Ana Tereza Ramos de Jesus Ferreira
anaramosferreira75@gmail.com

Hélio Rodrigues dos Santos
rodrigueshelio75@gmail.com

Geraldo Eustáquio Moreira
geust2007@gmail.com

EIXO
Formação de Professores (Didática, Didáticas Específicas)

A coordenação pedagógica como espaço de formação em educação matemática

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Resumo:A pesquisa em tela teve como objetivo analisar a formação continuada em Matemática oferecida pelo grupo de pesquisa Dzeta Investigação em Educação Matemática (DIEM) da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB) em uma escola da rede pública do Distrito Federal utilizando jogos e materiais manipuláveis. É um estudo de abordagem qualitativa do tipo exploratório e as informações foram compreendidas sob a lente da teoria Histórico-Cultural. As informações foram coletadas por meio da observação participante e de um questionário elaborado na plataforma Google Forms. Os resultados evidenciaram que muitos professores saem da faculdade sem ter aulas práticas utilizando jogos e recursos manipuláveis, a importância de estabelecer parcerias entre as universidades e as escolas e o fortalecimento da coordenação como espaço de formação continuada.

Palavras-Chave:Coordenação pedagógica. Matemática. Formação continuada.

Introdução

O ensino e aprendizagem da Matemática tem se constituído um grande desafio para a educação brasileira, pesquisadores como Sandes e Moreira (2018) discutem os obstáculos enfrentados por professores que atuam nos anos iniciais para ensinar a Matemática e quebrar esse estigma que repousa sobre essa disciplina que é fundamental para a constituição de qualquer pessoa.

A articulação dessas ideias nos leva a falar sobre a formação inicial e continuada dos professores. O trabalho docente, conforme afirma Freire (2021) é técnico, demandando estudo e pesquisa. Em vista disso, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), onde o regime de trabalho dos professores se configura em cinco horas de regência e três de coordenação, reserva as quartas-feiras em todas as escolas da rede para a coordenação coletiva que consiste em um “[...] espaço e tempo primordiais de formação continuada. São compostos por atividades de estudo, planejamento e avaliação dos trabalhos desenvolvidos na e pela escola [...] a coordenação pedagógica se reafirma como espaço de diagnose, reflexão, elaboração” (DISTRITO FEDERAL, 2014, p. 28-30).

Nessa linha de pensamento, o grupo de pesquisa Dzeta Investigação em Educação Matemática (DIEM) da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB), estabelece parcerias com as escolas da rede para dar formação continuada, pois “a formação de um professor de Matemática requer o desenvolvimento de uma atitude de procura permanente de conhecimento” (MOREIRA, 2020, p. 7) utilizando jogos e recursos manipuláveis os quais favorecem a aprendizagem de estudantes com Necessidades Educativas Específicas (NEE) e com desenvolvimento típico dado que podem desfrutar do clima de jogo de sala de aula, o qual pode promover autonomia, engajamento e disponibilidade por parte dos envolvidos (FERREIRA, 2021).

O uso de jogos no ensino e aprendizagem está posto na literatura e autores como Novaes (2006) e Brougère (1998) defendem o uso pedagógico deles e em relação ao uso de material manipulável. Nesse sentido, concordamos com Nacarato (2005, p. 5) quando afirma que não basta apenas utilizar o material e sim “[...] a forma como esses materiais são utilizados e os significados que podem ser negociados e construídos a partir deles.”

Com efeito, o convite feito pela direção de uma das escolas da rede para realizar uma formação com seus professores, os quais trabalhavam em regime de contratação temporária e tinha pouca experiência em sala aula, veio ao encontro dos objetivos do grupo que visa fomentar uma “[...] cultura profissional colaborativa e de aperfeiçoamento contínuo” (MOREIRA, 2020, p. 7).

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Destarte, traçamos como objetivo para essa formação sugerir e vivenciar jogos e atividades para serem trabalhados nas aulas de Matemática em turmas do 1º aos 5º anos dos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF) no ensino presencial.

