Luciano Feliciano de Lima
luciano.lima@ueg.br

Maria Francisca da Cunha
maria.cunha@ueg.br

Eduardo José de Oliveira Estevão
eduestevao@hotmail.com

Rinalde Silva Moura
rinaldesm@yahoo.com.br

EIXO
Matemática e Física

Produção de vídeos de matemática: vivências de licenciandos e estudantes da educação básica

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Resumo

Objetiva-se evidenciar como a produção de vídeos de matemática contribui com o desenvolvimento da autonomia de educandos. Para isso reflete-se como participantes da residência pedagógica e estagiários, todos do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Goiás (UEG) câmpus Morrinhos, trabalharam em parceria com estudantes do segundo ano do ensino médio do Centro de Ensino em Período Integral (CEPI) Silvio Gomes de Melo Filho em Morrinhos/GO. Como resultado das atividades desenvolvidas no segundo semestre de 2020 durante o estágio e residência pedagógica, foram produzidos vídeos, envolvendo problemáticas do cotidiano. Motivados pela eletiva do professor Eduardo, esses licenciandos auxiliaram aos estudantes do ensino médio por meio de encontros via WhatsApp e Google Meet a produziram seus próprios vídeos. Percebeu-se um envolvimento ativo tanto dos acadêmicos quanto dos estudantes do Ensino Médio nesse processo de produção de vídeos, desde o levantamento de dados por meio de pesquisas, até a edição final dos vídeos produzidos e apresentados.

Palavras-chave: Educação Matemática. Produção de Vídeos de Matemática. Abordagem Dialógica e Investigativa.

Introdução

Buscamos refletir sobre como a produção de vídeos de matemática contribui com o desenvolvimento da autonomia de educandos. Essa ideia surge a partir da necessidade de adaptação a um ensino remoto derivado do afastamento social ocasionado pela Covid-19. Segundo FIOCRUZ (2020, p. 1), “COVID significa COronaVIrusDisease (Doença do Coronavírus), enquanto “19” se refere a 2019, quando os primeiros casos em Wuhan, na China, foram divulgados publicamente pelo governo chinês no final de dezembro.”

Como o vírus da Covid-19 é altamente contagioso, para diminuir sua proliferação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orientou o distanciamento social. Tal medida ocasionou mudanças na sociedade, dentre elas a inviabilidade de aulas presenciais (MÉDICI; TATTO; LEÃO, 2020).

Nesse sentido, foi necessário refletir sobre vídeos de matemática em que os alunos sejam sujeitos ativos no processo de produção de conhecimentos. Nossa preocupação como professores formadores centra-se em: i) contribuir com a formação de professores críticos que refletem sobre a própria prática profissional; ii) planejar possibilidades para a formação de professores de matemática compromissados com o desenvolvimento de cidadãos críticos e participativos.

Juntos, estagiários, residentes pedagógicos e professores orientadores pensamos em um ensino de matemática mais voltado para hábitos de investigação, despertados pela curiosidade e pelo prazer da descoberta. Assim, pensamos na produção de vídeos para despertar nos licenciandos o prazer de criar situações para que os alunos da educação básica construam conhecimento sobre o objeto de estudo. As orientações do Estágio Supervisionado (ES) e da Residência Pedagógica (RP), do curso de Matemática, implicam em aulas teórico-reflexivas semanais, com uma hora e meia de duração, ocorrendo remotamente via Google Meet. Devido ao distanciamento social, ocasionado pela Covid-19, as aulas práticas, que ocorreriam presencialmente no Centro de Ensino em Período Integral Silvio Gomes de Melo Filho (CEPI SGMF) foram substituídas por encontros online e por vídeos gravados pelos licenciandos.

