Marília Rampanelli
mariliarampanelli94@gmail.com

Gene Maria Vieira Lyra-Silva

EIXO
Matemática

A Programação de Jogos Digitais no Ensino de Matemática

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Resumo:Este trabalho apresenta o resultado de uma pesquisa realizada com estudantes do Ensino Fundamental II sobre o ensino de matemática na programação de jogos digitais no Scratch. Para a coleta de dados realizou-se oficinas com estudantes do sexto ao oitavo ano, em um ambiente não formal de educação, direcionadas para a programação de computadores e para o estudo de possíveis invariantes conceituais matemáticos na formação de algoritmos. Nas oficinas, os estudantes aprenderam uma linguagem computacional básica e participaram, ativamente, na construção do próprio conhecimento quanto ao estudo de invariantes conceituais que se fizeram necessários nas situações de programação dos jogos digitais. Esta pesquisa permitiu avaliar o uso de uma metodologia em que os estudantes se tornam construtores do próprio conhecimento, sendo a mediação do professor essencial e que o estudo de diversos conceitos matemáticos é possível, independentemente do nível escolar dos estudantes.

Palavras-Chave: Ensino Fundamental II. Linguagem computacional. Conceitos matemáticos.

Introdução

Os jogos digitais fazem parte da rotina e da realidade da maioria das crianças e adolescentes que, na maioria das vezes, são utilizados em momentos de diversão e distração. Podemos perceber, nas escolas ou até mesmo em casa, o interesse que jovens demonstram ter ao se tratar de jogos digitais e o tempo que eles ocupam frente a estes aparatos tecnológicos.

Com a evolução das tecnologias digitais e o grande interesse das gerações atuais, os jogos começaram a fazer parte de algumas atividades educacionais. Mas, estes jogos, assim como os próprios computadores, muitas vezes, estão sendo utilizados apenas como um material para contribuir na transmissão de conteúdo.

Seymour Papert, criador da Teoria Construcionista, alega que a forma como o computador foi introduzido nos ambientes escolares não foi a ideal, sendo depositados em uma sala de informática e raramente utilizados. Papert (2008) fala sobre a ideia de que devemos oferecer as ferramentas que irão ajudar no processo de aprendizagem dos estudantes e não entregar o “peixe” pronto, pois as crianças aprenderão melhor em um processo que terão a oportunidade de descobrir o conhecimento que necessitam do que quando são receptores do conhecimento. O construcionismo, então, é uma teoria baseada no construtivismo de Piaget, que defende que o processo de aprendizagem seja um momento de participação dos estudantes e que o conhecimento seja construído por eles.

Neste sentido, apresentamos também os estudos de Vergnaud, que sustenta a ideia de que para proporcionarmos um ensino-aprendizagem satisfatório aos estudantes, precisamos propiciar situações que estimulem os estudantes durante este processo. Na Teoria dos Campos Conceituais, Vergnaud aborda o estudo das operações lógicas de Piaget, defendendo que o desenvolvimento de conceitos se dá quando o sujeito se encontra em uma situação em que as representações e os invariantes se destacam, resultando em uma situação que dá sentido ao conceito estudado (VERGNAUD, 1993).

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Apresentamos, neste trabalho, o resultado de uma pesquisa desenvolvida durante o curso de mestrado profissional com foco na Educação Básica realizada no Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica da Universidade Federal de Goiás - PPGEEB/UFG. Este estudo teve como objetivo a busca por invariantes conceituais de matemática na criação de jogos digitais no software Scratch e a elaboração de uma proposta pedagógica visando o estudo de invariantes conceituais abordados na coleta de dados, dando origem ao produto educacional da pesquisa.

O Scratch foi criado em 2007 pelo Media Lab do Massachusetts Institute of Technology - MIT e é um software livre que possui uma linguagem computacional simples, o que permite que crianças, adolescentes e até mesmo adultos construam seus próprios jogos, histórias, animações e outros, por meio do simples encaixe de blocos de programação. Possui três versões que estão disponíveis online ou podem ser instaladas no computador, permitindo sua utilização off-line. O encaixe destes blocos é conhecido como algoritmo da programação e permite diversas possibilidades de aprender matemática e desenvolver o raciocínio lógico.

A inquietação que norteou a realização da pesquisa teve como base a evolução da tecnologia que está exigindo novas demandas das escolas e ambientes profissionais em relação às habilidades necessárias frente aos aparatos tecnológicos. E, pensando no nosso estudante do Ensino Fundamental, principalmente nos estudantes da escola pública, que visamos na pesquisa a realização de oficinas com foco no ensino de matemática e a programação de jogos digitais para estudantes do Ensino Fundamental II em um bairro periférico de Goiânia/GO.

Metodologia

O presente trabalho visou a identificação de invariantes conceituais matemáticos na criação de jogos digitais com o Scratch. Realizamos uma pesquisa qualitativa, baseada nos estudos teóricos de Papert e Vergnaud, Papert na sua ideia de construção do conhecimento por meio da programação de computadores e Vergnaud na perspectiva da Teoria dos Campos Conceituais.

Para a concretização da pesquisa foram realizadas doze oficinas com atividades voltadas para a programação de computadores e que teriam como resultado final a criação de um jogo por parte dos estudantes. Estas oficinas foram realizadas em uma Organização Não-Governamental (ONG), ambiente não formal de educação, com estudantes do Ensino Fundamental II e que já frequentavam outras atividades realizadas na ONG no contra turno escolar.

