Flaviane Ribeiro dos Santos
flavianedezz@gmail.com

Leandro Jorge Coelho
leandrocoelho@ufg.br

Michel Mendes
michel.mendes@ufg.br

EIXO
Ciências Biológicas e Química

Experiências vivenciadas por uma preceptora ao longo das regências do programa de residência pedagógica

09

Resumo: O objetivo deste trabalho é relatar a experiência de uma preceptora do Programa de Residência Pedagógica, vinculado ao subprojeto de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás, com o tema “educação em sexualidade e gênero na escola”, a fim de refletir sobre as contribuições para a formação continuada de professores. A escola-campo Colégio Estadual Robinho Martins de Azevedo, localizada em Goiânia/GO, acolheu os residentes para a realização das atividades do subprojeto. Foram ministradas aulas para alunos do (ensino médio) com diversos assuntos dentro da temática gênero e sexualidade, ao longo dos meses de fevereiro e março de 2021. A abordagem Freireana foi a escolha teórica para conduzir o processo de planejamento e execução das aulas. Durante o acompanhamento da elaboração dos planos de aula e dos momentos síncronos com os alunos do colégio, percebeu-se que é necessária essa interação entre residentes e estudantes para formação de futuros professores.

Palavras-Chave: Residência pedagógica; Sexualidade e gênero; Relato de experiência.

Introdução

A Residência Pedagógica (RP) é um programa que compõe as ações da Política Nacional de Professores do Ministério da Educação, sendo oferecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A RP tem como finalidade “[...] induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso” (BRASIL, 2020, p. 1).

Paulo Freire anuncia a solidariedade enquanto compromisso histórico de homens e mulheres como uma das formas de luta capazes de promover e instaurar a ética universal do ser humano (FREIRE, 2020). Assim, ao levar conhecimentos sobre sexualidade e gênero para dentro das escolas, estamos oportunizando que cada um possa se conhecer e entender porque se considera ou é considerado pelos outros como diferente. A partir disso, busca-se a emancipação de cada sujeito, de modo a fazer prevalecer o respeito dentro do ambiente escolar, independente de gênero, classe social, identidade, cor, etnia e outras manifestações legítimas do ser humano. Mobilizados por esses desejos os residentes (acadêmicos), ao longo do módulo I (iniciado em outubro de 2020 e finalizado em março de 2021), tiveram momentos para leitura e debate acerca de assuntos vinculados ao tema do subprojeto, de modo a embasar as aulas a serem realizadas no período da regência, que ocorreram entre fevereiro e março de 2021. Diante do exposto, o objetivo deste texto é relatar a experiência de uma preceptora do Programa de Residência Pedagógica, vinculado ao subprojeto de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás, com o tema “educação em sexualidade e gênero na escola”, a fim de refletir sobre as contribuições desse momento para a formação continuada de professores.

Segundo Paulo Freire em uma conversa entre amigos a professora Olga Garcia lhe disse em sua experiência com estudantes o quão importante e necessário é saber escutar. O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno em uma fala com ele. E foi justamente, esse diálogo que foi proporcionado aos estudantes durante as aulas ministradas.

10

O termo orientação sexual se refere há como se dá o direcionamento do desejo afetivo-sexual de cada indivíduo. Já a identidade de gênero faz referência à forma como alguém se sente, se identifica, se apresenta, para si próprio e aos que o rodeia, ou seja, se refere ao perceber-se como ser “masculino” ou “feminino”, ou ambos, independente do sexo biológico ou da orientação sexual. Assim, não são apenas as características biológicas que determinam a construção da identidade de gênero (REIS, 2018).

Ao contrário do que muitos pensam não é o sexo biológico que define o gênero com qual se identifica, a identidade de gênero masculina ou feminina tem origem não só na percepção do próprio corpo, mas também nas influências recebidas do meio em que se vive. Desse modo, independente do sexo biológico, pode-se ter uma identidade masculina, feminina, as vezes uma identidade composta tanto pelo masculino, quanto pelo feminino, ou identidades que não se reconhecem nessas categorias binárias (MERCADANTE, 2015).

