Eduarda Dias Cabral
eduardacabral@discente.ufg.br

João Victor Araújo Costa
joao.victorcostaa@gmail.com

Selma Alves Costa
sac.ufg@gmail.com

Karly Barbosa Alvarenga
karly@ufg.br

EIXO
Matemática e Física

Construção do pensamento matemático elementar e avançado na educação básica

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Resumo

Esta pesquisa é um dos produtos do Grupo de Estudos em Educação Matemática (GEEM) e está alicerçada em estudos de Neurociências Cognitivas e de Neuromatemática de vários autores das últimas décadas. Para a coleta de dados adaptou-se uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio de 2020, com a finalidade de investigar as construções mentais a respeito de gráficos de funções. Devido à crise sanitária mundial causada pela COVID-19, a questão foi enviada em arquivo de texto digital para os 20 participantes e estes enviaram fotografias de suas resoluções. Essas respostas foram analisadas de acordo com o modelo teórico proposto por Alvarenga e Domingos (2020) e aperfeiçoado no GEEM. São apresentados os protocolos de dois participantes e indicados, com base no Modelo Teórico de Processos Mentais, quais processos mentais os respondentes provavelmente exerceram, como Visualizar e Argumentar de forma textual.

Palavras-chave: Pensamento matemático. Gráficos. Modelo Teórico de Processos Mentais.

O Contexto

Este trabalho é um recorte de uma investigação cujo objetivo principal é analisar os tipos de pensamentos matemáticos apresentados por estudantes, da educação básica e superior, quando estão resolvendo situações-problema matemáticas. Aqui, em especial, o nosso objetivo é apresentar alguns resultados de dados coletados de 20 participantes, na ocasião da resolução de uma questão relacionada à gráficos de funções, adaptada do Exame Nacional de Ensino Médio de 2020.

A importância em investigar os tipos de construções mentais matemáticas realizadas quando um indivíduo está a estudar tomou força com uma conferência de Poincaré em 1908, na Sociedade de Psicologia na França. Desde então tem havido um crescente interesse de pesquisadores (HADAMARD, 1945; TALL, 1995; ALVARENGA, SILVA e SOUZA, 2018) sobre como o ser humano pensa matematicamente. Desde o início do ano 2000 as Neurociências Cognitivas têm tido a colaboração de grupos de pesquisadores de vários campos para, não só mapear as áreas de ativação cerebral quando se estudam diversos conteúdos matemáticos, para além dos numéricos, como algébricos, geométricos e outros, mas também investigar o papel das emoções, do ambiente, da criatividade e da motivação no desenvolvimento da aprendizagem.

Dessa maneira, um professor, principalmente, conhecedor não só das teorias cognitivistas, mas também dos aspectos cerebrais plausíveis de influenciar o processo de ensino e de aprendizagem, pode elaborar e direcionar suas práticas pedagógicas rumo ao melhor aproveitamento de seus alunos mediante os desafios de novos conhecimentos.

Nesse contexto, o desenvolvimento do pensamento matemático ganhou muitos inquietos, em especial, os que se sentiam desanimados com as inúmeras reprovações na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral em todo o planeta (RASMUSSEN; MARRONGELLE; BORBA, 2014).

Assim, surgem discussões sobre o Pensamento Matemático Avançado (PMA) e o Elementar (PME), no final da década de 90. Esse início foi marcado pelo interesse em conteúdos alocados no ensino superior, porém aos poucos os debates se estenderam para os menos complexos (HAREL e SOWDER, 2005) e nós, autores deste texto, também percorremos esse caminho fundamentados nas teorias de Harel e Sowder (2005) e Dreyfus (1991).

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Metodologia de Pesquisa

Diante de reflexões, seminários e estudos do Grupo de Estudos de Educação Matemática (GEEM) e agregando leituras sobre Neuromatemática, uma parte do GEEM resolveu analisar algumas construções mentais de 20 participantes: do 1º, 2º e 3º anos do ensino médio e de preparatórios para o ENEM. Eles possuíam perfis heterogêneos, pois são de diversas escolas, bairros e idades (16 a 20 anos). Por meio de contatos, indicações e redes sociais, eles foram convidados a responder duas questões adaptadas do ENEM 2020, que tinha sido recém realizado, 10 dias antes das resoluções dos envolvidos nessa pesquisa. Todos participaram deste exame nacional. Nós os motivamos com sorteios de 4 vales sanduíches. Eles foram contatados pelo aplicativo WhatsApp e por esse meio enviamos as questões e recebemos as fotografias das respostas, tendo em vista o momento pandêmico que estamos vivenciando.

