhece os múltiplos tipos de conhecimento, aproximando-se do modelo processual-orgânico de extensão universitária.
Além da pesquisa bibliográfica, produzimos um podcast para relatar os resultados da pesquisa e conversar com alguns dos professores que coordenam ou coordenaram ações de extensão voltadas para a pandemia de Covid-19. O podcast denominado “Café com Extensão” teve sete episódios. O primeiro episódio, denominado “Entre contextos e processos”, foi uma apresentação do Fórum de Licenciatura, bem como dos objetivos do podcast. O segundo episódio, por sua vez, chama-se “Extensão Universitária: o que é isso, afinal?” e discute a história e importância da extensão enquanto troca de saberes entre a comunidade acadêmica e a comunidade externa. Já o terceiro episódio, “Comunicação, Popularização e Divulgação Científica”, trata do significado destes conceitos e a importância da defesa de um modelo dialógico de comunicação científica.
A partir do quarto episódio, foram realizadas entrevistas com alguns professores para conversar sobre os projetos de extensão que eles coordenam ou coordenaram. No quarto, a conversa foi sobre o projeto “Educação em Tempos de Pandemia: matutar é preciso” com a Profa. Dra. Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar. Já no quinto e sétimo episódio, a Profa. Dra. Elzimar Pereira Nascimento Ferraz foi entrevista, falando sobre os dois projetos que coordenou durante a pandemia: o evento “Desafios no Campo do Estágio” e o curso "Formação Docente numa perspectiva Freiriana”. No sexto episódio, a conversa foi sobre o “Laboratório Digital de Ensino de Licenciaturas” com Prof. Dr. Cristiano Nicolini.
87Considerações finais
O conhecimento científico é um saber construído coletivamente pelo ser humano, sendo um direito de todos e todas. A comunicação da ciência é uma ferramenta que busca quebrar os muros entre a comunidade acadêmica e a comunidade não acadêmica, proporcionando a formação cidadã. No presente trabalho, ratificamos a defesa de um modelo de comunicação científica baseado no diálogo e na relação bilateral entre a comunidade acadêmica e a comunidade externa.
Além disso, por meio das entrevistas realizadas no podcast “Café com Extensão”, conseguimos compreender a importância do Fórum de Licenciatura da UFG, enquanto programa de extensão universitária, e como a pandemia de Covid-19 afetou a dinâmica de quatro ações extensionistas que estão vinculadas ao Fórum. Por fim, concluímos que mais estudos são necessários para avançar nas relações entre comunidade acadêmica e não acadêmica.
Referências
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