Juliana Gomes da Silva
julysgomes@hotmail.com

João Carlos de Lima Neto
joaocaarlos@hotmail.com

EIXO
Geografia e História

Reflexões sobre o ensino de geografia e o direito à cidade

56

Resumo: Desenvolver o pensamento geográfico é um dos objetivos do ensino de Geografia. Deste modo, com base no Documento Curricular para Goiás, elaborou-se reflexões a partir dos objetos de conhecimento e habilidades para as séries iniciais, de modo a possibilitar e amplitar a compreensão da cidade entre os estudantes, com temas e conteúdos voltadas à práticas socioespaciais contemplando o direito à cidade. Para tal, o Parque Cascavel em Goiânia-GO foi elencado como lócus de discussão para uma prática cidadã voltada para o ensino de cidade. O estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa. O registro fotográfico do parque em diferentes períodos permitiu ainda compreender a dinâmica da apropriação do lugar de modo a elencar elementos que apontem a quem o parque é destinado, dificultando o uso da cidade por todos.

Palavras-Chave: Ensino de Geografia. Direito à cidade. Séries iniciais.

Introdução

O modo segregador como o espaço urbano tem sido planejado, baseado na apropriação capitalista da terra, revela que o acesso à determinados lugares na cidade é seletivo, impedindo o pleno direito de todos a usufruí-la. Espaços com melhores atrativos, são transformados e refuncionalizados dentro das cidades já que são capazes de agregar valor aos terrenos próximos (GOMES, 2013). Neste contexto, as áreas verdes (quase escassas no espaço urbano), convertidas em parques, são apropriadas por imobiliárias que passam a “vender” os parques como um extensão dos seus empreendimentos. Deste modo, determinados espaços acabaram por se tornar uma mercadoria, carregado de valor econômico, no qual dele pode dispor plenamente, aqueles a quem por ele pode pagar.

Goiânia, conforme Araújo (2021), possui 53 parques urbanos espalhados pela cidade, e que possuem diferenças entre si com relação à estrutura, manutenção, segurança e arborização. Para este estudo, cujo objetivo é compreender como o ensino de Geografia das séries iniciais, fundamentada no Documento Curricular para Goiás (DCGO, 2019), possibilta a compreensão do direito à cidade, com temas e conteúdos voltadas à práticas socioespaciais, destacou-se o Parque Cascavel.

Mesmo sendo um espaço público, o parque atende aos anseios de uma parcela reduzida da população goianiense. Sob esta ótica, entendemos que o espaço urbano é planejado de forma fragmentada impedindo seu pleno uso, como nas áreas verdes urbanas. Estes espaços criados a partir do discurso ambiental e melhoria da qualidade de vida, serve como fonte de lucros para o segmento imobiliário que investe na região. Com base nos apontamentos, enfocou-se temas e conteúdos do ensino de Geografia voltados para a compreensão da cidade e o exercício da cidadania de modo a possibilitar aos estudantes das séries iniciais, elementos para a construção de uma ideia de cidade mais democrática e que garanta o direito à todos de usufruí-la.

Metodologia

O estudo fundamentou-se em pesquisas bibliográficas relacionando os conteúdos das séries iniciais para o ensino de Geografia presentes no DCGO (2019) e produções que enfocaram o tema da apropriação capitalista do espaço urbano, parques urbanos e ensino de cidade. Para compreender melhor a dinâmica do uso e apropriação do Parque Cascavel, foi realizada observações no Parque Cascavel em diferentes dias e horários durante o mês de julho de 2022, contemplando elementos como: manutenção, segurança, iluminação, equipamentos para práticas de atividades física, área infantil e área verde. O registro fotográfico do parque em diferentes períodos, possibilitou compreender a dinâmica na qual o parque está inserido e apropriação espacial ao longo dos anos.

