Políticas de inserção de tecnologias nas escolas no estado de goiás: um estudo das finalidades educativas
88Resumo:Esta pesquisa buscou compreender as políticas de inserção de tecnologias e sua relação com as finalidades educativas nas escolas no Estado de Goiás. Para tanto, realizou-se uma leitura e análise de sete documentos, sendo seis do governo estadual e um do governo federal. Foi proposto os seguintes componentes de análise para cada um dos documentos selecionados: relação epistêmica com o saber, relação com a realidade, relação com o sujeito (estudante e professor) e relação entre os saberes. A partir das análises, pode-se compreender que na maioria dos documentos, a abordagem é tecnocentrada, ou seja, coloca as tecnologias como centro das relações. O que se percebe, ainda, é a busca pela profissionalização dos jovens, a fim de formar cidadãos preparados para o mercado de trabalho.
Palavras-Chave:Documentos curriculares. Rede estadual de ensino. TIC.
Introdução
As tecnologias de informação e comunicação (TIC) ganharam um espaço notório no meio social e nas relações entre as pessoas e entre as instituições na contemporaneidade. Elas estão sendo discutidas e associadas à educação, de modo alinhado aos ideais neoliberais, sendo perceptível seus impactos nas questões sociais, econômicas e políticas (PEIXOTO; ECHALAR, 2017).
Neste cenário, é necessário compreender quais as finalidades educativas que estão presentes no processo de inserção de tecnologias nas escolas. Libâneo (2019) e Lenoir et al. (2016) discutem as finalidades educativas como um grupo de ideias que orientam as escolas e que direcionam seus valores fundamentais à sua organização. Além disso, é possível identificar as orientações dos sistemas escolares e as suas questões teóricas, além do processo de ensino-aprendizagem, da realidade dos sujeitos e dos interesses da sociedade para com a escola (LENOIR, 2013).
Neste trabalho, realizado no período de 2021-2022, objetivou-se explicar as finalidades educativas presentes nas políticas públicas para a inserção de tecnologias nas instituições escolares no Estado de Goiás. Além disso, buscou explicar como se dá às relações entre os sujeitos e as tecnologias nos documentos oficiais do estado de Goiás sobre a inserção de tecnologias na escola, por meio de uma revisão de literatura; analisar e mapear os documentos estaduais sobre a inserção de tecnologias no ambiente escolar, em uma base analítica para síntese dos dados.
Desse modo, por meio de uma pesquisa exploratória e da análise documental dos documentos estaduais que discutem a inserção de tecnologias nas escolas, almeja-se explicar como se dá às relações entre os sujeitos (estudantes e professores) nos documentos oficiais acerca da inserção das TIC.
89Metodologia
O trabalho pautou-se em uma pesquisa exploratória em sites oficiais do governo estadual e do governo federal, de documentos que discutem a inserção de tecnologias nas escolas e suas relações com a educação, no período dos últimos 10 anos (no período de 2011 a 2021). A busca foi realizada a partir das seguintes palavras-chave: tecnologia e educação; tecnologias nas escolas; alfabetização midiática; tecnologias digitais.
Após selecionados os documentos foram lidos na íntegra e tiveram seus dados coletados a partir dos elementos presentes em uma matriz de coleta de dados desenvolvidas para a pesquisa. A matriz estava organizada com os seguintes componentes de análise: relação epistêmica com o saber, relação com a realidade, relação com o sujeito (estudante e professor) e relação entre os saberes (métodos/teorias de aprendizagem, recursos didáticos e hierarquização dos saberes).
Resultados e discussões
Foram lidos sete documentos na íntegra, sendo seis de âmbito estadual e um de âmbito nacional, sendo eles: duas diretrizes estaduais da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás de 2009 a 2012, o Plano Estadual de Educação de Goiás de 2015, Resolução CEE/CP n. 07/2021 e os dois documentos curriculares para Goiás - etapas ensino fundamental e ensino médio de 2021. Ainda, no âmbito nacional, foi analisado um documento do Ministério da Educação (MEC) - Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017 (Quadro 1).
GOIÁS | |
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Nome do documento | Ano |
Diretrizes Operacionais da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás | 2009/2010 |
Diretrizes Operacionais da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás | 2011/2012 |
Plano Estadual de Educação de Goiás | 2015-2025 |
Documento Curricular para Goiás - etapa Ensino Fundamental | 2021 |
Documento Curricular para Goiás - etapa Ensino Médio | 2021 |
Resolução CEE/CP n. 07/2021 | 2021 |
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC) | |
Nome do documento | Ano |
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) | 2017 |
Fonte: as autoras (2022).
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Na presente pesquisa, realizada durante o período de 2021-2022, constatou-se que as discussões acerca da tecnologia e sua relação com as finalidades educativas na maioria dos documentos estaduais e nacional não é especificada, ou seja, os documentos não consideram todas as questões necessárias que permeiam as relações entre tecnologia e uma educação de qualidade.
Dos documentos analisados, pode-se perceber que dos sete documentos, quatro apresentam uma relação epistêmica com o saber tecnocentrada, dois documentos abordam a relação de maneira antropocêntrica e um documento não apresenta uma discussão acerca das TIC.
