Bárbara Isabela Soares de Souza
barbaraiss@ufg.br

Flávia Ferreira da Costa
flaviadlacosta@gmail.com

EIXO
Formação de Professores (Didática, Didáticas Específicas)

Limites da formação continuada de professores no cenário pandêmico

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Resumo

O objetivo do presente estudo é realizar uma análise das condições que têm permeado a formação continuada de professores no ensino remoto, especificamente, no que concerne a duas instituições de ensino vinculadas às Secretarias Municipais de Educação (SME) de Goiânia e Aparecida de Goiânia, cidades situadas no Estado de Goiás. Para isto, desenvolvemos uma Pesquisa Descritiva, realizando a coleta de dados por meio de um questionário online por meio do Google Formulários. Os resultados indicam que existem limites na formação continuada destes professores, posto que há centralidade nas capacidades voltadas ao manuseio das plataformas digitais. Atrelado a isto, constatamos que houve um aumento da carga horária de trabalho, a qual é acompanhada pela diminuição da carga horária dedicada à formação continuada.

Palavras-chave: Formação Continuada. Docência. Ensino Remoto.

Introdução

Fundamentados nos princípios teórico-metodológicos da Pedagogia Histórico-Crítica, realizamos a defesa de que a educação escolar possui a função social de garantir o acesso aos conhecimentos historicamente acumulados pelas gerações de seres humanos, especificamente, no que concerne aos saberes clássicos e científicos. A concretização deste papel está relacionada à existência da figura docente, cuja função é conduzir o processo de ensino e aprendizagem, tornando os conhecimentos assimiláveis pelos estudantes mediante a sua seleção, dosagem e sequenciamento. Conforme aponta Martins (2017), o trato concedido ao conhecimento pelo professor não se constitui como um fator a ser secundarizado, de forma que as mediações promovidas por esta figura mobilizam aspectos qualitativamente distintos no processo de formação humana dos estudantes.

Diante disso, estabelecemos a formação continuada de professores como objeto de estudo do presente texto. Estamos partindo do pressuposto de que se esta figura ocupa um espaço de relevância na educação escolar, de forma a contribuir para a apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, é necessário investigarmos o próprio processo de acesso destes indivíduos a este legado. Corroboramos com Galvão, Lavoura e Martins (2019) ao declararem que a docência exige um conhecimento profundo da prática social, sendo imperioso garantir uma sólida formação inicial, bem como, espaços permanentes de capacitação.

Compreendemos que não podemos realizar esta análise de forma fragmentada do contexto histórico, político, econômico e educacional em que estamos inseridos, sendo imprescindível situar esta discussão no cenário de excepcionalidade pandêmica, o qual foi delineado internacionalmente como uma consequência do elevado potencial de transmissibilidade do Novo Coronavírus (SARS-CoV-2). Desde então, temos vivenciado as desoladoras consequências desta crise, alcançando, mundialmente, mais de 180 milhões de contaminados e mais de 3,90 milhões de mortes. No cenário nacional, atingimos, conforme dados do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (CONASS), mais de 18,2 mil contaminados e 505 mil mortes.

Objetivando conter a propagação do vírus, diversas estratégias foram adotadas e, dentre estas, o isolamento social. Neste processo, destacamos a interrupção das atividades presenciais das instituições de ensino públicas e privadas vinculadas à Educação Básica e ao Ensino Superior, cujas atividades foram retomadas no formato não-presencial por meio das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs). O “ensino remoto” tem gênese nesta conjuntura, sendo tomado como “receita” e “remédio” para a solução emergencial dos males que arremeteram o ensino presencial.

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Desde a gênese destes processos, os professores(as) vinculados a estas redes têm se debruçado no planejamento e sistematização das atividades que irão compor o ensino remoto. Entretanto, de acordo com Saviani e Galvão (2020), não houve uma preocupação, por parte das redes de ensino em garantir que os professores(as) pudessem dispor dos aparatos necessários à realização das atividades não-presenciais, fazendo com que os mesmos arcassem com as consequências disso, como é o caso da ausência de formação continuada.

Conforme Saccomani e Coutinho (2015), os cursos de formação inicial e continuada de professores têm sido caracterizados por um esvaziamento dos fundamentos científicos, tornando-se espaços de tecnificação do ensino, ou seja, limitando-o à mera execução de técnicas. Nos opomos a esta perspectiva, uma vez que compreendemos que a formação continuada deve ser permanente, objetivando, sobretudo, proporcionar aos docentes uma sólida formação teórica e científica, orientada no ensino amplo dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. Diante do atual cenário, nunca se foi tão necessário reforçar esta concepção, tendo em vista a primordialidade em possibilitar aos docentes uma consciência crítica e reflexiva sobre os limites e contradições do ensino remoto. Diante disso, cabe questionarmos: em que medida foram promovidos espaços de formação continuada para a promoção do ensino remoto no cenário não-presencial?

