Mary Neide Damico Figueiró

MESA REDONDA

Uma escola acolhedora abre espaço para a educação sexual: alinhamentos com a BNCC

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Introdução

Ademais, a BNCC recomenda incorporar aos currículos e às propostas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora.

Pensar sobre Educação Sexual, em um evento voltado para estudantes de Licenciatura e profissionais da Educação Básica, é necessário e urgente. Se desejamos uma escola acolhedora, temos que considerar que ela só o será se acolher os/as alunos/as por inteiro, com suas dúvidas, suas indagações, suas ansiedades e seus desejos de conhecer sobre si, sobre as relações humanas, incluindo as relações sociais, as de amizade e as afetivo-sexuais. Saber de si, da vida e das relações entre as pessoas é primordial. A escola será, certamente, mais motivadora para a criança e para o/a adolescente se não se restringir a prepará-lo/a para a Universidade e para o mundo do trabalho.

Por que a maioria das escolas reluta em desenvolver um trabalho que só teria a somar com as demais ações e que levaria os/as estudantes a ver mais sentido e mais alegria na escola? Por quê?

Ao voltarmos o olhar para um breve apanhado em registros históricos sobre Educação Sexual intencional no Brasil, constatamos que foi na primeira metade do século XX que esta teve seu início nas escolas, entretanto, foi somente na década de 1960 que se observou um período relativamente favorável, sobretudo nas escolas das grandes capitais, a saber: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Nessa mesma década, contudo, teve início a ditadura militar, que durou 21 anos (1964-1985) e veio acompanhada de repressão e censura, fazendo com que o número de experiências nas escolas diminuísse. Sua retomada, porém, não tardou, como esclarecem os autores abaixo, ao afirmarem que a Educação Sexual foi:

impulsionada a partir de 1980, com o aparecimento do HIV/AIDS. Após esse período intensificaram-se publicações acadêmicas, como artigos, teses e dissertações, para dar fundamentação cientifica para este trabalho. A formação continuada dos professores nesta área vem sendo ampliada desde 1990. A aceitação de que a Educação Sexual é papel da escola, tanto quanto da família, cresceu num nível satisfatório (FIGUEIRÓ; MOLINA; SANTOS, 2020, p. A3).

Em meados de 1996, o Ministério da Educação elaborou e distribuiu os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997) nos quais constavam os Temas Transversais – sendo um deles a Educação Sexual. Nesse período, um novo prisma se estabeleceu no cenário escolar brasileiro, pois os PCN significavam uma certa autorização para que as escolas assumissem a Educação Sexual, o que se estendeu por 15 anos, aproximadamente. Como estudiosa da Educação Sexual, considerei a proposta dos PCN uma boa forma de dar os primeiros passos, intencional e sistematicamente. Acredito, também, que, por meio dos PCN, muitos profissionais passaram a entender que a Educação Sexual pode e deve ser efetivada pelo próprio corpo docente, deixando de lado o velho hábito de convidar especialistas para atuarem com os alunos, em esporádicas e formais palestras. Aos poucos, porém, os PCN foram perdendo forças, por vários motivos, mas, principalmente: por se tratar apenas de “parâmetros”, sugestões, e não de lei ou de política pública e pelo fato de não ter havido investimentos satisfatórios na formação dos/as educadores/as, por parte dos órgãos - federal, estaduais e municipais - da Educação. E, na chegada do século XXI, o panorama não é alentador. É o que esclarece o pesquisador Paulo Rennes M. Ribeiro:

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o século XXI carece do ambiente mental escolar pró-sexual existente nos anos 60. Penso que ainda estamos retomando a caminhada no sentido de mais uma vez prepararmos o ambiente mental (perdido com as consequências do golpe de 1964) para acolher positivamente a Educação Sexual e as ações em prol da igualdade de gênero e da diversidade sexual (RIBEIRO, 2016, p.9).

“Nós ‘perdemos o bonde’ dos PCN”. Este foi um comentário importante feito também por Ribeiro em um evento científico recente, o que significa que, com os PCN em vigor, estávamos vivenciando um período favorável e razoavelmente seguro para que a Educação Sexual, como Tema Transversal, se concretizasse, mas não o aproveitamos. Acredito que os Temas Transversais trazidos pelos PCN só foram colocados em prática em um número reduzido de escolas. Em relação aos dizeres de que “perdemos o bonde dos PCN,” complemento com o que costumo falar em minhas palestras: “Se os profissionais da educação tivessem estudado e aplicado os Temas Transversais com afinco, quando chegou - em meados de 2012 - a onda avassaladora da Escola Sem Partido (ESP) e do discurso de Ideologia de Gênero – onda essa que continua em ação – já teríamos tido um exército de profissionais das escolas, que, primeiro, compreenderiam, efetivamente, o que é a Educação Sexual, e, segundo, já teriam podido constatar muitos dos seus bons resultados. Assim, bem preparado, esse exército poderia defender a Educação Sexual dos discursos enganosos; além disso, também teríamos muitos jovens que frequentaram os bancos escolares nesse período e que se somariam a esse exército na defesa pela Educação Sexual na escola”.

