A educação do campo e a alternância: Uma parceria entre educação básica e formação docente no município de Goiás
193Resumo:O movimento de Educação do Campo surge no Brasil a partir das demandas dos movimentos sociais. No contexto de uma educação construída pelos sujeitos campesinos têm se multiplicado experiências de formação por Alternância como eixo central de uma proposta que busca romper com o modelo de escola tradicional e com a visão reducionista do ato de ensinar. Este trabalho objetiva refletir sobre o processo formativo de professores e gestores das escolas do campo de Goiás e de discentes da LEdoC/UFG-Câmpus Goiás proporcionado por um projeto de extensão desenvolvido no município no período de outubro de 2020 a dezembro de 2021. As atividades formativas demonstraram que a formação docente precisa ser buscada de forma contínua e reflexiva e que a participação das famílias neste processo é fundamental para que o processo seja dialógico e contextualizado.
Palavras-chave:Educação do Campo; Alternância; Práxis.
-
Introdução
A Educação do Campo é um movimento que nasce no Brasil a partir das lutas e reivindicações dos sujeitos sociais campesinos nas últimas décadas do século 20. Se configura como uma proposta de educação que se assenta sob uma perspectiva de transformação da realidade da educação ofertada no espaço rural. Contrapondo-se, portanto, ao modelo de educação rural que é respaldado pelo modelo econômico do capital.
Em Goiás, as características econômicas e de ocupação do estado demonstram, por um lado, o alto índice de concentração de terras pautado no projeto econômico do agronegócio e, por lado outro, a organização dos trabalhadores do campo que desde a década de 1980 lutam por outro projeto de desenvolvimento para o campo baseado na reforma agrária.
De modo particular, o município de Goiás, antiga capital do Estado de Goiás, foi cenário de luta política e econômica na região, pois a concentração de terras esteve no poder de famílias tradicionais, que durante décadas se revezavam a frente da administração política da região. Atualmente o município está inserido no Território da Cidadania do Vale do Rio Vermelho e possui o maior número de assentamentos rurais da região. Ou seja, as lutas dos trabalhadores do campo pela terra, resultaram na conquista de 24 (vinte e quatro) assentamentos da reforma agrária. O que demonstra que estes sujeitos estão organizados em movimentos de re-existência e na luta pela garantia de direitos como a terra, a saúde, a cultura, a valorização da sua identidade, a educação e enfim a vida.
Este cenário regional de lutas por direitos coaduna com o movimento nacional dos trabalhadores do campo organizados em movimentos sociais de luta pela terra e pela reforma agrária, a partir da década de 1980. Ademais, segundo Arroyo, Caldart e Molina (2011), essas lutas estavam interligadas a defesa do direito à Educação do povo brasileiro do campo.
Nesse aspecto, o projeto de Educação do Campo nasceu em julho de 1997, na realização do Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA), realizado na Universidade de Brasília (UnB) e promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Fundo das Nações Unidas (Unicef), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) (FERNANDES, MOLINA, 2004).
194Ao defenderem outro modelo de educação, a formação de professores, inicial e continuada, torna-se uma das frentes de luta do movimento de Educação do Campo. Neste cenário a criação das Licenciaturas em Educação do Campo é uma das reivindicações dos movimentos sociais por uma política de formação de professores que se identifique com este projeto de educação do campo e, portanto, com a questão do campesinato.
A Licenciatura em Educação do Campo, apresenta-se neste contexto, como a efetivação de uma política pública que se configura como uma graduação nas universidades públicas brasileiras, cujos principais destinatários são os próprios sujeitos camponeses, quer sejam eles professores que atuam em escola do campo, quer sejam jovens camponeses que almejam se tornar educadores. Portanto, este curso tem como objetivo formar e habilitar profissionais do próprio campo, para atuação nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio, além de atuar na gestão de processos educativos escolares e comunitários. Esses cursos devem promover uma estratégia metodológica de formação de educadores, que tenha como pilar central a formação para docência multidisciplinar por áreas de conhecimento em regime de Alternância (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014).