57

Resultados e discussões

Localizado na região sudoeste de Goiânia, no bairro Jardim Atlântico, divisa com o bairro Vila Rosa, a criação da Unidade de Conservação denominada Parque Cascavel foi possível a partir da sanção da Lei n° 7.884, de 18 de maio de 1999 que dispõe sobre a criação do Parque Ecológico Atlântico, posteriormente alterado pela Lei nº 8.810, de 29 de maio de 2009. O parque compreende a região do Macambira/Anicuns, e abriga a nascente do Córrego Cascavel, denominado por isso, de Parque Ecológico Municipal Cascavel. Devido à baixa densidade demográfica apresentada até fins dos anos 2000 e o grande número de lotes vazios próximos à área do parque, agentes do setor imobiliário perceberam o grande potencial econômico que o local poderia oferecer com a valorização e venda de imóveis destinados às pessoas com renda mais elevada.

Neste contexto, por meio de uma parceria entre poder público e privado, amparados pela Lei Municipal nº 8.480, de 2006, que instituiu o Programa Parceria para Revitalização e Recuperação de Rios, Córregos e Lagos da Região Metropolitana de Goiânia, o Parque Cascavel recebeu diversos investimentos para recuperação de sua área degradada. Esta Lei, conforme analisou Resende (2012), abriu a possibilidade de grandes lucros para a iniciativa privada, uma vez que passa a ser dotada de meios legais para intervir na construção de espaços públicos capazes de agregar valor a seus empreendimentos, edificados nas adjacências dos parques públicos ou áreas verdes de Goiânia (figura 01).

Com a revitalização da área, o Parque Cascavel foi inaugurado em agosto de 2009, com uma série de atrativos para a população que inclui: pista de caminhada, playground, sede administrativa com banheiros e bebedouro, iluminação, estação de ginástica, ponte, quiosques, mirante, lixeiras, pet place, mesas e bancos. Em razão dos atributos, o parque se tornou sinônimo de qualidade de vida atraindo um determinado segmento da população para o local com a venda de apartamentos de alto padrão.

Figuras – Parque Cascavel e seu entorno (Goiânia-GO)

Fonte: Autores, 2014 e 2022.

O processo de crescente valorização do lugar, potencializado pelo Parque Cascavel acaba impedindo que o acesso democrático aos bens produzidos não ocorra, cerceando o pleno uso da cidade. O espaço público é o lugar do encontro, do exercício da cidadania. Somente vivenciando a cidade é possível construir uma prática pedagógica em Geografia que possibilite a apropriação de seus espaços (CAVALCANTI, 2012), como os parques. Conforme aponta Cavalcanti (2012), usufruir a cidade é fundamental para a construção da cidadania. As considerações tecidas demonstram a importância do estudo sobre a cidade e seus espaços já que muitos vivem-na de forma marginalizada, tendo acesso a pouco ou nada do que se pode oferecer.

De acordo com o DCGO (2019, p. 214), para as séries iniciais “o componente Geografia tem o objetivo de possibilitar a compreensão do espaço geográfico, propondo aos estudantes pensar, ler e observar a ação humana nos espaços [...]”. Ao longo dos 5 anos das séries iniciais, o documento propõe diversos temas e conteúdos voltados para uma formação da vida cotidiana urbana e apropriação dos seus diversos espaços. Elencou-se alguns conteúdos do 1º ao 5º no qual a temática dos parques poderá ser trabalhada a partir de diferentes enfoques para a formação do pensamento espacial e apropriação da/na cidade.

58
Quadro 1- Componente Curricular de Geografia para as séries iniciais
Unidades Temáticas Objetos de Conhecimento Habilidades
O sujeito e seu lugar no mundo Situações de convívio em diferentes lugares (EF01GE03 - C) Identificar, reconhecer e relatar semelhanças e diferenças de usos do espaço público (praças, parques) para o lazer e para diferentes manifestações.
Formas de representação e pensamento espacial Localização, orientação e representação espacial (EF02GE09-A) Identificar elementos da paisagem urbana, rural, natural e construída da sua vivência através de diferentes tipos de imagens e mapas.
Conexões e escalas Paisagens naturais e antrópicas em transformação (EF03GE04-B) Perceber como a ação antrópica interfere na dinâmica da paisagem do seu município.
Natureza, ambiente e qualidade de vida Conservação e degradação da natureza (EF04GE11-C) Identificar os pontos turísticos do estado de Goiás e reconhecer sua importância para a cultura e qualidade de vida.
Natureza, ambiente e qualidade de vida Qualidade ambiental (EF05GE10-A) Identificar e compreender aspectos de qualidade ambiental em diferentes espaços e a importância de hábitos sustentáveis.

