Carla Salomé Margarida de Souza
c.salome@hotmail.com

Lilian Cristina dos Santos
lilianpsi2012@gmail.com

EIXO
Educação (Educação Ambiental / Educação Especial / Educação Intercultural / Educação no Campo / EJA / EAD)

A organização do trabalho pedagógico em perspectivas inclusivas

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Resumo: Este estudo apresenta reflexões sobre a organização do trabalho pedagógico em perspectivas inclusivas. A abordagem desse tema se deu a partir da seguinte inquietação: como organizar o trabalho pedagógico a fim de que a escola se torne inclusiva, um espaço democrático e competente para trabalhar com todos os discentes? Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica de cunho exploratório a partir de vários autores de referência da área, como: Mantoan (2009; 2010; 2012), Canen (2007), Stainback & Stainback (1999), dentre outros. Os resultados da pesquisa apontam caminhos que evidenciam uma gestão de mudanças, não por meio de receitas fantásticas, mas na reflexão coletiva de cada escola no seio do seu fazer pedagógico, revendo conceitos e repensando a prática numa busca incansável pela organização de um trabalho pedagógico que reflita acerca de um ensino comprometido com os princípios da alteridade e com as diversas características, estilos e ritmos de aprendizagem.

Palavras-Chave:Inclusão. Escola. Trabalho Pedagógico.

Um dos maiores desafios para a escola do século XXI refere-se à edificação de uma proposta pedagógica que atenda aos princípios e fins da educação para a diversidade numa perspectiva inclusiva. Esse desafio desperta-nos para a necessidade constante de rever conceitos e repensar o processo de ensino e aprendizagem, bem como a organização do trabalho pedagógico para então constatar a real necessidade de mudanças.

Este estudo apresenta reflexões sobre a organização do trabalho pedagógico em perspectivas inclusivas. Para tanto, nos apoiamos na realização de uma pesquisa bibliográfica de cunho exploratório, considerando a seguinte problemática: como organizar o trabalho pedagógico a fim de que toda escola se torne inclusiva, um espaço democrático e competente para trabalhar com todos os discentes, sem distinção de cor, classe, cultura, religião, gênero ou quaisquer características sensoriais, comportamentais ou psicológicas, baseando-se no princípio de que a diversidade deve não só ser aceita, como desejada?

Metodologia

Esta pesquisa está respaldada em um enfoque teórico e, por esta razão, realizamos uma pesquisa bibliográfica de cunho exploratório a partir de autores de referência da área, como: Mantoan (2009; 2010; 2012), Canen (2007), Stainback & Stainback (1999), dentre outros.

Segundo Marconi e Lakatos (1992), a pesquisa bibliográfica compreende o levantamento de bibliografia já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita e pode ser considerada como o primeiro passo de toda a pesquisa científica.

Resultados e Discussões

Neste estudo apresentamos reflexões sobre a organização do trabalho pedagógico em perspectivas inclusivas. As razões para a escolha do objeto dessa pesquisa se justificam pela necessidade de ampliar as discussões em torno do trabalho pedagógico das escolas a fim de superar concepções de uma prática curricular monocultural dominante (CANEN, 2007) que tende a silenciar as diferenças e não valorizá-las.

A Declaração de Salamanca (1994) estabelece que a escola inclusiva é aquela que contempla muitas outras necessidades. É uma escola que: acolhe crianças com dificuldades temporárias ou permanentes; as que repetem o ano; as que sofrem exploração sexual, violência física ou emocional; as que são obrigadas a trabalhar; aquelas que moram na rua ou longe da escola; vivem em condições desfavoráveis; são desnutridas; têm altas habilidades; estão em atendimento hospitalar; ou mesmo aquelas que na escola são excluídas por cor, peso, aparência, modo de falar ou vestir.

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Verifica-se que o acolhimento autêntico da diversidade garantido na Constituição Federal de 1988 é incompatível com a desigualdade educacional observada. Esse documento estabelece como um dos seus princípios, a “igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola” (art. 206, I). Esse princípio requer um trabalho pedagógico organizado no intuito de consolidar-se uma prática curricular que respeite e valorize as diferentes presenças na escola.