No município de Goiás a Universidade Federal de Goiás, apoiada no histórico de constituição do campesinato da região, com o objetivo de formar os sujeitos do campo dentro de um projeto de educação emancipatória oferta a Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC/UFG-Câmpus Goiás) em regime de Alternância. Deste modo institui-se a formação inicial de professores pautada no projeto de Educação do Campo.
A Alternância constitui-se por uma matriz teórica em que a organização do processo educativo conjuga diferentes saberes distribuídos em espaços e tempos formativos. Nestes, os sujeitos desenvolvem sua formação dentro dos paradigmas de valorização da identidade, da cultura, da territorialidade e da articulação entre educação formal e os saberes da vida.
A organização em alternância é articulada com um perfil de formação de professor viabiliza ao formando/futuro docente estar vinculado a compreensão da realidade do campo e para a intervenção e compromisso com a luta do campesinato. O professor em formação inicial, por meio das vivências alternadas em tempo escola e tempo comunidade tem a oportunidade de conhecer, vivenciar e refletir sobre a realidade do campo e de seus sujeitos.
A Alternância não se configura como matriz pedagógica exclusiva na formação de professores, ao contrário à sua origem aconteceu na Educação Básica. Pois pensa um modelo de escola e formação humana rompendo com o modelo de escola tradicional e com a visão reducionista do ato de ensinar como uma relação dual de quem ensina e quem aprende. De acordo com Silva (2012), passa a considerar uma relação mais complexa no qual o saber não pode ser reduzido a um objeto pré-fabricado, herdado do passado e que pode ser transmitido. Ou seja, está envolta em uma relação complexa em que o conhecimento é reconstruído permanentemente, considerando seu passado, o seu presente e tendo como perspectiva o futuro.
No município de Goiás, a Secretária Municipal de Educação (SME) e a Secretária de Estado de Educação (SEDUC) tem constituído experiências escolares pautadas no projeto de Educação do Campo que promovem a formação escolar por meio da Pedagogia da Alternância. Duas escolas polos do campo atualmente tem organização pedagógica em Alternância, a saber: Escola Municipal Olimpya Angélica de Lima e Escola Municipal Vale do Amanhecer. Neste contexto, os professores em exercício destas escolas são desafiados a colocar no exercício profissional, pensar e construir propostas pedagógicas próprias que dialoguem com a perspectiva de uma formação humana, emancipatória e de valorização do campesinato e seus modos de vida.
195Este trabalho objetiva refletir sobre o processo formativo de professores e gestores em formação continuada da SME de Goiás e de discentes da LEdoC/UFG-Câmpus Goiás proporcionado por um projeto de extensão desenvolvido no município no período de outubro de 2020 a dezembro de 2021. Este projeto de extensão procurou colaborar com o desenvolvimento de processos formativos que vinculem a Educação do Campo e a Alternância na Educação Básica promovendo um espaço de diálogo e avaliação das propostas pedagógicas da Educação Básica do Campo no município de Goiás.
-
Educação do campo e alterância no Brasil
Ao analisar historicamente o movimento de Educação do país, percebe-se que o desenvolvimento da escola voltada aos povos do campo no Brasil, pautou-se em um projeto de educação que estruturou um território alienado porque ofertou, para os grupos sociais que vivem do trabalho no campo, um modelo de desenvolvimento que os expropriou da terra.
Fernandes e Molina (2004) defendem que a origem da educação rural está na base do pensamento latifundista empresarial, do assistencialismo e do controle político sobre a terra e as pessoas que nela vivem.
Nesse sentido, coadunamos com Calazans (1993) quando a autora defende que a escola surge no meio rural brasileiro de maneira tardia e descontínua. Pois, como elucida Leite (1999, p. 111) “o que fica claro para nós é que, ao longo do desenvolvimento do processo econômico-liberal brasileiro, independente da época ou da estrutura do Estado, a escola no meio rural esteve a serviço do capital e dos capitalistas”.
