Aula 2. Vantagens e desvantagens do pagamento por fato gerador
A grande discussão sempre que conversamos sobre PFG e Conta-Depósito Vinculada é qual é a melhor? Qual a vantagem de uma em oposição à outra? O que coloca uma em desvantagem e a outra não? Como fundamentar a decisão, tem um instrumento mais vantajoso do que o outro?
A resposta é aquela que detestamos ouvir: depende!!! Gestão não é uma receita de bolo, e gestão de risco não é diferente... Há muito definido em regras, sim há. Mesmo porque na vida pública só se pode fazer aquilo que é definido em lei, diferente da vida privada, que permite fazer tudo que não é proibido por lei. Porém, também há muito de aspectos discricionários e que, portanto, precisam da análise do gestor e de sua equipe.
Iniciaremos pelos aspectos mais gerais:
Desvantagens de ambos os procedimentos para a Administração Pública
Antes de mais nada, vamos lembrar que ambos os procedimentos são burocráticos, como é quase todo instrumento de controle, e exige da Administração Pública um esforço em “gerir recursos de terceiros”. Esse fato resulta numa demanda por uma maior capacitação de todos os agentes envolvidos na contratação, começando pela equipe de planejamento da contratação. Afinal, existe a necessidade de um estudo preliminar bem fundamentado na realidade concreta. Um estudo que leve em conta não apenas a necessidade a ser satisfeita pelo contrato em questão, mas dos recursos disponíveis para atender a essa demanda.
E quando falamos de recursos, estamos nos referindo não apenas do financeiro. Isso nos remete a um segundo grupo que precisa ser bem capacitado: as equipes de fiscalização.
Desvantagens de ambos os procedimentos para as empresas de terceirização
Sem dúvida, para a maioria das empresas de terceirização, a maior desvantagem dos instrumentos de risco é a retenção de valores que poderiam ser usados no fluxo de caixa delas, seja pela guarda desses valores na instituição financeira (Conta-Depósito Vinculada) ou mesmo no próprio órgão contratante (PFG). Dizemos que isso acontece para a maioria porque para algumas empresas é possível que seja mais salutar não contar com recursos que de fato não lhes pertencem e terem que administrar grandes desembolsos em eventos como férias ou pagamento de décimo-terceiro salário. Essa análise vai depender da saúde financeira da empresa e do seu fluxo de caixa.
Vantagens a serem observadas na opção pelo PFG
Até esse momento, já é possível observar que um grande número de variáveis precisa ser levado em conta. Assim sendo, ao invés de definirmos qual é a mais vantajosa, faremos uma exposição de aspectos a serem analisados a fim de fundamentar essa importante decisão, sempre do ponto de vista da opção pelo fato gerador.
1. A não existência da intermediação de uma instituição financeira – uma vez que os valores de desembolso mês a mês são destinados diretamente à empresa contatada, a depender dos eventos realizados, não há que se falar de provisionamento ou depósito das rubricas não efetivadas a cada mês. Consequentemente, não precisamos de uma instituição financeira envolvida no processo. Qual é a vantagem disso?
a. A primeira coisa que conseguimos pensar é que este fato desburocratiza o procedimento. Do ponto de vista de que mais modelos de documentos precisam ser adotados;
b. Reduz-se o número de pessoas envolvidas no processo. Não apenas elimina-se os participantes da instituição financeira, mas dentro do órgão reduz o fluxo de comunicação entre fiscalização e financeiro, pois na outra modalidade o financeiro deve fazer duas operações (no mínimo) a cada mês: o recolhimento dos valores à instituição financeira e o pagamento à contratada. Isso, a depender do fluxo da instituição contratante, aumenta o número de formulários envolvidos e incrementa o processo de pagamento. Já no PFG, é a equipe de fiscalização que confere a medição da empresa referente aos custos da planilha para o mês vigente e informa ao financeiro o valor final a ser pago à contratada;
c. Dificuldades na abertura da Conta-Depósito Vinculada – no primeiro momento, se falar em dificuldade para abertura de uma Conta-Depósito Vinculada em uma instituição financeira pode despertar em alguém uma reação de espanto, pois isso parece um absurdo para essa pessoa. Mas, a chave para esclarecer essa visão são algumas perguntas: em qual município do Brasil você vive? Uma capital? Quantas agências bancárias a cidade na qual você trabalha possui? O fato é que se não estivermos falando de uma capital ou uma cidade com um bom desenvolvimento, a dificuldade em realizar essa operação é concreta. Basta pensarmos que um bom número de municípios brasileiros não possui mais agências bancárias, pois, pelos mais diversos motivos, os bancos concentram suas agências nos municípios sedes de uma região. Além desse fator, sabe-se que os bancos tendem a lotar os bancários mais experientes com operações mais complexas nas grandes agências, dessa forma, as agências menores não têm funcionários treinados para esse atendimento e ficam dependendo de informações de outras agências ou núcleos. O somatório desses fatores pode fazer com que a abertura da Conta-Depósito Vinculada se torne mais complexa do que parece, o que acaba por ser mais um aspecto positivo do PFG que prescinde desse procedimento.
