Andrei Braga da Silva
andreibraga@discente.ufg.br

Elisabeth Cristina de Faria
beth@ufg.br

EIXO
Matemática e Física

Modelagem matemática e interdisciplinaridade: possibilidades e desafios na construção de um projeto de hortas em escolas rurais do distrito federal

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Resumo:Este trabalho versa sobre a pesquisa de mestrado desenvolvida como trabalho final de curso do Programa de Mestrado Profissional PROFMAT do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás. A modelagem matemática mostra-se como importante ferramenta para o ensino nas escolas, pois permite a construção do conhecimento partindo da resolução de problemas do cotidiano e permitindo a inserção do estudante de forma protagonista. Este trabalho tem o objetivo de construir uma proposta para a implantação de hortas escolares, usando a modelagem matemática, promovendo, a partir do trabalho interdisciplinar, a participação de professores de diversas disciplinas em busca de um ensino prazeroso e salutar para o estudante. Realizamos uma pesquisa com professores de São Sebastião-DF, e a partir desses, e com a aplicação do projeto, construímos dois produtos educacionais. O projeto alcançou resultados superiores aos inicialmente propostos, apesar do pouco tempo para aplicação, por causa da pandemia da Covid-19.

Palavras-Chave:Ensino de matemática. Modelagem matemática. Interdisciplinaridade.

Introdução

No ensino de matemática existem alguns conceitos e aplicações que tendem deixar o tradicionalismo do professor como centro do saber, onde ele é o detentor dos conhecimentos, e partem para o aproveitamento dos saberes que os alunos trazem como bagagem, agregando-lhes novos conhecimentos através das formalidades e com aplicação real em seu cotidiano, despertando-lhes o interesse em aprender e não somente em cumprir currículos escolares estanques.

A Modelagem Matemática é uma das estratégias que trazem mudanças conceituais importantes no ensino matemático. Busca quebrar o tradicionalismo conteudista indicando novos caminhos no sentido de envolver o aluno em seu processo de aprendizagem de modo ativo e dinâmico a partir da resolução de problemas reais que envolvem a matemática, fazendo com que o processo de ensino seja mais interessante e motivador para que o aluno se envolva e descubra matemática em suas relações com o mundo à sua volta.

BIEMBENGUT (2020, p. 12,) fala que a modelagem é “o processo que envolve a obtenção de um modelo”. O modelo é o ponto central interligando a matemática e a realidade dos alunos. Para ela a obtenção de um modelo poderia ser considerado um processo artístico, pois além de uma bagagem mínima de conhecimentos matemáticos, teria que ter também uma sensibilidade para interpretar todo contexto com criatividade e ludicidade para jogar com as variáveis envolvidas. Ela afirma ainda que os conhecimentos não poderiam ser limitados pois restringiria para que o modelo construído também seja delimitado a esses conceitos. A modelagem matemática é assim, “uma arte, ao formular, resolver e elaborar expressões que valham não apenas para solução particular, mas que também sirvam, posteriormente, como suporte para outras aplicações e teorias.” BIEMBENGUT (2020, p. 13,)

Outra importante vertente do ensino na educação básica, que procura a construção coletiva do conhecimento é a interdisciplinaridade, que é bem abordada por alguns autores, mas que daremos ênfase neste projeto às teses de IVANI FAZENDA. Essa autora vê a interdisciplinaridade como uma mudança de atitude e não somente um novo modismo centrado num tecnicismo automatizado. Não se trata apenas de um ajuntamento de professores com um tema central que deve ser tratado e ensinado por todos do grupo. Para ela, há novas maneiras de ensinar e lidar com o conhecimento de forma consciente e não somente apoiado na objetividade, levando a subjetividade e suas contradições como relevantes em todos os processos do ensino interdisciplinar.

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Este trabalho tratará de uma pesquisa que partirá da modelagem matemática e convida professores de outras disciplinas, tais como História, Geografia, dentre outras, a fazerem uma atividade com uma perspectiva interdisciplinar. Isso poderia ser natural, dentro de um espaço escolar voltado à educação do campo, desenvolver atividades conjuntas que levem o aluno a compreender o seu processo de formação com atividades integradas e motivadoras. Mas, não é o que se vê nesses espaços escolares. Buscaremos entender os obstáculos a essa prática no cotidiano escolar.

