Larissa de Mello Evangelista
larissa.evangelista@ufg.br

Leandro Jorge Coelho
leandrocoelho@ufg.br

Michel Mendes
michel.mendes@ufg.br

EIXO
Ciências Biológicas e Química

A residência pedagógica no desenvolvimento de uma disciplina eletiva no CEPAE/UFG

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Resumo: O presente texto relata o desenvolvimento da disciplina eletiva “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola” no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação a partir da regência dos residentes participantes do subprojeto do Programa Residência Pedagógica do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás cujo tema é educação em sexualidade e gênero. A disciplina foi elaborada conjuntamente entre o departamento de Biologia e os coordenadores do subprojeto em questão, para estudantes do Ensino Médio como forma de trabalhar questões relacionadas à sexualidade, ao gênero, preconceito, à discriminação e ao respeito ao próximo. A regência foi realizada por dez residentes divididos em duplas que prepararam atividades assíncronas e aulas/encontros síncronos durante cinco semanas. A disciplina contou com a participação voluntária de mais de vinte estudantes que realizaram as atividades e participaram ativamente nas discussões desenvolvidas nos encontros síncronos e na plataforma Google Classroom. Como resultados tivemos uma participação expressiva de alunos do ensino médio, uma formação em completude dos residentes e uma mudança de comportamento de todos os envolvidos.

Palavras-Chave: Sexualidade. Gênero. Residência Pedagógica.

Introdução

O Programa Residência Pedagógica (PRP) tem como objetivo estimular a articulação entre teoria e prática na formação de professores, com a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade do curso. O subprojeto vinculado ao curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) tem como abordagem teórica as ideias freireanas, e como conteúdo educação em sexualidade e gênero, tema ainda mais relevância na atualidade, haja vista o alto de índice de violência contra a mulher e contra a população LGBTQIA+ (Lésbica, Gay, Bissexual, Transexual, Queer, Intersexo e Assexual) os casos de violência sexual entre crianças e jovens cotidianamente atestados pela mídia, o aumento das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), dentre outros assuntos urgentes a serem debatidos na escola.

A educação em gênero e sexualidade aparece como uma maneira de reverter o quadro de preconceito na escola, levando um assunto que muitas vezes é tratado como tabu por pais e docentes, para ser discutido com os alunos. Esse debate é uma tentativa de quebrar a perpetuação da discriminação e dos preconceitos, que muitas vezes partem da desinformação e ignorância das pessoas que reproduzem esses atos e essas ideias (SOARES; MENDES, 2020).

Diante disto, deve-se construir no ambiente escolar a noção de respeito com o outro e o (re)conhecimento de si como um representante de uma realidade particular, portanto dotado de direitos fundamentados na diversidade (BRASIL, 2009).

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De acordo com o Projeto Pedagógico de Curso do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE) da UFG, as disciplinas eletivas oferecidas no Ensino Médio contemplam a parte “diversificada” do Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e possibilitam ampliar e aprofundar seus conhecimentos nas diversas áreas, ao mesmo tempo em que abre espaço para novas discussões, fomenta o estudo e a pesquisa e promove uma formação contínua para os estudantes. Neste sentido, os alunos possuem a possibilidade de construir seu currículo escolar a partir de temáticas que provavelmente não são estudadas no núcleo básico de escolas públicas convencionais e que poderão servir como base para estudos futuros. Essas disciplinas são oferecidas semestralmente pelos departamentos de Ensino do CEPAE/UFG em turmas formadas por no mínimo 10 e no máximo 30 alunos, com carga horária semestral de 32 horas (CEPAE, s/d).

Para a implementação do subprojeto do PRP supracitado no CEPAE/UFG, decidiu-se conjuntamente com o Departamento de Biologia (CEPAE/UFG), do qual a preceptora faz parte, pela criação de uma disciplina eletiva, garantindo maior autonomia para o desenvolvimento das atividades e proporcionando mais possibilidades de aprofundaro assunto proposto tanto para os residentes, quanto para os estudantes do Ensino Médio. Assim, foi elaborada a disciplina eletiva “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola”.

Neste trabalho, objetiva-se relatar o desenvolvimento de uma disciplina eletiva no CEPAE/UFG, intitulada “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola”, a partir da regência dos residentes participantes do subprojeto do Programa Residência Pedagógica do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás.

Relato de experiência

Aqui será relatado o desenvolvimento da disciplina eletiva “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola” a partir da regência dos residentes do PRP/Ciências Biológicas/UFG no CEPAE/UFG com a supervisão da preceptora.