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Na universidade, com os licenciandos, discutimos textos de autores como Freire (1998), Skovsmose (2000), Alarcão (2011), Alrø; Skovsmose (2010), Pérez Gómez (2015), D’Ambrosio (2016), André (2016) e Milani (2020). Eles defendem a ideia de que vivemos em um mundo conectado pela informação e, por isso, há muitas formas de obtê-las para além da escola. Na sequência, buscamos criar “um clima propício para a participação, para a emergência de sujeitos questionadores, críticos, criativos, que ao viverem essa experiência poderão posteriormente replicá-la com seus alunos” (ANDRÉ, 2016, p. 22).

A relevância de se criar outras abordagens pedagógicas para a aula de matemática, na formação inicial, tem a ver com a necessidade de possibilitar experiências reais para que nossos orientandos possam superar a resistência às mudanças. Essa resistência é fortemente fundada em “tradições e modelos pedagógicos que, se alguma vez tiveram sentido, para mim pelo menos, questionável, certamente hoje já não tem” (PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 11). Como afirma esse autor, embora ultrapassado e muito criticado, o ensino convencional está profundamente alicerçado em práticas pedagógicas reprodutoras. Por isso, é urgente oferecermos condições aos futuros professores para experimentarem alternativas a ele.

A formação inicial pode ser um momento oportuno de experimentar e de refletir sobre o potencial de alternativas pedagógicas para um trabalho com a matemática na educação básica. Afinal, a “possibilidade de inovação nas instituições educativas não pode ser proposta seriamente sem um novo conceito de profissionalização do professor, que deve romper com inércias e práticas do passado assumidas passivamente como elementos intrínsecos à profissão” (IMBERNÓN, 2006, p. 19). Nesse sentido, buscamos favorecer um ambiente em que tanto os licenciandos quanto os alunos da escola pudessem se envolver ativamente. Compartilhamos a compreensão de que a aprendizagem se dá mediante um convívio social, como afirma Freire (2011, p. 95), “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” e de que “o conhecimento é construído ativamente pelo aprendiz, não é passivamente recebido do exterior” (PÉREZ GÓMEZ, 2015, p. 47).

Para a produção dos vídeos concordamos com Freire (1998) que há a necessidade de uma abordagem dialógica para o desenvolvimento da autonomia dos educandos e com Skovsmose (2000) sobre a relevância de uma abordagem investigativa, na aula de matemática, visando promover o envolvimento dos alunos. A seguir expomos o caminho adotado para o desenvolvimento do trabalho.

Percurso trilhado para produzir os vídeos

Com as aulas presenciais suspensas e mantidas as orientações do Estágio Supervisionado (ES) e da Residência Pedagógica (RP), por via remota, buscávamos refletir sobre “como a produção de vídeos de matemática contribui com o desenvolvimento da autonomia de educandos” conservamos uma interação constante entre escola e universidade, viabilizadas por meio de mídias sociais como o WhatsApp, o Google Meet, o Youtube sem deixar de lado comunicações via e-mail.

O processo adotado visava possibilitar uma aprendizagem com maior envolvimento dos alunos, nesse sentido sugerimos três tipos distintos para a produção de vídeos de Matemática: (i) exercícios com uma resposta única; (ii) problemas abertos que demandem discussão e busca de solução por meio de pesquisa e trabalho em equipe; (iii) análise e discussão de um problema real, escolhido pelos sujeitos aprendentes, para a comunicação e defesa de uma ideia utilizando a Matemática como meio para uma análise crítica da situação estudada. Trataremos desse último.

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Os participantes são dois (02) professores formadores da educação básica (Colégio Silvio Gomes de Melo Filho), dois (02) professores formadores do ensino superior e trinta e dois (32) estagiários e residentes pedagógicos em Matemática da Universidade Estadual de Goiás Câmpus Morrinhos. As reuniões ocorreram semanalmente cada uma com 1 hora e 30 minutos para refletir sobre autores da Educação e da Educação Matemática. Paralelamente à discussão dos textos, refletimos sobre a produção de vídeos considerando os estudantes, da educação básica, como sujeitos de conhecimento, cabendo ao professor “criar, estruturar e dinamizar situações de aprendizagem e estimular a aprendizagem e a autoconfiança nas capacidades individuais [dos alunos] para aprender.” (ALARCÃO, 2011, p. 30).

