Lanne Janaína Batista
nanyletras@hotmail.com

EIXO
Educação e Formação de Professores

Projeto Varal de Leitura e o Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores da Educação Básica no Canadá

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Resumo:É inegável que a educação brasileira, de acordo com resultados de pesquisas internacionais, como o PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – anda muito mal. Um dos fatores primordiais para se buscar reverter esses resultados é investir na formação dos profissionais da educação. A iniciativa da CAPES junto à parceria com o CICan de trabalhar um programa de formação de professores da educação básica no Canadá (que está entre os 10 melhores resultados do PISA) traz uma política de disseminadores de boas práticas pedagógicas que podem ser implantadas em qualquer região do país. Apesar da escassez tecnológica e de tantos outros problemas estruturais, o professor, consciente e munido de boas metodologias, consegue realizar um trabalho de maior qualidade. Pensando nesse aspecto, a prioridade da CAPES foi a exigência da realização de um projeto de intervenção pedagógica por parte dos professores selecionados, com possibilidade de aplicabilidade em outras escolas e/ou regiões do país. Desse modo, apresento o trabalho realizado através do projeto “Varal de Leitura: práticas pedagógicas voltadas para a formação do leitor literário em unidades escolares onde não há biblioteca escolar”, desenvolvido no ano de 2019 e os resultados positivos trazidos por toda essa mobilização de conhecimentos e saberes.

Palavras-Chave: Educação básica. Formação de professores. Formação de leitores literários.

Introdução

O Programa de desenvolvimento profissional para professores da Educação Básica no Canadá é um programa de Cooperação Internacional para Formação de Professores da Educação Básica firmado entre a Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB) e a Diretoria de Relações Internacionais (DRI).

Resulta do Acordo de Cooperação formalizado entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Colleges and Institutes Canada (CICan) e teve como objetivo promover a capacitação de professores brasileiros em efetivo exercício nas escolas públicas.

A CAPES em seu edital nº 03/2019 disponibilizou 102 vagas para todas as Regiões Brasileiras. A seleção era formada por vários requisitos e procedimentos, dos quais destacaram-se dois: Elaboração de um projeto de intervenção pedagógica baseado na própria experiência profissional, visando ao aperfeiçoamento de sua prática docente; assumir o compromisso de disseminar conhecimentos, participando como multiplicador, quando solicitado pela CAPES ou pela Secretaria de Educação à qual está vinculado.

A capacitação ofertada na bolsa foi estruturado em dois módulos: Inglês básico (duas semanas); 06 semanas de formação dividas nos módulos: O sistema educacional canadense; Aprendizagem centrada no aluno; A sala de aula inclusiva; Gestão de sala de aula e Sistema de gestão de aprendizagem. Todo o curso foi reconhecido e certificado pelo CICan.

Para contemplar as exigências da Capes quanto ao projeto de intervenção pedagógica, veio à tona o grave problema relacionado à leitura e à formação do leitor literário e as consequências que esse ensino deficitário deixa. É válido ressaltar que as políticas públicas de incentivo à leitura existem, mas não são efetivadas dentro da escola e em consequência disso, a inexistência da biblioteca escolar nas unidades de ensino se perpetuam há muitos anos. Local que na maioria das vezes, pode ser o único lugar em que o aluno de escola pública tem acesso a livros literários.

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Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (FAILLA, 2016), a ampliação do quadro de leitores só se dará com: políticas de acesso ao livro, acesso ao universo editorial e forte estímulo de incentivo à leitura, cabendo a esse último, o apoio fundamental da escola. Parafraseando Simone de Beauvoir, não se nasce leitor, torna-se leitor.

O leitor se constrói ao longo da vida. Para tal, é necessário o incentivo ao gosto pela leitura. Outro ponto importante é o papel do professor-leitor nesse processo, pois o que se espera dele é que seja “um professor que leia com competência e autonomia, capaz não só de incentivar seus alunos, mas de mostrar-lhes as sutilezas e entrelinhas dos textos” (BERENBLUM, 2006, p.28). De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a escola deve formar cidadãos leitores, capazes de ultrapassar a leitura mecânica (decodificação) e construir uma leitura de mundo, de modo a formular opiniões críticas e conscientes desse mundo que os rodeia.

Para isso, “é por meio da leitura que o homem moderno entra em contato com as diversas formas de conhecimento capacitando-se para atuar e participar da sociedade” e chega “à emancipação pela aquisição do saber” (VIEIRA, 1989, p.12). Partindo dessas premissas básicas, que o Projeto de Intervenção Pedagógica “Varal de Leitura: práticas pedagógicas voltadas para a formação do leitor literário em unidades escolares onde não há biblioteca escolar” foi proposto.

O Projeto Varal de leitura foi realizado no Colégio Estadual Parque dos Buritis, voltado, incialmente, para o Ensino Fundamental 2ª Fase (do 7º ao 9º ano) visando provocar a reflexão sobre as aulas de Língua Portuguesa e de Leitura e Interpretação de Texto no que tange à formação do leitor literário, de modo a apresentar caminhos para que a prática leitora fosse efetivada, pois, segundo Antonio Cândido (2004, p. 180), “em nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação”, já que ela se constitui como um direito.

Seu objetivo geral foi promover práticas leitoras e ações mediadoras de promoção à leitura de livros literários, formação do leitor, e formação do professor-leitor, trabalhando com três frentes: a criação de uma acervo literário diversificado por meio da doação da comunidade escolar; a promoção de um ambiente favorável à leitura por meio dos varais de leitura quinzenais, disponibilizando o empréstimo dos livros literários e o trabalho com a leitura literária de forma interdisciplinar em sala de aula, tendo o aluno com protagonista no processo de aprendizagem.

