Educação infantil, tecnologias e o processo de emancipação de classes
71Resumo:Este artigo tem o objetivo de evidenciar a influência das tecnologias na educação e compreender como a criticidade influencia nesse processo na emancipação do sujeito e das classes sociais, em particular, no processo de formação de professores da educação infantil. A fundamentação teórica se apoia pedagógica e epistemologicamente no materialismo histórico-dialético. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica e documental. Conclui-se que foram identificadas imposições ideológicas através dos discursos oficiais influenciando o processo educacional. Os avanços de políticas neoliberais tendem a um movimento de alienação do trabalho docente, fazendo-se necessário trazer este docente a um estado da criticidade, avançando para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, através do papel transformador de uma educação emancipatória.
Palavras-Chave:Educação. Pandemia. Retorno Presencial.
Introdução
A educação assume um papel substancial na contemporaneidade por meio de seu um papel ideológico, político, e muitas vezes, alinhado às políticas neoliberais que atendem necessidades mercadológicas. A educação passa por mudanças conforme a necessidade do homem e da sociedade. Visto isso, é necessário avançar acerca do papel da tecnologia na educação, de forma a contribuir no processo de criticidade humana que nos leva a uma reflexão de classes.
Com as reformas educacionais realizadas na década de 1990, a educação permaneceu alinhada às sombras neoliberais, fruto do projeto capitalista instaurado em um discurso de inovação tecnológica. Conforme o desenvolvimento tecnológico avança globalmente, o consumo desse mercado também avança, tornando-a uma forma de manutenção do capital, desenvolvendo ações que impulsionem o consumo e o mercado de tecnologia.
Diante deste cenário, a educação se alinha à ordem social e à hegemonia das classes dominantes. Logo faz-se necessário trazer o marco das diretrizes orientadas no CNE/CP nº 1/2006, em especial quando tratamos a questão díade entre trabalho e alienação. Lançamos mão de autores como Paulo Freire (1981), Saviani (2013) e Sacristán (2013) para a construção de uma dialética entre currículo, Educação Infantil e tecnologias a partir de uma reflexão crítica da alienação e do trabalho.
Sacristán (2013) nos coloca que o currículo sempre foi alinhado a interesses políticos. Isso é observado partindo do pressuposto que a educação, em ditames neoliberais, atende ao mercado, inscrevendo a formação instrumental em seus currículos escolares.
Junto ao papel de dominação sobre as classes sociais, tem-se as influências do mercado, do capital e do neoliberalismo sobre a educação. No contexto público brasileiro, tais conceitos já se faziam presentes desde a época da Escola Nova (1920), porém apresentados em nova roupagem, a partir de ideais de desenvolvimento de habilidades e competências no processo educativo.
Em um movimento de contraposição a esse cenário, apresenta-se a perspectiva educacional de Paulo Freire (1981) para analisar a questão das tecnologias na construção educacional objetivando uma sociedade mais justa e em busca da emancipação humana. Paulo Freire (1981) explica ser preciso, não apenas denunciar as mazelas causadas pela sociedade capitalista, mas anunciar uma nova estrutura social em um processo revolucionário.
72Por sua vez, Saviani (2013) preconiza a perspectiva da pedagogia histórico-crítica para a emancipação do sujeito. Com vistas a um processo revolucionário, endereçamos a Educação Infantil, pois entendemos que a revolução para uma sociedade com equidade das oportunidades inicia nesta modalidade da educação.
Vivemos entremeio a processos de inserção tecnológica no meio educacional e de reorganização da sociedade de modo a atender às necessidades do projeto neoliberal e capitalista. O resultado disso é um ataque ao processo de lutas e conquistas do âmbito educacional (PEREIRA; EVANGELISTA, 2019). A necessidade mercadológica é observada quando se analisa alguns documentos do Ministério da Educação (MEC), em particular, a Resolução CNE/CP nº 1/2006. O documento afirma que a formação em Pedagogia deve preparar para o “domínio das tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas” (BRASIL, 2006, p. 2).
