Ana Carolina Venâncio Ferreira
carolferreira3011@gmail.com

Leonardo Oliveira Costa

Simara Maria Tavares Nunes

EIXO
Educação e Formação de Professores

Estudos Iniciais Sobre a Dimensão Ambiental nos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo da Região Centro Oeste

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Resumo: A Educação do Campo surge das necessidades dos povos do campo, sujeitos estes envolvidos com a questão da sustentabilidade e de um conceito diferente de relação com a natureza. Assim, os Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOCs) são instrumentos para se discutir a questão ambiental de forma mais ampla. Neste trabalho, levantou-se as LEDOCs em funcionamento na Região Centro Oeste e através da leitura e análise dos Projetos Pedagógicos de tais cursos, buscou-se avaliar a presença da discussão ambiental em tais Cursos. Após análises, nem todos os Cursos apresentam em seus marcos legais a Legislação Educacional Ambiental e apenas um dos Cursos apresenta a temática ambiental como tema estruturante do Currículo. Assim, conclui-se que os currículos ainda precisam de uma nova análise de como desenvolver a questão ambiental preconizada pelas diretrizes.

Palavras-Chave: Dimensão Ambiental. Formação inicial docente. Educação do Campo.

Introdução

Atualmente, a preocupação com a sobrevivência da humanidade e com a sustentabilidade tem tomado conta do debate dentro e fora da escola. A Educação Ambiental se torna assim imprescindível na formação cidadã e crítica, desde à Educação Básica até o Ensino Superior. Para Dias (2003, p. 100), a Educação Ambiental: “é um processo por meio do qual as pessoas apreendem como funciona o ambiente, como dependemos dele, como o afetamos e como promovemos a sua sustentabilidade.” Percebe-se assim o objetivo de inserir, nessa sociedade em transformação, uma educação capaz de promover o desenvolvimento de sujeitos críticos e atuantes na relação homem/natureza surgindo a Educação Ambiental como ferramenta para alcançar esse objetivo (CARVALHO, et. al., 2013).

Assim, a Educação Ambiental não resolve de imediato os problemas ambientais, mas tem o poder de transformar, de formar uma consciência ambiental crítica. Portanto, enquanto professores, temos que ter a consciência da importância de se levar essa reflexão e discussões para a sala de aula, pois ser educador é conduzir reflexões. Segundo Paulo Freire (2006) o educador deve se comportar como um provocador de situações, um animador cultural num ambiente em que todos aprendem em comunhão.

A proposta de educação pensada por Freire vai além dos limites de uma teoria, já que ela pode ser percebida como forma de compreender o mundo, pensar sobre ele, modificando os fatos a partir de uma ação consciente (MIRANDA; BARROSO, 2004).

A Educação Ambiental traz contribuições de diversas áreas do conhecimento e não apenas das Ciências da Natureza, porém essa área tem muito a contribuir nos debates e discussões. Assim, acredita-se que o professor de Ciências deve articular o conhecimento científico (das diversas áreas), trazendo suas contribuições para a discussão da problemática ambiental.

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Assim, se impõe o desafio: para que o professor possa atuar na Dimensão Ambiental, há que se proporcionar em sua formação inicial o aprofundamento teórico e a inclusão da dimensão ambiental nos currículos de formação inicial docente. E a Educação do Campo? Como dialoga com a Educação Ambiental?

O Curso de Licenciatura em Educação do Campo surgiu a partir de lutas sociais e agrárias e se caracteriza por ser um curso que propicia um novo modelo de formação docente, alicerçado na interdisciplinaridade, traduzindo-se em práticas docentes e discentes diferenciadas (UFRGS, 2013). Para isso, as propostas curriculares destes Cursos privilegiam a construção de saberes contextualizados no mundo real, contemplando os conhecimentos curriculares de forma crítica a partir de situações problemas desse cotidiano. Assim, um dos temas transversais que devem permear tais cursos é a Dimensão Ambiental.

Este trabalho trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo, no qual se buscou analisar se os objetivos de uma Educação do Campo e de uma Educação Ambiental emancipatória e crítica têm sido proporcionados na formação inicial docente nas Licenciaturas em Educação do Campo com Habilitação em Ciências da Natureza da Região Centro Oeste.