Segundo Ribeiro (2013, p.180) este modelo de educação rural foi utilizado como:
instrumento do capital para a expropriação da terra combinada a proletarização do agricultor, e para a constituição de um mercado consumidor de produtos agrícolas industrializados, associada à geração de dependência dos agricultores em relação a esses produtos.
Nesse contexto toma a realidade do campo, a partir de um olhar superficial, como lugar do “atraso” do “subalterno” (ARROYO, 2007; PESSOA, 2007, FERNANDES, CERIOLI, CALDART, 2011; OLIVEIRA, 2011; PEIXER, 2011) e assim, a formação do sujeito do campo tem por finalidade formar um sujeito para o sistema capitalista, mesmo que este fique a margem do mesmo. Arroyo (2007) destaca um paradigma urbano em que a formulação de políticas públicas pensa na cidade e nos cidadãos urbanos como beneficiários desses direitos, marcando a secundarização do campo e a falta de políticas para o campo em todas as áreas públicas, saúde e educação de maneira particular. “O campo é visto como uma extensão, como um quintal da cidade” (ARROYO, 2007, p. 159).
Somando a esse cenário de invisibilidade do campesinato, a escola rural sempre ficou à margem dos investimentos das políticas públicas do nosso país. Favorecendo a saída dos jovens do campo para a continuidade dos estudos e a independência financeira.
Sobre essa situação Silva et al (2006, p. 80) relata que:
Em muitas famílias se criam relações de final de semana, isto é, os jovens permanecem durante a semana na cidade onde estudam, trabalham e moram, e nos finais de semana vão para a casa dos pais. Ou seja, grande parte da juventude camponesa está buscando alternativas fora do ambiente camponês.196
Essa situação de êxodo do jovem do campo marca um ponto importante na luta pela terra. “Como lutar pela conquista e permanência na terra, se os filhos sairiam rumo à cidade para estudar?” (ANTUNES-ROCHA; et al, 2010, p. 69).
A partir de questões como esta é que surge o movimento pela Educação do Campo, que propõe o resgate de uma perspectiva de educação política para a transformação social dos povos que vivem e trabalham no campo. Tornando este espaço em local de vida, cultura, identidade, convivência e dignidade.
Os Centros Familiares de Formação em Alternância, as Escolas da Roça, as práticas educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as lutas dos agricultores familiares por escola, as experiências dos movimentos de educação de base, as diferentes experiências de Educação Popular, as práticas educativas das Comunidades Eclesiais de Base, entre outras, são sementes de onde brotou o Movimento Por Uma Educação do Campo (ANTUNES- ROCHA; et al, 2010, p. 69).
Fernandes (2002) destaca que a razão pela qual nasceu a ideia de uma Educação do Campo foi por conta de um novo olhar sobre o campo. A luta pela terra e a conquista dos assentamentos resultara em um novo território, onde se desenvolvia uma nova realidade. E, nesses territórios os sujeitos do campo entenderam que era necessário construir uma nova escola em que a educação estivesse aberta ao mundo desde o campo. “Ver o campo como parte do mundo e não como aquilo que sobra além das cidades” (FERNANDES, 2002, p. 91).
Para Molina (2014, p.12):
O movimento da Educação do Campo compreende que a Escola do Campo deva ser uma aliada dos sujeitos sociais em luta para poderem continuar existindo enquanto camponeses e para continuar garantindo a reprodução material de suas vidas a partir do trabalho na terra. Para tanto, é imprescindível que a formação dos educadores que estão sendo preparados para atuar nestas escolas considere, antes de tudo, que a existência e a permanência (tanto destas escolas, quanto destes sujeitos) passam, necessariamente, pelos caminhos que se trilharão a partir dos desdobramentos da luta de classes, do resultado das forças em disputa na construção dos distintos projetos de campo na sociedade brasileira.
Este projeto representa um movimento de educação que se organiza a partir da construção com os movimentos sociais, com a classe trabalhadora. Fruto do trabalho e lutas da Educação Popular. Uma educação baseada na prática Freireana de “um projeto político educacional que, por meio da conscientização e da politização das classes populares, pudesse superar a dominação do capital e transformar, pelas mãos do povo, a ordem das relações de poder e da própria vida do país.” (BRANDÃO; FAGUNDES, 2016, p. 93).