Metodologia

A pesquisa em tela é fruto do trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa DIEM, é um estudo de delineamento qualitativo do tipo exploratório e as informações foram interpretadas por meio da teoria Histórico-Cultural, a qual considera que a “pesquisa não consiste simplesmente em descrever a realidade mas em explicá-la, isto é, na busca de aprender os sentidos construídos pelos sujeitos, importa a compreensão das forças fundamentais que os constituíram, de seus determinantes” (FREITAS, 2022, p. 5-6).

A escola pertence à SEEDF e localizasse em uma região central de Brasília, atende cerca de 480 alunos e como prevê a Lei n° 3.218, que preconiza que todas as escolas da rede são inclusivas, atende 13 estudantes com deficiência e Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A formação aconteceu no dia 06/04/2022 nos turnos matutino e vespertino, envolvendo 16 professores que atuam nos anos inicias em turmas do 1º aos 5º anos do EF. A média do tempo de atuação profissional do grupo de docentes é de nove anos, sendo que o mais novo tem dois meses e o mais experiente possui 20 anos de sala de aula. Foram três horas de formação em cada período abordando os seguintes conteúdos: noções de multiplicação, sistema monetário, resolução de problemas, interpretação de gráficos, contagem, valor relativo e absoluto, figuras geométricas planas e especiais, localização espacial e sistema decimal.

Os jogos e materiais manipuláveis foram: Geoplano, Tangram, Jogo do Mercadinho, Torre Uno e jogo Uno, jogo do endereço, jogo batalha de números, encarte de supermercado, jogo Nunca 10, fichas escalonadas, Quadro Valor de lugar, tapetinho, Escala Cuisinaire, sólidos geométricos, jogo Qual é o diferente, jogo Qual é o segredo? Jogo do Hexágono, jogo dos pratos, livro Os problemas da Família Gorgonzola, de Eva Furnari.

A formação aconteceu na sala dos professores da escola, organizada em quatro ilhas, cada uma com um jogo e os docentes faziam rodízio entre as mesas. Cada mesa tinha um formador que explorava o recurso com o professor, indicando possibilidades e estimulando o professor a explorar o material e propor outras maneiras de utilizar aquele jogo ou recurso. Desta forma, foram apresentados, pelo menos oito jogos/materiais manipuláveis, para cada professor, uma vez que após completar o primeiro circuito os jogos de cada mesa foram substituídos. Em um primeiro momento, falamos ao grupo de maneira coletiva, solicitando a disponibilização e engajamento de todos e logo em seguida iniciamos o trabalho nas ilhas. Para a coleta das informações utilizamos a observação participante e ao final da formação foi enviada uma avaliação elaborada no aplicativo Google Forms aos docentes.

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Resultados e discussões

O uso de diferentes estratégias em sala de aula se constitui como uma obrigação por parte do docente, tendo em vista que o desenvolvimento se dá de maneira diversa, logo ao fazer um trabalho diversificado todos os estudantes podem ser contemplados, uma vez que “não há como desconsiderar a complexidade da sala de aula” (NACARATO, 2005, p. 5) e isso demanda conhecimento por parte do professor e em nossa oficina 30% dos participantes afirmaram não terem tido contato com o uso de jogos ao longo da graduação. Esse fato solidifica a importância da parceria de grupos de pesquisas das universidades com as escolas, complementando a formação dos professores, uma vez que a formação na graduação pode ser “[...] deficitária e pouco eficiente para a realização de um trabalho pedagógico de qualidade” (SANDES; MOREIRA, 2018, p. 102).

Os estudos de Freire (2021) revelam a importância da pesquisa para o trabalho docente, afirmando que são indissociáveis. Desta forma, espaços coletivos de estudo devem ser valorizados e utilizados e, para tanto, tal reflexão é ratificada tendo em vista que a avaliação dos professores sobre a oficina apontou aprovação unânime e os pedidos de retornar para uma nova formação, com mais ênfase por parte dos professores que estavam atuando há menos de cinco anos na rede atingiu metade do grupo.

