Dificuldades técnicas e pedagógicas no uso de videoaulas durante o regime especial de aulas não presenciais em Goiás
42Resumo: A pandemia causada pelo novo Coronavírus fez com que as instituições de ensino brasileiras aderissem ao uso de tecnologias digitais para manter a educação. Desse cenário, destacamos as videoaulas, as quais focalizamos neste trabalho, com o objetivo de identificar dificuldades técnicas e pedagógicas presentes na produção “caseira” de videoaulas durante o Regime Especial de Aulas Não Presenciais (REANP). Para tanto, apresentamos resultados parciais de uma pesquisa documental, de cunho qualitativo-descritivo, relativos a videoaulas disponibilizadas no YouTube, em canais educacionais de Goiás.
Palavras-Chave:Videoaula. Tecnologias digitais. Educação Básica.
Introdução
Do ponto de vista do senso comum, uma videoaula nada mais é do que a transmissão de um conteúdo por vídeo ou uma aula gravada. Do ponto de vista científico, ela é conceituada por Camargo et al. (2011, p. 5) como “gênero que claramente absorve características da aula presencial, como a existência de um enunciado expositivo, planejado e muitas vezes apresentado por um professor, com a intenção de levar conhecimento ao aluno em um processo de ensino-aprendizagem”. Segundo os autores, uma videoaula “traz novas características, como a utilização da mídia audiovisual, a interação assíncrona ou ausência de interação com os alunos, a possível utilização simultânea de várias linguagens visuais que podem ser combinadas com o áudio, etc.” (CAMARGO et al., 2011, p. 5).
Ainda sob o viés científico, videoaula é “um objeto de aprendizagem caracterizado por uma gravação, com autoria de um praticante mediados de conteúdos que utiliza seus conhecimentos para explanar sobre determinado assunto” (MARTINS; ALMEIDA, 2018, p. 600).
Por seus atributos audiovisuais, há algum tempo, a videoaula é empregada na educação, sendo limitado o seu potencial para propiciar aprendizagem, sob a ótica de abordagens teóricas como a construcionista (COLL; MAURI; ONRUBIA, 2010).
Devido ao cenário pandêmico, ocasionado pelo novo Coronavírus (Sars-CoV-2), no Brasil, desde março de 2020, medidas de distanciamento social tornaram-se necessárias, uma delas foi o Regime Especial de Aulas Não Presenciais (REANP), segundo o qual a educação passou a ocorrer, prioritariamente, por meios digitais e “em casa”. Esse contexto deu margem à pesquisa abordada neste trabalho, que teve como objetivo geral investigar o trabalho pedagógico com tecnologias digitais, móveis ou não, nas aulas não presenciais ministradas durante o período de suspensão de aulas previsto na Resolução 02/2020 do Conselho Estadual de Educação de Goiás.
Metodologia
Apresentamos resultados obtidos por meio de uma pesquisa documental, referentes a dificuldades evidenciadas por professores em suas videoaulas, com a ressalva de que as dificuldades identificadas pela análise descritiva das fontes documentais como um todo, que incluem projetos pedagógicos, relatórios de professores e planos de estudo, não são aqui abordadas. Empregamos a palavra “dificuldade” em seu sentido estrito, com o significado de obstáculo, impedimento, embaraço, apuro, aperto.
Das fontes documentais analisadas, destacamos 1.177 videoaulas, disponibilizadas no período de setembro de 2020 a fevereiro de 2021, nos canais do YouTube indicados na Tabela 1.
42Tabela 1 – Videoaulas por canal do YouTube
Canal | Videoaulas por canal |
---|---|
Secretaria Municipal de Educação(SME) de Jataí | 356 |
Secretaria Estadual de Educação(SEDUC) em Ação | 531 |
Centro de Ensino em PeríodoIntegral (CEPI) Cunha Bastos | 41 |
Centro de Ensino em PeríodoIntegral (CEPI) Maria Ribeiro Carneiro | 62 |
Colégio Estadual Olynto Pereira deCastro (CEOPC) | 113 |
Colégio Estadual Manoel Ayres (CEMA) | 31 |
Professor Júlio Dantas | 01 |
Professor Elexsandro Martins de Oliveira | 21 |
Professora Dorcelina Rodrigues | 21 |
Total | 1.177 |
Fonte: Elaboração própria, a partir de levantamentos realizados no YouTube.
Dado o volume de videoaulas, adotamos a técnica de amostragem aleatória simples, selecionando 222, nomeadas por um número precedido pela letra V, por exemplo, Videoaula 1 (V1). Desse total, descartamos vinte, por serem desprovidas de características como a presença de um professor, conteúdo curricular, comunicação direcionada a alunos ou uso de recursos de aprendizagem, restando 202, as quais foram analisadas .
