Um urbanismo das luzes e das velocidades: uma leitura crítica ao "rodoviarismo iluminado" de Paris e Brasília
202Resumo:O movimento de Educação do Campo surge no Brasil a partir das demandas dos movimentos sociais. No contexto de uma educação construída pelos sujeitos campesinos têm se multiplicado experiências de formação por Alternância como eixo central de uma proposta que busca romper com o modelo de escola tradicional e com a visão reducionista do ato de ensinar. Este trabalho objetiva refletir sobre o processo formativo de professores e gestores das escolas do campo de Goiás e de discentes da LEdoC/UFG-Câmpus Goiás proporcionado por um projeto de extensão desenvolvido no município no período de outubro de 2020 a dezembro de 2021. As atividades formativas demonstraram que a formação docente precisa ser buscada de forma contínua e reflexiva e que a participação das famílias neste processo é fundamental para que o processo seja dialógico e contextualizado.
Palavras-chave:Educação do Campo; Alternância; Práxis.
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Introdução
Este artigo aposta num modo de entender a produção urbanística das cidades ocidentais pela perspectiva crítica às luzes e às velocidades, tendo como objeto de estudo principal as cidades de Paris e Brasília. Pretendemos compreendê-las a partir de um desdobramento da lógica iluminada em sua constituição viária, investigando, brevemente, as intenções de seu planejamento urbano, a disposição de sua população no território urbano e, consequentemente, sua expansão urbana.
Destacamos que a cidade de Paris será apresentada a partir das transformações advindas das intervenções do Barão de Haussmann (1952-1970) e da fundação de Brasília (1960), mas, nesta, com objetivo mais específico de ser compreendida atualmente. Isto se deve ao fato de investigarmos os impactos do planejamento urbano viário para a diminuição das relações socioespaciais da cidade e o aumento e incentivo de relações pontuais, funcionais, rápidas e práticas.
A ideia para a elaboração deste artigo surgiu a partir de uma aula, onde foi apresentado o início das transformações urbanísticas em Paris, momento em que ficou conhecida como “Cidade das Luzes”. Esta ideia não trata apenas do desenvolvimento da infraestrutura urbana de Paris, como também de um profícuo momento social, cultural e filosófico pelo qual a cidade passava. Tratava-se de todo o contexto de modernização responsável por estimular estudos sociais, culturais e urbanos, com o surgimento de diversos pensadores, motivo de onde é engendrada a ideia de "luz", ligada a novos pensamentos e ideias. No decorrer da aula, foi apresentada uma imagem de um poste de luz da época funcionando como símbolo da mudança que Paris estava passando, retratando-se a "nova luz", tanto como infraestrutura quanto como marco de tempos que se aproximavam da modernização da cidade.
Assim, o recorte será na cidade de Brasília, principalmente, pela forma como a cidade se constitui, tanto por ter sido erguida do chão completamente planejada, quanto também de advir de uma agudização no modernismo brasileiro. Caracterizado pelo grande avanço tecnológico e industrial que movimentava os pensadores e urbanistas da época, o modernismo àquela altura exacerbava ainda mais suas características, a partir da lógica rodoviarista que já se apresentava.
Para o desenvolvimento do debate e pesquisa, partimos da conceituação acerca da “velocidade” (VIRILIO, 1991) imposta às nossas cidades nos dias atuais. Por outro, no entanto, é perceptível os impactos causados pela velocidade nas cidades e em seus espaços de circulação, bem como o parco acesso de práticas cotidianas "lentas" (SANTOS, 2001).
203A reflexão premente deste artigo trata de um olhar crítico para a cidade e seu planejamento urbano beneficiador das práticas capitalistas de consumo, moradia e transporte, com enfoque nas críticas ao favorecimento do tráfego viário em detrimento da qualidade de vida do pedestre e seus espaços de permanência.