Metodologia

Para o desenvolvimento deste trabalho tivemos como foco a pesquisa qualitativa, utilizando-se como instrumentos de coleta de dados a Análise Documental dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo, Habilitação em Ciências da Natureza da Região Centro Oeste.

Para Bogdan e Biklen (1994), uma investigação qualitativa busca analisar os fenômenos em toda sua complexidade e em seu contexto natural, privilegiando sua compreensão a partir do ponto de vista dos sujeitos investigados. Caulley apud Ludke e André (1986) relatam que a análise documental tem como objetivo identificar informações em documentos a partir de alguma problemática, ou seja, de questões ou hipóteses levantadas.

Resultados e Discussão

A legislação brasileira em tese garante a educação como um direito social de todos, onde o Estado e a família são responsáveis por promovê-la e incentivá-la, com o auxílio da sociedade. A Carta Magna propõe o “pleno exercício dos direitos culturais” e reafirma que “apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, bem como a “valorização da diversidade étnica e regional” (BRASIL, 1988).

Os currículos da educação básica são determinados por uma base nacional comum e complementados com “uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos” (BRASIL, 1996). A LDB também estabelece o ensino de arte (em todas as suas linguagens: artes visuais, dança, música e teatro) como parte do currículo obrigatório da educação básica.

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a música é uma “expressão artística que se materializa por meio dos sons, que ganham forma, sentido e significado no âmbito tanto da sensibilidade subjetiva quanto das interações sociais, como resultado de saberes e valores diversos estabelecidos no domínio de cada cultura” (BRASIL, 2017, p. 194), por isso, estabelece que a música seja trabalhada de forma interdisciplinar, proporcionando o desenvolvimento de “saberes musicais fundamentais para sua inserção e participação crítica e ativa na sociedade” (BRASIL, 2017, p. 194). Mas é preciso lembrar que estar presente na legislação não significa que isso acontece no cotidiano escolar, pelo contrário, estamos bem longe de cumpri-la na íntegra.

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Nesse sentido, vale ressaltar que a cultura é construída historicamente e traz consigo significados de forma semiótica, ou seja, que permitem sua investigação de maneira densa e sistematizada (GEERTZ, 2008). As diferenças culturais (MAGALHÃES, 2015) permeiam todo o ambiente escolar e são importantes para o processo de inserção social dos educandos e precisam ser valorizadas pelo educador.

A proposta é que a educação musical tenha como ponto de partida o repertório do educando, valorizando seu contexto histórico, social e cultural, para que a partir desse repertório, o professor possa ampliar suas vivências e experiências com a linguagem musical.

Ao compreender o conceito de ludicidade (MAGALHÃES, 2016), é essencial que o professor pedagogo faça uso de ferramentas que despertem o prazer e o esforço espontâneo dos educandos para compor suas práticas, proporcionando condições para o processo de ensino e aprendizagem acontecer de forma natural e valorizando sua identidade cultural.

Neste caso, apresenta-se a música como promotora de ludicidade, capaz de contribuir de forma notável para a formação humana do educando com vistas em sua emancipação. Considerando que o pedagogo, em sua prática unidocente, trabalhe com a interdisciplinaridade, acredita-se na capacidade de trabalhar a música não só como uma ferramenta para os processos educativos, mas como componente curricular em si mesmo, contribuindo para a formação integral dos educandos (aspectos cognitivos, socioemocionais e afetivos) e valorizando suas experiências e sua identidade cultural (FREIRE, 1989).

Mas para trabalhar a musicalização infantil nesta perspectiva é necessário ter a formação mínima adequada (BELLOCHIO, 2001) para não cair no tradicional erro de abordar a música somente como uma brincadeira ou uma ferramenta de controle (BEYER, 2001). É necessário concebê-la como uma forma de expressão cultural, que traz em si mesma uma parte da cultura de um sujeito ou de um grupo social, que tem elementos próprios (ritmo, melodia, harmonia...) e que pode contribuir para a humanização do sujeito em formação.

Considerando que, a formação do pedagogo (profissional que atua na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental), de acordo com a proposta de Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia, visa preparar e desenvolver profissionais para o magistério para atuar segundo uma “compreensão ampla e contextualizada de educação e educação escolar” (BRASIL, Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015). É necessário destacar a grande importância de sua formação musical, visto que atuam na base da educação e são agentes de construção e transformação social.

