Lorrainy de Jesus Souza
lorrainy@discente.ufg.br

Andressa Correia Batista de Moura
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Alba Cristhiane Santana da Mata
alba_mata@ufg.br

EIXO
Letras – Espanhol, Francês, Inglês, Português e Libras

Mediação pedagógica e afetividade no ensino de línguas estrangeiras

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Resumo

Este estudo teve como objetivo investigar o processo de mediação pedagógica e a participação da dimensão afetiva no ensino-aprendizagem no contexto de uma escola pública em Goiânia. Foi desenvolvido a partir da teoria histórico-cultural, baseada nos estudos de Vigotski e de autores que pesquisam a prática docente, como Leite e Libâneo. A mediação pedagógica é entendida como o conjunto de decisões e comportamentos que um educador adota e a afetividade refere-se à capacidade de ser afetado pelo mundo, sendo elas dimensões indissociáveis. Foi realizada uma pesquisa de base quantitativa e qualitativa, por meio de observação de aulas de Espanhol, questionários com alunos e entrevistas com a docente. Os resultados evidenciaram os impactos da mediação e da afetividade no ensino de língua estrangeira. Em decorrência da pandemia causada pelo Covid-19 a coleta de dados foi afetada, a proposta inicial foi modificada e o número de participantes menor do que o planejado. Também foi feita uma breve análise de como a mediação e a afetividade foram afetadas pelo ensino remoto emergencial.

Palavras-chave: Mediação pedagógica. Afetividade. Ensino de espanhol.

Introdução

A fundamentação teórico-epistemológica deste trabalho se apoia em uma abordagem histórico-cultural, a partir dos estudos de Vigotski (2003). Nesta perspectiva entende-se que a relação das pessoas com o mundo é mediada por significados que são produzidos e compartilhados continuamente e que orientam as ações e as interpretações que a pessoa faz do mundo e de si mesma. Vigotski (2003) explica esse processo por meio do conceito de Mediação Semiótica. A mediação semiótica é um conceito importante para a compreensão do processo educativo, pois no contexto escolar ocorre um movimento intenso e dinâmico de mediação entre a pessoa e vários objetos de conhecimento. E o professor é visto como um importante agente mediador desse processo, sendo a interação entre professor e aluno concebida como um espaço simbólico gerador de conhecimentos, de apropriação e produção de significados e de construção de subjetividades promotoras de aprendizagem e de desenvolvimento (AGUIAR, 2006).

O processo de mediação possibilita construções cognitivas e também mobiliza afetos, motivações, condutas e modos de interação que se constituem num processo de singularização das pessoas envolvidas. A cognição e a afetividade são processos psicológicos superiores indissociáveis (VIGOTSKI, 2003, 2010). Segundo Figueiredo e Oliveira (2017) os aspectos afetivos da aprendizagem de línguas são tão importantes quanto os aspectos cognitivos.

Segundo Leite (2012) a mediação do professor envolve decisões em relação ao processo educativo e que geram consequências afetivas para relação que o aluno estabelece com o objeto de conhecimento. O autor destaca cinco decisões vistas como fundamentais para uma prática intencional e que contribua com o processo ensino-aprendizagem, a saber: a) determinar objetivos de ensino, considerando valores, crenças e concepções de base; b) iniciar o processo de ensino a partir de conteúdos que o aluno conhece; c) organizar os conteúdos de ensino de uma forma lógica, com uma sequência que respeite os princípios e conceitos da área de conhecimento; d) selecionar procedimentos de ensino que considerem os objetivos de ensino, a motivação dos alunos, a articulação entre ensino e avaliação, as relações interpessoais entre os sujeitos envolvidos; e e) escolher procedimentos de avaliação a partir de uma perspectiva diagnóstica, com vistas a rever as condições de ensino e possibilitar aos alunos uma apropriação adequada dos conteúdos desenvolvidos.

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Baseados nessa perspectiva, os objetivos específicos foram: a) investigar os fatores que caracterizam a mediação pedagógica e que geram condições que favoreçam o processo ensino-aprendizagem, por meio de observação das aulas e percepção de alunos e professores; e b) identificar a participação da dimensão afetiva nas ações de ensinar e de aprender, por meio da percepção de alunos e professores.

Metodologia

Foi realizado um estudo qualitativo baseado em uma perspectiva que considera o processo investigativo em que o pesquisador é ativo na interpretação dos dados e na construção do conhecimento (DENZIN; LINCOLN, 2006).