Como pesquisas e intervenções por nós realizadas já indicam reflexões a partir de uma cartografia crítica pelo sistema da Google (RAMOS, 2021a; RAMOS, 2021b; RAMOS, 2021c; SPECIAN; RAMOS, 2020), o método de compreensão também advém da mesma lógica. É utilizado o sistema cartográfico da Google, formado por Street View, Maps e Earth, com o objetivo de análise dos conceitos e questões estudados, tendo como recorte a cidade de Brasília.
Assim sendo, contextualizaremos o tema apresentado, primeiramente, pela discussão do urbanismo da Paris de Haussmann (1952-1970), com as intervenções urbanísticas com viés de embelezamento e melhoramento da infraestrutura viária da cidade. A partir desse ponto, colocaremos como questão o início de certa prática que coloca o pedestre em detrimento do carro. Por fim, discutiremos, a partir de registros atuais, os pensamentos que moldam a prática capitalista do urbanismo viário na cidade de Brasília.
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Do sanitarismo parisiense ao rodoviarismo estadunidense
O urbanismo frequentemente praticado nos dias atuais tem seu início reconhecido, em consenso por grande parte dos arquitetos urbanistas, na cidade de Paris, a partir de grandes transformações nela realizadas pelo Barão Haussmann, prefeito da cidade entre os anos de 1853 a 1870. Essas modificações que ocorreram foram de tamanha importância para a história do urbanismo, pois com ela que se inicia o surgimento de um “modelo padrão” de ocupação urbana e diretrizes de projetos urbanos. Estes perpetuam até os dias atuais e têm total influência no conceito que será trabalhado de urbanismo viário para a cidade de Brasília, objeto de estudo central deste trabalho.
Por consequência da Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX), ocorre em todo território europeu o fenômeno do êxodo rural, devido ao aumento das ofertas de emprego fomentadas pelo grande número de fábricas em operação nas suas principais cidades, entre elas Paris, fazendo assim com que a maioria da sua população se localize predominantemente concentrada em meios urbanos. Devido ao aumento excessivo e rápido do aumento da população, a infraestrutura urbana de Paris não foi capaz de abrigar a todos, ainda mais o proletariado urbano que era visto apenas como mão de obra para o capitalismo. Assim, a cidade que já presenciava os problemas de saneamento básico e mobilidade urbana viria a se agravar por toda a cidade. Por este motivo, percebe-se que a intervenção urbanística de Haussmann tinha como enfoque resolver o problema sanitário e de mobilidade da cidade, buscando, por exemplo, desenvolver espaços públicos e o aumento de vias.
A intervenção em Paris buscava atender a diversos aspectos, tanto físicos e infraestruturais, quanto sociopolíticos, sendo dividida em quatro áreas de atuação: na primeira, ruas traçadas no centro e na faixa periférica, abrindo-se quase uma centena de quilômetros de vias, modificando-se o organismo medieval para um traçado mais retilíneo; na segunda área, ocorriam serviços primários, como o aqueduto, o esgoto, a instalação da iluminação a gás e da rede de transportes públicos; em terceiro, outros serviços secundários, como escolas, hospitais, colégios, quartéis e prisões; por último, uma nova estrutura administrativa na cidade, o cinturão alfandegário do século XVIII é abolido e vinte cidades periféricas são anexadas à cidade de Paris (BENEVOLO, 1993).
204As transformações de Paris não trouxeram consequências apenas para a cidade em si, mas também para uma nova forma de observar, interpretar e realizar projetos urbanísticos futuros. A partir das reformas de Haussmann, a nossa escala de paisagem começou a englobar dimensões mais ampliadas de análise. Além disso, o projeto rompeu com um modo de fazer cidade barroco, onde as quadras possuíam o destaque principal e as vias urbanas eram produtos residuais desta constituição. Após isto, os princípios foram alternados e a malha viária passou a ter o protagonismo na morfologia urbana e as quadras, mais secundárias.
[...] o “quarteirão” que é determinado como produto ‘residual’ de vários traçados, e não como módulo da composição urbana. Tem forma irregular, poligonal, retangular,triangular (LAMAS, 2014, s/p).