Mas como possibilitar a esses profissionais, mesmo que eles se considerem pessoas amusicais, uma formação e experiência com a música que lhes capacite a oferecer uma educação musical de qualidade às crianças? “É preciso que o professor entenda e empreenda esforços na compreensão de que a relevância da educação musical está relacionada ao valor da música na vida das pessoas” (ELLIOT, 1995, apud BELLOCHIO, 2001, p. 19).

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Mas, para que isso ocorra, é preciso que os processos de formação realizem uma aproximação entre pesquisa/teoria e o que realmente acontece na escola em Educação Musical (DEL BEN, 2001, apud BELLOCHIO, 2001), ou seja, que eles enxerguem a importância e a função do ensino da música e como a música tem sido utilizada. Essa formação musical lhe trará “um maior suporte de conhecimentos educacionais e conduzir o desenvolvimento artístico e educacional, sensível e estético [...], as vivências junto ao curso são relevantes, pois abrem a possibilidade concreta de entender que não são amusicais” (BELLOCHIO, 2001, p. 21).

Sabe-se que os desafios da formação musical são inúmeros: a formação musical não é vista como “necessária”, nem todos os lugares que oferecem o curso superior em Pedagogia tem em seu currículo a educação musical, o pedagogo é visto como “tio”, sendo minimizado a sentimentalismos (BELLOCHIO, 2001). Mas uma das possibilidades “de superação da realidade multifacetada e dicotômica, encontra-se justamente na aproximação, no diálogo, na possibilidade de uma prática crítica, assumida entre academia e escola, entre teoria e prática cotidiana” (BELLOCHIO, 2001, p. 23).

E esse profissional, quando se deparar com a rotina e a prática escolar, encontrará várias crenças sobre a educação musical, como por exemplo: a música ajuda a criança a aprender outras disciplinas, acalma, alegra e organiza as crianças. O que ele deve fazer diante de tudo isso? “Cabe ao educador musical mostrar à direção, profissionais e pais que música tem um valor muito além disso: porque música oportuniza ao aluno de forma ímpar experiências estéticas” (BEYER, 2001, p. 47). Também vai escutar que as crianças pequenas só podem ouvir, não sabem criar, para elas qualquer coisa serve e outras várias crenças sobre o ensino da música na educação infantil, mas ele deve lembrar que o seu papel é de “ampliar o universo de conhecimentos musicais da criança, de modo a permitir que construa conceitos musicais abertos e flexíveis” (BEYER, 2001, p. 51).

Diante de todas essas dificuldades e desafios para o Ensino da música na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, é preciso que o pedagogo tenha sempre clareza de sua identidade e invista tempo e esforços na sua formação musical para transformar sua prática docente e promover uma educação crítica e emancipatória.

Referências

BELLOCHIO, C. R.. O espaço da música nos cursos de pedagogia: demandas na formação do educador. In: Associação Brasileira de Educação Musical/ABEM SUL. IV Encontro regional da ABEM SUL. Educação Musical hoje: múltiplos espaços, novas demandas profissionais. (Anais) UFSM: Santa Maria, 2001, p. 13-25.

BEYER, E. O formal e o informal na educação musical: o caso da educação infantil. In: Associação Brasileira de Educação Musical/ABEM SUL. IV Encontro regional da ABEM SUL. Educação Musical hoje: múltiplos espaços, novas demandas profissionais. (Anais) UFSM: Santa Maria, 2001, p. 45-52.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília/DF: MEC/CONSED/UNDIME, 2019. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf Acesso em: 20 jan. 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 20 jan. 2020.

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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Brasília/DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/109224/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96 Acesso em: 20 jan. 2020.

BRASIL. Resolução CNE/CP n° 2, de 1 de julho de 2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file Acesso em 23 ago. 2020.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo/SP: Autores Associados, Cortez Editora, 1989.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008.

MAGALHÃES, Solange Martins Oliveira. A abordagem histórico-crítica na (re)construção e (re)significação conceitual do lúdico, brincar, brincadeira, brinquedo e o jogo. Revista Hipótese. Publicação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, v. 1, n. 4, p. 7-23, 2016.

MAGALHÃES, Solange Martins Oliveira. Formação docente: exercício da coexistência de práticas que valorizem as diferenças culturais. Horizontes, v. 33, n. 2, p. 09-18, jul/dez., 2015.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 9 ed. Campinas: Autores Associados, 2005.