Alice de Jesus Freitas
alicefreitas@discente.ufg.br

Zilene Moreira Pereira Soares
zilenemoreira@ufg.br

EIXO
Educação e Formação de Professores

Percepções de Alunos do Ensino Médio Sobre a Presença das Mulheres na Ciência

46 próxima página

Resumo:Embora haja certo otimismo com relação à participação da mulher na ciência, as pesquisas apontam uma série de entraves para alcançar a igualdade. Desde a criação das primeiras universidades no século XII, até meados do século XX, poucas mulheres conseguiram estudar e lecionar. Tendo em vista o processo histórico de exclusão das mulheres, o presente trabalho tem como objetivo investigar as percepções dos estudantes da 2ª série do Ensino Médio de uma escola pública estadual no município de Goiânia sobre a presença da mulher na ciência. Participaram da pesquisa 75 jovens que responderam a um questionário com perguntas abertas e fechadas envolvendo as temáticas gênero e ciência. Os dados apontam a permanência de uma visão estereotipada de ciência entre os estudantes e o desconhecimento de cientistas mulheres, principalmente brasileiras. Da mesma forma a temática “mulher na ciência” não é um tema comum a eles, principalmente na escola. Os estudantes acreditam que ainda existe preconceito em relação à participação das mulheres na ciência, justificado pelo machismo e estereótipos. A inserção das mulheres na área científica foi um processo longo e com muitos desafios. Entretanto, ainda é preciso desfazer visões distorcidas da ciência, divulgar e apresentar modelos de cientistas mulheres.

Palavras-Chave: Educação Básica. Gênero. Mulheres na Ciência.

Introdução

Com base no mais recente estudo da Editora Elsevier “Gênero no Panorama Global de Pesquisa” (ELSEVIER, 2017), o Brasil lidera o ranking mundial da igualdade de gênero, com as mulheres representando 49% na produção científica. Embora haja certo otimismo com relação à participação da mulher na ciência, as pesquisas ainda apontam uma série de entraves. As mulheres têm careiras mais tardias e possuem dificuldades para alcançar postos mais avançados, o chamado “teto de vidro na ciência” (MONNERAT, 2017). Elas são maioria entre os que cursam ensino superior, e representam 49% das bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento). Entretanto à medida que avança para o topo da carreira, a presença feminina vai diminuindo, haja vista que 59% das bolsas de iniciação científica (IC) são concedidas a mulheres, e as bolsas PQ 1A (as mais altas, para pesquisadores de excelência) contemplam apenas 24,6% de mulheres (ALMEIDA, 2017).

A participação das mulheres na ciência é relativamente recente. Desde a criação das primeiras universidades no século XII, até meados do século XX, poucas mulheres conseguiram estudar e lecionar. Schiebinger (2011) argumenta que sem acesso a bibliotecas e formação apropriada seria difícil para qualquer um, seja homem ou mulher, fazer efetivas contribuições à construção do conhecimento. Mudanças mais significativas vieram apenas na segunda metade do século XX, em virtude da necessidade crescente de recursos humanos, e o apoio do movimento feminista na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres (LETA, 2003).

página anterior 47 próxima página

Ao compreender a necessidade de equidade social, a escola e os educadores têm papel fundamental de auxiliar os alunos a romper com os estereótipos relacionados ao gênero. É preciso apresentar aos alunos o histórico de inserção da mulher na sociedade acadêmica e ultrapassar convenções sociais conservadoras relacionadas às questões de gênero, fatores imprescindíveis para a formação do senso crítico nos estudantes (CAVALLI; MEGLHIORATTI, 2018).

Tendo em vista o processo histórico de exclusão das mulheres, o presente trabalho tem como objetivo investigar as percepções dos alunos da 2ª série do Ensino Médio sobre a presença da mulher na ciência. Justifica-se a investigação nesta etapa de ensino, pois é a fase de escolha profissional, que antecede a entrada na universidade.

Metodologia

Participaram da pesquisa 75 estudantes da 2° série do Ensino Médio, de uma escola pública estadual localizada no município de Goiânia/GO. A pesquisa passou pelo Comitê de Ética da UFG, com o parecer de aprovação número 3.611.852, emitido em 01 de outubro de 2019. Os entrevistados responderam a um questionário com perguntas abertas e fechadas envolvendo os temas gênero e ciência.

A pesquisa possui uma abordagem qualitativa e os dados foram analisados com base na análise de conteúdo temática, que consiste em “descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação” dando significado ao objeto estudado (MINAYO, 2008, p. 316).

Resultados e Discussão

Os estudantes foram questionados sobre o que a palavra “ciência” remetia a eles. A maioria dos entrevistados, 58 jovens, citou elementos como: pesquisas, experimentos e descobertas. Esse fato corrobora com o trabalho de Kosminsky e Giordan (2002, p.11), quando afirmam que “as visões de mundo dos estudantes também devem ser influenciadas pelo pensamento científico e pelas expressões de sua cultura, cujos traços são parcialmente divulgados na mídia”, ou seja, a visão limitada de que o cientista trabalha em laboratórios e em descobertas consideradas pela mídia “grandiosas” se tornam sinônimos de se fazer ciência.

Os estudantes citaram as características de quem faz a ciência, como: “pessoa com grande conhecimento”, “isolada” e séria”. De acordo com Konflanz e Scheid (2011) no ambiente escolar ainda é comum concepções ingênuas sobre a ciência e os cientistas. A ciência ainda é vista por muitos como uma atividade relacionada a pessoas com mentes privilegiadas, fora dos parâmetros de normalidade, bem como a própria caracterização do método científico, como infalível e neutro.

