Cleibianne Rodrigues dos Santos
cleibiannematematicainclusiva@gmail.com

Claudio Roberto Machado Benite
claudiobenite@ufg.br

Roberto Barcelos Souza
robertobarcelos8@gmail.com

EIXO
Educação (Educação Ambiental/Educação Especial/Educação Intercultural/Educação no Campo/EJA/ EAD)

Educação de surdos no Brasil: uma reflexão acerca da políticas públicas inclusivas que reconhecem a Libras como língua

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Resumo:Resumo: Esta pesquisa é de caráter exploratória e apresenta uma análise de conteúdo, segundo Bardin (2016), da Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 que reconhece a Libras como língua e do Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005 que dispõe sobre a Libras. Questionamos, então: as políticas de inclusão, nos termos que são propostas, contribuem para diminuir os impactos das desigualdades que historicamente constituem a educação dos sujeitos considerados com deficiência auditiva? Concluímos que as políticas inclusivas podem contribuir para diminuir os impactos das desigualdades que historicamente constituem a educação dos sujeitos considerados com deficiência auditiva, porém, isso dependerá da efetiva implementação destas políticas.

Palavras-Chave:Libras. Inclusão. Bilinguismo.

Introdução

O objetivo desta pesquisa é apresentar um estudo crítico-reflexivo frente às políticas de inclusão para alunos com surdez no Brasil no tocante ao ensino bilíngue Português/Libras procurando compreender os processos pelos quais se articulam à Educação Especial. Diante desse contexto, propusemo-nos analisar a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 que reconhece a Libras como língua e o Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005 que dispõe sobre a Libras.

Questionamos, então: As políticas de inclusão, nos termos que são propostas, contribuem para diminuir os impactos das desigualdades que historicamente constituem a educação dos sujeitos surdos?

Metodologia

Este capítulo foi delineado através de uma pesquisa documental tendo como técnica reflexiva a análise de conteúdo de Bardin (2016). Segundo Bardin (1977, p. 126), “a primeira actividade consiste em estabelecer contacto com os documentos a analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações”. Compõem o corpus desta pesquisa a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 e o Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Definimos a priori 2 unidades de registro das quais extraímos 13 categorias de análise e observamos a frequência em que elas aparecem nas políticas públicas educacionais supracitadas que compõem o corpus desta pesquisa.

Resultados e discussões

A lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002

A lei 10.436 reconhece a Libras como língua e estabelece a inserção da disciplina de Libras nos cursos de formação de Educação Especial, Magistério, Fonoaudiologia nos níveis médio e superior no Brasil (BRASIL, 2002). É um marco importante para a comunidade surda que utiliza a Libras como meio de comunicação. A tabela 1 indica o conteúdo sobre Educação Especial presente na Lei 10.436, de 24 de abril de 2002.

Tabela 1- Unidade de Registro: Lei 10.436
Categorias Frequência
1 - Portador de deficiência/Portador de Deficiência auditiva 1
2 - Educação Especial 1
3 - Surdos/ Comunidades de pessoas Surdas 2
4 - Libras 6
5 - Meio de comunicação 2

Fonte: Elaborada pelo autor



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As categorias Portador de deficiência/deficiência auditiva e Educação Especial aparecem apenas uma vez nessa lei e o conteúdo principal desta lei é o reconhecimento da Libras como língua, a categoria Libras aparece seis vezes, já as categorias surdos/comunidade de pessoas surdas e meio de comunicação ocorrem duas vezes cada. Nos resultados evidenciam que essa frequência se torna expressiva em virtude de que esta lei está expressa em apenas uma lauda. A comunidade surda, após longo histórico de tentativas de apagamento da sua cultura e da sua língua, teve a Língua Brasileira de Sinais (Libras) reconhecida como:

meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002, p. 1).

Os documentos históricos apontam que em 1856 a Libras já era mencionada como língua. O reconhecimento legal da Libras como língua, embora tardio, marca o direito do surdo brasileiro de utilizar sua língua natural em quaisquer espaços, sem receio de ser proibido como aconteceu na história da educação dos surdos e, também, marca a liberdade de expressão de uma cultura gestual-visual em uma sociedade que utiliza massivamente a língua oral (QUADROS, 2017).

O Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005

O Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005 regulamenta a Lei 10.436, de 24 de abril de 2002, em relação a inclusão de Libras como disciplina curricular nos cursos de formação de professores e outros, também aborda o uso e difusão da Libras (BRASIL,2005). A inclusão da disciplina de Libras nos cursos de licenciatura foi um grande avanço desde a implementação desse Decreto, isso porque professores estão tendo a oportunidade de aprender ainda em formação inicial sobre Libras e sobre os processos históricos que culminam na inclusão de alunos com surdez. Porém, é consentâneo que:

Levando em conta que em nosso país, a política educacional inclusiva foi imposta num contexto de escola organizada para promover a exclusão dos alunos com NEE. Desta forma, é fundamental que o processo de formação possibilite aos professores identificar os mecanismos escolares que geram a exclusão, bem como conhecer os processos que favorecem a organização de uma escola inclusiva, especialmente nos aspectos referentes à gestão escolar, à organização curricular e à avaliação de desempenho (VITALINO, 2010, p. 53).

É notório que ainda existe um lapso na formação de professores relacionado à formação para a diversidade da sala de aula, pois ao se defrontarem com a realidade se depararão com alunos com deficiências, transtornos, altas habilidades, diferentes etnias, culturas etc... Como incluir esses alunos sem conhecer as suas especificidades?