2. Impossibilidade de confisco dos direitos dos trabalhadores do contrato por processo judicial em outros contratos da empresa – No bloco 1, comentamos sobre os problemas apontados no Acórdão 1.214/2013-Plenário decorrentes do uso da Conta-Depósito Vinculada bloqueada. Entre tais problemas, estava apontado o risco do bloqueio do saldo das Conta-Depósito Vinculadas para pagamento de trabalhadores prestadores de serviços em outros contratos, conforme item 255 do referido acórdão. Porém, discutimos, quando vimos rapidamente alguns aspectos da nova Lei de Licitações, Lei 14.133/2021, que a penhora dos saldos das Conta-Depósito Vinculadas foi vetada na nova lei. Mas atenção: esse fato continua sendo verdade para todos os contratos que não se encontram sob a regência da nova lei de licitações;
3. Economia pela não utilização dos eventos incertos previstos na planilha de custos – A economia gerada pelo PFG é inegável. São parte da planilha de custos em todos os contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, rubricas que ali são colocadas com o objetivo de proteger o direito da contratada em caso de ocorrências que talvez nunca se realizem. A grande parte desses custos está concentrada no custo de reposição do profissional ausente, ou seja, os custos que só são desembolsados pela empresa contratada em caso de ausências legais que venham se concretizar para o colaborador residente (que é aquele vinculado ao contrato).
4. No quadro demonstrativo da página 49 do Caderno de Logística do PFG são analisados os valores de um ano de contrato. Através dele é possível visualizar a economia gerada pelo PFG por meio dos seguintes dados:
a. Despesa estimada para o contrato – R$ 171.833,72 – A despesa estimada aqui é o valor mensal da planilha cheia (com todas as ocorrências) nos 12 meses do contrato. Ou seja, qual seria o valor do desembolso anual da instituição contratante;
b. Despesa liquidada no contrato – R$ 152.417,77 – Esse é o valor efetivamente pago à contratada em decorrências dos eventos do contrato.
c. Economia – 11,30% - Diferença entre os dois valores acima.
Para o horizonte temporal de cinco anos (ver quadro da página 66 do Caderno de Logística do PFG) a economia é estimada, com base nos exemplos utilizados pelo Caderno de Logística do Pagamento pelo Fato Gerador, em aproximadamente 10,48%. Usamos o termo “aproximadamente” porque apesar do cálculo exemplificativo ter sido feito para um contrato de cinco anos, esse valor sofre variação em função das alíquotas adotadas na proposta de cada empresa. Além disso, o referido cálculo numa estratégia pedagógica trabalhou com valores fixos por cinco anos, o que sabemos que não corresponde à realidade das contratações públicas, onde as convenções coletivas vêm sendo reajustadas a cada ano, mesmo que seja apenas para uma recomposição mínima do custo de vida dos trabalhadores a elas vinculados. Mas essa variação continuará existindo, afinal não podemos esquecer que com a repactuação todos os custos são reajustados. Assim, se o valor das rubricas liquidadas aumenta, a das liquidadas será alterada na mesma proporção. Ou seja, a indefinição do percentual de economia se deve não a essa estratégia pedagógica adotada, mas pela imprevisibilidade dos eventos a ocorrerem durante o contrato!