A questão 141 (ENEM 2020, capa rosa) foi adaptada (Cf. Qd. 01) e escolhida porque tínhamos interesse em investigar as construções mentais a respeito de gráficos de funções. No entanto, no momento das análises das respostas enviadas refletimos sobre o contexto desta questão. Acreditamos que boa parte dos que fizeram o ENEM não souberam do que se tratava, pois o contexto de espumantes escolhido pelos elaboradores além de conter um teor alcoólico, é tipicamente uma bebida não popular e até elitista.

Quadro 01 - Questão 141A. Pág. 3.

O consumo de espumantes no Brasil tem aumentado nos últimos anos. Uma das etapas do seu processo de produção consiste no envasamento da bebida em garrafas semelhantes às da imagem. Nesse processo, a vazão do líquido no interior da garrafa é constante e cessa quando atinge o nível de envasamento.

Abaixo temos dois esboços de gráficos representando a variação do líquido em função do tempo. Os dois esboços estão errados. Justifique porque cada um está errado.

Fonte: Adaptação do GEEM da Questão 141 (BRASIL, 2020).


Para analisar as produções escritas nos baseamos no Modelo Teórico de Processos Mentais (MTPM) (Cf. Qd. 02) proposto por Alvarenga e Domingos (2020) e refinado pelos autores deste trabalho. Esse modelo teve inicialmente influências das teorias de Tall (1995), Dreyfus (1991), Harel e Sowder (2005) e algumas propagadas sobre Neuromatemática pelos pesquisadores Leikin e col. (2014) e Alvarenga (2020).

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Quadro 02 – Modelo Teórico de Processos Mentais Fonte: Alvarenga e Domingos (2020) e adaptações GEEM.
Visualizar Representar Generalizar
Classificar Identificar Simplificar
Sintetizar Induzir Interpretar
Fazer “mostrações” "Numerizar” “Graficar”
Compensar Formalizar Demonstrar/Provar
Geometrizar Algebrizar Dar contraexemplos
Flexibilizar interpretações Flexibilizar contextos Estimar, fazer aproximações
Modelar Evidenciar Elaborar casos particulares
Manipular expressões de baixo para cima Organizar, desorganizar e reorganizar Analisar a direção inversa da manipulação
Fazer analogias entre outros conteúdos Comparar por meio de problemas semelhantes Convencer o outro, explicar verbalmente
Conectar experiências anteriores (met-before) Usar linguagem matemática adequada Refazer, refazer e refazer, isto é tentar, tentar e tentar...
Criar a própria linguagem matemática Traduzir da língua materna para a linguagem matemática Traduzir da linguagem matemática para a língua materna
Transpor informações (estar coerente; conectar informações) Transpor ideias (mudar de um contexto para o outro) Fazer cálculos com números reais
Argumentar de forma textual sem a formalização ou linguagem matemática Encapsular processos em objetos, desencapsular objetos em processos Manipular expressões da direita para a esquerda, quando possível. Reverter.

Fonte: Alvarenga e Domingos (2020) e adaptações GEEM


O MTPM tem como objetivo principal evidenciar algumas construções mentais que podem ser desenvolvidas pelos estudantes quando estão a estudar matemática. Elas podem ser estimuladas por meio de direcionamentos metodológicos de ensino. Em geral, elas não são evidentes nem para os docentes, nem para os discentes e tão pouco nos livros didáticos. Evidenciá-las e estimulá-las podem auxiliar nas construções matemáticas. As Neurociências Cognitivas apontam a necessidade de ativar inúmeras áreas cerebrais quando se quer melhorar o pensamento matemático. Autores como uma equipe colombiana da Universidade de Medellín e outros brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Norte denominam esse tipo de abordagem, teórica e prática, de Neuromatemática.

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Resultados e Discussões

Apresentamos aqui as análises de dois respondentes, E7 e E9. Porém, do total, seis (30%) responderam à questão corretamente, incluindo esses. Todos que acertaram demonstraram os seguintes processos mentais: Visualizar, Interpretar, Identificar, Argumentar de forma textual e Conectar informações (transpor informações). (Cf. Qd. 03 e Qd. 04)

Quadro 03. Possíveis processos mentais observados nessa resposta.