Para a realização das oficinas, organizamos os estudantes em duplas para que pudessem ter, além da ajuda da professora, a ajuda do colega, tanto nas ideias para a criação do jogo quanto nas dificuldades encontradas no desenvolvimento das atividades. É importante salientar que as idades e conhecimentos prévios variavam, pois tínhamos estudantes do 6º ao 8° ano em uma única turma, essa diferença não atrapalhou o andamento das atividades.

Inicialmente, realizamos atividades práticas que contribuíram para a compreensão inicial sobre a ideia da programação de computadores e o uso de algoritmos. Para estas atividades utilizamos os blocos lógicos e o próprio movimento do corpo. Depois da introdução à linguagem computacional, iniciamos as atividades no software Scratch.

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No Scratch, inicialmente, desenvolvemos algumas atividades simples como forma de introduzir os comandos e a construção de algoritmos na programação de um objeto qualquer. Realizamos atividades voltadas para o simples movimento do objeto e, em seguida, fomos aumentando o nível de dificuldade para que os estudantes aprofundassem seus conhecimentos referente ao software. Destacamos aqui, que estas atividades iniciais visaram explicações referentes a funcionalidade do software, os conceitos matemáticos estudados foram construídos durante a programação dos jogos e com a mediação necessária.

Na construção dos jogos, cada dupla escolheu o jogo que iria criar e a funcionalidade de cada um. A primeira dupla criou um Quiz; a segunda dupla, o jogo Obstáculos Perdidos; e, a terceira dupla, um Ping Pong. O Quiz foi elaborado com perguntas sobre língua portuguesa, matemática, geografia, inglês e entretenimento, e para vencer o jogo é necessário acertar todas as perguntas, em cada resposta certa o jogador ganha 30 moedas e o vencedor do jogo será apenas aquele que chegar no final com todas as moedas, pois cada vez que errar perde 8 moedas. O jogo Obstáculos Perdidos é um jogo para um jogador e possui três fases, para vencer o jogo é preciso passar pelas três fases, chegando ao fim de cada fase sem encostar nos obstáculos do meio do caminho. E, no Ping Pong, para dois jogadores, o jogador que marcar 5 pontos primeiro vence o jogo, ou seja, a cada bola que o adversário não pegar, marca um ponto.

Nas oficinas, os estudantes aprenderam sobre linguagem computacional, noções quanto a construção de jogos digitais e diferentes áreas do conhecimento matemático, na pesquisa chamamos de invariantes conceituais. Os invariantes conceituais são os conceitos matemáticos que surgiram na situação de programação de jogos, sendo eles: geometria plana, plano cartesiano, geometria espacial e números inteiros.

O diálogo abaixo mostra um dos momentos de mediação que ocorreu durante a programação do jogo Quiz com a dupla 1:

P: Tá, vocês colocaram a seta para a direita, então direita é andar na horizontal ou na vertical?
CD2: Horizontal.
P: Horizontal! Valores de quem que estão na horizontal?
CD2, DD2: x.
P: E são positivos ou negativos para a direita?
DD2: Negativos.
CD2: Positivos.
P: Positivos, então qual comando vai ser?
DD2: É este aqui ó. [pegou o comando “adicione __ a x”].
[Então ele duplicou e começou a programar as outras teclas. Na tecla para a esquerda, perguntei]:
P: Agora é negativo ou positivo?
DD2: Negativo.
P: Y é qual reta?
DD2: Pra baixo e pra cima.
P: A vertical. __ Pra cima os valores do eixo y são o quê?
DD2: Mais?
P: E pra baixo?
CD2: É negativo.

Figura 1.Programação das teclas de movimento do objeto
Programação das teclas de movimento do objeto

Fonte: Dados da pesquisa (2019)

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Utilizamos a letra P para representar as falas da professora e os pseudônimos CD2 e DD2 se refere aos estudantes da dupla 2. É possível notar, no diálogo e na imagem dos algoritmos, que a situação propiciou o estudo do conjunto dos números inteiros, especificamente a adição de números inteiros. Este diálogo é um exemplo das tantas outras situações que os estudantes encontraram ao longo da participação nas oficinas e que propiciaram o estudo dos invariantes conceituais matemáticos já citados anteriormente.

Resultados e Discussão

Com o desenvolvimento da pesquisa buscamos as possíveis aberturas para o estudo de invariantes conceituais matemáticos na construção de algoritmos no Scratch. A pesquisa mostrou que é possível aprender matemática em atividades de programação de computadores, mais especificamente, programação de jogos digitais.

É importante ressaltar que esta pesquisa apresentou, também, uma metodologia que levou os estudantes a se envolverem e compreenderem os conceitos matemáticos abordados durante o estudo de invariantes conceituais, mostrando que a aprendizagem é possível, nos diferentes níveis escolares em que os estudantes se encontram. Assim, a programação de jogos digitais com a mediação do professor(a) possibilita o estudo de conteúdos matemáticos e a participação do estudante na própria construção do conhecimento.

Referências

PAPERT, Seymour. A Máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Trad. Sandra Costa. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2008.

RAMPANELLI, Marília. A programação de jogos no scratch como situação para o estudo de invariantes conceituais na matemática. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino na Educação Básica – Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.

VERGNAUD, Gérard. Teoria dos campos conceituais. In: Nasser, L. (Ed.) Anais do 1º Seminário Internacional de Educação Matemática do Rio de Janeiro. p. 1-26, Rio de Janeiro, 1993.

Notas

1. Estas atividades estão descritas no produto educacional da pesquisa de mestrado, que pode ser acessado pelo link: https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/561413

2.Estas atividades também podem ser encontradas no produto educacional da pesquisa.