Importante lembrar nesse momento que, no caso da Conta-Depósito Vinculada, todos os valores da planilha permanecem sendo objeto de desembolso para a contratante. O único detalhe é que uma parte é paga mês a mês direto à contratada e a outra é recolhida à Conta-Depósito Vinculada (em caso de dúvida, rever aula 1 do presente bloco). Acontece que mesmo o valor que é recolhido na Conta-Depósito Vinculada pertence à contratada. Esses valores encontram-se apenas indisponíveis, porém, ao final do contrato, após pagos todos os direitos dos trabalhadores daquele contrato, esse valor é revertido para a empresa contratada.
O que novamente se reverte em aspecto positivo do PFG frente ao outro instrumento de risco. Não é sem motivo que o Caderno de Logística ressalta como conclusão da análise: “Destaca-se que essa forma de pagamento prioriza o resultado, viabilizando a otimização dos recursos públicos, bem como a execução adequada e econômica do objeto do contrato”. (Inciso VI da página 50 do Caderno de Logística do Pagamento pelo Fato Gerador)
Após a abordagem de todos esses aspectos será preciso fazer o papel do advogado da outra parte. O que queremos dizer com isso? O intuito é reafirmar que apesar de todas as colocações que fizemos até aqui, como foi colocado no início dessa aula, é preciso analisar cada aspecto envolvido no caso concreto do seu órgão para tomar a decisão mais acertada de acordo com os recursos disponíveis. Afinal, não queremos incorrer no uso indiscriminado sem a avaliação dos riscos e identificação dos controles mais adequados para mitigá-los. Recordam-se que esse era um dos problemas apontados pelo Acórdão 1.214/2013-Plenário? Sendo assim, essa decisão precisa ser bem fundamentada. Uma boa metodologia é ter o hábito de guardar as avaliações de todas as ocorrências de cada contrato. Essa prática ajuda a identificar as fraquezas e as forças do processo licitatório possibilitando não só trabalhar para vencer cada uma delas, mas interpretar qual é o maior risco.
Vamos a um exemplo: Um órgão possui cinco unidades localizadas em um município do Estado distante da capital, porém os processos licitatórios dos principais serviços comuns a todas as unidades são realizados por uma experiente equipe central de licitação, que após todas as etapas da contratação, apenas repassa as informações para os fiscais das unidades conduzirem a contratação. No entanto, a cada ano é preciso renovar o treinamento da fiscalização, pois existe grande rodízio entre os servidores das unidades e nem sempre é possível aproveitar a experiência de um fiscal nas novas unidades para as quais são transferidos;
Observemos os dados que temos no texto:
a. A equipe de licitação (a partir do planejamento até a contratação) é localizada em uma capital – muito provavelmente não teria dificuldades para abrir / gerir uma Conta-Depósito Vinculada;
b. Equipe de licitação e contratação experiente – é um indicativo que os Estudos Preliminares, Termos de Referência, Edital e demais itens sejam bem robustos e elaborados de forma a dar uma segurança jurídica a tais processos. Processos robustos e bem elaborados minimizam as chances de contratação de fornecedores oportunista e sem qualificação técnica. Outro fato que isso nos indica é que muito provavelmente, exceto em casos excepcionais, os serviços comuns a todas as unidades são realizados em conjunto, permitindo um maior ganho de escala e uma melhor operacionalização dos contratos por reduzir o número de fornecedores envolvidos;
c. Frequência nas alterações de fiscalização por transferências de servidores – essa fraqueza leva a uma constante demanda por treinamento. Esse fato pode vir a ser um indicativo contrário a adoção do PFG como instrumento de gestão de risco.
Com essa visão, qual seria a melhor opção de instrumento de gestão de risco para essa instituição? A Conta-Depósito Vinculada, uma vez que a fiscalização pode ser prejudicada e isso afete a adoção do PFG, que depende do acompanhamento das medições pela fiscalização? É claro que os riscos de problemas com fornecedor reduzem muito a depender de um bom processo licitatório, porém, no caso especificado, quando isso acontecer será algo a atingir diversas unidades, tornando o risco maior e necessitando ser mais bem gerido. Outro detalhe a ser lembrado é que quanto maior o volume de contratação, maior também será a escala da economia a ser gerada pelo PFG. Então, como decidir? Será preciso avaliar o custo de oportunidade entre a necessidade de treinamento da fiscalização contra a segurança e a economia desejada. Será que um manual de operacionalização para auxiliar os fiscais ou um sistema de atendimento e orientação não sanariam as questões relativas à fiscalização? Um manual de procedimentos e um sistema de consultas com perguntas e resposta serviria de orientação aos fiscais, possibilitaria a adoção do PFG com uma ganho e economia de escala! Em tempos de recursos escassos, vale a pena considerar possibilidades de economia. Vocês concordam comigo?