É a partir daí que se modifica toda uma forma de se pensar a cidade moderna, difundindo-se de tal forma que passou-se a ser difícil pensar um desenho urbano em que as quadras sejam protagonistas e não as vias, pois o primeiro passo que nos direciona e cria um ponto de referência não são mais pontos físicos no mapa, mas sim o traçado viário, as linhas que conectam os pontos. O foco dos deslocamentos rápidos é acelerado ao longo das décadas do século XX, principalmente, a partir de sua metade. Nesse contexto, enquanto grande parte dos países europeus, entre as décadas de 1960 e 1980, passava a sofrer os limites da urbanização – dentre outros motivos, pelo fato das dimensões territoriais delas serem bastante menores –, nos EUA, por sua vez, observamos uma situação diferente.
Nesta época, este país experimentava um espraiamento territorial cada vez maior, marcado pela consolidação de um pensamento que foi propagado nas décadas anteriores, alcunhado por “American Dream”, que tomava seus contornos ainda mais robustos nos anos 1960, na forte profusão do imaginário da casa própria nos subúrbios e do alto investimento nas rodovias para os carros privados.
Esse ideário estadunidense se impregnou no campo urbanístico, reverberando em toda uma geração de arquitetos e urbanistas. Modificou-se por completo a compreensão de uma dada “totalidade” urbana, realocando-a, para uma experiência urbana dos planejadores cada vez mais desencarnada, numa espécie de “virada rodoviarista” do campo do urbanismo.
Com a assimilação progressivamente maior do automóvel à vida urbana, a clássica visão urbanística do topo, originária das seculares técnicas de mapeamento e cartografias, acoplou-se, prontamente, a uma percepção de cidade engendrada à observação a partir do para-brisa do carro. Os EUA se tornaram, assim, celeiro para esta experimentação, num momento de grande transformação cultural no país, com importantes mudanças com o fim do Macartismo (1950-57) e reabertura para novos estudos culturais, numa aproximação mais efetiva à chamada “cultura de massa” (mass culture) e a pop art.
Os deslocamentos urbanos por meio do automóvel se tornaria hegemônica, consolidando-se como importante eixo que constitui o imaginário estadunidense, por meio de transformações na apreensão, representação e construção de cidades e edifícios. Moldou-se, assim, um campo próprio, tendo em vista a cultura produzida pela arquitetura dos estacionamentos e drive-thru’s, que englobam relações não somente de fluxos, como de permanências dentro do automóvel com fins de alimentação, entretenimento e relações afetivas.
205Décadas à frente e nos dias atuais, experimentamos um modo de viver a cidade a partir da velocidade, expandindo-se para além de uma divisão espaço-tempo e alcançando o campo sociopolítico, em termos de produção, consumo, apropriação e expropriação, por meio de técnicas, discursos, relações, práticas e formas de fabricação. A velocidade supera o desenho físico-territorial das vias (rodovias, aerovias, ferrovias etc.) e abrange rebatimentos advindos das tecnologias da informação, atualizando-as em vias informacionais, ou infovias, ao se consolidar como condição de existência.
Isto ocorre tanto em seu aspecto físico-territorial quanto imaterial, essa formação ocorre pelo suposto “triunfo da técnica, a onipresença da competitividade, o deslumbramento da instantaneidade na transmissão e recepção de palavras, sons e imagens e a própria esperança de atingir outros mundos” (SANTOS, 2001, s/p). Por esse espectro predominante, se destacarmos a velocidade como uma “compressão tempo-espaço” (HARVEY, 2006), ou, por vezes ainda, uma dilaceração dessas instâncias e não uma derivação particionada, podemos constatar importantes e incalculáveis efeitos colaterais, que, obviamente, também contribuem para a fluidez dos tráfegos da vida cotidiana e isso também se traduz em pontos luminosos informacionais que se atualizam, a todo momento, pela espacialização das informações.
