Carla Ramirez Albuquerque Barbosa
bom.dia@live.com

Soraya Vieira Santos

EIXO
Psicologia

A Concepção de Emoção nos Programas de Educação Socioemocional

88 próxima página

Resumo: As emoções nem sempre foram foco na Psicologia, foi necessário um processo para que adentrassem esse campo e passassem a ser estudadas com uma perspectiva científica. Henri Wallon se tornou uma referência nesse aspecto, por estudar a afetividade e sua função, compreendendo as emoções em uma relação intrínseca com a cognição. Aos poucos as emoções têm ganhado espaço no ambiente escolar e é crescente o número de materiais de educação socioemocional que têm surgido para a Educação Básica. Assim, a pesquisa tem como objetivo compreender a concepção de emoção nesses materiais e assimilar as possíveis consequências disso para o aluno. A metodologia utilizada foi o estudo documental, tendo sido construída uma Ficha de Análise para identificação de dados nesses materiais. Identificou-se falta de clareza quanto ao conceito de emoção e de educação socioemocional, sendo que estes são associados a temas como pensamento crítico, autoconhecimento, autoestima, valores e atitudes. Analisou-se como aparece nos materiais a ideia de controle das emoções, de sucesso e um discurso positivo e prescritivo. Foram ressaltados os pontos favoráveis dos materiais, como a compreensão do aluno como sujeito integral e de tornar a atividade pedagógica prática, mas indica-se continuar os estudos sobre a temática.

Palavras-Chave: Emoção. Habilidades socioemocionais. Henri Wallon.

Introdução

As emoções nem sempre foram um foco da Psicologia, foi necessário um longo processo para que adentrassem esse campo e, com o desenvolver dessa ciência, passassem a ser estudadas a partir de uma perspectiva científica. No âmbito deste trabalho, que busca analisar as emoções no ambiente escolar, será retomada a perspectiva de Henri Wallon, que perpassou pela concepção de emoção em sua teoria e que é constantemente utilizado para pensar o desenvolvimento e a aprendizagem.

Wallon se tornou uma referência nesse aspecto por seu estudo acerca da afetividade e sua função na concepção de uma pessoa completa, com ênfase para a ligação com a aprendizagem, compreendendo as emoções em uma relação intrínseca com a cognição. Em sua teoria, o autor desenvolve quatro grandes núcleos que constituem o sujeito: afetividade, cognição, movimento e pessoa. Esses núcleos estão em constante interação e postos a partir de uma relação dialética entre aspectos biológicos e sociais envolvidos.

A emoção, para Wallon (1975), tem importância porque é o primeiro elo e vínculo que surge entre o indivíduo e o meio social com que convive, a partir inicialmente de componentes biológicos. Para ele, a emoção possui algumas características principais: contagiosidade – sua capacidade de contaminar os outros; plasticidade – sua capacidade de se expressar através do corpo; e regressividade, que diz respeito a sua capacidade de regredir o raciocínio (LEITE, 2012).

Wallon buscou desvendar melhor os conceitos de afetividade, que, conforme discute Leite (2012), é o conceito mais geral e complexo, uma vez que assume mais vivências e maior desenvolvimento humano. A afetividade engloba e envolve os conceitos de emoção, sentimento e paixão. A emoção é definida pelo seu aspecto orgânico e por sua curta duração; os sentimentos estão ligados ao componente representacional, com maior tempo e a paixão, por sua vez, é caracterizada por sua intensidade, longa duração e por se expressar com mais autocontrole.

página anterior 89 próxima página

Aos poucos as emoções têm ganhado espaço no ambiente escolar e é crescente o número de materiais de educação socioemocional que têm surgido e sido utilizados na Educação Básica. Assim, a pesquisa aqui apresentada teve como objetivo compreender qual a concepção de emoção adotada nesses materiais e buscar assimilar as possíveis consequências dessa concepção para a subjetividade do aluno.

Metodologia

A metodologia utilizada foi o estudo documental. As fontes primárias estudadas neste projeto foram os materiais produzidos pelos programas de educação socioemocional para a Educação Básica no Brasil. Esses materiais foram selecionados a partir dos critérios de alcance nacional, inserção na Educação Básica, de produção brasileira, cujo objetivo é proporcionar habilidades socioemocionais e que o acesso fosse possível, ou seja, materiais que pudessem ser adquiridos com mais facilidade, que as próprias pesquisadoras já tivessem entrado em contato.