Seguindo essa linha de raciocínio, temos outros documentos que buscam atender aos interesses do capital, como o documento intitulado “Conectando os pontos para construir o ensino e a aprendizagem do futuro” do MEC, onde defende que o docente deve estar sempre em formação e ser exemplo para seus estudantes, além de incentivar formas inovadoras que apoiem o desenvolvimento profissional (BRASIL, 2017, p. 22). Nesses documentos há uma transferência de responsabilidade ao docente, o culpabilizando pela qualidade do ensino. Observa-se a compreensão do uso das tecnologias no processo formativo dos docentes, principalmente aqueles que atuam na Educação Infantil, uma vez que se trata da etapa inicial da Educação Básica.
No processo formativo, identifica-se a existência de instrumentalização das tecnologias no meio educacional. Malaquias e Peixoto (2016) afirmam que os programas oficiais que ofertam formação continuada com relação ao uso das tecnologias ainda seguem uma visão instrumental, distinguindo as dimensões técnicas e pedagógicas – o que torna essa formação tecnicista pela predominância destas dimensões técnicas.
Partindo desse pressuposto, as políticas públicas governamentais dos últimos anos seguem uma tendência pedagógica tecnicista voltada a atender ao mercado. Ou seja, a educação passou a ser um produto nas mãos dos detentores do capital, afastando-se do objetivo de emancipação (CONCEIÇÃO, 2013).
Neste contexto, de acordo com Hill (2003), espera-se que o professor proporcione aos estudantes habilidades, técnicas, atitudes e conhecimentos que estão ligados diretamente ao interesse capitalista neoliberal. O autor entende o professor como um guardião da qualidade da força de trabalho, avançando para um controle tecnicista sobre a mão-de-obra do professor. Para compreender a síntese que é realizada nesse texto a partir dessas reflexões, retoma-se a Resolução CNE/CP nº 1/2006 em que o “domínio das tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas” (BRASIL, 2006, p. 2).
Ademais, partindo do pressuposto da dialética marxista é possível vislumbrar os interesses tecnicistas com relação ao uso das tecnologias na educação e de que maneiras isso está ocorrendo no processo formativo do professor. Finalmente, contrapondo essa questão, pode-se ir além e entender que esse mesmo professor, estando ciente do seu papel e potencial na sociedade, é capaz de se tornar um guardião da emancipação dos sujeitos e o principal interlocutor na consciência de classe.
73Logo, entendemos o interesse exacerbado de controle do capital sobre o professor (RIKOWSKI, 2001 apud HILL, 2003) é explicado em duas etapas: na primeira etapa é a imposição que o processo de formação de mão de obra que atenda aos interesses capitalistas; a segunda etapa é assegurada a produção do senso-crítico no trabalhador de modo a se emancipar das distinções de classes sociais. Com esse controle do capital sobre a educação e, em particular, sobre a formação em Pedagogia, acaba que se torna um controle rígido sobre o currículo, formação inicial e continuada do professor, influenciando o processo de ensino e pesquisa.
A manutenção da máquina do capital requer a existência de um sistema político e econômico que caminhe com eficiência, com boa estrutura e que forneça uma educação de “qualidade”. Logo, que exerça igualmente a manutenção necessária à máquina e aos interesses das classes dominantes (MÉSZÁROS, 2016). Então, o alcance da transformação social através da dialética somente será possibilitado a partir da compreensão crítica acerca do currículo, distanciando-se de orientações de ordem liberal e entendendo o currículo como um artefato de luta política.
Diante disso, evidencia-se a necessidade de voltarmos às bases e entender a criança como ser um histórico e social que participa ativamente e coletivamente na sociedade na qual se encontra. Sob esse entendimento, conseguimos assimilar que a criança tem suas peculiaridades, de etnia, raça, religião e gênero, o que proporciona uma forma particular de sentir, ver e compreender o mundo, a sociedade e o homem. Ou seja, temos diferentes formas e visões de infância, em que cada espaço cultural e estrutural tende a adotar o seu conceito e visão (BARBOSA et al, 2014).
Na Educação Infantil precisamos inserir as tecnologias através de um trabalho pedagógico com intencionalidade educativa, tendo a compreensão que não devem ser trabalhadas de forma instrumental, mas com uma proposta pedagógica que contribua para a inclusão das pessoas na sociedade (BARBOSA et al, 2014).