Ao considerarmos as especificidades do Estado de Goiás, identificaremos que o regime de aulas não presenciais foi autorizado pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) em meados de julho de 2020. No presente estudo, nos debruçaremos na investigação de dois municípios localizados neste Estado, Goiânia e Aparecida de Goiânia, tendo em vista a proximidade de atuação profissional das pesquisadoras, apontando os dados coletados sobre a formação continuada dos docentes vinculados às respectivas redes municipais de ensino.

Metodologia

Para investigar as condições que têm permeado a formação continuada de professores(as) no cenário pandêmico, realizamos uma Pesquisa Descritiva (GIL, 1999). Optamos por utilizar um questionário on-line como instrumento de coleta de dados, tendo em vista a necessidade em seguir as orientações de distanciamento social emitidas pelas entidades sanitárias. Este questionário foi registrado no Google Formulários, permanecendo disponível por uma semana aos docentes participantes. O universo da pesquisa foi composto por professores(as) de duas instituições de ensino públicas municipais, as quais estão vinculadas à Secretaria Municipal de Educação (SME) de Goiânia e a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Aparecida de Goiânia, nas quais são ofertadas vagas para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

A Escola A está localizada na região norte de Goiânia, possuindo, em média, 750 alunos. Esta instituição possui 35 professores, de forma que os mesmos atuam na Educação Infantil, no Ciclo da Infância (1° ao 4° ano do Ensino Fundamental) e no Ciclo da Adolescência (6° a 9° ano do Ensino Fundamental). A Escola B está localizada na região central de Aparecida de Goiânia, tendo aproximadamente, 650 alunos matriculados. Esta instituição possui 26 professores, os quais atuam em turmas da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.

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Resultados e Discussões

A Secretaria Municipal de Educação e Esporte (SME) de Goiânia iniciou o ensino remoto no segundo semestre de 2020, utilizando, primeiramente, a transmissão televisiva do programa Conexão Escola. Para isto, foi estabelecida uma parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), possibilitando que os estudantes tivessem acesso às atividades pedagógicas por meio da TV UFG nos canais abertos. Em seguida, adotou o Ambiente Virtual de Aprendizagem Híbrido (AVAH), plataforma on-line em que são disponibilizadas atividades pedagógicas para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e a Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos (EAJA). Devido ao prolongamento do cenário pandêmico em 2021, a SME/GO permitiu que as instituições de ensino adotassem outros espaços digitais, objetivando estabelecer maior interação entre os professores(as) e estudantes.

Por seu turno, a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Aparecida de Goiânia deu início ao ensino remoto em abril de 2020, instituindo que os professores(as) utilizassem um dos aplicativos de mensagens instantâneas, o WhatsApp, para promover o envio das atividades pedagógicas, bem como, estabelecer a interação entre professores e alunos. Este modelo de propostas não-presenciais permaneceu durante 01 ano, de forma que em 2021 esta secretaria deu início ao processo de implementação do Ambiente Virtual de Aprendizagem de Aparecida (AVAP), exigindo que esta plataforma fosse utilizada pelas instituições de ensino de Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Ressaltamos que dentre os 61 professores(as) que estão vinculados às duas instituições de ensino abarcadas por este estudo, apenas 26 responderam ao questionário, correspondendo, portanto, a 42,6% desta totalidade. No que diz respeito à formação inicial, identificamos que 25 sujeitos da pesquisa cursaram Licenciatura em Pedagogia, constituindo 96,1% e, apenas 01 apresenta graduação em Licenciatura em Letras, correspondendo a 3,8%. Estas formações foram realizadas, majoritariamente, em Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, somando 14 respostas e, portanto, 53,80%. No que concerne às IES públicas, identificamos que as opções relacionadas à IES pública estadual e IES pública federal, receberam 06 respostas, compondo 23,10% cada.

Objetivando identificar a formação continuada destas professoras, constatamos que 23 realizaram Pós-Graduação Lato Sensu, constituindo 92,3% desta amostragem. Destacamos que ao verificar as respostas, apenas 01 participante declarou ter cursado Pós-Graduação Lato Sensu e Stricto Sensu, apresentando, portanto, Especialização e Mestrado. Ao questionarmos sobre as IES em que estas Pós-Graduações foram realizadas, constatamos que 23 professores cursaram no âmbito privado, correspondendo a 92%.

Mediante a adoção do ensino remoto como estratégia de continuidade das atividades escolares, os(as) professores(as) precisaram ampliar com premência o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs). Constitui-se de significativa relevância registrar que o sentido dado a estas ferramentas digitais modificou-se diante deste cenário, uma vez que em momentos anteriores o emprego das mesmas estava atrelado ao uso pessoal e esporádico. No cenário não-presencial, este exercício tornou-se cotidiano e constante, estando vinculado à necessidade de direcioná-las para a promoção do ensino.

