Maria Eduarda Andrade de Faria
mariaeduarda.faria@usp.br

Kamila Santos de Paula Rabelo
kamila.rabelo@discente.ufg.br

Francisco Tomaz de Moura Júnior
franciscotomaz@discente.ufg.br

EIXO
Geografia e História

A colaboração enquanto processo formativo: o relato de experiências a partir de grupos de pesquisa

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Resumo: O trabalho em questão refere-se a um relato de experiência a partir da participação nos Grupos de pesquisa Ciência Geográfica na Escola, integrante da Rede de Pesquisa em Educação e Cidade (REPEC), e a Rede de Pesquisa e Ensino de Cidade e Cidadanias (RECCi), ambos sediados no Laboratório de ensino e pesquisa em educação geográfica - LEPEG trabalhando a partir da metodologia colaborativa. O objetivo do artigo é discutir o papel de duas experiências de formação colaborativa enquanto processos de auto e interformação dos autores. A metodologia utilizada é a do tipo qualitativa de cunho colaborativa. Os resultados das pesquisas têm apontado para a importância de trabalhos colaborativos entre Universidade e Escola, tendo como princípios a horizontalidade, a colaboração, o desenvolvimento profissional e a formação cidadã.

Palavras-Chave: Formação profissional. Colaboração. Professor de Geografia.

Introdução

A formação profissional do professor – inicial e continuada – deve garantir, conforme Sacristán (2003), um estatuto profissional, ou seja, um conjunto de ações, atitudes, comportamentos, conhecimentos, destrezas e valores específicos do ser professor. Dito de outra maneira, sua profissionalidade. Essa profissionalidade é permeada por uma multiplicidade de dimensões, podendo-se destacar a formação inicial, a prática profissional e sua inserção numa comunidade disciplinar, o currículo (SACRISTÁN, 2003), uma base de conhecimentos (SHULMAN, 2014), além de outras dimensões que podem ser elencadas.

Essa compreensão de profissionalidade, entretanto, apresenta como pressuposto a ideia de um desenvolvimento profissional contínuo e colaborativo que, por sua vez, ocorre de três maneiras distintas, não-lineares e, ao mesmo tempo, correlacionadas: autoformação, heteroformação e interformação (GARCÍA, 1999).

A autoformação compreende um processo em que o indivíduo, no caso, o professor, participa de forma independente e é o próprio responsável pelos objetivos, processos, instrumentos e o resultado. Já a heteroformação – mais comum – é uma formação que se expressa “a partir de fora”, ou seja, de um conjunto de estímulos propostos por outrem, em geral, por especialistas em determinada temática (GARCÍA, 1999).

Por último e mais importante para as reflexões que se seguem, tem-se a interformação. Essa é pautada na inter-relação e interação entre sujeitos – professores formadores, licenciandos, professores da Educação Básica, etc. – que, apesar de estarem em diferentes momentos do seu processo formativo e da atuação profissional, possuem igual importância nas discussões, encontro, pesquisas e práticas formativas (GARCÍA, 1999).

Assim, o presente trabalho busca discutir o papel de duas experiências de formação colaborativa enquanto processos de auto e interformação dos autores, tanto a partir de aspectos profissionais – a profissionalidade do(a) professor(a) de Geografia – quanto aspectos sociais e culturais mais amplos, próprios do desenvolvimento humano (PINO, 2018).

O trabalho apresenta um relato de experiência de duas pesquisas sediadas no Laboratório de estudos e pesquisa em educação geográfica, a saber: O Projeto Ciência Geográfica na Escola, integrante da Rede de Pesquisa em Educação e Cidade (REPEC), e a Rede de Pesquisa e Ensino de Cidade e Cidadanias (RECCi), ambas utilizam em seu percurso a metodologia colaborativa.

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Metodologia

As experiências formativas aqui discutidas são provenientes de debates, reflexões e pesquisas que ocorrem no âmbito de dois grupos colaborativos. O Projeto Ciência Geográfica na Escola, integrante da Rede de Pesquisa em Educação e Cidade (REPEC), e a Rede de Pesquisa e Ensino de Cidade e Cidadanias (RECCi).

Ambos os grupos são compostos por professores formadores, professores da Educação Básica, acadêmicos de graduação e pós-graduação de diferentes municípios do estado de Goiás, tendo princípios a horizontalidade, a colaboração, o desenvolvimento profissional e a formação cidadã.

Nota-se, portanto, a natureza qualitativa e colaborativa das discussões e pesquisas realizadas, sendo a pesquisa colaborativa entendida como uma atividade de co-produção de conhecimentos e formação em que os diferentes sujeitos buscam resolver problemas de sua atuação profissional (IBIAPINA, 2008).

Diante da estruturação dos princípios dos grupos, organizam-se periodicamente encontros cujos propósitos são:

1) Discussão teórica de temáticas ligadas ao ensino e formação de professores de Geografia, colaboração, formação profissional, cidade, cidadanias, produção e utilização de materiais didáticos mediante a realização de um conjunto de pesquisas bibliográficas e exercícios teóricos-metodológicos.

2) Produção de mapas de conteúdos, construídos colaborativamente, sobre as temáticas estudadas e pesquisadas. Os mapas de conteúdos compreendem uma síntese estrutura do entendimento do grupo sobre uma dada temática expressando conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (DÍAZ; PORLÁN; NAVARRO, 2017).

3) Planejamento e realização de experiências pedagógicas na Educação Básica cujo objetivo consiste no desenvolvimento do pensamento geográfico, articulando conceitos, raciocínios e linguagens (CAVALCANTI, 2019).

4) Elaboração, aplicação e análise dos resultados de aprendizagem dos alunos por meio de instrumentos de avaliação subsidiando o desenvolvimento de novas aprendizagens e reflexões tanto dos conhecimentos e aprendizagens dos alunos quanto da realização da experiência pedagógica.

Resultados e discussões

Diante das reflexões realizadas e a exposição da importância da formação colaborativa, ressalta-se o seu papel no desenvolvimento profissional dos autores a partir da autoformação e da interformação. A primeira voltada para a constituição de uma autonomia teórico-prática do professor, enquanto a segunda voltada para um processo de troca de ideias, experiências e soluções frente aos desafios da prática docente.

Ressalta-se ainda a pouca penetração desse tipo de pesquisa e grupo na área da Geografia, podendo-se a título de exemplo destacar o trabalho recente de Rabelo; Moraes; Souza (2021) que, colaborativamente, trazem importantes contribuições teóricas e metodológicas sobre colaboração e pesquisa colaborativa e apontam para a publicação, ainda escassa na Geografia escolar que se utiliza de pesquisas colaborativas. Além dessa produção, tem-se, também, a tese de Santos (2021), onde o autor utiliza de tal metodologia para compreensão das propostas curriculares na prática docente nos últimos 20 anos.

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As pesquisas, estudos e discussões desenvolvidas no âmbitos dos dois grupos, anteriormente citadas, continuam ocorrendo, em especial, frente aos reveses causados tanto pela pandemia de Covid-19 quanto ao processos de desprofissionalização da profissão docente que ganham força a partir de 2015. As discussões e heterogeneidade proporcionadas por grupos colaborativos, oportunizam que os debates ganhem contribuições diversas, saindo de lugares de fala distintos. Essa relação de horizontalidade entre os professores da educação básica e universitários, alunos de graduação e pós-graduação, possibilita um diálogo intenso e questões pensadas a partir das diversas experiências contidas no grupo.

As pesquisas realizadas no LEPEG, têm apontado para a importância de trabalhos colaborativos entre a Universidade e a Escola, reafirmado os apontamentos de Bandeira (2016, p. 70) de que a investigação colaborativa “é processo autoformativo e de pesquisa, pois, à medida que refletimos criticamente sobre nossas ações e pensamentos, é possível compreendermos o que fazemos, como o fazemos e por que fazemos em decorrência das manifestações do trabalho docente”.

Nesse sentido, pesquisar, estudar e discutir a educação, em geral, e a educação geográfica, mais especificamente, de forma colaborativa se faz necessário, sendo um ato de resistência e um exercício de profissionalidade docente, indispensável a uma formação cidadã e a um ensino transformador.

Referências

BANDEIRA, H. M. M. Pesquisa Colaborativa: unidade pesquisa-formação. In: IBIAPINA, I. M. L. M, BANDEIRA, H. M. M e ARAUJO, F. A. M. Pesquisa Colaborativa: multirreferenciais e práticas convergentes, Piauí: Editora Edufpi, 2016.

CAVALCANTI, L. S. Pensar pela Geografia: ensino e relevância social. Goiânia: C&A Alfa Comunicação, 2019.

DÍAZ, E. G.; PORLÁN, R.; NAVARRO, E. Los fines e los contenidos de enseñanza. In: PORLÁN, R., et al. Enseñanza universitaria: cómo mejorarla. Madrid: Ediciones Morata, 2017. Cap. 3, p. 55-72.

GARCÍA, C. M. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999.

IBIAPINA, I. M. L. M. Pesquisa colaborativa, investigação, formação e produção de conhecimentos. São Paulo: Liber Livros, 2008.

PINO, A. As marcas do humano: pistas para o conhecimento da nossa identidade pessoal. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, p. 227-236, jan./mar. 2018.

RABELO, K. S. P.; MORAES, L. B.; SOUZA, V. C. Investigação colaborativa ba pesquisa "Projeto de formação de professores de Geografia: 10 anos após as Diretrizes Curriculares Nacionais". In: MORAIS, E. M. B.; RICHTER, D. (Orgs.). Formação de professores de Geografia no Brasil. Goiânia: C&A Alfa Comunicações, 2021. Cap. 2, p. 49-73.

SACRISTÁN, J. G. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Profissão professor. 2ª. ed. Porto: Porto Editora, 2003. Cap. 3, p. 63-92.

SANTOS, L. A. O professor de Geografia do ensino médio, orientações curriculares recentes e os conteúdos relacionados à geopolítica. 2021. 228 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021.

SHIROMA, E. O. et al. A tragédia docente e suas faces. In: EVANGELISTA, O.; SEKI, A. K. (Orgs.). Formação de professores no Brasil: leituras a contrapelo. Araraquara: Junqueira&Marin, 2017. Cap. 1, p. 17-58.

SHULMAN, L. S. Conhecimento e ensino: fundamento para a nova reforma. Cadernos Cenpec, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014.

Notas

1. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo - USP;

2. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - UFG;

3. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás - UFG;

4. Os participantes do Projeto Ciência Geográfica na Escola se reúnem quinzenalmente, enquanto que os da RECCi se reúnem mensalmente. Em virtude da pandemia de Covid-19, as reuniões ocorrem de forma remota desde março de 2020.