Para auxiliar essa decisão, vamos rever os pontos cruciais por meio de alguns questionamentos que podem nortear essa decisão através do quadro-resumo a seguir:
Pergunta | Conta-Depósito Vinculada | PFG |
---|---|---|
Qual a base legal para os dois instrumentos? | IN nº 05/2017, art. 18, Anexo VII-B – Diretrizes específicas para elaboração do ato convocatório e Anexo XII - Conta-Depósito Vinculada - bloqueada para movimentação; | IN nº 05/2017, art. 18, Anexo VII-B – Diretrizes específicas para elaboração do ato convocatório |
É possível escolher? | Sim, a opção é da instituição, desde que fundamentada no seu processo de aquisição, porém é obrigatória a adoção de um dos instrumentos; | |
Como funcionam? | Determinadas rubricas são provisionadas através de recolhimento à uma conta-depósito onde os recursos ficam resguardados e somente serão liberados com expressa autorização do órgão contratante, mediante comprovação das despesas por parte da empresa; | A contratante se responsabiliza apenas pelo pagamento dos custos decorrentes de eventos efetivamente ocorridos e após a sua devida comprovação; |
Qual a diferença básica? | O saldo da Conta-Depósito Vinculada, após comprovação de quitação dos encargos trabalhistas e previdenciários relativos ao serviço contratado, pertence à empresa; | Inexiste saldo remanescente; |
Previsão em edital? | Sim | Sim |
Envolvimento de agência bancária? | Sim para a abertura e movimentação da Conta-Depósito Vinculada; | Não |
Quais rubricas são envolvidas? | 13º salário, férias e 1/3 de férias, multa sobre o FGTS e incidência do submódulo 2.2 sobre férias, 1/3 e 13º; | Férias, 1/3 de férias previsto naConstituição, 13º salários, ausências legais, verbas rescisórias, devidos aos trabalhadores, bem como outros de evento futuro e incerto, não serão parte integrante dos pagamentos mensais à contratada, devendo ser pagos pela Administração à contratada somente na ocorrência do seu fato gerador; |
Funcionamento mensal? | Os percentuais depositados na conta vinculada são bloqueados, não compondo o pagamento à empresa; | O recurso só nasce na ocorrência do direito e da devida comprovação; |
Como acontece o pagamento das rubricas envolvidas? | Solicitação prévia da empresa, à cada ocorrência do direito, conferência e autorização da Administração para a liberação do valor correspondente devido; | Pagamento dos direitos aos empregados, envio da comprovação para conferência e ressarcimento da Administração; |
Risco de apropriação dos valores referentes aos direitos dos empregados? | Sim, possibilidade de bloqueio dos valores em caso de condenação da empresa contratada em algum processo trabalhista. Esse fato só muda quando tivermos contratos sob a regência da nova lei de licitações. | Não. |
Economia entre o valor contratado e o liquidado? | Não | Sim, pelo não pagamento das verbas previstas e que não tiveram ocorrência durante o contrato; |
Atuação da fiscalização administrativa com relação à planilha de cálculo | Conhecimento básico | Conhecimento aprofundado sobre as movimentações (exclusão e inclusão de custos) e reflexos nas tributações; |
Grau de amadurecimento da equipe de planejamento com relação ao instrumento de risco? | Normal | Aprendizado contínuo para prever as situações de adequação e melhores soluções a serem previstas no processo de contratação; |
Gostaram do nosso quadro-resumo? Nesse simples exemplo, é possível concluir que em gestão às vezes mais importante que ter as respostas certas é saber fazer as perguntas certas e conseguir ler nas entrelinhas aspectos que não são tão óbvios. Por isso, nunca é demais lembrar: na área de serviço público o desafio é o aprendizado contínuo!
Nos próximos blocos, aprenderemos como isso acontece na prática através da operacionalização dos principais eventos que se dão durante uma contratação, bem como dos eventos que envolvem a rescisão desse contrato. E, além de tudo, como tudo isso reflete na medição da planilha de custo desse contrato. Aguardamos por todos vocês!