Lia Barbosa Teodoro
liabarbosateodoro@gmail.com

Leandro Jorge Coelho
leandrocoelho@ufg.br

Michel Mendes
michel.mendes@ufg.br

EIXO
Ciências Biológicas e Química

Relato de experiência de uma preceptora sobre a formação docente em gênero e sexualidade na residência pedagógica

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Resumo

O presente relato tem como objetivo apresentar as experiências vivenciadas por uma preceptora durante o Programa de Residência Pedagógica, no Centro de Ensino em Período Integral Dom Abel SU, localizado na cidade de Goiânia-GO. Neste trabalho, será apresentado o período de preparação e regência de 10 residentes do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás, vinculado ao subprojeto “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola”. Os residentes foram organizados em duplas para a regência na disciplina de iniciação científica proposta pelo modelo de escolas em tempo integral. O período de regência ocorreu de 23 de fevereiro a 05 de abril de 2021. O subprojeto, além de abordar a temática gênero e sexualidade na escola, também inseriu acadêmicos do curso de licenciatura no contexto escolar para entenderem a dinâmica do dia a dia do professor.

Palavras-chave: Relato de experiência. Gênero. Sexualidade.

Introdução

A atuação docente está intimamente ligada à prática e o dia a dia do professor na sala aula. Pensar no planejar, executar e avaliar são passos a serem seguidos pelo professor em seu trabalho diário. Nessa perspectiva, o processo de estágio e dos programas de indução à docência, em especial o Programa Residência Pedagógica (PRP) é voltado para oportunizar esse momento de vivência da prática docente (BRASIL, 2020).

O subprojeto “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola”, lançado a partir da aprovação do PRP, Edital CAPES nº 01/2020, vinculado ao curso de Licenciatura em Ciências Biológicas/UFG, conta com a participação de três escolas parceiras: o Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação - CEPAE, o Colégio Estadual Robinho Martins De Azevedo e o Centro de Ensino em Período Integral Dom Abel S.U. Cada unidade escolar tem aproximadamente 10 residentes, os quais desenvolvem todas as atividades vinculadas à Residência Pedagógica (RP). As atividades da RP têm como objetivo ampliar as possibilidades de diálogo entre os licenciados, o professor de Ciências e Biologia e a escola-campo, além de contribuir para a formação inicial dos residentes e para a formação continuada dos preceptores acerca das relações de gênero e da diversidade de orientação sexual.

De acordo com Freitas, Freitas e Almeida (2020, p. 9) “o PRP favoreceu a troca mútua de saberes entre a universidade e a escola, de forma significativa para ambos, aproximando a formação acadêmica das reais demandas do ensino público”. E segundo os mesmos autores, a RP “possibilita ainda essa aproximação do licenciando com o ambiente escolar, favorecendo a construção da formação de educadores mais sólidos e que acompanhem as mudanças no contexto educacional com mais experiência” (2020, p. 10).

O processo de formação continuada dos professores da educação básica é outro ponto de relevância na RP, pois diminui a distância entre a universidade e a escola, além de propiciar estudos relacionados à temática do subprojeto desenvolvido na RP, o qual contribui para o processo de formação continuada. Para Silva et al. (2019, p. 3)

A “imersão” proposta pelos programas de residência pedagógica permite um viés de dupla função: onde os residentes conseguem, de fato, vivenciar o universo da rotina escolar e todas as múltiplas facetas que ela apresenta, assumindo o papel de protagonista na sua construção (formação) enquanto profissional docente; e aos preceptores, possibilita uma proposta de formação continuada, diminuindo assim a distância entre escola e universidade.

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O contato direito entre licenciandos e preceptores proporciona a aproximação da realidade escolar que são evidenciados durante o período de estudos e regência na RP. A partir dos estudos e do próprio contato dos residentes com os alunos na unidade escolar, é perceptível a realidade multifacetada da escola. Segundo Barros (2017, p. 3), “a escola ainda se apresenta como um espaço constituído através da discriminação e da violência, práticas que marcam seu cotidiano”. Por isso, o subprojeto “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola”, vinculado a RP, faz-se necessário, pois aborda temas referentes a diversidade de gênero e orientação sexual que precisam ser discutidos e debatidos no ambiente escolar, buscando o enfoque na aquisição de conceitos e termos corretos, além de propiciar momentos de reflexões tão necessários nesse ambiente marcado pela diversidade e, em vários momentos, pela exclusão, pelo bullying, pela rejeição daqueles que destoam dos padrões cisheteronormativos.

Pensando na possibilidade dos momentos de reflexão sobre a diversidade humana, através de questionamentos entre professores e alunos, o subprojeto de RP, vinculado ao curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, com a temática “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola”, traz essa oportunidade. Freire defende que o processo de ensinar não é exclusivo do professor, ou seja, “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas sim criar oportunidades para a sua produção ou construção” (FREIRE, 2019, p. 47), dinâmica que guiou teórico e metodologicamente as ações do subprojeto.