A disciplina eletiva “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola” foi pensada a partir da necessidade de se trabalhar especificamente o “tema tabu” sexualidade e gênero com estudantes que se encontram na adolescência. Após a aprovação do subprojeto do PRP/Ciências Biológicas UFG, a disciplina foi aprovada pelo Conselho Diretor do CEPAE/UFG e disponibilizada para matrícula dos estudantes. Como o período de matrículas já havia se encerrado, foi elaborado um formulário para inscrição na disciplina eletiva e enviado com um convite à participação para todos os estudantes do Ensino Médio do CEPAE, esclarecendo que a disciplina não constaria como quantidade de eletivas obrigatórias. Conforme descrito,a disciplina eletiva é escolhida pelo estudante, não é obrigatória Superando as expectativas, um número considerável de alunos (vinte e um estudantes) se inscreveu na disciplina, o que demonstra a importância do assunto ser discutido entre os adolescentes de forma científica, crítica e construtiva. Corroborando com Freire (1996), compreende-se que ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, saberes esses construídos na prática comunitária, discutindo a razão de ser desses saberes em relação ao ensino dos conteúdos.

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Diante do contexto de pandemia causada pelo Sars-CoV2 (COVID-19), com a paralisação das atividades acadêmicas presenciais na UFG, foi adotado o Ensino Remoto Emergencial (ERE). Desse modo, todas as reuniões do PRP para estudo, discussão e planejamento de atividades para regência foram realizadas de maneira remota por encontros através da plataforma Google Meet e a interação entre os residentes e suas respectivas preceptoras também aconteciam via WhatsApp.

No CEPAE, por ser uma unidade da UFG, também se adotou o ERE e foi decidido que todas as atividades fossem trabalhadas de forma assíncrona ou síncrona. Na forma assíncrona são enviadas via e-mail e postadas no site da instituição de ensino, ou podem ser utilizadas outras formas de acesso de trabalho remoto, como a utilização de plataformas que gerenciam salas de aula. Na forma síncrona, as atividades acontecem por meio da plataforma Google Meet. Durante as discussões entre os residentes e a preceptora e o trabalho de elaboração dos planos de atividades e de aulas foi escolhida a plataforma Google Classroom para gerenciar a sala de aula da disciplina eletiva “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola”. Ainda, para uma melhor interação entre os residentes e os estudantes, nessa plataforma eram postadas as atividades e o link para os encontros síncronos. Os residentes criaram a sala de aula na plataforma e alimentavam com atividades, discussões, avisos etc. Estabeleceu-se na unidade a não obrigatoriedade de participação nas aulas síncronas.

Durante a divisão dos residentes entre as três escolas participantes do PRP/Ciências Biológicas UFG, dez optaram por vincular-se ao CEPAE. Assim, para a regência, formaram-se duplas que ficaram responsáveis por planejar, elaborar e ministrar sua aula específica. As duplas foram alocadas em três equipes, para que construíssem de forma coletiva os planos de aula, as atividades assíncronas e as aulas síncronas ministradas por cada dupla. A distribuição ficou assim definida: Equipes 1 e 2 compostas por duas duplas cada e a Equipe 3 por uma dupla conjuntamente com a professora da disciplina.

Os principais temas elencados para serem trabalhados foram: Identidade sexual e de gênero; Preconceito e discriminação; Violência de gênero; Gênero como construção social. Assim, a Equipe 1 trabalhou o tema Identidade Sexual e de Gênero, tratando desde a antiguidade até os tempos atuais; a Equipe 2 falou sobre Preconceito e discriminação na escola e Violência de gênero; e a Equipe 3 tratou sobre Gênero como construção social e os direitos conquistados pelos movimentos feminista e LGBTQIA+.

As atividades assíncronas eram enviadas e/ou postadas quinzenalmente pela Equipe responsável e as aulas síncronas aconteciam semanalmente às quartas-feiras, das 15h30min às 17h, sendo ministradas por uma das duplas da Equipe da quinzena. Importante destacar que as aulas eram ministradas por duplas, mas todos os residentes estavam presentes como apoio pedagógico. A seguir serão descritas as aulas síncronas realizadas na disciplina em questão.

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Na primeira aula síncrona, a professora preceptora fez a apresentação da turma de residentes e explicou que eles ficariam responsáveis pelas atividades, aulas, avaliação e pelo controle de frequência, com a supervisão da professora. Neste dia houve a presença de dezessete (17) estudantes que fizeram o acolhimento aos residentes e suas apresentações ligando as câmeras e falando um pouco sobre si. A primeira dupla da Equipe 1 tratou sobre a homossexualidade no contexto histórico e os seus significados. A partir da utilização de slides, comentou-se como era vista a homossexualidade no mundo greco-romano, na qual a pederastia era fenômeno de grande importância na sociedade grega e foi gradativamente aceita na sociedade romana. Os estudantes ficaram bem interessados, porém com estranheza, ao descobrirem que a homossexualidade já existia na Idade Antiga.