Nos vídeos do tipo (iii) os licenciandos foram convidados a produzir três vídeos sobre uma problemática do cotidiano. Além desses, um último vídeo foi produzido especificando o caminho percorrido para sua elaboração. Esses quatro vídeos foram encaminhados ao professor formador da universidade para ser avaliado e, caso não houvesse a necessidade de realizar alterações, era postado na página Educação Matemática UEG-Morrinhos. O professor formador da universidade criou uma playlist (lista de reprodução) com todos os vídeos e encaminhava o link ao professor da escola para ser disponibilizado aos alunos da educação básica.

Os professores formadores contribuíam com sugestões para a elaboração dos vídeos que envolviam questões técnicas como qualidade da imagem, do áudio, preocupação com uma narração audível, coerência da organização do conteúdo exposto, o tempo de duração do vídeo dentre outros. Aspectos pedagógicos também foram sugeridos pelos formadores, aos estagiários, como o objetivo do vídeo, a apresentação do conteúdo matemático, possíveis relações com uma situação problema, sugestões de reflexões dentre outros.

Nesse movimento, os licenciandos preocuparam-se em destacar o assunto dando ênfase a dados matemáticos. As temáticas, escolhidas pelos licenciandos foram: Covid-19, Bebida alcoólica, Letramento Matemático, Queimadas, LGBT+, Cigarro, Deficiência visual, Esgoto, Violência contra a mulher, Gravidez na adolescência, Água, Agropecuária/Agronegócio, Endividamento de famílias brasileiras, Mapa da Fome, Trânsito, Custo de energia, Educação Financeira, Produção leiteira na região sul de Goiás, Política, Pátria Amada Brasil e Segurança do Trabalho.

Os alunos do ensino médio, participantes da Eletiva Lendo o mundo através da Matemática do professor Eduardo Estevão foram orientados pelos estagiários e residentes pedagógicos para a produção de seus respectivos vídeos. Primeiramente foram convidados a assistir aos vídeos dos licenciandos, disponibilizados no Youtube, em um segundo momento escolheram um tema para produzir um vídeo. O professor Eduardo disponibilizou uma tabela com o nome, o tema e o WhatsApp dos alunos do segundo ano do CEPI SGMF no grupo de orientação do estágio supervisionado e da residência pedagógica. Na sequência os licenciandos escolheram qual tema gostariam de orientar, entraram em contato com os alunos e iniciaram a orientação dos trabalhos via grupo do WhatsApp e Google Meet. Os trabalhos dos alunos da escola versaram sobre: Covid-19; Desafio aos olhos: Arte ótica é explicada pela Matemática; Cotação do Dólar; Matemática e suas Tecnologias; O Oceano e o Espaço; Política Econômica; Racismo no Brasil; Trânsito. No próximo item apresentamos nossas considerações acerca do trabalho desenvolvido.

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Considerações

A produção de vídeos, refletindo sobre problemáticas do cotidiano, possibilitou aos licenciandos (residentes pedagógicos e estagiários) o desenvolvimento da autonomia. Processo viabilizado passando pela escolha das temáticas, pelas pesquisas para a roteirização do vídeo, pelas escolhas das imagens, pela gravação do áudio, pela sincronização do vídeo, pelo ir e vir, dos orientandos aos orientadores (licenciandos com os professores formadores e alunos do CEPI com os licenciandos) para o aperfeiçoamento do trabalho, pela escuta atenta, pelo desejo de entender uma problemática do cotidiano, apresentá-la por meio de dados matemáticos e permitir a viabilização do vídeo, ou seja, compartilhando o trabalho com outras pessoas.