O projeto contou com um cronograma que foi do mês de abril a dezembro, tendo sido totalmente cumprido.

Metodologia

O desenvolvimento do projeto ocorreu através do método com abordagem qualitativa, ênfase observacional participante, pesquisa documental e bibliográfica, e uma prática reflexiva, pautada por meio de avaliação contínua das ações desenvolvidas.

Os instrumentos utilizados para tal foram a aplicação de questionários antes, durante e depois da realização do projeto, utilização de livro de registros de empréstimo de livros, anotações advindas de reuniões com os professores e coordenação pedagógica, atividades e trabalhos realizados em sala de aula, assim como fotos dos eventos e atividades.

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O projeto teve como sujeitos participantes a comunidade escolar do Colégio Estadual Parque dos Buritis: gestores, coordenadores, professores, funcionários, alunos do 7º ao 9º ano do Ensino Fundamental, pais, entre outros. Esse método visou “reverter a tendência história de restrição ao acesso aos livros e à leitura como bem cultural privilegiado a limitadas parcelas da população” (BERENBLUM, 2006, p. 9).

Resultados e Discussão

Como resultados, o projeto cumpriu totalmente seus objetivos relacionados à criação de um acervo literário diversificado, à disponibilização de empréstimo de livros quinzenalmente por meio dos varais de leitura, à prática efetiva do trabalho com a leitura literária em sala de aula e o trabalho interdisciplinar com cerne no aluno protagonista.

Os principais resultados foram:

  1. Maior participação da equipe pedagógica e corpo docente na tomada de decisões voltadas para uma melhoria nas práticas pedagógicas; Envolvimento e participação da comunidade escolar;
  2. Aplicação de metodologias ativas que primam pela aprendizagem centrada no aluno; Disseminação do ensino da leitura literária por meio de abordagens ativas de aprendizagem; Trabalho interdisciplinar para a formação do aluno leitor; Compartilhamento de estratégias de ensino entre professores promovendo mudanças didático-pedagógicas em todas as disciplinas usando a literatura como possibilidade;
  3. Disseminação da leitura literária e fruição estética por meio da literatura em sala de aula – oficinas de leitura, aplicação de sequências didáticas, momentos de contação de histórias, teatro, produção de marcadores de livros, ilustrações de poemas e de trechos de livros, produção de fichas literárias, murais literários e etc; Realização de um sarau literário com poesia, música, resenha literária e teatro, com o envolvimento de professores de todas as disciplinas; Média de empréstimos de 250 livros literários por varal de leitura ocorridos quinzenalmente de abril a dezembro (envolvimento direto de 65,78% dos alunos do vespertino);
  4. Recebimento de doações: de livros da Biblioteca Central da Universidade Federal de Goiás, de amigos, familiares e da comunidade escolar (2066 livros literários arrecadados e 182 gibis); do PNLD Literário de seis títulos de livros literários (80 exemplares de cada) e mais uma coleção de cerca de 60 livros literários diversos; Montagem de uma “sala de livros” – local de guarda dos livros; Higienização e organização dos livros por gêneros literários em conjunto com os alunos da escola.

A realização do projeto propiciou uma situação didática proposta com regularidade e voltada para a formação de atitude favorável à leitura literária (BRASIL, 2000, p.63), a formação do leitor e a formação do professor-leitor, visando à melhoria nas condições de leitura dos alunos do Ensino Fundamental e progressos com os alunos se interessando mais pelos estudos e agindo ativamente nesse processo de aprendizagem.

Jamais podemos nos esquecer que a leitura é um instrumento de mudança social, e, nos dizeres de Antonio Cândido (2004, p.175), a leitura literária é um fato “indispensável de humanização”. Espera-se, portanto, que esse processo de “humanização” seja garantido, pois é ela “que confirma no homem aqueles traços que reputamos como essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber”. Na concepção de Paulo Freire a dialogicidade da leitura, é necessária para “uma compreensão crítica do ato de ler” (1989, p.9).

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Para Lajolo (2006, p. 7) do “mundo da leitura à leitura de mundo, o trajeto se cumpre sempre, refazendo-se, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura em prática circular e infinita. Como fonte de prazer e de sabedoria, a leitura não esgota seu poder de sedução nos estreitos círculos da escola”.

Ao se promover o acesso ao livro, a leitura e à literatura, o professor com o auxílio das tecnologias será capaz de contribuir para a “construção, difusão e alteração de sensibilidades, de representações e do imaginário coletivo”. É com esse intuito “que a literatura torna-se fator importante na imagem que socialmente circula, por exemplo, de crianças e de jovem” (LAJOLO, 2006, p. 26-27, grifo do autor).

Desse modo a conquista desse espaço de disseminação da leitura literária se constitui como um marco positivo obtido por meio da realização do projeto e demonstra como é possível, por meio da mobilização da comunidade escolar, melhorar as práticas pedagógicas através da aquisição de material de qualidade.

Referências

BERENBLUM, Andréa. Por uma política de formação de leitores. Brasília: Ministério da Educação: Secretaria de Educação Básica, 2006.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. 2. ed. Brasília: Ministério da Educação: Secretaria de Educação Fundamental, 2000.

C NDIDO, Antônio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antônio. Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 2004, p. 169-191.

FAILLA, Zoara (org.). Retratos da leitura no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Sextante: Instituto Pró-livro, 2016. Disponível em: http://prolivro.org.br/home/images/2016/RetratosDaLeitura2016_LIVRO_EM_PDF_FINAL_COM_CAPA.pdf Acesso em: 10 mar. 2019.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 24. ed. São Paulo: Cortez, 1990.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6. ed. São Paulo: Ática, 2006. 112 p.

VIEIRA, Alice. O prazer do texto: perspectivas para o ensino de literatura. São Paulo: EPU, 1989.