Maria Fernanda Medeiros Soares
mfmedeiros@discente.ufg.br

EIXO
Geografia e História

A contribuição do ensino de história para a formação de identidades individuais e coletivas

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Resumo: Este trabalho procurou pensar a contribuição do ensino de História para a formação de identidades individuais e coletivas, dessa forma foram utilizadas as concepções de Paulo Freire acerca da educação bancária e problematizadora. As contribuições de Norberto Luiz Guarinello acerca dos conflitos para a formação de identidades e memórias sociais também foram consideradas.

Palavras-Chave: Identidades. Educação problematizadora. Memórias sociais.

Introdução

O presente trabalho tem como finalidade considerar as percepções de Paulo Freire (1987) para o ensino de História, mais especificamente para a formação de identidades individuais e coletivas, a partir de uma pesquisa bibliográfica e a experiência docente, especialmente a adquirida na disciplina de Estágio.

Para a discussão foram consideradas as contribuições de Norberto Luiz Guarinello acerca da formação de identidades. Segundo Guarinello (2020, p. 9):

A memória social é, com frequência, um campo de conflitos, no qual diferentes sentidos são conferidos ao passado: personagens e fatos distintos são valorizados ou rejeitados, interpretações são contrapostas, silêncios ou rememorações festivas se confrontam.

A

ssim sendo, o presente trabalho procurou destacar os interesses daqueles definidos como opressores, segundo Freire na construção de identidade coletiva ou individual, ressaltando a importância da educação para este fim.

Metodologia

Este trabalho foi produzido a partir de uma pesquisa bibliográfica, com o objetivo de averiguar as contribuições do ensino de História para a construção de identidades individuais e coletivas. Como resultado, os conceitos de Paulo Freire (1987) educação bancária e problematizadora foram utilizados para analisar os conflitos acerca de temas considerados sensíveis. Para tratar sobre a ideia de identidades e as contribuições das memórias sociais para a construção das mesmas, foram aplicadas as concepções de Norberto Luiz Guarinello (2020).

Para ilustrar na prática o que foi trabalhado na teoria foi utilizado a experiência adquirida na disciplina de Estágio. Logo, foram consideradas a aula ministrada acerca do conteúdo Segunda Guerra Mundial e a atividade desenvolvida com os alunos através do Google Forms, havendo respostas de apenas cinco alunos. A aula tinha como objetivo principal destacar a participação das mulheres durante e após a Guerra, a atividade pretendia considerar as percepções dos estudantes acerca do conteúdo trabalhado, como também a compreensão dos alunos sobre questões como violência e preconceitos de gênero. Para a análise das narrativas foi aplicado o método qualitativo.

Resultados e discussões

Os conteúdos relacionados à aprendizagem histórica, dependendo da forma que ministrados, podem ser interpretados pelos estudantes apenas como acontecimentos passados sem utilidade para o presente ou futuro. O ensino de História não pode ser visto e dado apenas a partir da perspectiva “decoreba”. Os alunos precisam desenvolver a capacidade de observar rupturas e permanências, expandir as competências críticas, ter consciência do seu papel enquanto sujeito histórico e compreender que atitudes que podem ser consideradas individuais também possuem importância histórica.

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Partindo desse pressuposto, proponho pensar o ensino de História a partir da perspectiva de Paulo Freire (1987) no que tange a educação bancária e problematizadora. Segundo Paulo Freire, a bancária visa apenas narrar os conteúdos, enchendo os ouvintes dos mesmos, formando apenas depósitos. Os educandos são os que não sabem, enquanto os educadores os detentores do saber. Essa forma de educação não é, segundo Freire, libertadora, pelo contrário, é uma forma de dominação, pois provoca a acomodação em um mundo de opressão. A continuidade dessa prática educacional, favorece aqueles que Freire classifica como opressores, pois segundo o educador: “Na verdade, o que pretendem os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime” e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine.” (FREIRE, 1987, p. 34). Ou seja, os opressores, no caso os beneficiados e dominadores, reagem contra as práticas educacionais que estimulam o pensar crítico e autêntico, pois apresentam ameaça a sua dominação. Paulo Freire, em oposição a educação bancária, apresenta a educação problematizadora, que não consiste apenas em depositar, narrar ou transmitir conhecimentos. Enquanto a bancária nega a dialogicidade, a problematizadora afirma. Logo, a problematizadora serve a libertação. Segundo Freire, a prática bancária não reconhece o homem como ser histórico, ao contrário da prática problematizadora que parte fundamentada na historicidade do homem e o compreende como inconcluso e inacabado, assim sendo ela se faz revolucionária, pois não aceita o presente como ele é, buscando dessa forma transformar o futuro. Paulo Freire, afirma que para a educação problematizadora o importante é que os homens lutem para sua emancipação. Consequentemente, a prática problematizadora não pode servir ao opressor, pois tem como objetivo lutar contra sua dominação. Segundo Freire: “Nenhuma “ordem” opressora suportaria que os oprimidos passassem a dizer: Por quê?” (FREIRE, 1987, p. 43).