A fraca consideração para com a proposta de transversalidade dos PCN fica demonstrada na revisão sistemática da literatura sobre a Educação Sexual em escolas brasileiras, no qual foram analisados 24 artigos publicados entre 2010-2016:

as ações revisadas não atendem ao preconizado nos Parâmetros Curriculares Nacionais quanto à transversalização do tema. Destaca-se a necessidade de avançar no seu debate e investir em capacitação docente com vistas a transformar padrões sexuais discriminatórios e promover uma cultura de prevenção em saúde no ambiente escolar (FURLANETTO et al, 2018, p.255).

Em dezembro de 2017, foi homologada, pelo MEC, uma política nacional denominada Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2019a), que se constitui num documento normativo e obrigatório para todas as escolas públicas e particulares do país e que delineia as aprendizagens essenciais que se deve alcançar ao longo de toda a Educação Básica, a qual abrange a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Na BNCC, os Objetos de Conhecimento (conteúdos) relacionados à sexualidade encontram-se apenas no 1º e no 8º ano do Ensino Fundamental, com foco na biologia, sendo parte, exclusivamente, de Ciências. No 1º ano, como Objetos de Conhecimento, temos: - corpo humano; - respeito à diversidade. No 8º ano, temos: - mecanismos reprodutivos; - sexualidade. Assim, vemos que o ensino sobre sexualidade é incluído de maneira incompleta e conteudista. Some-se a isso, um outro fator limitante, apontado por Mattos (2017, p.46) em seu Trabalho de Conclusão de Curso: “A BNCC, em nenhum momento traz explicitamente as concepções de Educação Sexual, gênero e sexualidade.”

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Contudo, podemos encontrar alinhamentos com a BNCC que possam justificar projetos de Educação Sexual na escola? Em que pontos da BNCC estariam esses alinhamentos? Esta é uma questão a ser trabalhada neste texto e que será delineada na sequência, após a apresentação de alguns pontos que fazem parte da fundamentação teórica deste tema.

Educação Sexual: alguns elementos teóricos básicos

Para um entendimento do que seja a Educação Sexual, apresento aqui uma redefinição do conceito que elaborei na minha Dissertação (1995): Educação Sexual é toda ação ensino-aprendizagem sobre a sexualidade humana, seja em nível de conhecimentos científicos sobre o corpo, a sexualidade, as relações afetivo-sexuais e todas as temáticas relacionadas, seja em nível de reflexões e discussões sobre valores, normas culturais, sentimentos, emoções e atitudes relacionados à vida sexual.

Assim, a Educação Sexual pode ser realizada em todos os espaços formais, intencionalmente planejados, como o da sala de aula, o que se constitui como uma Educação Sexual formal. Ao mesmo tempo, pode estar acontecendo, também, nas relações interpessoais, e, neste caso, denominamos de Educação Sexual informal. Esta última acontece sem planejamento, de maneira informal, nas relações cotidianas. As letras de música, as novelas e a mídia como um todo, por exemplo, sempre passam mensagens que educam ou deseducam do ponto de vista sexual. Da mesma maneira, em uma sala de aula, pode acontecer a Educação Sexual informal, quando um professor, por exemplo, sem haver planejado, aproveita alguma pergunta ou algum fato ocorrido ou narrado em sala, para ensinar a partir daí.

Mendes, Pacheco e Melo (2020) chamam a atenção para o fato de que educadores e educadoras, sem saber, já realizam Educação Sexual todos os dias de sua vida, pois, nas relações entre as pessoas, está sempre acontecendo a educação, de mão dupla, e como parte dela, a Educação Sexual, já que a sexualidade é inseparável do ser humano.