Ao propor um trabalho baseado em um tema que possa agregar os professores de diversas disciplinas a realizar um trabalho conjunto, ainda que possua como ponto de partida a matemática e as possibilidades de modelagem matemática que se apresentarão ao longo das interações e mediações com as demais disciplinas, a questão que se coloca nesta pesquisa busca investigar: como os professores negociam e se integram dentro de uma prática pedagógica interdisciplinar, ao desenvolver os seus conteúdos escolares?

A fim de responder a esse questionamento, o presente projeto consiste, no primeiro momento, apresentar e discutir os resultados de uma pesquisa quantitativa/qualitativa que foi feita com os professores de São Sebastião-DF, que responderam a um questionário on line que visou conhecer as percepções deles sobre a temática "Interdisciplinaridade" e também se a matemática poderia ser útil permeando os demais conteúdos em sua rotina de ensino a partir da Modelagem Matemática, e num segundo momento, apresentar um produto educacional ligado à temática da pesquisa para que professores e estudantes possam utilizar em suas práticas diárias tanto de ensino como de aprendizagem.

O nosso objetivo geral com essa pesquisa foi o de construir uma proposta para a implantação de hortas em escolas rurais usando a Modelagem Matemática, promovendo, a partir do trabalho interdisciplinar, a participação de professores de diversas disciplinas do ensino básico. Por sua vez os objetivos específicos foram: Conhecer as percepções e concepções dos professores sobre a temática "Interdisciplinaridade", considerando pontos positivos dessas práticas e possíveis óbices à sua implantação na rotina escolar, identificar professores de matemática que já trabalharam ou que têm interesse em trabalhar com a “modelagem matemática” como estratégia educacional em projetos no ensino básico e construir um produto/proposta educacional.

Metodologia

A pesquisa se deu em duas fases, dispostas assim: Fase 1) Aplicação de um questionário que buscou o levantamento das percepções e experiências dos profissionais de educação quanto aos temas "Interdisciplinaridade" e “Modelagem Matemática”, e um filtro automático para os professores de matemática, que os levaram a uma página com perguntas específicas. Após esse levantamento inicial, fizemos um diagnóstico/avaliação preliminar dos conhecimentos sobre tais temas e a partir daí traçamos estratégias para a integração desses profissionais no seguimento do projeto; e Fase 2) Construção de uma proposta interdisciplinar de criação de hortas escolares em escolas rurais do Distrito Federal utilizando a modelagem matemática como estratégia educacional central.

Os participantes da pesquisa receberam um e-mail com um convite para participação na pesquisa, esses preencheram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Depois, foi enviado o questionário via plataforma Google Forms para verificar o perfil de cada participante e suas opiniões, experiências e percepções sobre os assuntos objeto deste projeto.

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A aplicação do projeto se deu numa escola pública de ensino médio de São Sebastião-DF, nos horários destinados aos Itinerários Formativos do Novo Ensino Médio, às quartas-feiras. Tive várias conversas com os professores das outras disciplinas que participaram, a fim de colher informações e sugestões, o projeto foi apresentado a todas as turmas de 1º ano do Novo Ensino Médio e depois foi feito uma espécie de sorteio para decidir os noventa alunos que participaram. Daí já no primeiro dia, nos reunimos em sala de aula para dividirmos os grupos que executariam cada uma das tarefas/etapas. Ficou acordado também que após cada encontro eles teriam que produzir relatórios sobre o acontecido e também, escolhemos os três polígonos que seriam construídos, sendo uma circunferência, um hexágono regular e um retângulo. No local escolhido para fazer as hortas, se deram as outras etapas práticas, o primeiro passo foi desenhar o polígono no chão utilizando material alternativo e obedecendo as medidas passadas pelo professor, e em seguida colocar as garrafas pet para delimitar as hortas e com isso fazer aparecer o polígono desejado, depois foi a vez de preparamos a terra para o plantio. Enquanto isso, estavam sendo produzidas sementes e as mudas. As hortas ficaram no ponto de plantar, mas devido a vários casos de Dengue e Covid-19 na escola onde tivemos que interromper os encontros, e ficamos de plantar no segundo semestre de 2022.