Perante o exposto nessa construção dialética, constitui-se a necessidade de formalizar o conceito da escola como espaço de inovação, a partir da compreensão dos autores, “que a escola precisa ser o centro das inovações” (GADOTTI, 2000, p. 38 apud BARBOSA et al, 2014). É importante a leitura pela perspectiva em que a escola atenda a uma inovação pedagógica, desde que não seja utilizada de forma a aumentar as desigualdades sociais. Por outro lado, devemos ter uma visão crítica com relação à afirmação dos autores que a “educação tecnológica deve começar a partir da educação infantil” (GADOTTI, 2000, p. 38 apud BARBOSA et al, 2014), pois ao observar a educação como tecnológica, junto à ideia de que tecnologia é solução dos problemas educacionais, remete-se a um conceito tecnicista e afasta-se da emancipação do sujeito.
Compreende-se, então, que as tecnologias podem auxiliar no processo de emancipação na Educação infantil, de forma a auxiliar a criança na descoberta de suas potencialidades, através vivências, experiências e sendo preparada para a emancipação como um ser crítico.
74Metodologia
Metodologicamente, este estudo de abordagem qualitativa se constitui a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental de caráter exploratório para identificação e análise dos conceitos currículo, alienação, trabalho, emancipação e outros destacados ao longo do texto. Buscou-se, ademais, compreender sobre a influência destes aspectos nas relações entre educação, tecnologias, educação infantil e formação de professores.
Essa reflexão é realizada na análise de documentos oficiais e de revisão de literatura em teses, dissertações e livros com vistas à discussão de conceitos acerca do currículo e de como ele pode influenciar a questão tecnológica na educação.
A pesquisa se encontra em andamento e, tratando-se de uma pesquisa exploratória bibliográfica, optou-se pelo banco de dados de teses e dissertações utilizando descritores, como: Educação, Educação Infantil, Tecnologias, Formação de Professores. Optamos ainda para um melhor embasamento científico lançar mão de obras clássicas, livros que comungassem dessa perspectiva. Tudo isso somado a uma perspectiva epistemológica materialista histórica dialética.
Resultados e discussões
A educação assume um posicionamento político, permitindo aos professores a assunção de um posicionamento. Como aponta Freire (1981), não devemos nos prender a denúncias, mas buscarmos caminhos com vistas à emancipação por meio de uma educação crítica e que apresente caminhos para a revolução.
Diante da discussão realizada, considera-se a importância de um olhar atento à Educação Infantil, compreendendo que ela representa uma etapa importante no processo educacional e que as crianças são protagonistas desse processo. A tecnologia pode ser utilizada como um recurso na educação, principalmente, na Educação Infantil. Porém, tal tecnologia precisa estar articulada com um projeto político-pedagógico que compreenda as necessidades da luta pela emancipação e atente para a consciência de classe via autonomia do sujeito, inserindo-o na sociedade como um sujeito preparado para transformar sua comunidade.
Entende-se que o processo de politização é presente e que o uso das tecnologias não é neutro. Tais conceitos trazem o contexto histórico ligado a uma intencionalidade, portanto, a Educação Infantil tem um papel fundamental para a construção de uma sociedade crítica. É necessária uma reflexão acerca da educação das crianças, que hoje estão sendo influenciadas pelas mídias digitais, e este processo pode proporcionar uma idealização de saberes em um contexto que vai além dos portões da escola (SCHNORR, 2011 apud OLIVEIRA, 2019). Portanto, elabora-se uma concepção sobre a importância da educação para emancipação, principalmente, quando tratamos de tecnologia, pois a infância é baseada em curiosidades, imagens e informações – aspectos ofertados pelas tecnologias e pelo mundo midiático no qual estamos inseridos. É de suma importância para o projeto capitalista que a sua inserção na Educação Infantil esteja alinhada a um contexto tecnicista, de modo a ter maior controle das classes dominantes sobre as dominadas.
Compreendemos, ainda, a tecnologia como um recurso que auxilia na inclusão social do aluno, garantindo acesso à informação de forma crítica e permitindo que a escola seja um espaço de revolução com vistas à emancipação do pensamento, transformando o pensamento ingênuo para o pensamento crítico, tal como defendido por Paulo Freire (1981).
75Referências
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Notas