A “velocidade”, apontada por Virilio por meio de Ramos (2021) é o que movimenta todo um processo de desvalorização do deslocamento enquanto experiência, tornando-se precária pelos espaços urbanos. O ritmo produtivista que acompanhou a Revolução Industrial produz fluxos próprios, invisibilizando os prazeres e usos esporádicos da cidade moderna, fazendo com que tudo passe a ser controlado de forma cronometrada para que toda a engrenagem da produção continue funcionando e que o capital continue rodando.
A desvalorização desses deslocamentos, promovida por esse urbanismo-viário-informacional colabora para a morfologia urbana tomar uma frente de estudos e pesquisas focados apenas para os pontos focais destinos e não mais para o trajeto percorrido entre esses pontos. Ou seja, passa a ser muito mais frequente, análises que compreendem o ponto “A” e “B” mas que não se preocupam com a comunicação entre esses pontos (RAMOS, 2021).
O interessante fenômeno ocasionado por essa forte linha de pensamento modernista e funcionalista do urbanismo viário é quando ocorre a reflexão sobre o porquê as coisas são como elas são. Paris é nessa época um holofote mundial em diversos sentidos, o que colabora não só para o incremento de ideais e práticas já difundidas, como abre possibilidades para que reflexões recebam atenção. Perec (1975) é um desses, escritor que passa a refletir sobre o nada fazer na cidade.
Diferente de descrever o que acontece entre os dias 17 e 20 de Outubro de 1974 na Praça de Saint-Sulpice, em Paris, Perec propõe observar ‘o que acontece quando nada acontece, a não ser o tempo, as pessoas, os carros e as nuvens’ (RAMOS, 2021, p.43).
Isso de reconhecer o que está sendo negado pela produção massiva do capitalismo moderno é crucial para analisar a cidade, uma vez que a preocupação com a escala do indivíduo e suas ações e sentimentos em função do espaço urbano voltam a fazer parte dos projetos urbanísticos.
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Do modernismo em Brasília até a cidade informacional
Brasília se constitui a partir dos princípios capitalistas, sanitaristas e de circulação, influência direta das intervenções de Haussmann em Paris que se espalharam pelo mundo. Em sua proposta original, fica nítida a demarcação de grandes eixos viários monumentais cortando e conectando os extremos pontos da cidade e criando assim um desenho urbano prático e funcional a partir das suas vias de fluxo rápido, assim como visto nas transformações em Paris e por conseguinte, fica evidente os ideais capitalistas de produção e escoamento de produção.
A produção de eixos de altas velocidades é diretamente proporcional ao grau de financeirização do território. Dito em outras palavras, quanto maior a diversificação de eixos para vias rápidas, mais alto é o coeficiente de especulação de determinado território. Nesse sentido, as estradas não só esquadrinham a terra dos municípios por quais passam como também articulam as negociatas de valorização do mesmo, engendrando ainda mais o capital na lógica de produção do território (RAMOS, 2021)
Este trecho é retirado de uma análise feita por Gabriel Ramos sobre a região metropolitana de Campinas, que conecta um dos maiores corredores comerciais do Brasil (São Paulo - Campinas), ou seja, um corredor de importância nacional de infraestrutura rodoviária, que conecta duas grandes cidades e conseguimos perceber a mesma intenção de controle de fluxos e a imposição da “velocidade” entre um corredor rodoviário e a cidade em questão, uma cidade que tem em suas vias, aspectos de rodovias de alta velocidade. Assim, se torna incoerente cogitar o deslocamento pedonal e a apreciação do ato de se locomover entre a cidade, se as distâncias impostas para que isso ocorra não são favoráveis para a perspectiva do ser humano, mas sim para a perspectiva dos carros.