Os participantes da pesquisa foram 35 alunos, sendo 13 alunos do 2º ano e 22 alunos do 3º ano, ambas as turmas com um percentual maior de mulheres. E também a professora que ministra as aulas de espanhol para esses grupos. A maioria dos alunos está dentro da faixa etária esperada no ensino médio, sendo, no segundo ano, uma média de 16 anos de idade e no terceiro ano, uma média de 17 anos.

Os procedimentos para coleta de dados incluíram, no ensino presencial, observação de aulas, questionário com os alunos e entrevista com a docente e no ensino remoto também foram assistidas aulas e realizada uma segunda entrevista com a docente. O objetivo das observações das aulas foi identificar as características da mediação pedagógica e das relações afetivas no processo de ensino-aprendizagem. O questionário atendeu os objetivos do estudo e foi composto por questões abertas e fechadas, sem intenção de validação. Os participantes foram convidados a responderem o questionário, apresentou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respeitando os parâmetros normativos de uma pesquisa científica que envolve seres humanos. Foram analisados os questionários por meio de estatísticas simples para as questões fechadas e análise temática para as questões abertas. As entrevistas seguiram roteiros semiestruturados, de acordo com os objetivos do estudo. Foi realizada uma análise temática das entrevistas.

Resultados e discussões

Os resultados e as discussões do estudo foram organizados em três seções, de acordo com os procedimentos de pesquisa: a) Observação das aulas; b) Percepção dos alunos sobre a mediação pedagógica; e c) Percepção da professora sobre a mediação pedagógica na aula de espanhol.

a) Observação das aulas

Para a análise dos resultados em relação à observação das aulas presenciais nos embasamos na discussão de Leite (2006, 2012) sobre o processo de mediação pedagógica, considerando as decisões pedagógicas citadas anteriormente. Assim, foram destacados: a) Determinação dos objetivos de ensino; b) Definição do início do processo de ensino; e c) Seleção das metodologias de ensino e de avaliação.

Observamos que a professora-participante segue os objetivos propostos pela legislação orientadora da rede estadual, considerando a utilização dos diversos gêneros textuais.

Percebemos que a professora, ao desenvolver sua prática a partir do conhecimento que é familiar aos alunos, focaliza somente dois modos no ensino da língua: a escrita e a leitura, deixando a fala e a escuta em segundo plano.

A mediação da professora-participante apresentava o desenvolvimento de variadas metodologias de ensino e de avaliação, considerando as orientações da escola, as determinações da legislação e na maioria das situações também considerava as características dos alunos.

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b) Percepção dos alunos sobre a Mediação Pedagógica

A percepção dos alunos será analisada a partir dos questionários descritos nas seções anteriores. As perguntas tiveram como objetivo pesquisar sobre mediação e afetividade, por essa razão, a discussão será feita com base na relação afetiva com a língua espanhola e com a professora e também na mediação realizada pela docente. É importante ressaltar que os resultados foram analisados a partir das respostas dadas pelos alunos.

Em um primeiro momento, apresentamos, em forma de quadros, as respostas dos participantes para três perguntas que estiveram relacionadas à relação deles com a língua espanhola. Observe no quadro 01:

Quadro 01 - Relação dos alunos com o Espanhol
3. O espanhol é uma matéria importante? 2º ano 3º ano
Sim 69% 82%
Não 15% 0%
Às vezes 15% 18%
4. Você gosta das aulas de espanhol? 2º ano 3º ano
Sim 69% 50%
Não 23% 5%
Às vezes 8% 45%
5. Você tem dificuldade em aprender espanhol? 2º ano 3º ano
Sim 31% 18%
Não 8% 36%
Às vezes 62% 45%

De acordo com essas respostas e suas respectivas justificativas, percebemos que a relação dos alunos com o idioma pode estar relacionada com a escolha dos objetivos de ensino, outra das decisões pedagógicas apontadas por Leite (2012). Segundo o autor, a dimensão afetiva desses objetivos está relacionada diretamente com a relevância do conteúdo reconhecida pela população ou pelo próprio sujeito. Isso ocorre pois o aluno não identifica a importância e a relevância do objeto de estudo para sua vida.

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Observando as justificativas dessas perguntas, percebemos que a relação dos participantes com a língua espanhola é majoritariamente positiva, em que a maioria dos alunos reconhece a importância da língua, seja nos estudos, como uma nota extra ou como um novo aprendizado, ou no mercado de trabalho como validação no currículo. No entanto, as dificuldades para aprender o idioma devem ser estudadas a fim de reduzir este número e facilitar o aprendizado do aluno. Essas questões serão mais bem analisadas no tópico seguinte, cujo foco é a mediação.