Para identificar as dificuldades, elegemos como indícios: tipo de linguagem utilizada; ações do professor; tecnologias utilizadas; interação professor/aluno; abordagem pedagógica. Desse modo, chegamos às categorias dificuldades técnicas e dificuldades pedagógicas, das quais tratamos, a seguir.
Resultados e discussão
A análise descritiva das videoaulas apontou dificuldades relacionadas aos seguintes aspectos: postura, usabilidade da tecnologia, fala, desenvoltura, nervosismo e insegurança do professor. A fim de caracterizar melhor estas dificuldades, utilizamos as categorias, anteriormente, mencionadas, quais sejam, dificuldades técnicas e dificuldades pedagógicas.
As dificuldades técnicas incluem usabilidade da tecnologia, qualidade de áudio e imagem e postura do professor. As dificuldades pedagógicas, por sua vez, são concernentes aos modos de inserção de tecnologias digitais e móveis na educação formal. Tais categorias são delimitadas a partir do referencial teórico sobre o Technological Pedagogical Content Knowledge ou Conhecimento Tecnológico e Pedagógico do Conteúdo (TPACK), conforme conceituado por Koehler, Mishra e Cain (2013). Do TPACK, que prevê um conjunto de conhecimentos a serem mobilizados pelo professor no ato de ensinar, priorizamos os conhecimentos: tecnológico; tecnológico do conteúdo; pedagógico da tecnologia.
Ao investigar dificuldades de uso pedagógico das tecnologias digitais em ambientes de ensino e aprendizagem, partimos do pressuposto de que elas guardam relações com os conhecimentos específicos dos quais o professor dispõe para ensinar por novos meios. A falta desses conhecimentos, que alguns chamam de “competências” (SILVA; BEHAR, 2019), dá margem a dificuldades nem sempre percebidas ou compreendidas pelos profissionais da Educação. Cabe, pois, mapear essas dificuldades, com vistas a superá-las.
Dificuldades técnicas
Das 202 videoaulas analisadas, 72 evidenciam as dificuldades listadas na Tabela 2. Nas cento e trinta restantes não verificamos indícios que sugerissem dificuldade. Cabe ressaltar que as videoaulas V167 a V222, nas quais constatamos indício de dificuldade quanto ao posicionamento em frente à câmera, são de um mesmo canal do YouTube. Alguns indicadores como, por exemplo, não saber onde estava a câmera, olhar a esmo e falar procurando o texto, nos permitiram essa inferência.
43Tabela 2 – Dificuldades para ensinar com videoaulas
Canal | Videoaulas por canal |
---|---|
Secretaria Municipal de Educação(SME) de Jataí | 356 |
Secretaria Estadual de Educação(SEDUC) em Ação | 531 |
Centro de Ensino em PeríodoIntegral (CEPI) Cunha Bastos | 41 |
Centro de Ensino em PeríodoIntegral (CEPI) Maria Ribeiro Carneiro | 62 |
Colégio Estadual Olynto Pereira deCastro (CEOPC) | 113 |
Colégio Estadual Manoel Ayres (CEMA) | 31 |
Professor Júlio Dantas | 01 |
Professor Elexsandro Martins de Oliveira | 21 |
Professora Dorcelina Rodrigues | 21 |
Total | 1.177 |
Fonte: Elaboração própria.
Como afirma Kenski (2003), não é de hoje que o homem utiliza tecnologia. Desde os primórdios, a tecnologia é criada e utilizada pelo homem para superar seus desafios. Com a tecnologia digital surgem novas possibilidades de interação e também novos desafios. A Tabela 2 exibe alguns destes desafios. Observando-a, percebemos quais dificuldades técnicas mais desafiaram o professor da rede pública de Educação Básica de Goiás que produziu e utilizou videoaula durante o REANP.
Apesar das dificuldades, Kenski (2003) salienta que as tecnologias digitais e móveis criam novos espaços para o ensino e a aprendizagem. No entanto, para fazer uso desse potencial, é preciso ampliar concepções, a exemplo das que se tem sobre espaço e lugar, como destaca Martins (2018).
Ademais, a natureza das dificuldades visualizadas na Tabela 2 sugere atenção à formação crítica e criativa para uso das tecnologias digitais e móveis, que, durante o REANP, tornaram-se as únicas ferramentas de trabalho do professor.
Dificuldades pedagógicas
Quanto aos aspectos pedagógicos, constatamos que nenhuma videoaulas continha a utilização de tecnologias na tessitura da aula, isto é, nenhuma comportou o uso da tecnologia como ferramenta para a aprendizagem. Em outras palavras, durante a videoaula, nenhum(a) o(a) professor(a) utilizou recursos digitais, a exemplo das simulações virtuais disponíveis no sítio PhET Simulations, para criar situações experimentais ou instigar ou problematizar e ir além da exposição de conteúdo dentro de uma “aula gravada”. Em uma videoaula de matemática (V31), foi sugerido aos alunos que utilizassem o software GeoGebra como ferramenta capaz de auxiliar na verificação das atividades realizadas em casa.