Com relação a essa prática, Stainback & Stainback (1999) esclarecem que, quanto às diferenças raciais, o reconhecimento positivo deve permear tudo o que acontece na escola e na sala de aula sem estereotipar; em se tratando das diferenças culturais, o princípio é de que cada pessoa tem uma cultura, todas são importantes e dignas de respeito; quanto às diferenças familiares, deve-se focar na aceitação dos diversos arranjos familiares e não somente da família tradicional; quanto às diferenças de gênero, o ideal é romper com as concepções estereotipadas sobre meninos e meninas para encorajá-los a interagirem e se respeitarem; no que se referem às diferenças religiosas, deve-se retirar a ênfase dos feriados religiosos e abordá-los em perspectivas multiculturais; e, quanto às diferenças de aptidões e habilidades, o importante é mostrar que toda pessoa tem potencialidades e debilidades, e que, por isso, a sala de aula deve ser um espaço de apoio mútuo.

Canen (2007) chama a atenção para a necessidade de superarmos percepções folclóricas de abordagens culturais quando nos restringimos a celebrações em datas comemorativas. Isto porque, conforme a autora, essas abordagens limitam estratégias de apreciação das diferentes culturas e não alcançam níveis questionadores de preconceitos e discriminações. A autora nos convida a fazer dessas estratégias apenas “portas de entrada” para alcançarmos níveis de multiculturalismo crítico ou perspectiva intercultural crítica, no sentido de questionarmos as características monoculturais do currículo escolar, a hierarquização cultural entre as diferenças.

Canen (2007, p. 105) aponta caminhos para um trabalho pedagógico que esteja permeado por reflexões que abordem perspectivas interculturais em todas as práticas pedagógicas, afirmando que esse trabalho não pode ser visto apenas como um “adendo ao currículo”.

Nesse sentido, o trabalho pedagógico ressurge na escola com possibilidade de implementar uma cultura socioeducativa. Conforme Reis; Santos e Oliveira (2017, p.49) “o foco consiste em desenvolver práticas pedagógicas que consigam dar respostas adequadas às necessidades de cada aluno”. Para essas autoras, a concretização da inclusão requer ações permanentes investimentos, revisões, adaptações, parcerias, trabalho colaborativo e redes de apoio. Assim sendo, responder à diversidade significa romper com o esquema tradicional de homogeneidade e uniformização que ainda impera no campo educacional.

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Uma sala de aula heterogênea exige que se crie contextos educacionais capazes de atender a todos os alunos. Não se refere, portanto, a práticas de ensino específicas na tentativa de viabilizar um trabalho individualizado. Conforme Mantoan,

O que faz a diferença é a possibilidade de o aprendiz realizar as suas tarefas e atividades com a turma, sem ter de trabalhar a parte, segregado, mas fazendo uso do material pedagógico da sala de aula, livremente de acordo com seus interesses e capacidades. Da espontaneidade e da interação com os colegas da turma, utilizando os mesmos recursos didáticos e realizando as mesmas atividades é que emerge o potencial de aprendizagem de cada criança, com ou sem deficiência (MANTOAN, 2012, p.88).

E, isso só será possível se os professores considerarem as possibilidades de desenvolvimento de cada aluno e explorarem suas capacidades de aprender. Nesse caso, em conformidade com Reis (2013), uma educação na e para a diversidade valoriza a prática da alteridade como mecanismo de combate às práticas preconceituosas e discriminatórias, uma vez que as pessoas que praticam os princípios da alteridade aprendem a respeitar as diferenças, o ritmo e as necessidades de cada um (REIS, SANTOS e OLIVEIRA, 2017).