O enfoque teórico que adoto é o da Educação Sexual emancipatória, que valoriza o aprendizado de todos os conhecimentos científicos sobre sexualidade, a fim de que os alunos/as possam vivê-la de maneira feliz e saudável. Além disso, ela busca ainda um alcance maior: formar cidadãos e cidadãs responsáveis, que saibam se posicionar contra todo tipo de discriminação e violência e que consigam trabalhar as mudanças necessárias para superar regras e normas sexuais repressoras – religiosas ou não. Nesta perspectiva teórica, destacam-se os compromissos com: o respeito a todo tipo de diversidade sexual; a luta pela igualdade de gênero; o alcance dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, que são considerados Direitos Humanos; e a luta pela prevenção à violência sexual infanto-juvenil e à violência feminina (FIGUEIRÓ, 2010). E em relação ao papel dos/as professores/as, ele é voltado para a formação integral, ou seja:

O papel do professor não se restringe às informações biológicas; seu papel é oportunizar que os educandos possam sanar dúvidas, expressar sentimentos e rever tabus e preconceitos, para construir uma visão positiva da sexualidade, de modo a vivencia-la sem culpa ou vergonha. Ao professor não cabe passar seus valores morais, mas oportunizar que o educando construa seus posicionamentos pessoais, a partir, inclusive, do que recebe de sua família. Assim, o propósito maior é desenvolver a autonomia moral e intelectual do educando, num paralelo com a formação dos valores morais importantes: respeito a si e ao outro, justiça, fraternidade, amor e igualdade (FIGUEIRÓ, MOLINA; SANTOS, 2020, p.A3).

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A Educação Sexual só será efetiva e acolhedora quando se constituir em um exercício de ensinar a pensar e for desenvolvida sistematicamente e de modo didaticamente funcional, ao longo de todos os anos escolares, pois só assim se poderá construir uma relação em que os/as professores/as conduzem o processo ensino-aprendizado a partir do saber ouvir, do estímulo às reflexões e da habilidade de coordenar debates, seja em pequenos grupos ou no conjunto da sala toda. De forma complementar, que nessa relação os/as alunos/as possam ter uma participação ativa e motivante em todo o aprendizado. Uma síntese importante de como deve ser a postura do/a educador/a, encontramos na fala de Yalen B. Yared (2021): “Faça mais perguntas do que dê respostas. Questione os alunos e alunas”.

É sumamente importante que a Educação Sexual aconteça em toda Educação Básica, a qual inclui a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Médio, e que a mesma conste do projeto político-pedagógico (PPP) da escola, o que poderá levar ao envolvimento de toda a equipe pedagógica, junto aos/às professores/as. Os/As profissionais da escola precisam estar cientes e convencidos de que é função da escola, tanto quanto da família, a formação moral e a Educação Sexual, primeiramente porque a escola é responsável pela formação integral da criança e do/a adolescente, e não apenas pela aquisição de conhecimentos e pelo desenvolvimento intelectual; em segundo lugar, porque é na escola que se encontra uma condição importante para esse trabalho: a presença dos/as colegas com idade próxima, para que possa haver debates, troca de ideias e para que se aprenda a respeitar a opinião dos/as colegas.

A preparação dos/as educadores/as para esse trabalho é imprescindível, tanto em sua formação inicial, nos cursos de graduação e de licenciatura, quanto na formação continuada. De forma paralela, é indispensável o exercício de reeducação sexual que cada educador/a necessita vivenciar para superar seus mitos e preconceitos e repensar seus tabus e, talvez, até a vergonha de falar sobre sexo com os alunos/as (KAWATA; NAKAYA; FIGUEIRÓ, 2018).

Vários autores/as ressaltam a importância da formação inicial e continuada dos professores/as, tais como: Costa (2016), Figueiró (2014), Guimarães (1989), Furlani (2008), Furlanetto et al (2018), Melo e Kornatzki (2013), Melo (2004), Ribeiro (2013) e Werebe (1998).

A BNCC e as possibilidades de alinhamentos com a Educação Sexual

Ao retomar a reflexão sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2019a), em busca de possibilidades, ou não, de se encontrar, neste documento, alinhamentos com o trabalho de Educação Sexual na escola, temos duas esferas para analisar. A primeira diz respeito à estrutura geral da BNCC, que inclui as Competências Gerais da Educação Básica e as Competências Específicas de cada Área e dos vários Componentes Curriculares: Ciências, Português, Geografia, História, Matemática, entre outros. Essa esfera inclui, ainda, os Objetos de Conhecimento (conteúdos) e as Habilidades (objetivos) de cada Componente Curricular. A segunda esfera de análise diz respeito aos Temas Contemporâneos Transversais (TCT) (BRASIL, 2019b), os quais parecem corresponder a uma “nova e ampliada roupagem” dos Temas Transversais constantes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Primeiramente, ressalto que a BNCC, em sua elaboração, está pautada em vários Marcos Legais, tais como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, do Ministério da Educação. Em todos os Marcos Legais encontram-se elementos que referendam o ensino da sexualidade na escola.