Apresentamos, a seguir, o quadro 02 que apresenta as respostas dos alunos quanto à relação deles com a metodologia de ensino da língua.

Quadro 2 - Relação dos alunos-participantes com a metodologia de ensino do espanhol
6. De qual conteúdo você gosta mais? 2º ano 3º ano
Leitura 40% 21%
Gramática 0% 0%
Atividades de prática oral 27% 36%
Atividades de tradução 20% 36%
Outras 13% 7%
7. Qual metodologia de ensino você acredita que te ajudaria a aprender o conteúdo de uma forma mais satisfatória? 2º ano 3º ano
Aulas com apoio tecnológicos 43% 70%
Atividades em dupla e/ou em grupo 36% 26%
Aulas sobre a cultura de países onde se fala espanhol 21% 4%
Outras 0% 0%
9. Para ser avaliado, você prefere qual atividade avaliativa? 2º ano 3º ano
Atividades feitas em sala e em casa 18% 25%
Trabalho escrito para ser entregue para a professora 36% 29%
Trabalho para ser apresentado para a turma 27% 29%
Prova 18% 17%
Outros 0% 0%

A partir dessas respostas, podemos concluir que a relação da professora com os alunos é positiva, e muito agradável. Entretanto, se compararmos os dados com as perguntas que focam na mediação podemos encontrar uma fragilidade na(s) metodologia(s) utilizadas pela docente para apresentar e conduzir o conteúdo. Ainda que tenha alunos que aprovam, a maioria apresenta opiniões contrárias. Segundo Leite (2018), as relações estabelecidas entre sujeito e objeto são influenciadas pela qualidade da mediação desenvolvida pelos professores, o autor também afirma que a qualidade da relação professor-aluno pode contribuir com a criação de vínculos positivos e/ou negativos com os conteúdos ministrados (Leite, 2012).

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c) Percepção da professora sobre a mediação pedagógica na aula de espanhol.

Um dos motivos pelo qual a relação da professora com a língua em sala de aula não demonstra bons resultados são melhor explicados a partir da percepção da professora com a língua, com a docência e com os alunos, em que, a pouca quantidade de aulas e a indisciplina dos alunos acabam resultando na desmotivação da docente e, consequentemente, afetando sua mediação e a relação dos alunos com o espanhol.

Considerando o ensino remoto emergencial, a partir das respostas da professora, pode-se afirmar que a mediação fica mais complicada no ensino remoto porque nem sempre a docente tem acesso aos alunos pelos motivos supracitados. E a afetividade também, porque a maioria das pessoas já estão afetadas por esse momento ímpar que está ocorrendo, estudar em um momento desses e ainda sozinhos torna-se ainda mais complexo.

Esta pesquisa apresenta resultados interessantes, uma vez que demonstra a importância de compreender as características da mediação do professor e seu impacto afetivo sobre seus alunos e, consequentemente, na relação desses alunos com o conteúdo ministrado.

Referências

AGUIAR, W.M.J. A pesquisa junto a professores: fundamentos teóricos e metodológicos. In: AGUIAR, W.M.J. (org.). Sentidos e significados do professor na perspectiva sócio-histórica: relatos de pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006, p.11-22.

DENZIN, N.K.; LINCOLN, Y.S. Introdução: a disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. Em N. K. DENZIN; Y. S. LINCOLN. O planejamento da pesquisa qualitativa – Teorias e Abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006, p.15-41.

FIGUEIREDO, F.J.Q.; OLIVEIRA, E.C. Sobre métodos, técnicas e abordagens. In: FIGUEIREDO, F.J.Q. (org.). Formação de professores de línguas estrangeiras: princípios e práticas. 2. ed. Goiânia: UFG, 2017, p. 11-40.

LEITE, S.A.S. Bases teóricas do grupo do afeto. In: LEITE, S.A.S. (org.). Afetividade: as marcas do professor inesquecível. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2018, p.27-52.

LEITE, S. A. S. (Org.). Afetividade e práticas pedagógicas. Temas em Psicologia, São Paulo, v.20, n.2, p.355-368, 2012.

VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. Trad. P. Bezerra. 2. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. (Textos originais de 1934).

______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Textos originais de diferentes datas).