O que se almeja de um ambiente educativo vai além de um mero ensino focado nos aspectos conceituais e cognitivos, mas se preocupa com o crescimento da pessoa como ser humano. Em outras palavras, “se preocupa com a formação humana, emocional e cidadã de todos” (REIS, SANTOS e OLIVEIRA 2017, p. 26)

O trabalho pedagógico da escola aberta às diferenças deve garantir o direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) para discentes com deficiências, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades. Segundo Mantoan (2010), esse atendimento não substitui o ensino na classe comum, mas o complementa ou suplementa. Esse atendimento deve ocorrer no turno de ampliação da aprendizagem, na própria escola de ensino regular e, para desenvolvê-lo, o professor deve ser licenciado e ter conhecimentos específicos em Braille, soroban, Libras, português para surdos, tecnologia assistiva e outros.

Dessa forma, vários caminhos se evidenciam para uma gestão de mudanças, que não se consolidam por meio de receitas fantásticas, mas na reflexão coletiva de cada escola no seio do seu fazer pedagógico, revendo conceitos e repensando a prática numa busca incansável pela organização de um trabalho pedagógico que reflita num ensino comprometido com as diversas características, estilos e ritmos de aprendizagem, formando seres humanos capazes de corroborar com a construção de uma sociedade inclusiva.

Considerações finais

Partindo do princípio de que o cenário escolar está repleto de diversidade humana, garantir uma educação escolar democrática e de qualidade, deixou de ser “incluir” e passou a ser “deixar de excluir”. Essa percepção nos leva a crer que seria um equívoco supor que o trabalho pedagógico organizado na perspectiva da diversidade e da inclusão refere-se apenas aos educandos que têm alguma deficiência.

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Nesse contexto, a organização do trabalho pedagógico da escola se consolida por meio de uma proposta pedagógica que contemple as especificidades e os princípios do ensino democrático e de qualidade, um currículo multi/intercultural, uma metodologia diversificada, materiais adaptados, acessibilidade comunicacional, atitudinal e arquitetônica, uma avaliação dinâmica e contínua, formação continuada para o corpo docente, parcerias constantes com a família e com instituições que tenham apoio de uma equipe multiprofissional.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96). Ministério da Educação, 1996.

CANEN, Ana. O multiculturalismo e seus dilemas: implicações na educação. Comunicação & Política, v. 25, n.2, p. 91-107, 2007. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/237591283_O_multiculturalismo_e_seus_dilemas_implicacoes_na_educacao Acesso em: 10 mar. 2018.

MANTOAN, Maria Teresa Égler. Inclusão Escolar: oque? por quê? como fazer?2ed. São Paulo: Moderna, 2009.

MANTOAN, Maria Teresa Égler. Atendimento Educacional Especializado. Fortaleza: UFC, 2010.

MANTOAN, Maria Teresa Égler. Caminhos pedagógicos da Educação Inclusiva. In: GAIO, Roberta;ENEGHETTI, Rosa G. Krob (Org.). Caminhos pedagógicos da educação especial. 8. ed. Petrópolis- RJ: Vozes, 2012, p. 79-94.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Editora Atlas, 1992.

REIS, Marlene Barbosa de Freitas. Política Pública, Diversidade e Formação Docente: uma interface possível. 2013. 279f. Tese (Doutorado em Ciências, em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento) – Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro-RJ, 2013.

REIS, Marlene Barbosa de Freitas; SANTOS, Thiffanne Pereira dos; OLIVEIRA, Brenda Fonseca de. Educação na e para a Diversidade: a busca pelo exercício da alteridade. In: REIS, Marlene Barbosa de Freitas; LUTERMAN, Luana Alves. (Org). Interdisciplinaridade na Educação: redimensionando práticas pedagógicas. Anápolis/Goiás: UEG, 2017.

STAINBACK, I e STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação Sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília: CORDE, 1994.

Notas

1. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias – PPG/IELT/UEG. Pedagoga. Docente titular da UEG/Inhumas e da Secretaria de Estado da Educação de Goiás.

2. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias – PPG/IELT/UEG. Psicóloga. Pedagoga. Docente do Centro de Ensino e Aprendizagem em Rede – CEAR/UEG e do Centro Municipal de Atendimento à Diversidade – CEMAD.