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Ressalto, ainda, que os fundamentos pedagógicos da BNCC estão alinhados ao compromisso com a educação integral da criança e do/a adolescente, e isso, por si só, já sinaliza a favor do ensino sobre sexualidade, pois a ideia de formação integral pressupõe que a/o educanda/o será considerada/o em seus aspectos cognitivo, físico, emocional, mental, psicológico, moral e afetivo. Vale informar que, em dezembro de 2017, a BNCC foi homologada pelo MEC e passou a valer em todo o Brasil.

No que diz respeito à busca de alinhamentos com a Educação Sexual, entre as 10 Competências Gerais da Educação Básica, destaco as seguintes:

n.8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

n.9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.

n.10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (BRASIL, 2019a, p.10).

É arriscado selecionar algumas Competências em detrimento das 7 restantes, pois, em quase todas elas, é possível pinçar alinhamentos com a sexualidade. Basta ter um olhar acurado. Assim, ressalto mais um outro exemplo dessas Competências:

n.1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2019a, p.9).

É compreendendo estudos históricos, como, por exemplo, a história das mulheres no Brasil e no mundo, que conseguimos entender a condição de desigualdade que, há séculos, tem dado origem à inferioridade da mulher em relação ao homem e à violência contra a mulher, chegando aos estupros e aos feminicídios, além de outras injustiças. É desnudando as características de nossa sociedade patriarcal, racista, machista, falocêntrica e heterossexista que compreendemos a nossa realidade, nela incluída, por exemplo, a alta incidência de violência infanto-juvenil perpetrada, em sua maior parte, por homens adultos, como o pai ou o padrasto.

Com relação às Competências Específicas de cada Área, vamos encontrar alinhamentos com os objetivos da abordagem emancipatória da Educação Sexual. Assim, por exemplo, como Competências Específicas de Linguagens para o Ensino Fundamental (que inclui: Português, Artes e Educação Física e Língua Inglesa), vale citar:

Utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista que respeitem o outro e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, atuando criticamente frente a questões do mundo contemporâneo. (BRASIL, 2019a, p.65).

Como exemplo de algumas “questões do mundo contemporâneo” importantes de ser incluídas no aprendizado escolar, recorremos a dados recentes divulgados sobre um estudo da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos do Paraná, que mapeou o perfil das meninas-mães no Brasil, por um período de 10 anos,

Nos últimos dez anos, entre 2010 e 2019, 252.786 meninas de 10 a 14 anos, além de 12 meninas com menos de 10 anos, engravidaram e tiveram filhos nascidos vivos. Isso representa uma média de 25.280 casos de gravidez de vulnerável por ano, ou 70 crimes por dia. Ainda, 4.948.724 adolescentes de 15 a 19 anos foram mães, o correspondente a 17% dos nascidos vivos (VALENGA, 2021).

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No que diz respeito à Educação Infantil, entre os 6 direitos de aprendizagem e desenvolvimento traçados pela BNCC, destaco: - expressar-se; - conhecer-se; e entre os 5 campos de experiências, destaco o item: - corpo, gestos e movimentos. Nestes pontos estão os alinhamentos, pois eles abrem espaço para: falar das diferenças entre o corpo do menino e da menina; o conhecimento das partes íntimas; a prevenção da violência sexual infanto-juvenil; e o aprendizado de atitudes protetivas contra esse tipo de violência. E mais: cruzando-se o “conhecer-se” com o aprender sobre o “corpo” justifica-se o ensino sobre a principal curiosidade de todas as crianças: De onde vêm os bebês. Também se pode trabalhar as relações de gênero, ajudando a criança a questionar a divisão rígida entre o jeito de ser menino ou menina.

Como afirmei anteriormente, a BNCC comporta o documento referente aos Temas Contemporâneos Transversais (TCT) e, nele, a sexualidade ou a Educação Sexual não está presente - de forma direta, diga-se de passagem. Como registrado no documento dos TCT: Os Temas escolhidos para o conjunto da Transversalização foram os que “na BNCC receberam, no currículo escolar, o espaço e o status compatíveis com a sua relevância” (BRASIL, 2019b, p.15). Para ilustrar, apresento alguns desses TCT incluídos: - educação financeira; - educação fiscal; - educação para o trânsito, e educação para o consumo, temas estes também importantes, mas que não se esperaria que estivessem “acima da relevância” da Educação Sexual.