Portanto, estes(as) professores(as) possuíam, em certa medida, saberes prévios sobre estas tecnologias. Entretanto, não dominavam os conhecimentos necessários para conceder-lhes um sentido pedagógico. Isto evidencia a imprescindibilidade em oportunizar uma formação continuada que lhes concedam os elementos necessários para tal. Diante disso, interpelamos os sujeitos participantes desta pesquisa sobre a realização de cursos de capacitação promovidos pelas respectivas redes municipais.

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Conforme apontam os dados, 54% dos participantes indicaram que estas redes não promoveram cursos de formação continuada no decorrer do cenário pandêmico. Por outro lado, 46% declararam que foram promovidos espaços de capacitação, havendo predominância dos treinamentos direcionados ao manuseio das plataformas específicas destas redes municipais, sendo o Ambiente Virtual de Aprendizagem Híbrido (AVAH) e o Ambiente Virtual de Aprendizagem de Aparecida (AVAP).

Diante disso, podemos afirmar que a formação continuada oportunizada a estes professores esteve pautada, sobretudo, na perspectiva de tecnificação do trabalho pedagógico, tendo em vista que o seu objetivo é ensiná-los a manusear estas plataformas digitais, aproximando-se de uma concepção reducionista de educação e ensino. Esta reflexão pode ser realizada à luz da música “Cotidiano”, cuja autoria é de Chico Buarque, em que afirma-se “todo dia ela faz tudo sempre igual [...]”, indicando que há uma repetição permanente das mesmas ações e comportamentos. O professor, no contexto do ensino remoto, vivencia permanentemente esta situação, tendo em vista a mecanização de suas ações pedagógicas.

As demais perguntas do questionário objetivavam verificar a existência de um aumento da carga horária de trabalho durante o ensino remoto. Para isto, os participantes apresentaram, primeiramente, os dados relacionados à carga horária de trabalho contratada, sendo: 13 professores(as) exercem 30h, correspondendo, portanto, a apenas um turno; 11 profissionais cumprem uma carga horária de 60h, desenvolvendo suas atividades em ambos os turnos; 02 participantes indicaram uma carga horária de 40h, correspondendo ao trabalho em um turno, acompanhado da complementação de carga horária no contraturno.

Em seguida, registraram suas impressões com relação ao volume de trabalho durante o ensino remoto, sendo unânime a resposta de que houve um aumento. Ao especificarem a carga horária que está sendo realizada durante as atividades não presenciais, os(as) participantes(as) registraram que o trabalho pedagógico está sendo desenvolvido nos três turnos, acumulando, em média, entre 60h a 120h.

Há que considerar que o aumento da carga horária de trabalho é acompanhada pela diminuição da carga horária dedicada à formação continuada. Fundamentados por Galvão, Lavoura e Martins (2019), entendemos que os professores(as) devem possuir uma ampla compreensão dos conhecimentos clássicos e científicos, tendo em vista que isto é imprescindível para que possa cumprir sua função social, possibilitando a humanização dos indivíduos singulares, ou seja, “[...] a formação de pessoas com capacidade de reflexão e intervenção crítica nesta mesma prática social, compreendendo-a, explicando-a e modificando-a” (GALVÃO; LAVOURA; MARTINS, 2019, p. 61).

Considerações Finais

O objetivo do presente estudo foi realizar uma análise das condições que têm permeado a formação continuada de professores no ensino remoto. Para tanto, investigamos o trabalho que vem sendo desenvolvido por 26 (vinte e seis) professores(as) vinculados às Secretarias Municipais de Educação (SME) de Goiânia e Aparecida de Goiânia. Promovemos uma Pesquisa Descritiva, realizando a coleta de dados por meio de um questionário online por meio do Google Formulários. Os resultados indicam que existem limites na formação continuada destes professores, posto que há centralidade nas capacitações voltadas ao manuseio das plataformas digitais, aproximando-se de uma perspectiva reducionista de educação e ensino. Atrelado a isto, constatamos que houve um aumento da carga horária de trabalho, a qual é acompanhada pela diminuição da carga horária dedicada à formação continuada.

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Referências

ADRIÃO, T. Dimensões e Formas da Privatização da Educação no Brasil: caracterização a partir de mapeamento de produções nacionais e internacionais. Revista Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 1, p. 8-28, jan./abr. 2018.

CASTRO, D. P; RODRIGUES, N. D. de S; USTRA, S. R. V. Os reflexos do ensino remoto na docência em tempos de pandemia da Covid-19. Revista EDaPECI, São Cristovão, v. 20, n. 3, p. 72-86, set./dez., 2020.

GALVÃO, A. C.; LAVOURA, T. N.; MARTINS, L. M. Fundamentos da Didática Histórico-Crítica. Campinas: Autores Associados, 2019.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.

SACCOMANI, M. C.; COUTINHO, L. C. S. Da formação inicial de professores à formação continuada: contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica na busca de uma formação emancipadora. Germinal, Salvador v. 7, n. 1, 2015.

SAVIANI, D; GALVÃO, A. C. Educação na pandemia: a falácia do “ensino” remoto. Revista Universidade & Sociedade, ANDES-SN, n° 67, jan,, 2021.