Conforme mostra a Tabela 2, as dificuldades se concentram no que Lopes (2014) chama de “aprender sobre a tecnologia”. Para além desse conhecimento, a falta de utilização de tecnologias potencialmente favoráveis à aprendizagem no interior das videoaulas analisadas confirma o apontado pela literatura educacional sobre o uso das tecnologias digitais em processos de ensino e aprendizagem presenciais (FAGUNDES, 2008). Em sua essência (conteúdo e desenvolvimento), as videoaulas sugerem “o presencial na tela”, sendo as “aulas virtuais” ministradas no mesmo formato das presenciais, ressalvado o local em que ocorre a ação educativa.
44Ao analisar videoaula como fonte documental, partimos do pressuposto de que ela poderiam comportar práticas pedagógicas experimentais ou expositivas, constatamos que prevaleceu essa última.
Considerações finais
Apresentamos resultados parciais de uma pesquisa documental na qual buscamos investigar o trabalho pedagógico em escolas públicas de Educação Básica de Goiás durante o REANP. Ressalvados os limites do estudo, os resultados mostram que dificuldades existiram e, no caso das videoaulas, elas se concentram nos aspectos técnicos, indicando a falta de conhecimentos tecnológicos (KOEHLER; MISHRA; CAIN, 2013), os quais dizem respeito ao domínio da tecnologia.
Refletindo a respeito, torna-se forçoso reconhecer que, apesar o uso diário de tecnologias e mídias digitais, como smartphone, podcast, redes sociais, plataformas, não torna um indivíduo apto a utilizar esses mesmos meios com finalidades de ensino e aprendizagem. Retomando Barreto (2003), é preciso distinguir entre o uso para quaisquer finalidades e o uso pedagógico das tecnologias na educação.
À guisa de conclusão, salientamos a relevância de iniciativas voltadas a diminuir as dificuldades acima referidas, pois, como afirma Rodrigues Junior (2014, p. 2), “atualmente temos diversas mídias educacionais, o grande desafio é saber utiliza-las de modo eficiente e permitir que elas contribuam, de modo mais decisivo, para aperfeiçoar as práticas pedagógicas”.
Agradecimento
Nosso agradecimento à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), pelo apoio dado à pesquisa intitulada “Trabalho pedagógico com tecnologias digitais e móveis na rede pública de educação básica durante o período de suspensão das aulas presenciais pelo contingenciamento Covid-19”.
Referências
BARRETO, R. G. Novas tecnologias na educação presencial e a distância II. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 109-118.
CAMARGO, L. D. V. L; GAROFALO, S.; COURA-SOBRINHO, J. Migrações da aula presencial para a videoaula: uma análise da alteração de mídium. Sorocaba: Quaestio, v. 13, n. 2, p. 79-91, 2011.
COLL, C.; MAURI, T.; ONRUBIA, J. A incorporação das tecnologias da informação e da comunicação na educação: do projeto técnico-pedagógico às práticas de uso. In: COLL, C.; MONEREO, C. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 67-93.
FAGUNDES, L. C. Tecnologia e educação: a diferença entre inovar e sofisticar as práticas tradicionais. Revista Fonte, n. 8, p. 6-14, dez. 2008.
KENSKI, V. Aprendizagem mediada pela tecnologia. Revista Diálogo Educacional, v. 4, n. 10, p. 1-10, 2003. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1891/189118047005.pdf. Acesso em: 29 jun. 2021.
KOEHLER, M. J.; MISHRA, P; CAIN, W. What is Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK)? Journal of Education, v. 193, n. 3, 2013.
LOPES, R. P. Concepções e práticas declaradas de ensino e aprendizagem com TDIC em cursos de Licenciatura em Matemática. 2014. 691 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2014.
MARTINS, J. S. M. Adultos smartphones e crianças pequenas: um estudo sobre famílias midiatizadas. Rio de Janeiro. 2018. 192 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
MARTINS, V.; ALMEIDA, J. F. F. As videoaulas e os desafios para a produção de material didático: pensando a docência na educação online. Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico (EDUCITEC), v. 4, n. 8, 2018, p. 597-614.
RODRIGUES JUNIOR, E. Os desafios da educação frente às novas tecnologias. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2014. Anais... Sorocaba: Universidade de Sorocaba, 2014. p. 1-9. Disponível em: https://unisos.uniso.br/publicacoes/anais_eletronicos/2014/6_es_avaliacao/03.pdf. Acesso em: 29 jun. 2021.
SILVA, K. K. A.; BEHAR, P. A. Competências digitais na educação: uma discussão acerca do conceito. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 35, p. 1-32, 2019
Notas
1. Disponível em: https://phet.colorado.edu/pt_BR/. Acesso em: 29 jun. 2021.