Diante disso, o presente trabalho tem por objetivo apresentar as experiências vivenciadas por uma preceptora durante o Programa de Residência Pedagógica, no Centro de Ensino em Período Integral Dom Abel SU, localizado na cidade de Goiânia-GO, a fim de refletir sobre as contribuições desse programa e de sua temática na formação docente.

Relato de experiência

O subprojeto do PRP a vinculado ao curso de Licenciatura em Ciências Biológicas/UFG, foi desenvolvido em parceria com o Centro de Ensino em Período Integral (CEPI) Dom Abel SU, situado em Goiânia-GO, no setor Leste Universitário. A unidade escolar faz parte da rede estadual de ensino em Goiás e conta com alunos na faixa etária entre 11 a 14 anos do ensino fundamental II, do 6º ao 9º ano. O período de regência na referida unidade escolar foi de 23 de fevereiro a 05 de abril de 2021, desenvolvido com alunos do 9º ano, turma A, na disciplina de Iniciação Científica. As atividades de regência foram desenvolvidas em cinco momentos: ambientação da unidade escolar, proposta da regência na disciplina de Iniciação Científica, atividades a serem seguidas conforme cronograma, acompanhamento da construção do plano de aula e regência propriamente dita.

A seguir, apresenta-se a experiência de acompanhamento da preceptora durante a execução das 40h de regência do módulo I, conduzido pelos residentes (acadêmicos da licenciatura em Ciências Biológicas) do subprojeto.

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O período de regência na unidade escolar aconteceu em cinco momentos. Para o primeiro momento, que antecedeu a regência, foi proposto aos 10 residentes o processo de ambientação da unidade escolar CEPI Dom Abel SU, através da leitura e discussão do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, com reuniões entre residentes e preceptora. Essa ambientação trouxe aos residentes o perfil da escola de Tempo Integral, as particularidades desse modelo de ensino e a realidade da turma em que as aulas foram desenvolvidas. Esse momento foi essencial por apresentar aos residentes o histórico da escola, a vivência do modelo de ensino em tempo integral com enfoque na disciplina de iniciação científica, as particularidades da turma, o perfil dos alunos e a situação vivenciada frente ao Regime Especial de Aulas Não Presenciais (REANP), adotado pelo Estado de Goiás.

No segundo momento foi apresentado aos residentes a proposta de trabalho na unidade escolar, enfatizando a pergunta norteadora do projeto da disciplina de iniciação científica a ser desenvolvida pelos estudantes do colégio: Quais as percepções dos alunos do CEPI Dom Abel SU sobre as dimensões da sexualidade humana? Ademais, foi apresentado o plano de aula da disciplina, a matriz da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para elaboração dos planos de aula, a definição de duplas e temas para serem discutidos juntos aos alunos do 9ºA.

O terceiro momento foi a apresentação do cronograma de atividades que os residentes deveriam seguir a cada semana, pensando no planejamento e acompanhamento do plano de aula, na regência, na observação das aulas e na sugestão de leituras para os alunos. A confecção do cronograma serviu para nortear os residentes para se organizarem e não perderem as datas de envio, análise de planos e relato do momento da aula ministrada. Vale ressaltar que a escola é dinâmica e que os atores envolvidos muitas vezes têm que adequar a realidade vivenciada em cada situação, fato que aconteceu no período de regência promovendo alterações no cronograma. Essa situação serviu de base para compreender que o planejamento precisa ser flexível, pois na prática a execução pode ser alterada conforme a realidade da escola.

No quarto momento aconteceu o acompanhamento da construção dos planos de aula e a preparação para a regência. O acompanhamento, a construção do plano de aula e a preparação da regência ocorreram na semana anterior à data da aula que seria ministrada pela primeira dupla. Esse momento propiciou a oportunidade de aprendizado e compartilhamento de conhecimentos e estreitamento de relações entre residentes e preceptora. Essa aproximação ocorreu a partir de orientações e sugestões de qual metodologia usar, os objetivos a serem propostos no plano, a adequação ao tempo da aula, as atividades a serem desenvolvidas e o modo de agir com os alunos durante a aula, pensando em pontos que poderiam chamar a atenção para os momentos de discussões. Ressalta-se que a abordagem teórica Freireana guiou o planejamento e as condutas dos residentes durante a regência, mas também ao longo do primeiro módulo do PRP, iniciado em outubro de 2020 e finalizado em março de 2021.

No quinto momento aconteceu o período destinado a regência dos residentes na unidade escolar. Para a regência foram definidos junto à coordenação da RP os assuntos que seriam desenvolvidos nas aulas, a saber:

Semana 1: Introdução a gênero e sexualidade;

Semana 2: Identidade de gênero;

Semana 3: Orientação sexual;

Semana 4: Preconceitos- homofobia, transfobia, estereótipos e etnocentrismo;

Semana 5: Machismo, misoginia e feminismo.