Nesse sentido, contribuir para que os licenciandos e alunos da educação básica desenvolvam a autonomia implica em “um profundo respeito pela identidade cultural dos alunos e das alunas” (FREIRE, 2014, p. 92). Respeito à linguagem, cor, gênero, classe, orientação sexual e capacidade intelectual dos alunos. Ao respeitar o outro, o professor, por meio de suas ações, evidencia sua compreensão do aluno como sujeito produtor de conhecimento. Consequentemente, como se mostrou, e é possível ver no canal do Youtube Educação Matemática – UEG câmpus Morrinhos, o educando sente-se acolhido e com liberdade para mostrar sua capacidade de produção de conhecimento.

A atividade desenvolvida despertou nos educandos, sejam esses universitários ou da Educação Básica, a corresponsabilidade e o interesse pelos estudos, levando-os a reconhecerem que o conhecimento é uma poderosa ferramenta para o exercício da cidadania, bem como para uma interação social mais ativa, responsável e ética e que é possível por meio do conhecimento matemático entender melhor o que nos cerca.

Referências

ALARCÃO, I. Professores Reflexivos em uma Escola Reflexiva, 8. ed. Coleção Questões da nossa época. São Paulo, Cortez Editora, 2011.

ALRØ, H.; SKOVSMOSE, O. Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática. tradução Orlando Figueiredo. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

ANDRÉ, M. Formar o professor pesquisador para um novo desenvolvimento profissional In Práticas inovadoras na formação de professores. Marli André (org.) Campinas, SP: Papirus, 2016.

D’AMBROSIO, U. Educação para uma sociedade em transição. 3. ed. Revista e ampliada. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016.

FIOCRUZ. Por que a doença causada pelo novo vírus recebeu o nome de Covid-19? Disponível em: https://portal.fiocruz.br/pergunta/por-que-doenca-causada-pelo-novo-virus-recebeu-o-nome-de-covid-19. Acesso em: 14 jan. 2021.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Coleção Leitura. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia dos sonhos possíveis. Organização Ana Maria Araújo Freire. 1ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

MÉDICI, M. S.; TATTO, E. R.; LEÃO, M. F. Percepções de estudantes do Ensino Médio das redes pública e privada sobre atividades remotas ofertadas em tempos de pandemia do coronavírus. Revista Thema, v. 18, n. ESPECIAL, p. 136-155, 2020.

MILANI, R. Transformar Exercícios em Cenários para Investigação: uma possibilidade de Inserção na Educação Matemática. Perspectivas da Educação Matemática. Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UFMS. Vol. 13, n. 31, 2020.

PÉREZ GÓMEZ, Á. I. Educação na era digital: a escola educativa. Tradução: Marisa Guedes; revisão técnica: Bartira Costa Neves. Porto Alegre: Penso, 2015.

SKOVSMOSE, O. Cenários para investigação. Boletim de Educação Matemática. São Paulo: Unesp, Rio Claro, 2000.

Notas

1. Professor do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Goiás campus Morrinhos. Possui doutorado em Educação Matemática pela Unesp campus Rio Claro (SP).

2. Professor do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Goiás campus Morrinhos. Possui doutorado em Educação Matemática pela Unesp campus Rio Claro (SP).

3. Professor de Matemática do Colégio Estadual Silvio Gomes de Melo Filho. Possui mestrado em Ensino de Matemática pela Universidade Federal de Goiás campus Catalão e graduação em Matemática pela Universidade Estadual de Goiás campus Morrinhos.

4. Professor de Matemática do Colégio Estadual Silvio Gomes de Melo Filho. Possui graduação em Matemática pela Universidade Estadual de Goiás campus Morrinhos.

5. LIMA, Luciano Feliciano de. Educação Matemática UEG-Câmpus Morrinhos. Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCIDZUmTfRp_GlFsQ_fNMizA

6. Eletiva é um componente curricular oferecido semestralmente e de livre escolha dos estudantes. A eletiva escolhida para a produção dos vídeos apresentados foi Lendo o Mundo Através da Matemática.