A segunda aula síncrona foi ministrada pela segunda dupla da Equipe 1, que deu início à aula utilizando a plataforma virtual Mentimeter, onde os alunos interagiram respondendo a seguinte questão: O que já sei sobre Educação sexual? Em seguida foi pedido para que os estudantes fizessem uma síntese a respeito da atividade assíncrona enviada/postada, na qual era solicitado que eles pesquisassem e elaborassem uma biografia de alguma personalidade da comunidade LGBTQIA+, considerando os desafios e as lutas enfrentadas na sua trajetória profissional, e dessem um posicionamento a partir do seu ponto de vista sobre a importância da representatividade dessa personalidade na sociedade. Posteriormente, foi realizada a apresentação de slides contendo as ideias nucleares para uma atividade expositivo-dialogada a respeito dos conhecimentos sistematizados sobre gênero e sexualidade.

A Equipe 2, a partir da segunda quinzena, ficou responsável pela atividade assíncrona e a primeira dupla pela aula síncrona que tratou sobre o direito à educação de todo e qualquer cidadão, levantando reflexões acerca desse direito e o por quê de tantas pessoas estarem sendo privadas dele, visto que a taxa de evasão escolar do público LGBTQIA+ é uma das maiores (BRASIL, 2009). Tratou-se, também, sobre os preconceitos de gênero e como as meninas são tratadas de maneira diferente na escola. Neste momento alguns estudantes expressaram suas indignações no chat, contando suas experiências, principalmente nas aulas de Educação Física. Discutiu-se sobre o preconceito com alunos LGBTQIA+ e suas diversas formas, que se mostram no dia a dia, seja através do bullying, ou até mesmo de agressões verbais e físicas. Utilizou-se como estratégia exemplos de personalidades famosas, como Pabllo Vittar, e suas histórias de experiências traumáticas no ambiente escolar. Esses exemplos geraram bastante discussão no chat, impulsionando o debate sobre o assunto.

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A segunda dupla da Equipe 2 trabalhou um tema que é pouco discutido em sala de aula, o preconceito e a discriminação. Os residentes dividiram a aula em: preconceito e discriminação por gênero (machismo) e por orientação sexual (homofobia, bifobia e transfobia), para facilitar o entendimento dos estudantes a diferenciação de gênero e orientação sexual. Na aula foi demonstrado a partir de slides dados da violência de gênero no Brasil até o ano de 2018. Foram levadas para a aula problematizações sobre o que os alunos entendiam por preconceito e discriminação, e como isso se inseria em suas realidades. Isso rendeu amplas discussões, sendo possível perceber o quanto os adolescentes se preocupam com essas questões e se indignam com atitudes discriminatórias e ideias preconceituosas.

A última aula ministrada pelos residentes tratou sobre o gênero como uma construção social e apresentou os direitos conquistados pelos movimentos feminista e LGBTQIA+. Para a discussão sobre a construção social do gênero, a dupla utilizou personagens populares presentes na mídia, para que fossem facilmente reconhecidos pelos alunos, por serem representações estereotipadas presentes em programas humorísticos e telenovelas da rede nacional. Através de slides, trouxeram fotos com representações de personagens homossexuais e heterossexuais que expressam estereótipos e preconceitos envolvendo gênero e orientação sexual. Os estudantes participaram ativamente da discussão trazendo questões vinculadas às próprias vivências. Muitos discordaram dos estereótipos representados e questionaram o porquê da imagem construída de membros da comunidade LGBTQIA + ser, em sua maioria, negativa. Ao final da regência dos residentes, a disciplina continuou com a professora/preceptora por mais uma quinzena com uma atividade assíncrona e uma aula síncrona na qual discutiu-se um pouco mais sobre o preconceito e a discriminação, reforçando a importância do respeito à diversidade, seja ela de gênero, de cor da pele, de orientação sexual etc.

Considerações Finais

Os alunos que participaram da disciplina eletiva “Educação em Sexualidade e Gênero na Escola” relataram o quanto a disciplina favoreceu o despertar para uma mudança de comportamento em relação sobre a forma de encararem a diversidade de gênero e a sexualidade e o respeito a todos e todas independente de sua orientação sexual, cor da pele, etc. É importante destacar a formidável presença dos residentes do PRP/Ciências Biológicas/UFG neste processo, pois a participação deles foi fundamental para o desenvolvimento desta disciplina eletiva.

Referências

BRASIL. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações Étnico-raciais. CEPESC; SPM, 2009.

CEPAE/UFG. Projeto Pedagógico de Curso. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/80/o/PPC_Versa%CC%83o_Final.pdf?1581521218. Acesso em: 20 de jun. de 2021.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

SOARES, Zilene Moreira Pereira; MENDES, Michel. Subprojeto Interdisciplinar de Residência Pedagógica - Ciências e Biologia: educação em sexualidade e gênero na escola. Goiânia, 2020.

Notas

1. Em virtude deste trabalho ser um relato de experiência, esta seção compreende a descrição dos momentos vividos durante o acompanhamento das atividades de regência dos residentes e a reflexão crítica sobre sua importância para a formação de professores. Desse modo, não será apresentada a seção resultados e discussões, pois fazem parte do relato em si.