Fonte: DCGO (2019). Organização: Autores.



Proporcionando elementos para a construção do pensamento geográfico que prepare os estudantes para refletirem e buscarem meios onde seja possível transformar a cidade e por ela serem transformados, e, além disso, compreenderem que todos possuem direito à cidade, ao urbano em toda sua extensão, inclusive aos parques localizados em áreas mais valorizadas, será possível construir um projeto de sociedade mais justa e igualitária, com destaque para a formação cidadã e participação na vida pública.

Referências

ARAÚJO, Elis Veloso Portela. Parques urbanos e lagos municipais na Região Metropolitana de Goiânia: uso, conservação e apropriação dos espaços públicos. 2021. 427 f. Tese (Doutorado) - Curso de Geografia, Instituto de Estudos Socioambientais, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021. Disponível em: https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/11795/3/Tese%20-%20Elis%20Veloso%20Portela%20de%20Ara%C3%BAjo%20-%202021.pdf . Acesso em: 03 fev. 2022.

ARRAIS, Tadeu Alencar. A produção do território goiano: economia, urbanização, metropolização. Goiânia: Editora UFG, 2013.

CAVALCANTI, Lana de S. A geografia escolar e a cidade: ensaios sobre o ensino de geografia par a vida urbana. Goiânia: Papirus, 2012.

DOCUMENTO CURRICULAR PARA GOIÁS. 2019. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao /curriculos_estados/go_curriculo_goias.pdf . Acesso em: 09 jun. 2022.

GOIÂNIA (Município). Lei nº 7884, de 18 de maio de 1999. Dispõe sobre a criação e denominação do Parque Ecológico Atlântico, e dá outras providências. Goiânia, GO, 18 maio 1999. Disponível em: https://www.goiania.go.gov.br/html/gabinete_civil/sileg/dados/legis/1999/lo_19990518_000007884.html . Acesso em: 13 set. 2022.

GOIÂNIA (Município). Lei nº 8480, de 19 de setembro de 2006. Fica instituído o programa parceria para revitalização e recuperação de rios, córregos e lagos da Região Metropolitana de Goiânia e dá outras providências. Goiânia, GO, 19 de setembro de 2006. Disponível em: https://www.goiania.go.gov.br/html/gabinete_civil/sileg/dados /legis/2006/lo_20060919_000008480.html . Acesso em: 13 set. 2022.

GOIÂNIA (Município). Lei nº 8.810, de 29 de maio de 2009. Altera o nome do Parque Ecológico Atlântico, localizado no Jardim Atlântico. Goiânia, GO, 29 de maio de 2009. Disponível em: https://www.goiania.go.gov.br/html/gabinete_civil/sileg/dados/legis/2009/ lo_20090529_000008810.html . Acesso em: 13 set. 2022.

GOMES, Marcos Antônio Silvestre. Os parques e a produção do espaço urbano. Jundiaí: Paco editorial, 2013. 176 p.

RESENDE, Ubiratan Pereira de. Dinâmicas e contradições na produção da cidade: análise da especulação imobiliária a partir da implantação do Parque Cascavel. 2012. 134 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Departamento de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012.

Notas

1.Doutoranda em Geografia (IESA/UFG), professora da SME - Goiânia.

2.Doutorando em Geografia (IESA/UFG), professor da Seduce – MT.

3.Segundo Arrais (2013), em pesquisa realizada junto à prefeitura de Goiânia, para o ano de 2010, o município apresentou uma grande quantidade de lotes vazios à espera de valorização. Estes espaços não utilizados acabam por se transformar em fator de acumulação de capital de acordo com a lógica do mercado. Esta lógica segrega uma parcela significativa da população que não consegue ter acesso ao bem em razão do seu baixo poder de compra. Por este motivo, acabam se instalando em áreas periféricas da cidade que possuem pouca ou nenhuma infraestrutura.