Figura 1. Resposta de E7. Fonte: Protocolo de E7

-Visualizar: conseguiu perceber nos gráficos a relação entre a altura e o tempo;
-interpretar: compreendeu a pergunta da questão e conseguiu relacionar a altura do líquido e o tempo;
-conectar informações: relacionou a imagem da garrafa com os gráficos e
-argumentar de forma textual: Não trouxe elementos matemáticos, faz sua explicação por extenso em língua materna.

Fonte: GEEM.



Quadro 04. Possíveis processos mentais observados nessa resposta.

Figura 2. Resposta de E9. Fonte: Protocolo de E9.

-Visualizar: conseguiu ver a relação entre a imagem da garrafa e os gráficos;
-interpretar: compreendeu a pergunta e conseguiu relacionar a altura do líquido e o tempo;
-argumentar de forma textual: Não trouxe elementos matemáticos em sua argumentação, mas explica utilizando a língua materna;
-conectar informações (transpor informações): relacionou a imagem da garrafa com os gráficos e
-dar contraexemplo: indicou como o gráfico correto deveria ser em “deveria ter o envasamento constante para depois variar”.

Fonte: GEEM.


Observamos aspectos interessantes da construção do pensamento matemático como, por exemplo, a “Argumentação textual usando a língua materna” e “Dar contraexemplos''. Destacamos ainda que a Visualização é um processo mental muito pouco explorado em sala de aula, assim como a Interpretação.

Enfim, enfatizamos a importância de pesquisas desse tipo, pois somente assim podemos conhecer o que pode estar no inconsciente do aprendiz e, talvez no nosso próprio inconsciente, isto é, tornar explícito que está implícito. Resultados de investigações desse tipo podem direcionar planejamentos de maneiras de estimular o desenvolvimento do pensamento matemático. Consideramos ainda que a questão 141 não foi bem elaborada e até mesmo a 141A poderia ter sido melhor apresentada, mas isso não inviabilizou e nem interferiu nos objetivos desta pesquisa.

Para finalizar esclarecemos que o grupo de autores desse trabalho é formado por um estudante da educação básica, uma professora em formação inicial e duas em continuada, o que permitiu ampliar o debate, ter visões de vários ângulos e compartilhar experiências em variados âmbitos educacionais.

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Referências

ALVARENGA, K. B. Neurociência cognitiva e matemática. In: PINA NEVES, R. S.; DÖRR, R. C. (org.). Cenários de Pesquisa em Educação Matemática. Jundiaí: Paco Editorial, 2020.

ALVARENGA, K. B. e DOMINGOS, A. Ressignificação do Pensamento Matemático Avançado. Relatório de pós-doutorado. [2020?]. No prelo.

ALVARENGA K. B.; SANTOS M. A. S.; SILVA G. R. Pensamento Matemático: gráficos de funções polinomiais e áreas no ensino superior. In: 5º Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática - 5º SIPEMAT. Anais [...]. Pará, 2018.

BRASIL. MEC. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Exame Nacional do Ensino Médio – 2020. Disponível em: https://download.inep.gov.br/enem/provas_e_gabaritos/2020_PV_impresso_D2_CD8.pdf. Acesso em junho de 2021.

DREYFUS, T. Advanced Mathematical Thinking Processes. In: D. Tall (org.), Advanced Mathematical Thinking. Dordrecht: Kluwer Academic Publisher. 1991. p. 25-41.

HAREL, G. e SOWDER, L. Advanced mathematical-thinking at any age: Its nature and its development. Mathematical Thinking and Learning. 7(1) ed. Taylor & Francis Group. 2005. p. 27-50.

LEIKIN, M. WAISMAN, I. SHAUL S. e LEIKIN, R. Brain activity associated with translation from a visual to a symbolic representation in algebra and geometry. Journal of Integrative Neuroscience, v. 13, n. 1. 2014.

RASMUSSEN C.; MARRONGELLE K.; BORBA M. Research on calculus: what do we know and where do we need to go? ZDM Mathematics Education. v. 46. 2014.

TALL D. Cognitive growth in elementary and advanced mathematical thinking. In: MEIRA, L.; CARRAHER, D. (Ed.). Proceedings of 19th International Conference for the Psychology of Mathematics Education. Recife: UFPE. v. 1. 1995.