Na segunda questão foi solicitado que os alunos citassem o nome de cientistas conhecidos por eles. Na questão não foi discriminado o sexo, usou-se apenas a palavra “cientista”. Os estudantes citaram apenas cientistas homens, o que demonstra a falta de visibilidade da pesquisa realizada por mulheres. Em complemento à questão anterior os alunos deveriam citar nomes de cientistas mulheres. Do total de 75 respondentes, 6 afirmaram que conheciam, e destes, somente 4 citaram nomes de mulheres. Os nomes citados foram: Katherine Bouman, Marie Curie e Mileva Einstein. Em 2019 a cientista Katherine Bouman, em conjunto com outras cientistas, elaborou um algorítimo que gerou a primeira imagem do buraco negro. O nome dessa cientista apareceu em 3 citações, o que poderia indicar que esses alunos copiaram as respostas entre si, pois havia muita semelhança entre os dados dos questionários, ou que pesquisaram na internet com o auxílio do celular durante o preenchimento do questionário, ou ainda que algum professor tenha comentado o fato durante a aula. Não foram citadas cientistas brasileiras.

página anterior 48 próxima página

Os alunos foram questionados se a temática “mulher na ciência” era um tema comum a eles. A maioria, 64 alunos, disse que esse não era um assunto comum, os demais disseram que já tinham ouvido falar sobre o tema, entretanto era pouco divulgado em seu meio. Em complemento eles foram questionados se já haviam lido algo sobre mulheres na ciência nos livros didáticos utilizados na escola, na mídia ou redes sociais. Do total de 75 respondentes 36 alunos disseram que sim, entretanto nenhum aluno citou o livro didático como meio de divulgação da temática. Corrobora com esses achados a pesquisa de Sanchez (2017) em livros didáticos de História do Ensino Médio. Dos 859 personagens mencionados ao longo das obras, 789 eram homens. As mulheres apareceram em 70 menções e muitas vezes estavam nos rodapés ou em caixas de textos complementares. Além disso, 75% das vezes em que apareciam eram pela relação de parentesco com os “homens da história”.

A maioria dos alunos (54) acredita que ainda há preconceito em relação à participação das mulheres na ciência, justificado pelo machismo e pela presença de estereótipos, como na fala do aluno A16: “A sociedade atual elabora padrões que muitas das vezes exclui a mulher de profissões”. Pesquisa realizada por Bian, Leslie e Cimpian (2017) aponta que meninas a partir dos 6 anos de idade são menos propensas em acreditar que são “realmente inteligentes”, ou ainda tendem a evitar atividades direcionadas a crianças “realmente inteligentes”. As autoras sugerem que noções de gênero sobre brilhantismo e inteligência são adquiridas cedo e têm um efeito imediato no interesse das crianças. Esses estereótipos diminuem a diversidade de gênero na ciência.

Ao serem questionados se existiam profissões que não eram destinadas às mulheres, 90% dos alunos disseram que não, ou seja, que ambos poderiam exercer as mesmas atividades. Entretanto os 10% que assinalaram sim dissociaram a mulher de profissões braçais, de uso da força física, exemplificado na fala do aluno A31: “Pedreiro, servente, pois são serviços pesados”, ou do aluno A2 que citou a profissão de lutador de wrestting. Sousa e Guedes (2016) citam que a divisão sexual do trabalho define estereótipos marcados pela masculinidade/virilidade e feminilidade. A virilidade é relacionada como um trabalho pesado, sujo, insalubre e algumas vezes perigoso, já a feminilidade é associada a trabalhos leves, limpos, que exigem paciência e delicadeza.

Considera-se que a escola possui um papel fundamental nesse debate, com vistas aos ganhos com a diversidade e os variados pontos de vista. Da mesma forma são necessárias políticas de fomento à participação da mulher na ciência e a utilização de materiais didáticos que abordem o tema.

Referências

ALMEIDA, C. Mulheres são minorias entre reitores e nas bolsas de pesquisa mais privilegiadas. Jornal O Globo, 28 de janeiro de 2018.

BIAN, L.; LESLIE, S.; CIMPIAN, A. Gender stereotypes about intellectual ability emerge early and influence chindren’s interests. Science, v. 355, n. 6323, p.389-391, 2017.

CAVALLI, M. B.; MEGLHIORATTI, F. A. A participação da mulher na ciência: um estudo da visão dos estudantes por meio do teste DAST. Actio: Docência em Ciências, v. 3, n. 3, 2018, p. 86-92.

EDITORA ELSEVIER. As mulheres atualmente produzem metade da ciência no Brasil. Disponível em: https://eleganteonline.com.br/a-ciencia-brasileira-e-das-mulheres/. Acesso em: 30 mar. 2017.

página anterior 49

KOSMINSKY, L.; GIORDAN, M. Visões sobre Ciências e sobre o cientista entre estudantes do ensino médio. Aluno em Foco. n° 15, 2002. p. 11-18.

KONFLANZ, T. L.; SCHEID, N. M. J. Concepção de cientista no ensino fundamental. Ensino de Ciências e Tecnologia em Revista, v.1, n. 1. 2018, p. 70-83

LETA, J. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, 2003, p.271-284.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. Ed. São Paulo: Hucitec, 2008.

MONNERAT, A. “Teto de vidro na ciência”: apenas 25% na categoria mais alta do CNPq são mulheres. Gênero e Número. Disponível em:http://www.generonumero.media/2mulheres-representam-metade-da-producao-cientifica-no-brasil-mas-sao-apenas-25-em-categoria-mais-alta-do-cnpq/. Acesso em 05 de junho de 2020.

SCHIBIENGER, L. O feminismo mudou a ciência? SP: EDUSC, 2001. 384p.

SOUSA, L. P.; GUEDES, D. R. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos avançados, São Paulo, v. 30, n. 87, p. 123-139, 2016.