Assim sendo, destaco a ideia de temas sensíveis e o motivo para serem considerados sensíveis. Segundo Carmem Zeli de Vargas Gil e Jonas Camargo Eugenio (2018) temas sensíveis estão relacionados a um confronto de valores e interesses, logo os professores entram em conflitos com os diversos segmentos da sociedade: Igreja, família, mídia, outras religiões e o Estado. Mas cabe pensar o porquê dos conflitos. Irei relatar uma experiência pessoal. Após ministrar uma aula sobre sujeitos históricos para alunos do 6° ano, fui chamada a coordenação e indagada sobre o uso do movimento Black Lives Matter para ilustrar os movimentos sociais. A justificativa foi que alguns pais poderiam questionar se tal conteúdo estava previsto na apostila. Portanto, fica a pergunta, a quem é conveniente não tratar de temas, infelizmente, tão atuais como o racismo? Podemos afirmar que para o oprimido não é apenas conveniente, como também necessário. Contudo, para o opressor não é vantajoso que o oprimido tenha consciência de sua opressão. Portanto, o ensino de História precisa estar pautado na emancipação dos homens, como propõe Paulo Freire (1987), para que isso ocorra, temas considerados sensíveis precisam ser debatidos e compreendidos pelos alunos.

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Segundo Norberto Luiz Guarinello (2020, p. 8): “A ciência, hoje, recusa a ideia de que haja identidades raciais, étnicas ou de gênero que sejam naturais. As identidades são adquiridas e transformadas ao longo da vida e dos séculos.” Partindo desse pressuposto, podemos afirmar que há uma disputa no que diz respeito à formação das identidades coletivas ou individuais. Guarinello (2020) afirma que o Estado é o maior produtor de memórias sociais, estas que servem para garantir sua legitimidade e formar identidades. Portanto, considerando o Estado como um opressor, segundo a perspectiva de Freire, podemos compreender porque temas como racismo e violência policial se tornam sensíveis. Pois, é necessário que haja justificativa para o racismo policial para legitimar sua prática. Não convém o Estado educar para ser questionado, por exemplo, a respeito das “balas perdidas” e o porquê elas atingem majoritariamente pessoas pretas. Logo, a construção de identidades e memórias individuais ou coletivas são de interesses dos dominadores, por isso há contínuas tentativas para manter a educação a serviço da dominação, pois segundo Guarinello, a escola é crucial para produção e reprodução de memórias.

A disciplina de Estágio me permitiu, juntamente com a minha dupla, ministrar uma aula para alunos do 3° ano do Ensino Médio, o tema a ser desenvolvido era Segunda Guerra Mundial. Buscamos destacar as semelhanças na ascensão de governos totalitários, com foco no Nazismo e Fascismo e suas características e a participação das mulheres durante e após o conflito. O objetivo era trazer conteúdos que são pouco desenvolvidos, como a participação feminina, debatendo sobre as condições e os preconceitos que as mulheres soviéticas que lutaram sofreram, como também analisar a violência sofrida pelas mulheres acusadas de se relacionarem com soldados nazistas.

O propósito principal era desenvolver nos alunos a consciência de que a História não é protagonizada apenas por homens, contudo destacando a violência e os preconceitos sofridos pelas mulheres, buscamos dessa forma analisar através de uma atividade desenvolvida pelo Google Forms se os alunos acreditam que ainda há uma continuidade na prática dos preconceitos e violências. Houveram alunos que apontaram para a continuidade, outros para algumas mudanças, enquanto alguns acreditam que não há mais a permanência dessas práticas.

Procuramos estabelecer na prática o que propõe Freire (1987) na teoria, a partir da perspectiva da educação problematizadora que não visa apenas narrar os acontecimentos em ordem “cronológica”, enchendo, segundo Freire, os educandos de falso saber, mas busca pela compreensão do mundo, compreendendo a realidade como um processo inconcluso. Logo, podemos pensar a educação problematizadora a partir de Jörn Rüsen (2010). Pois, se a bancária vê os educandos apenas como meros receptores, a problematizadora os vê a partir de uma ótica libertadora. Rüsen (2010, p. 83) afirma que: “Seria muito melhor que o sujeito devesse ser orientado por si mesmo e que pudesse construir sua própria subjetividade, mais ou menos conscientemente, para formar a sua própria identidade histórica.”. Portanto, podemos concluir a importância da educação problematizadora para a formação de identidades, pois como demonstrou Paulo Freire (1987) o objetivo da bancária é pensar pelos educandos e garantir sua ingenuidade satisfazendo os opressores.

Referências

FREIRE, Paulo. A concepção bancária da educação como instrumento da opressão. In: ____. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 33-43.

GIL, Carmem Zeli de Vargas; EUGENIO, Jonas Camargo. Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas. Revista História Hoje. V. 7, n. 13, p. 139-159, jun. 2018.

GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga e memória social. In: ____. História Antiga. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2020, p. 7-15.

RÜSEN, Jörn. Experiência, interpretação, orientação: As três dimensões da aprendizagem histórica. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende. Jörn Rüsen e o Ensino da História. Curitiba: Editora UFPR, 2010, p. 79-91.

Notas