É Importante ressaltar que Brasília ainda tem em seu projeto a intenção de preocupação com os seus habitantes a partir da ideia da super quadra, que não se concretizaram fielmente como a proposta inicial e que mesmo se fossem implantadas ainda se teria os eixos viários monumentais que recortam a cidade. Como dito por Milton Santos “é importante nos questionarmos para quem seria esta grande velocidade”, portanto é de intenção deste artigo o enfoque na análise dessas vias de grande fluxo que imprimem uma “velocidade” no cotidiano do brasiliense e em seu ato de caminhar e apreciar a cidade praticamente inexistente.
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1 Principais vias de Brasília
A cidade de Brasília é recortada por estas 4 avenidas principais, destacadas em preto: O Eixo Monumental, o Eixo L, a Avenida W3 e a Avenida L2. Estes eixos direcionam o fluxo viário da cidade e são responsáveis por conectar os principais extremos do seu Plano Piloto e neste tópico será analisado a partir das imagens do Google Street View esses quatro principais eixos de mobilidade de Brasília a partir do estudo referencial já discutido sobre a influência capitalista de imposição da “velocidade” no espaço urbano e seus impactos para a valorização do mesmo.
“Por conta disso, se as altas velocidades vêm sendo condicionadas à estratégia de financeirização do território — por sua vez, segmentado em lugares (condomínios, lojas, empresas etc.) — ao mesmo tempo, elas podem fragilizar relações socioespaciais e pulverizar o direito de circular, desmobilizando a cidade enquanto política” (RAMOS, 2021)
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1.1 W3 Norte/Sul
Na avenida W3, que apesar de ser um eixo de comunicação viária de grande importância, não é um dos principais, já é possível visualizar a importância viária em detrimento do caminhar. Ruas com três faixas em cada sentido ao lado de calçadas deterioradas e de pouco uso, percebe-se ainda a pouca presença de pedestres, uma vez que o desenho do espaço incentiva o tráfego viário.
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1.2 L2 Norte/Sul
A avenida L2 possui um caráter ainda mais de rodovia dentro da cidade, é evidente o fluxo rápido que percorre por esta avenida, e nesta localização fica ainda mais distante a presença do pedestre na cidade. Na avenida W3 ainda tinha-se a presença de um canteiro central de largura interessante que poderia ser objeto de ocupação humana, já aqui o canteiro central possui apenas a função de separar os sentidos contrário das vias de alta velocidade.
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1.3 Eixo L (Eixinho)
A partir da análise do Eixo L (Eixinho) fica ainda mais nítida a dificuldade imposta pelas vias da presença pedonal. A foto não consegue captar toda a amplitude desta grande via de conexão, pois além dessa faixa central vista em destaque na foto ainda se tem mais uma grande via de três faixas de cada lado do eixo, acompanhando essa via central. Aqui, apesar dos grandes canteiros centrais a presença do indivíduo é totalmente trocada pelo uso do veículo, uma vez que a travessia deste eixo se torna extremamente dificultado, mostrando uma falta de preocupação com o deslocamento pedonal pela cidade.
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1.4 Eixo Monumental (Eixão)
No Eixo Monumental essa análise se torna um pouco mais complexa de se compreender, pois o eixo tem sua escala tão acentuada que o canteiro central que separa as vias de sentidos opostos se torna uma quadra central, o que de certa forma favorece para a prática urbana do deslocamento e da ocupação dos espaços públicos mas que ainda assim é dificultada pelo tamanho das distâncias impostas pela gigantes proporção das vias e quadras. Aqui pelo menos percebe-se uma maior possibilidade de uso dos espaços urbanos pela população mas que mais uma vez, não é registrada pela fotografia do Street View, demonstrando um predomínio do fluxo de veículos.
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Cidade para pessoas
Jan Gehl traz em seu livro “Cidade para pessoas” a importância de conceber e planejar as cidades se preocupando mais com as pessoas em uma escala reduzida como a de pedestres e ciclistas. É possível traçar uma linha de raciocínio comparativo entre a discussão da “velocidade” trazida por Virilio e Milton Santos como um fator problemático para a cidade voltada para as pessoas de Jan Gelh, uma vez que a imposição dessa velocidade e o desenvolvimento de um urbanismo viário vão de contramão com a preocupação urbanística de espaços voltados para a apreciação da cidade e o incentivo para se ocupar todos os percursos realizados na micro e na macro escala urbana.