Uma das perguntas do formulário indagava sobre a concepção dos professores sobre o uso de jogos:

Os jogos podem despertar o prazer pelo estudo da matemática enquanto desenvolve o raciocínio lógico e demais habilidades necessárias para seu aprendizado. Os vínculos criados nas interações durante os jogos ajudaram também no desenvolvimento da criança.

Destacamos na fala do docente os vínculos criados nas interações, pois um dos alunos da escola diagnosticado com autismo e Altas Habilidades/Superdotação, matriculado no 2º ano, com sete anos de idade, fugiu de sala de aula (comportamento relatado como recorrente) e entrou na sala dos professores demonstrando estar bastante nervoso, ele se sentou em um canto e aos poucos foi convidado por uma das formadoras a participar dos jogos e a mudança da atitude dele foi visível, ele negociava, brincava, se divertia e simultaneamente aprendia, interagindo com os professores de cada ilha que passava. Esse episódio vai ao encontro da afirmação de outro docente: Porque as crianças veem o jogo como diversão.

Realmente, não podemos esquecer que o público-alvo dos anos inicias é formado por crianças entre seis e 10 anos e ao propor este tipo de estratégia estamos resgatando também o direito dos alunos brincarem. Dos professores que participaram da oficina, em torno de 40% marcaram usar jogos algumas vezes, muito embora todos do grupo marcaram considerar o uso de jogos como importante para a aprendizagem. Desta forma, eles reconhecem a importância, contudo não usam com frequência. O uso de jogos em sala de aula suscita a autonomia, a troca, a negociação e assim como na formação, as vozes se alteram, a risada tem presença constante e o ambiente passa a ser dominado pelo clima de jogo (BROUGÈRE, 1998). Entretanto, alguns professores ainda têm dificuldade em lidar com esse ambiente e, talvez, em razão disso, embora reconheçam a importância do mesmo preferem não os utilizar.

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Outro ponto que destacamos foi a exploração do Quadro Valor de Lugar e as fichas escalonadas, quando quatro professoras afirmaram que não conheciam o recurso e demonstraram bastante satisfação em conhecer o instrumento que poderia facilitar bastante o trabalho com o conteúdo sobre o valor posicional dos algarismos.

Um dos pedidos da direção da escola foi explorar os materiais da caixa matemática: material dourado, fita métrica, régua, palitos, calculadora e compasso, itens solicitados na lista de material no início do ano letivo. Nesse sentido, concordamos com Nacarato (2005, p. 5) quando afirma a importância de se buscar subsídios teóricos para o uso de materiais manipuláveis, porque

Nenhum material didático – manipulável ou de outra natureza – constitui a salvação para a melhoria do ensino de Matemática. Sua eficácia ou não dependerá da forma como o mesmo for utilizado. “Não é o uso específico do material concreto, mas, sim, o significado da situação, as ações da criança e sua reflexão sobre essas ações que são importantes na construção do conhecimento matemático” (SCHLIEMANN; SANTOS; COSTA, 1992, p. 101).

Nessas considerações, a preocupação da direção em providenciar a formação para os professores demonstra responsabilidade social e compromisso com a comunidade escolar, já que, embora esteja localizada em uma região central, os alunos da escola são de diversas regiões administrativas do Distrito Federal e até mesmo do estado de Goiás. Portanto, solicitar um material e não fazer uso dele, para nós, é um crime!

Ferreira e Santos (2022) afirmam que a formação inicial, como o nome diz, é apenas o começo da jornada pedagógica, ela deve continuar ao longo da carreira docente por meio de cursos, formações, oficinas, especializações entre outros.