Quando o indivíduo tem desejos e se envolve emocionalmente e sexualmente com pessoas do mesmo gênero, estamos falando de pessoas quando a atração afetivo-sexual ocorre com gênero oposto, são indivíduos heterossexuais, e aqueles que se atraem por pessoas de ambos gêneros são chamados bissexuais.

Além disso, existem os indivíduos que nascem com sexo biológico indeterminado, atualmente chamados de Intersexo, variedade de condições cromossomos, gônadas, hormônios e órgãos externos e internos variado em condições diversas difícil a classificação binária de seu sexo biológico (COSTA, 2019)

É de suma importância discutirmos o assunto Educação, gênero e sexualidade nas escolas pois no cotidiano escolar a sexualidade está presente das mais variadas formas: desde a integração da família, dos papéis e do comportamento de homens e mulheres, nas práticas pedagógicas, nas pichações de banheiros, carteiras e pátios, em olhares que demonstram o preconceito de todas as formas possíveis, nas “brincadeiras” de mal gosto, como piadas e recadinhos colados em seus próprios corpos, em suas roupas enfim.

O ambiente escolar é considerado um dos principais lugares de construção dos saberes da criança e do adolescente, incluindo suas identidades e, consequentemente, é um dos primeiros lugares em que se deparam com as diferenças, principalmente as de gênero (REIS,2018). É muito importante que haja o desenvolvimento de uma consciência crítica e de práticas pautadas pelo respeito à diversidade e aos direitos humanos.

Não podemos esquecer que a escola faz parte da sociedade em que vivemos. E, portanto, vivemos em uma sociedade cheia de preconceitos, discriminação e muita falta de informação, onde o julgamento vem em primeiro lugar, sendo importante saber abordar o tema para não virar uma situação contraditória à que queremos enquanto professores e mediadores de conflitos.

Relato de experiência

Neste relato, descreve-se as atividades desenvolvidas durante o período de regência (fevereiro e março de 2021) do módulo I (outubro de 2020 a março de 2021), bem como os desafios vividos pelos residentes da licenciatura em Ciências Biológicas da UFG para a realização dessa etapa da RP de maneira remota. Os residentes foram organizados em três duplas e tiveram como público os estudantes do ensino médio do Colégio Estadual Robinho de Azevedo Martins, localizado em Goiânia/GO.

11

A RP no Colégio foi uma das experiências mais diversificadas vivenciadas pelos estudantes da educação básica nesta unidade escolar, uma vez que eles puderam entrar em contatos com assuntos pouco abordados durante seus estudos e as metodologias aplicadas foram diferenciadas de sua rotina diária, a demais esse momento possibilitou sanar dúvidas e curiosidades sobre os cursos de como adentrar em uma Universidade Federal, entre outros assuntos. O planejamento das aulas desenvolvidas pelos residentes foi essencial para definir os assuntos que seriam abordados nos encontros síncronos, considerando o tema Gênero e Sexualidade.

A primeira aula foi realizada pelas residentes Carine e Josellane, que trabalharam com o assunto: Gênero e Sexualidade (noções gerais), ministrada para 46 alunos, sendo eles pertencentes às turmas da 1ª à 3ª série do ensino médio. Foram abordados os conceitos de identidade de gênero, sexo biológico, orientação sexual e construção histórica e social do gênero? A dupla utilizou slides para expor os conceitos, além da plataforma mentimenter (para a construção de uma nuvem de palavras sobre os entendimentos iniciais dos alunos). A aula teve duração de 50 minutos, desenvolvida pela plataforma google meet, em que vários alunos participaram com perguntas e argumentações sobre os conceitos debatidos.

A segunda dupla, composta pelos residentes Samara e Leonardo, planejou sua aula sobre o assunto Intersexo, também para os alunos da 1ª a 3ª série do ensino médio, agora com a presença de 60 alunos. Os residentes iniciaram a aula com algumas perguntas para identificar os saberes prévios dos alunos, como: Você já ouviu falar em Intersexo? Sabe o que significa? Intersexo é o mesmo que hermafrodita? Como e quem designa o sexo das pessoas Intersexo? Há necessidade de se definir o que é naturalmente indefinido?