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A regência na escola ocorreu no período de 23 de fevereiro a 05 de abril de 2021 (excedendo em uma semana o final do módulo I, em virtude de uma atividade escolar) com uma aula semanal a ser ministrada por cada dupla e a observação das demais. A regência e observação das aulas ministradas no Dom Abel aconteceram de forma síncrona pela plataforma Google Meet e, a princípio seriam aulas com duração de 40 minutos, mas no decorrer do processo houve a alteração do horário de aulas da escola e apenas as duas primeiras duplas ministraram aulas de 40 minutos, já o restante teve que se reorganizar para aulas com duração de 60 minutos.

Ao longo das regências foi adotado uso de slides com informações e figuras a respeito de cada temática abordada pelas duplas. A metodologia utilizada foi aula expositiva e dialogada, buscando sempre o enfoque na discussão com os alunos através de problematizações apresentadas no início das aulas para investigação do que os alunos já trazem de conhecimento sobre os assuntos de cada aula, pois é notório que os discentes trazem consigo conhecimentos adquiridos ao longo de suas vivências e experiências que podem ser construídos, desconstruídos ou aprimorados através do debate sobre gênero e sexualidade.

O processo de execução das aulas ministradas pelas cinco duplas aconteceu de forma gradual em relação à participação nos momentos de debates, pois no consenso observou-se que os alunos foram aos poucos fazendo perguntas e participando com suas opiniões. Esse primeiro contato que abordava toda a temática que seria desenvolvida durante a regência foi essencial para os discentes perceberam que teriam liberdade para se expressar durante as aulas com os residentes. Para os residentes, esse era o maior desafio, já que as aulas tinham sido planejadas pensando no debate, nas discussões e no compartilhamento de saberes, de acordo com a abordagem freireana, estudada em momentos anteriores à RP.

A regência, compreendida na ampla atuação do professor, como planejamento, execução e avaliação, também foi construída através dos momentos de observação, confecção do relatório de aula, sugestão de leitura para os alunos do 9º ano A e feedback de todo o processo com a preceptora. O processo de construção da regência foi permeado pelo antes, durante e depois da regência propriamente dita. Entende-se que ministrar uma aula não se trata apenas do momento da aula em si, mas sim de todo o processo que antecede, seja através do pensar no planejamento, na metodologia de aula a ser utilizada seja nas perguntas que podem surgir, na avaliação da aula se resultou no alcance dos objetivos e das habilidades projetadas

A parceria da universidade com a escola, presentes na dinâmica da RP, é um fator decisivo para a importância desse programa, tanto para os licenciandos na perspectiva de formação inicial quanto para os professores atuantes na rede de ensino no que diz respeito à formação continuada. Nesse contexto, a RP amplia as possibilidades de diálogo entre os licenciados, o professor de Ciências e/ou Biologia e a comunidade escolar. As discussões e as atividades desenvolvidas, tendo como tema “gênero e sexualidade”, foram fundamentais para os envolvidos, de modo a permitir a compreensão quanto aos desafios e as oportunidades desse debate na educação básica.

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Sendo assim, os projetos voltados para a formação inicial e continuada de professores são fundamentais, pois permitem o encontro daqueles que buscam experiência com aqueles que já a possuem e podem compartilhá-la, além dos estudos sobre Sexualidade e Gênero, pouco explorados nas licenciaturas e nas escolas. São nas ações e nos desafios proporcionados pelo contato direto com os acadêmicos, pelos momentos de estudos, preparação das aulas e diálogos que se tem a noção do que é ser professor. Logo, investimentos em propostas centradas na formação inicial e continuada são fundamentais para a qualificação dos processos formativos vivenciados na educação básica e no ensino superior.

Referências

BARROS, Sulivan Charles. Gênero e diversidade na escola em goiás: relato de experiência. Revista Café com Sociologia. V.6, n. 1. p. 201-212, jan./abr. 2017.

BRASIL. Programa de residência pedagógica. Edital Capes nº 1/2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 61. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.

FREITAS, Mônica Cavalcante de; FREITAS, Bruno Miranda; ALMEIDA, Danusa Mendes. Residência pedagógica e sua contribuição na formação docente. Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 1, n. 2, 2020.

SILVA, Maria Verônica Angelo Da et al. A universidade na escola: o programa residência pedagógica* na perspectiva do professor preceptor. Anais VI CONEDU... Campina Grande: Realize Editora, 2019.

Notas

1. Em virtude deste trabalho ser um relato de experiência, esta seção compreende a descrição dos momentos vividos durante a realização da regência e a reflexão crítica acerca de sua importância para a formação de professores. Desse modo, não será apresentada as seções metodologia e resultados e discussões, pois é parte do relato em si.