Considerações finais

Nosso objetivo foi analisar a formação continuada em Matemática oferecida pelo grupo de pesquisa Dzeta Investigação em Educação Matemática (DIEM) da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB) em uma escola da rede pública do Distrito Federal utilizando jogos e materiais manipuláveis e, ao longo da nossa jornada, constatamos que pedagogos que ensinam Matemática saem da faculdade sem conhecer recursos como o Geoplano, Tangram e o Quadro Valor de Lugar; e que muito embora reconheçam a importância do jogo, os professores pouco utilizam estes recursos em sala de aula.

A luta por uma educação de qualidade, libertadora e que contribua para a construção de uma sociedade equânime demanda investimento em políticas públicas que fiscalizem o repasse de verbas e garantam que elas cheguem efetivamente às escolas, assegurando uma merenda equilibrada, salas de aulas equipadas, mobiliário adequado e prédios em condições de receber pessoas.

Ainda mencionamos que uma educação de qualidade implica em investimento também na formação docente inicial e continuada, em estabelecer parcerias entre as secretarias de educação e as universidades e seus respectivos grupos de pesquisa, proporcionando à escola a formação necessária e aos grupos o locus de pesquisa, como foi o caso, gerando conhecimento com possibilidades de diversificação do trabalho docente.

Agradecemos ao Grupo de Pesquisa Dzeta Investigações em Educação Matemática (DIEM); à Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF); à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF, Edital 03/2021, Demanda Induzida) e aos Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (PPGE/UnB, Acadêmico e Profissional) pelo apoio.

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Referências

BROUGÈRE, G. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

DISTRITO FEDERAL. ______. Lei n° 3.218, de 05 de novembro de 2003. Dispõe sobre a universalização da educação inclusiva nas escolas da rede pública de ensino do Distrito Federal. Disponível em: http://www.tc.df.gov.br. . Acesso em: 21 jul. 2022.

______. Diretrizes Pedagógicas para Organização Escolar do 3º Ciclo para as Aprendizagens. Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, Brasília, 2014.

FERREIRA, A. T. R. J. O ensino remoto e uma estudante com autismo: uma experiência na educação inclusiva. In: V Congresso Brasileiro de Alfabetização, 2021, online. Anais [...]. Florianópolis. Disponível em https://eventos.udesc.br/ocs/index.php/V_CBA/ppr/paper/viewFile/1150/1098. Acesso em: 18 ago. 2022.

FERREIRA, A. T. R. J.; SANTOS, H. R. As contribuições das oficinas pedagógicas para a formação inicial de professores que ensinam Matemática. In: XIV Encontro Nacional de Educação Matemática. Edição Virtual, 2022. Anais [...] (não publicado).

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 71. ed. São Paulo: Paz E Terra, 2021.

FREITAS, M. T. A. A pesquisa qualitativa de abordagem histórico-cultural: fundamentos e estratégias metodológicas. Disponível em: http://30reuniao.anped.org. br/minicursos/ementa%20do%20minicurso%20do%20gt20%20.pdf . Acesso em: 23 de fev. 2022.

MOREIRA, G. E. (Org.). Práticas de Ensino de Matemática em Cursos de Licenciatura em Pedagogia: Oficinas como instrumentos de aprendizagem. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2020.

NACARATO, A. M. Eu trabalho primeiro no concreto. Revista de Educação Matemática – Ano 9, n. 9-10 (2004-2005), 1-6. ©Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Disponível em: https://pactuando.files.wordpress.com/2014/08/eu-trabalho-primeiro-no-concreto.pdf. Acesso: 28 fev. 2022.

NOVAES, Luiza Helena Vinholes Siqueira. Brincar e aprender: quem quer saber? O brincar como instrumento pedagógico no hospital. Pelotas: EDUCAT, 2006.

SANDES, J. P.; MOREIRA, G. E. Educação matemática e a formação de professores para uma prática docente significativa. Revista @mbienteeducação. São Paulo: Universidade Cidade de São Paulo, v. 11, n. 1, p. 99-109, jan./abr. 2018.