A terceira e última dupla a ministrar aula na semana seguinte, para o mesmo público de estudantes citados anteriormente, foi composta pelas residentes Paulianne e Isadora. Nessa aula, estavam presentes 55 alunos, sendo mais uma vez realizada pela plataforma google meet. A proposta dessa aula foi retomar os conceitos abordados nas aulas anteriores a partir da utilização de mitos e verdades (no formato de afirmações), para que os alunos participassem falando ou escrevendo no chat: Alguns mitos e verdades utilizados pela dupla foram: A transexualidade é uma orientação sexual; Podemos dizer que o machismo é o mesmo que o feminismo; O Brasil é o país que mais mata transexuais; O machismo prejudica apenas mulheres; A intersexualidade sempre irá se manifestar em alguma fase da vida; As intervenções cirúrgicas sempre são benéficas para a população Intersexo; e Todas as pessoas Intersexo são inférteis.

12

Para cada mito ou verdade apresentado, a dupla solicitava a interação dos alunos, que respondiam no chat ou liberando o microfone. Após as respostas, às residentes esclarecem sobre a afirmação, se era mito ou verdade, oferecendo aos alunos condições de compreender as limitações e as implicações que essas afirmações possuíam. A aula teve duração de 50 minutos com elevada participação, sendo que quase todos presentes interagiram, tirando dúvidas e trazendo exemplos de vida, presentes em seu dia a dia. A dupla Leonardo e Samara, Paulianne e Isadora ainda tiveram a oportunidade através de um convite da preceptora, de ministrar a aula sobre Intersexo para 16 professores das áreas de Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Exatas da escola-campo; A interação dos docentes foi bastante significativa, com participação unânime de todos os envolvidos com perguntas. Os professores ressaltaram que não conheciam o termo Intersexo, mas que procurariam saber mais sobre o assunto, até mesmo para saber se posicionar dentro da sala de aula.

Destaca-se que os planejamentos das aulas foram feitos sob o acompanhamento da preceptora da escola-campo e dos coordenadores da Regência Pedagógica da UFG.

Ao final do processo de realização das regências, considera-se que as aulas ministradas ofereceram aos alunos e professores do colégio a aproximação de assuntos que fazem parte da diversidade humana, mas que acabam por não ser ou pouco debatidos na educação básica, tendo em vista determinados padrões e normas social e historicamente definidas. A RP, nesse sentido, é uma oportunidade para que as discussões sobre gênero e sexualidade adentrem ao cotidiano escolar e possam avançar para outros espaços sociais de aprendizagem, permitindo outras compreensões acerca da pluralidade das manifestações desses conceitos. Por extensão, espera-se que o contato entre alunos e professores do colégio e dos acadêmicos da licenciatura em Ciências Biológicas nas discussões sobre a temática possam constituir uma geração em que prevaleça o respeito, o reconhecimento da legitimidade das múltiplas manifestações da diversidade, e que a dignidade humana seja valorizada. Foram vários desafios encontrados durante as aulas ministradas, dentre eles pode-se destacar três: a falta de acesso à internet de alguns alunos que ficaram impedidos de participar dos encontros síncronos e assistir as aulas ministradas pelos residentes; o planejamento das aulas pensando nas particularidades de uma aluna surda, que possui apoio de um professor intérprete; e, por último, a administração do tempo pelos residentes, respeitando o horário de cada aula.

Referências

BRASIL. Edital CAPES nº 01/2020 - Programa de Residência Pedagógica. CAPES, 2020.

COSTA, Anderson. Intersex: o que você precisa saber sobre o I em LGBTI+ no Dia da Visibilidade Intersexual. 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 65ª. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2020.

MERCADANTE, Clarinda. Evolução e sexualidade. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2015.

REIS, Juliana Fernandes Silva dos. A importância das discussões de gênero e sexualidade no ambiente escolar. 2018. Licenciatura em Pedagogia-UFBA. http://petpedagogia.ufba.br/importancia-das-discussoes-de-genero-e-sexualidade-no-ambiente-escolar.

Notas

1. Em virtude deste trabalho ser um relato de experiência, esta seção compreende a descrição dos momentos vividos durante a realização das atividades de regência e a reflexão crítica acerca sobre sua importância para a formação de professores. Desse modo, não será apresentada a seção resultados e discussões, pois é parte do relato em si.