Desse modo, nota-se que a tecnologia é colocada no centro das relações no ambiente escolar e, tanto professores, como estudantes e os demais profissionais da educação ficam em segundo plano. Além disso, o neoliberalismo utiliza das tecnologias para intervir na educação, apenas como ferramenta para a profissionalização, objetivando formar cidadãos preparados para o mercado de trabalho. Com isso, as TIC são colocadas como a revolução da sociedade contemporânea, delineando-a e com objetivos mercadológicos (DIAS; PEIXOTO, 2012).
Ainda, a ausência da abordagem sociotécnica, permite a reflexão acerca dos processos que estão sendo conduzidos dentro do ambiente escolar. Peixoto (2012, p. 2) enfatiza a importância dessa abordagem “como possibilidade para a compreensão crítica e contextualizada das relações entre as tecnologias e a sociedade”.
A partir das análises dos dados, observa-se que a realidade dos sujeitos não têm sido prioridade nas discussões dos documentos, reforçando a ideia da tecnologia como centro das relações e reforçando as questões capitalistas.
As TIC são ferramentas importantes na sociedade atual, mas não cabe colocá-las como objeto central de solução dos problemas. A centralidade das TIC e como determinista das relações, exclui diversas realidades, nas quais jovens não têm acesso a computadores, devido a desigualdade social existente, além de problematizações quanto a professores que não possuem formação para lidar com as mudanças no sentido tecnológico (PEIXOTO, 2012).
Ademais, a maioria dos documentos não contemplam a relação entre estudante e entre o professor e não apresentam as relações entre os saberes (métodos/teorias de aprendizagem, recursos didáticos e hierarquização dos saberes). A ausência da discussão detalhada das relações entre os sujeitos e entre os saberes, reforça a concepção das TIC no centro e como elas moldam os sujeitos.
Portanto, apesar de alguns documentos se posicionarem a favor de sujeitos críticos/reflexivos e da formação continuada de professores, o que se expressa é uma busca por essa realidade e essa relação entre os sujeitos de forma idealizada da sociedade do capital.
Bem como, Peixoto (2012, p. 2) evidencia que “a tecnologia é considerada como um sistema autônomo que se desenvolve segundo uma lógica própria que influencia seu contexto”. Dessa maneira, as políticas públicas do estado de Goiás fomentam a tecnologia como objeto de transformação, logo na centralidade das relações, sem os aspectos sociais, históricos e culturais.
91Considerações finais
Nos documentos o que se discute como finalidade é a ampliação do uso de TIC como meio para introduzir a educação na era moderna, modificando os currículos estaduais e nacionais. Entretanto, o produto mostra-se como determinado a partir da infraestrutura técnico-econômica da sociedade, compreendendo a abordagem tecnocentrada (MILLER, 2012). Assim, as tecnologias são colocadas como instrumento autônomo em relação ao uso que delas são feitas (PEIXOTO, 2012).
Além disso, a ausência da abordagem sociotécnica, permite a reflexão acerca dos processos que estão sendo conduzidos dentro do ambiente escolar. Peixoto (2012) enfatiza a importância dessa abordagem como uma forma para compreender a criticidade e o contexto das relações entre as tecnologias e a sociedade.
Desta forma, as TIC estabelecem desafios para a educação, o que leva a necessidade de repensar o processo formativo e desenvolver maneiras de entender e utilizar as TIC para além dessa abordagem baseada na tecnologia por ela mesmo (DIAS; PEIXOTO, 2012). Além disso, a importância de refletir sobre o uso das tecnologias é de não afastar a escola da sua principal função, que é de formar cidadãos humanizados, através do conhecimento científico, da lógica sócio-histórica e cultural.
Referências
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DIAS, Divina Rosângela de Souza Costa; PEIXOTO, Joana. Formação de professores de matemática e o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação: entre uma abordagem instrumental e determinista. Revista Polyphonía, v. 23, n. 2, p. 219-235, 2012. Disponível em: https://revistas.ufg.br/sv/article/view/33923. Acesso em: agos. 2022.
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GOIÁS. Secretaria da Educação. Diretrizes Operacionais da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás 2011/2012. 2010. Disponível em: http://www.educacao.go.gov.br/documentos/Diretrizes2011.pdf. Acesso em: 09 jan 2023.
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GOIÁS. Secretaria da Educação. Plano Estadual de Educação de Goiás. 2015. Disponível em: https://site.educacao.go.gov.br/files/PLANO-ESTADUAL-DE-EDUCACAO-PEE-2015-2025-1.pdf. Acesso em: 09 jan 2023.
GOIÁS. Secretaria da Educação. Resolução CEE/CP N.07/2021. 2021. Disponível em: https://www.cee.go.gov.br/files/CONFIRA-A-RESOLUCAO-DO-CEEGO-QUE-APROVA-O-DCGO-ETAPA-ENSINO-MEDIO.pdf. Acesso em: 09 jan 2023.
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PEIXOTO, Joana; ECHALAR, Adda Daniela Lima Figueiredo. Tensões que marcam a inclusão digital por meio da educação no contexto de políticas neoliberais. Revista Educativa - Revista de Educação, Goiânia, v. 20, n. 3, p. 507-526, dez. 2017.
Notas
1. Estudante de Licenciatura em Ciências Biológicas e Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC) na UFG.
2. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás. Bolsista Capes.
3. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás (PPGECM UFG) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFG.