Jéssica da Silva Duarte de Andrade
jessicafefd@gmail.com

Leonardo Carlos de Andrade
leonardoandrade@gmail.com

Priscilla de Andrade Silva Ximenes
priscilla_andrade@ufg.br

EIXO
Educação (Educação Ambiental / Educação Especial / Educação Intercultural / Educação no Campo / EJA / EAD)

Ensino médio integrado: revisitando a politecnia, omnilateralidade e o trabalho como princípio educativo

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Resumo: O presente trabalho apresenta as bases teóricas e o processo de organização do projeto de ensino “Ensino Médio Integrado: Revisitando a Politecnia, Omnilateralidade e o Trabalho como Princípio Educativo” do Instituto Federal Goiano - Ceres. A partir da necessidade de fortalecer o currículo e a concepção de Educação Politécnica dos Institutos Federais devido a ascensão das políticas neoliberais da educação (Reforma do Ensino Médio e BNCC), elaboramos um projeto de ensino com o intuito de promover um estudo e aprofundamento das bases teóricas que sustentam o Ensino Médio Integrado como: O trabalho como princípio Educativo; Omnilateralidade; Educação Politécnica; Currículo Integrado. O projeto ainda está em fase inicial, porém já foi possível reconhecer a importância para a formação continuada dos professores e a resistência ativa no interior do campus.

Palavras-Chave:Ensino Médio Integrado. Instituto Federal. Educação Politécnica.

Introdução

Este texto apresenta o processo de planejamento e organização de um projeto de ensino que inaugura uma série de ações e propostas formativas com o tema Ensino Médio Integrado a serem desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio Pedagógico do Instituto Federal Goiano – Ceres. O projeto em questão visa propor um grupo de estudos com os professores do Instituto Federal Goiano – Ceres com o objetivo de realizar um aprofundamento nos pilares do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, com ênfase nos fundamentos da educação politécnica.

Evidenciamos que este projeto de ensino será desenvolvido seguindo todas normativas e diretrizes de segurança devido a pandemia Coronavírus. Por isso, os encontros serão realizados pela plataforma Google Meet e os referenciais e aportes teóricos para leitura prévia serão disponibilizados pelo Google drive. Por fim, salientamos que em tempos de ataque à educação pública e fomento de políticas neoliberais é necessário fortalecer as bases de uma educação pública, laica e emancipadora. Propor um grupo de estudos enquanto ação formativa para professores da rede pública federal (IFGoiano-Ceres) é ao mesmo tempo uma proposta de cunho político e pedagógico. Compreendendo que, conforme dito por Lukács (2014) a realidade é um complexo de complexos, a totalidade das relações sociais se expressa por categorias de distintas naturezas, mas que compõe a mesma realidade contraditoriamente, como é o caso da educação no Brasil e modo de produção e reprodução da vida no capitalismo, que devem ser captadas como unidade de contrários.

Evidenciamos que a educação escolar no Brasil não ocorre somente conforme os desejos dos seres humanos, ela ocorre de maneira contraditória e em constante disputa, por isso para compreender a educação, é preciso compreender a realidade concreta, sendo que ao mesmo tempo para mudar a realidade concreta a educação é condição.

Nessa guisa, elucidamos que este projeto se justifica em dois vieses: Político/social e Pedagógico. Entendendo que o Brasil nos últimos 5 anos vive uma ascensão neoliberal que pode ser concebida como o fenômeno do obscurantismo beligerante. Este fenômeno é explicitado por Duarte (2018) como a difusão de concepções e atitudes de negação ao conhecimento e à razão, de ataques e de cultivo da violência contra tudo aquilo que possa ser considerado ameaçador para posições ideológicas conservadoras e hegemônicas, ou seja, contra tudo que proponha a transformação social.

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Nesse bojo de instâncias democráticas que sofrem ataques no cenário obscurantista brasileiro e mundial, a escola pública se destaca, sobretudo pelo fomento de reformas empresariais da educação (Reforma do Ensino Médio e BNCC). A Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular representam políticas neoliberais que expropriam das camadas populares o direito à ao conhecimento sistematizado, ao desenvolvimento de suas múltiplas capacidades e das possibilidades de emancipação (devir), recrudescendo o mercado (uberizado) como instância reguladora de educação, ou seja, conforme explicitado por Kuenzer (2005) ocorre nessas reformas educacionais um movimento de inclusão excludente, onde o filho do trabalhador “estuda” o básico de forma unilateral para se tornar mão de obra competente (e obediente), enquanto as elites têm acesso às mais ricas objetivações humanas.

De modo contra-hegemônico a esse processo, a educação nos Institutos Federais desde sua origem representa um marco histórico em favor das classes populares, na democratização do conhecimento, na possibilidade de formação crítica das massas e na superação da dicotomia entre trabalho manual/instrução profissional e intelectual/instrução geral (SAVIANI, 2011). Por isso, esse projeto visa fortalecer as bases que edificam a educação nos Institutos Federais como o Trabalho como Princípio Educativo, a Educação Politécnica, o Currículo Integrado, a Formação Omnilateral e Emancipação Humana. Este debate é fundamental para enfrentar a efervescência neoliberal pelas políticas educacionais obscurantistas. Adiante trataremos sobre o referencial teórico que sustentará o desenvolvimento dos estudos no projeto de ensino “Ensino Médio Integrado: Revisitando a Politecnia, Omnilateralidade e o Trabalho como Princípio Educativo”.

Metodologia

Os encontros ocorrerão com a periodicidade mensal, contando com a participação e coordenação colaborativa dos servidores, assumindo uma metodologia de participação e responsabilidade compartilhada. Em outras palavras, o próprio coletivo de professores do grupo de estudos será responsável pela exposição das ideias, conceitos e categorias dos textos e mediação do debate.

A seleção dos textos e obras a serem estudadas terão como critério: 1) A noção de clássico em Saviani (2011), sendo aquilo que resiste ao tempo se firmando como essencial para a humanidade, independente do período em que foi criado. Desse modo, o grupo de estudos se pautará em autores clássicos da Educação Politécnica como Pistrak, Shulguin, Manacorda, Gramsci e Krupskaia; 2) A relação entre o movimento diacrônico e sincrônico da realidade (NETTO, 2011). Entendemos que a realidade dos Institutos Federais deve ser compreendida pela sua gênese e desenvolvimento (análise diacrônica) conjuntamente com sua estrutura e função na contemporaneidade, por isso é necessário se apropriar de textos e autores atuais no debate como Gaudêncio Frigotto, Dermeval Saviani, Marise Ramos, Maria Ciavatta, Acácia Kuenzer e Dante Moura.

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Este projeto de ensino é uma primeira edição a ser realizada no segundo semestre de 2021, sendo ponto de partida para outras várias que virão ao longo dos próximos anos. Acerca dos produtos esperados por esse projeto, compreendemos que ações como estas reverberam em resultados a médio e a longo prazo; A médio prazo, o projeto contribui para o desenvolvimento profissional docente de professores em exercício no Ensino Básico, Técnico, Tecnológico e Superior dos IFGoiano-Ceres, em uma perspectiva emancipatória de sociedade e de ser humano; A longo prazo, compreendemos que essa ação de aprofundamento teórico se materializará na constante elaboração e reelaboração das ações docentes no campus.

Pautados em Saviani (2011) advogamos que os professores do campus ao se aprofundar nas bases que sustentam a Educação Politécnica, terão uma prática cada vez mais sólida e rica de mediações, podendo assim produzir o conhecimento crítico, objetivo e universal na formação dos discentes e da comunidade externa.

Revisitando as bases do Ensino Médio Integrado

Este projeto de ensino se fundamenta em uma concepção histórico-crítica de educação (SAVIANI, 2011), histórico-cultural de desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 2001), materialista, história e dialética de sociedade (GRAMSCI, 1995) e no trabalho como princípio para se pensar as bases do Ensino Médio Integrado do IFGoiano (PISTRAK, 2003). Diante deste referencial teórico que se articula em uma mesma matriz filosófica e horizonte histórico, evidenciamos as categorias fundamentais deste projeto de ensino: Trabalho como Princípio Educativo, Educação Politécnica, Formação Omnilateral, Currículo Integrado e Emancipação Humana.

O ponto é a categoria do Trabalho, que para Marx (1978) é a atividade vital do ser humano, sendo que é por meio do trabalho que o homem transforma a natureza (por meio de instrumentos) para satisfazer suas necessidades, ao mesmo tempo que se transforma. O trabalho é antes de tudo uma relação metabólica entre ser humano e natureza, onde o ser humano converte a natureza circundante em extensão de seu corpo, criando um mundo cada vez mais humanizado, com cada vez mais objetivações humanas, que grosso modo podem ser consideradas como cultura. Ao transformar a natureza pelo trabalho o ser humano se objetiva, cristalizando nas coisas do mundo sua subjetividade que ao longo dos tempos constitui o próprio gênero humano (MARX, 1999).

Segundo Saviani (2011) na modernidade a escola se tornou a forma mais perspícua de educação, tendo como objetivo e papel social produzir em cada indivíduo singular a humanidade que histórica e coletivamente produzida pelos seres humanos, que ocorre pela identificação dos elementos essenciais do gênero humano (produto do trabalho humano) e as formas mais adequadas para sua socialização. No entanto, a escola está inserida em relações contraditórias da sociedade, onde distintos projetos de educação são desenvolvidos com distintos interesses de classe (burguesia e classe trabalhadora). Um ideário em favor da classe trabalhadora, ou seja, um ideário progressista de educação busca desvelar a realidade, socializar o conhecimento acumulado, dar condições e instrumentos para os que “vivem do trabalho” possam garantir sua subsistência.

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Um projeto de educação que busca a superação da dicotomia do trabalho manual e intelectual, que busca garantir ao mesmo tempo a formação para o mundo do trabalho (como atividade de produção e reprodução da vida) e o enriquecimento humano-genérico é conhecido como educação politécnica (MOURA, 2013). Uma educação politécnica tem como objetivo uma formação humana omnilateral, que consiste na elevação e desenvolvimento de todas as dimensões que constituem a especificidade do ser humano, dentro dos limites desta particularidade histórica.

No entanto a educação politécnica e a omnilateralidade tomam o devir da sociedade e do ser humano como realidade, entendendo que a escola possibilita uma formação nos limites desta sociedade, ao mesmo tempo que atua no sentido de garantir condições objetivas e subjetivas reais para o pleno desenvolvimento histórico de outra realidade (FRIGOTTO, 2012). Em síntese a omnilateralidade visa a emancipação de todas as capacidades tipicamente humanas.

O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral, portanto, como um homem total. Cada uma das suas relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua individualidade [singular], assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma como órgãos comunitários [universais] (MARX, 2010, p. 108, grifos nossos).

Para Saviani (2011) a questão central do Ensino Médio Integrado é a articulação entre a formação humana e trabalho produtivo para além da formação simplesmente técnica (unilateral) regida pelo mercado, mas sim uma formação rica de mediações possibilitando instrumentos teóricos e práticos para que o indivíduo atue criticamente na sociedade, contribua para produção dos bens materiais e não materiais da sociedade de modo consciente, em constante processo de busca pela liberdade que é compreendida aqui à luz de Gramsci (1978) sendo processo de luta, onde é preciso adquirir condições e instrumentos para agir de forma autônoma na realidade, portanto o conhecimento do mundo e das riquezas da humanidade é condição para a liberdade. Dialeticamente, a liberdade em sua plenitude não é possível nessa particularidade histórica que é regida pelas coisas e não pelos seres humanos, portanto a busca pela liberdade do homem também é a busca pela superação do status quo pelo do reino da liberdade.

No Brasil, esta concepção de educação politécnica está incorporada no Ensino Médio Integrado dos Institutos Federais que foram regulamentados pelo Decreto nº 5.154/2004. Tal decreto emergiu exatamente da necessidade da necessidade de superar a dualidade existente entre o ensino médio de caráter formal (propedêutico) e/ou profissionalizante (técnico). A educação nos Institutos Federais, sobretudo no Instituto Federal Goiano – Ceres, representa a possibilidade de uma emancipação para os filhos da comunidade de Ceres (GO), tendo acesso a uma formação para além da unilateralidade de mercado, uma formação plena que dê instrumentos para o trabalho, para usufruir das coisas mais belas produzidas pela humanidade, para criar bens de natureza diversa e para intervir criticamente na realidade social.

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Conclusões ou Considerações Finais

Concluímos que apesar do projeto estar em fase inicial de planejamento e aprovação no campus ele representa uma ação fundamental para a instrumentalização dos professores e resistência ativa no interior do campus. Acreditamos que este projeto de ensino contribuirá com a formação continuada dos professores do Instituto Federal Goiano - Ceres trazendo bases e fundamentos essenciais para o trabalho pedagógico no campus. Ademais, se espera que os professores do campus ao se apropriarem dos fundamentos estudados possam ter maior condição e domínio dos elementos necessários para o desenvolvimento das matrizes por disciplina, currículo integrado e projetos integradores.

Como produto secundário desta ação, se espera elaborar um texto coletivo para divulgação interna no campus sobre as principais categorias que regem o Ensino Médio Integrado. A experiência da organização deste projeto de ensino e da seleção das bases teóricas pode oferecer instrumentos teórico-práticos para outros professores em outras instituições de ensino promoverem ações similares visando a tomada de consciência da necessidade de formação permanente dos professores, bem como a garantia por melhores condições e valorização do trabalho docente.

Referências

DUARTE, Newton. O Currículo Em Tempos De Obscurantismo Beligerante. Revista Espaço do Currículo, [S. l.], v. 2, n. 11, p. 139–145, 2018.

KUENZER, Acácia. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: SAVIANI, D.; SANFELICE, J.L.; LOMBARDI, J.C. (Org.). Capitalismo, trabalho e educação. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 77-96.

LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo.2013.

MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

PISTRAK, Moises. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão popular, 2003.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2011.

VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas. Tomo II. Madrid: Visor, 2001.

Notas

1. Disponível em: https://phet.colorado.edu/pt_BR/. Acesso em: 29 jun. 2021.