A pesquisa documental teve início com uma leitura exploratória, às cegas – isto é, sem informações que pudessem interferir na percepção dos materiais – e, em seguida, uma leitura analítica. Para essa análise, no âmbito deste estudo, as atenções foram centradas na construção de Fichas de Análise (ANEXO 1) com categorias que pudessem sintetizar como as emoções são compreendidas nos materiais investigados. Essas categorias foram: 1) concepção de educação; 2) concepção de indivíduo e ideia de responsabilidade individual; 3) concepção de emoção e habilidades socioemocionais; 4) concepção de projeto de vida; 5) concepção de felicidade; 6) o que se espera do professor; 7) o que se espera do aluno; 8) literatura, música e filmes citados (artes em geral); 9) ideias de individualismo ou ideias de universalidade/pertencimento; 10) uso de imperativos ou encaminhamentos para a reflexão; 11) emancipação do pensamento (autonomia) ou padronização e reprodução de ideias; 12) outros comentários.

Resultados e Discussão

Através da análise das Fichas acima citadas, a primeira questão evidente é a percepção de que os materiais não trazem propriamente uma definição do que é emoção ou do que são essas habilidades socioemocionais trabalhadas. Também não foram encontradas referências a autores ou teorias que embasassem as perspectivas apresentadas nesses programas, por exemplo, autores do campo da Psicologia que discutem a questão da emoção. Foi notável que esses programas compreendem as emoções em intrínseca relação com a cognição, além de serem passíveis de aprendizagem.

Apesar de não trazerem a definição de emoção, muitas foram as referências a habilidades específicas que são desenvolvidas com o uso do material e que parecem fazer parte desse conceito. Pode-se citar: pensamento crítico e autoconhecimento; autoestima e identidade; criatividade; escolhas conscientes e trabalho em equipe/colaborativo e valores e atitudes.

Aprofundando a análise dos materiais, um ponto que ficou perceptível foi a ideia de controle das emoções, no sentido de eliminar emoções que são consideradas “desajustadas”, como impulsividade ou agressividade. Nessa mesma direção, os livros exaltam a necessidade de se manter positivo diante das situações, possibilitando ao aluno pensar que basta isso para que todas as situações e conflitos se resolvam. Outro aspecto notável é a necessidade de um treinamento das habilidades socioemocionais tendo em vista o futuro e o sucesso profissional do aluno.

página anterior 90

Há de se reconhecer certa importância desses materiais, pois se mostram como um primeiro passo em direção à uma educação integral, que compreende o aluno de forma completa – com seus aspectos cognitivos e afetivos vistos em uma intrínseca relação. O papel que esses programas executam é fundamental para que a emoção tenha seu espaço em sala de aula, já que ela sempre é presente, mas deve ser entendida em seus limites para que o professor não se sinta na posição de um terapeuta clínico. Além disso, ter um material que traz isso pensado, preparado e pronto para o ambiente escolar também é positivo, no sentido de que facilita e torna o trabalho do professor e da equipe pedagógica muito mais prático. Muitas escolas, por exemplo, não poderiam realizar um investimento tão grande para produzir um material sobre educação socioemocional, com uma equipe especializada, assim como os programas aqui analisados realizam.

Por fim, o presente trabalho se mostra como uma pesquisa inicial na temática das emoções, principalmente no que diz respeito aos materiais de educação socioemocional. Muito ainda há para ser analisado, pesquisado e aprofundado nessa área, tendo em vista sua grande importância no meio educacional e seu impacto na vida dos alunos e no trabalho dos professores.

Referências

LEITE, Sérgio Antônio Da Silva. Afetividade nas práticas pedagógicas. Temas em Psicologia, v. 20, n. 2, p. 355-368. 2012.

WALLON, Henri. [1953]. O orgânico e o social no homem. In: Objetivos e métodos da psicologia. Trad. Franco de Sousa. Lisboa: Editorial Estampa, p. 109-120. 1975.