Em uma sociedade tornando-se constantemente mais privatizada com casas particulares, carros, computadores, escritórios e centros comerciais, o componente público de nossas vidas está desaparecendo. É cada vez mais importante fazer as cidades convidativas, para que possamos encontrar nossos concidadãos face a face e experimentar diretamente através de nossos sentidos. A vida pública em espaços públicos de boa qualidade é uma parte importante de uma vida democrática e uma vida plena. (GELH, 2013)210
Cidades devem incitar planejadores urbanos e arquitetos a reforçar o pedestre como uma política da cidade integrada para desenvolver cidades animadas, seguras, sustentáveis e saudáveis. É igualmente urgente fortalecer a função social do espaço da cidade como um lugar de reunião que contribui para os objetivos da sustentabilidade social e uma sociedade aberta e democrática. (GELH, 2013)
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Discussão
Essa preocupação com a prática projetual de se pensar a cidade ainda é aberta para vários outros assuntos que estão cada vez mais se tornando discussões importantes para o âmbito da arquitetura. A produção de modelos utópicos de cidades sustentáveis pedonais, voltadas para o pedestre e o ciclista estão em discussão no atual momento e ainda assim, temos como um contraponto contemporâneo o avanço da tecnologia e o início do pensamento de um mundo digital a partir de NFTs, propriedades virtuais e metaverso, que vem para garantir ainda mais assunto e diferentes perspectivas do que é, e o que a cidade vai se tornar para a discussão do planejamento urbano e futuras problemáticas e soluções.
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Conclusão
Conclui-se portanto que as práticas modernistas de produção do urbanismo ainda estão presentes e fortemente vinculadas ao desenho viário das cidades brasileiras, em especial a de Brasília. Além disso, é importante ressaltar que a "velocidade" imposta por essa prática é cada vez mais frequente no cotidiano das pessoas e que, como visto na discussão, tem a possibilidade de se tornar ainda mais complexo e desconstruído com a inserção do mundo virtual. Entretanto, ainda é necessário que mesmo que com todos estes fatores, seja mais frequente a preocupação com a escala humana nas intervenções urbanísticas a fim de promover uma melhor qualidade de vida e melhor apropriação do espaço urbano de nossas cidades, contribuindo também para fomentar a vivência da cidade e não apenas a vivência de nossos lares.
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REFERÊNCIAS
BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. 1º edição. 2011. Editora Perspectiva, 1993. GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013.
LAMAS, José M. R. G. Morfologia Urbana e desenho da cidade. 3º edição. 2014.
PEREC, G. Tentativa de esgotamento de um local parisiense. Tradução de Ivo Barroso, São Paulo: G Gili, 2016.
RAMOS, G. Mapas-movimentos: narrativas de deslocamentos por meio de [outros] funcionamentos de sistemas cartográficos. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo (Orientador: David M. Sperling). Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2021, 234 p.
RAMOS, G. Financeirização e velocidades na metrópole de Campinas. Economia e mobilidade urbana, 22 nov de 2021, Revista Vitruvius, Arquitextos ISSN 1809-6298
SANTOS, M. Elogio da lentidão. São Paulo: Folha de São Paulo, 11 de março de 2001.
SANTOS, M. O retorno do território. Santos, M.; Souza, M. A.; Silveira, M. L. Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec, 1994.
SANTOS, M. O tempo nas cidades. São Paulo: Ciência e cultura, 56, 2, abril-maio 2004, p.21-22;
VIRILIO, P. Velocidade e Política. São Paulo, Estação da Liberdade, 1996. VIRILIO, P. Espaço crítico. São Paulo: Editora 34.