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A tabela 2 elenca as categorias encontradas no Decreto 5.626 e a frequência das mesmas.

As categorias direito à educação/ acesso à educação e escola bilíngue/classe bilíngue/ professor bilíngue aparecem sete vezes. Se tratando de alunos surdos, essas categorias possuem conexão com as categorias professor surdo/instrutor surdo, educação inclusiva/escola inclusiva/inclusão, português como segunda língua e tradutor intérprete de Libras/ Português, que ocorrem quatro, duas, oito e dez vezes, respectivamente. Elas mostram que a Lei expressa o direito à educação dos surdos em sua própria língua, seja através de escola ou classe bilíngue.

Tabela 2- Unidade de Registro: Decreto 5.626
Categorias Frequência
2 - Educação Especial 3
6 - Direito à educação/acesso à educação 7
8 - Educação inclusiva/ escolas inclusivas/Inclusão 2
9 - Escola regular/classe regular/ sistema regular 1
10 - Necessidades educacionais especiais/necessidades especiais 1
11 - Treinamento e capacitação/ Formação de professores para atuarem na Educação Especial 11
12 - Linguagem de signos/singularidade linguística 3
13 - Surdos/ Comunidades de pessoas Surdas 38

Fonte: Elaborada pelo autor



A categoria pessoa com deficiência/ deficiência auditiva aparece quinze vezes nesse Decreto. É importante notar que nesse decreto está ausente a expressão portador de deficiência, afinal este termo não condiz com a realidade das pessoas com deficiência. As categorias educação especial, linguagem de signos/singularidade linguística e atendimento educacional especializado, ocorrem três vezes cada no texto do Decreto. Já as categorias escola regular/ classe regular e necessidades educacionais especiais/ necessidades especiais aparecem uma vez apenas cada uma. A categoria treinamento e capacitação/ formação de professores para atuarem na educação especial aparece onze vezes, o que indica que esta era uma necessidade latente da educação de surdos no momento do Decreto, mas reiteramos que embora já tenha se passado mais de uma década e meia a carência de professores com formação para atuarem na Educação Especial ainda existe.

Nesse Decreto, as categorias surdos/comunidades de pessoas surdas e Libras ocorrem de maneira mais expressiva, trinta e oito e sessenta e sete vezes, respectivamente. A comunidade surda é constituída por pessoas que utilizam a Libras como língua e se reconhecem como pertencentes à cultura surda.

O Decreto Nº 5.626 especifica como a Libras deve ser difundida no sistema educacional, o direito do aluno surdo de uma aprendizagem bilíngue e explicita o papel dos diversos atores deste processo, os professores, intérpretes, professores de Libras, também aborda as medidas do governo para a formação de profissionais intérpretes de Libras/Português.

A inclusão de alunos surdos na escola regular propicia a interação social com a diversidade que compõe a sala de aula, e para os demais alunos a possibilidade de conhecer a cultura surda e vivenciar experiências visuais através da Libras, a língua utilizada pela comunidade surda.

A pesquisa evidencia que a Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002 e o Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, podem contribuir para diminuir os impactos das desigualdades que historicamente constituem a educação dos surdos, desde que sejam colocados em prática de maneira efetiva.

Sabemos que no Brasil a implementação de políticas públicas ocorre a lentos passos, mas vislumbramos que a educação bilíngue nas próximas décadas ganhará robustez, uma vez que se tornou modalidade de ensino no ano de 2021, com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) por meio da Lei Nº 14.121 de 3 de agosto de 2021 (BRASIL, 2021).

Destarte é imprescindível garantir aos surdos que sejam escolarizados tendo como primeira língua de instrução a Libras, através de escolas ou classes bilíngues, já na sala de aula regular devem ter a mediação do intérprete de Libras além de acesso à sua língua materna através de um instrutor preferencialmente surdo.

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Referências

BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da República do Brasil. Brasília, 1996.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 02 mar. 2018.

BRASIL. Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais- Libras e dá outras providências. Diário Oficial da República do Brasil. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm. Acesso em 02 mar. 2018.

BRASIL. Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a lei 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre Língua Brasileira de Sinais-Libras, e o art. 18 da lei 10.098, de 19 de novembro de 2000. Diário Oficial da República do Brasil. Brasília, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em 2 mar. 2018.

BRASIL. Lei Nº 14.121, de 3 de agosto de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. Diário Oficial da República do Brasil. Brasília, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14191.htm. Acesso em 7 set. 2022.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.

QUADROS, R. M. Língua de herança: língua brasileira de sinais. Porto Alegre: Penso 2017.

VITALINO, R; MANZINI, E. J. A formação inicial de professores para inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. In: Formação de professores para a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. (Org.) VITALINO, R. Londrina: EDUEL, 2010, p. 49-112.

Notas

1.Doutoranda pelo programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás (Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás-FAPEG).

2.Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás, Goiânia-Go, Brasil.

3.Professor Doutor do Curso de Graduação em Matemática (UEG) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (UEG), Coordenador do Câmpus Sudoeste da UEG – sede Quirinópolis, Quirinópolis-Go, Brasil.

4.Compreendemos Educação Especial como uma modalidade de ensino ofertada para alunos com necessidades educacionais especiais, conforme definido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).