Na busca de alinhamentos com a Educação Sexual nos TCT pertencentes à BNCC, destaco os seguintes: Educação Ambiental; Saúde; Vida Familiar e Social; Direitos das Crianças e do Adolescente; Educação em Direitos Humanos; Diversidade Cultural.

Um dado importante no documento dos TCT é a citação seguinte: “Os professores com os estudantes têm liberdade de escolher temas, assuntos que desejam estudar, contextualizando-os em interface com outros” (BRASIL, 2019b, p.15). Pronto! Temos, aqui, o melhor alinhamento possível para a inserção do tema sexualidade/Educação Sexual, justamente porque é frequente os/as alunos/as manifestarem desejo de aprender sobre temas ligados à sexualidade, aos relacionamentos afetivo-sexuais. A análise dos alinhamentos apresentados não se esgota aqui, devido ao limite do número de páginas para este texto que compõe o e-book.

Considerações Finais

A formação inicial em Educação Sexual – que deveria ocorrer durante a graduação/licenciatura – é fundamental, mas não prescinde da necessidade de formação continuada. E, ainda mais: não prescinde da necessidade de assessoria de profissional especializado, posterior a essas duas formações, já que, quando o/a educador/a está envolvido/a na prática profissional, surgem dúvidas e vários pontos para serem discutidos em grupo.

Ao buscarmos mais alinhamentos entre a Educação Sexual e a BNCC, é importante que estejamos alertas em relação aos Direitos Sexuais e aos Direitos Reprodutivos, pois, caso sejam minguados esses alinhamentos, que recorramos aos Temas Transversais dos PCN nos estudos e planejamentos do PPP da escola, pois, como dito no próprio documento: “A BNCC não deve ser vista como um documento que substitui as orientações contidas nos PCNs de 1998” (BRASIL, 2019a, p.15).

Ao apontar para o significativo avanço de estudos e experiências em Educação Sexual, um dos grandes pesquisadores nesta área chama a atenção para duas lacunas que precisam ser superadas para a efetiva implementação da Educação Sexual nas escolas brasileiras:

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É um contrassenso, pois o país possui pesquisadores diligentes, uma vasta bibliografia específica e com qualidade, universidades com projetos de intervenção significativamente reflexivos e transformadores, mas ainda há uma barreira para que a Educação Sexual seja oficialmente implementada. Não temos uma lei que a torne obrigatória e tampouco uma formação em educação sexual para professores e profissionais de saúde (RIBEIRO, 2013, p.10).

Sabemos da primorosa dedicação da maioria dos/as professores/as em sua prática pedagógica. Contudo, essa dedicação só vai valer a pena se houver empenho para que o aprendizado esteja voltado para a vida das crianças e dos/as adolescentes, de modo que, cada vez mais, sejam educados/as para a busca da felicidade, da saúde, do prazer sexual e da vida com dignidade, em um contexto permeado pelo estímulo à autonomia moral e intelectual.

Referências

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Notas

1.Psicóloga, doutora em Educação pela UNESP – SP, Mestre em psicologia Escolar pela USP de São Paulo e professora aposentada da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: contato@maryneidefigueiro.com.br

2. Frase constante na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2019a, p. 15)

3. Temas Transversais, nos PCN (BRASIL, 2997), consistem em temas ligados a questões sociais e que podem ser trabalhadas em qualquer matéria/disciplina. São eles: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Consumo e Trabalho e Educação Sexual.

4. Comentário feito pelo autor, em 22 de outubro de 2021, no “XIII Colóquio dos Grupos de Pesquisa Formação de Educadores e Educação Sexual”, da UDESC de Florianópolis, SC, no formato on line.

5. Para o entendimento do discurso da Ideologia de Gênero e sua ação maléfica sobre os planos de educação do Brasil, sugiro a leitura de Reis e Eggert (2017). Para um entendimento da repressão à Educação Sexual por conta desse discurso e da Escola Sem Partido (ESP), sugiro o livro: Educação Sexual: Saberes Essenciais para quem educa (FIGUEIRÓ, 2018).

6. O conceito por mim elaborado encontra-se, originalmente, na página 8 da Dissertação (FIGUEIRÓ, 1995).

7. Pode acontecer, ainda, de maneira não formal, como em Igrejas, museus e ações desenvolvidas por ONGs etc.

8. Para um aprofundamento teórico sobre a Educação Sexual informal, sugiro a leitura do livro “Educação Sexual no dia a dia” (FIGUEIRÓ, 2020).