Resultados e discussões

A grande maioria dos professores participantes desta pesquisa tem acima de 40 anos de idade e mais de 10 anos de experiência docente, 87% deles são pós-graduados. Todos eles disseram ter conhecimento sobre o tema interdisciplinaridade e apenas um em cada dez não participou de ao menos um projeto dessa natureza em sua trajetória profissional. 78% desses professores já, em algum momento, almejaram capitanear algum projeto dessa natureza em sua escola por entenderem a magnitude pedagógica desta metodologia e quão importante poderia ser sua prática no cotidiano de seus ambientes escolares.

Vê-se que, sem dúvida, a interdisciplinaridade tem grande aprovação entre os professores entrevistados neste estudo, mesmo que uma boa parte enxergue dificuldades para implantá-la em suas práticas pedagógicas diárias devido ao baixo interesse de seus colegas professores ou a falta de preparo pedagógico para tal tarefa. O ensino tradicional baseado no planejamento estanque ainda impera nas práticas cotidianas nas escolas, mas a cada dia impera a necessidade de mudanças para metodologias mais atraentes e que gerem pertencimento aos alunos. As rápidas mudanças tecnológicas e científicas têm afetado diretamente a sociedade transformando-a gradativamente, demandando novas práticas educacionais o que gera grandes desafios aos professores. Esses têm que passar por qualificações continuadas e realmente mudar suas práticas pedagógicas e não mais apenas seu discurso (COUTINHO et al., 2012).

Um ponto interessante observado em nossa pesquisa foi que a falta de tempo para planejar e executar tais projetos e a falta de recursos financeiros/didáticos foram apontados como óbices por apenas 5% dos participantes. Na rede pública de ensino do Distrito Federal, Todos os professores coordenam coletivamente no mesmo dia da semana, isso facilita em muito o planejamento e execução de trabalhos que demandam tempo extraclasse possibilitando o trabalho interdisciplinar.

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Quando os professores foram questionados quanto ao interesse em participar de um projeto interdisciplinar tendo sua área de trabalho como permeadora desse processo, 78% disseram já terem pensado nessa possibilidade; e quanto ao interesse em participar de um projeto no mesmo sentido, mas sendo a matemática a disciplina central, três em cada quatro disseram também se interessar em integrá-lo.

Quando tratamos exclusivamente com os professores de matemática sobre os temas “interdisciplinaridade e modelagem matemática” também verificamos um perfil de professores com bastante experiência (74% com mais de 10 anos de docência e com média de idade de 40 anos). A grande maioria conhece a modelagem matemática desde a formação superior ou por ter se interessado pelo assunto após a graduação. Todos mostraram interesse em trabalhar com o tema, mas uma grande parte deles não se sente apto para capitanear um projeto com essa metodologia.

Mesmo que muitos professores não se sintam preparados para propor ou executar trabalhos interdisciplinares com a modelagem matemática, 100% dos participantes desta pesquisa gostariam de conhecer o modo de saber-fazer-construir utilizando essa metodologia. Os professores motivados em buscar novas formas de ensinar conteúdos com práticas pedagógicas inovadoras, atraentes e que motivem seus alunos, que estão por hora desanimados, mostram-se como uma de suas inquietações, levando-os a se matricularem em cursos de formação continuada.

Então, se há professores com interesse em realizar projetos interdisciplinares (participantes da pesquisa) na rede pública do DF, tempo suficiente em suas jornadas semanais e recursos didáticos/financeiros suficientes, vemos a possibilidade para a implantação desses projetos e que, inicialmente, dependeria de um esforço para o convencimento dos demais atores que se encontram, por algum motivo, desmotivados para esse tipo de prática pedagógica. Percebe-se uma grande oportunidade para a implantação de projetos interdisciplinares como metodologia nas escolas onde esses profissionais trabalham, necessitando de uma melhoria considerável na comunicação e disseminação da magnitude dessa metodologia educacional.

Referências bibliográficas

BIEMBENGUT, M. S. HEIN, Nelson. Modelagem matemática no ensino. 5 ed. 5ª reimpressão - São Paulo: Contexto, 2020.

COUTINHO, R. et al. Percepções de professores de ciências, matemática e educação física sobre suas práticas em escolas públicas. Revista Ciências & Ideias, Nilópolis, v. 4, n. 1, 1-18, jul. 2012.

FAZENDA, I. C. (org.). Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 18 ed. Campinas: Papirus, 2011b.