Freire (2019) propõe o diálogo para a compreensão verdadeira da realidade. Pois, o diálogo para Freire é o encontro dos homens para ser mais e é a partir dele que se constrói nos sujeitos o pensar verdadeiro. Portando, pensar uma educação que de fato seja do campo precisa ser construído com os sujeitos do campo engajados, conscientes e politizados. Pois, “a educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B” (FREIRE, 2019, p. 116).
197Coadunando com esta perspectiva de compreensão e transformação da realidade com o sujeito que nela vive que, nas últimas décadas, o movimento de Educação do Campo tem multiplicado experiências de formação por alternância como eixo central de formação campesina (SILVA, 2015).
A origem desta proposta pedagógica resulta do desencanto com a educação formal oferecida aos filhos de camponeses franceses. Segundo Barbosa (2012), a preocupação dos agricultores franceses estava no fato de que com a educação do meio rural negligenciada pelo Estado, seus filhos precisavam escolher entre optar em continuar os estudos saindo do meio rural ou permanecer junto à família desenvolvendo as atividades agrícolas. “Tal preocupação dos agricultores do início do século passado, na França, é hoje fato para os sujeitos do campo no Brasil” (BARBOSA, 2012, p. 64).
Atendendo a dificuldade em conciliar os estudos com a permanência no campo é que a Pedagogia da Alternância tem como eixo central a organização do processo educativo tanto na vivência na instituição escolar como no meio familiar. Alternam-se, deste modo, locais e momentos de formação.
A articulação de diferentes tempos e espaços da alternância como possibilidade do desenvolvimento de ações educativas orientadas por uma lógica de construção coletiva de conhecimentos, na qual a valorização e utilização das experiências e dos saberes dos sujeitos do campo fundamentam uma dinâmica de formação contínua, por meio da relação prática, teoria e prática (SILVA, 2015, p.154).
Segundo Silva (2010) as razões para a valorização e utilização da alternância nas diferentes experiências brasileiras estão ancoradas nas possibilidades da contextualização de uma educação e de uma escola com a realidade do campo.
No entanto, Silva (2010, p. 185 e 186) ressalta a falta de uma única modalidade de alternância presentes nas experiências já estudadas:
Girod de l’Ain (1974), Bourgeon (1979), Malglaive (1979), Gimonet (1983) e Bachelard (1994) são alguns dos autores franceses que propõem, sucessivamente, tipologias específicas a partir de diferentes critérios: seja de disjunção e divisão entre os dois períodos da alternância ou, ao contrário, de articulação e unidade da formação entre os dois momentos. Apesar de cada autor utilizar termos próprios para definição das formas existentes de alternância, as tipologias estabelecidas apresentam bastantes semelhanças entre si e referem-se à alternância justapositiva ou falsa alternância - que se caracteriza pela sucessão temporal de períodos consagrados a atividades diferentes em locais diferentes, sem o estabelecimento de nenhuma ligação explícita entre a formação e atividades práticas; à alternância aproximativa ou associativa - que apesar de envolver certo nível de organização didática na vinculação dos dois tempos e espaços da formação, caracteriza-se muito mais por uma simples adição de atividades entre si; e à alternância real ou integrativa, que consiste em efetivo envolvimento do educando em tarefas da atividade produtiva, de maneira a relacionar suas ações à reflexão sobre o porquê e o como das atividades desenvolvidas. Ou seja, uma vinculação efetiva dos tempos e espaços alternados, em uma unidade de tempo formativo, não se tratando de mera sucessão de tempos teóricos e tempos práticos.
A autora defende que a presença de diferentes tipologias e classificações indica que o seu desenvolvimento exige a presença de dispositivos pedagógicos, uma organização de atividades, de técnicas e de instrumentos específicos que, por sua vez, estejam em coerência e articulados com o projeto e os princípios da formação e dos sujeitos envolvidos nas experiências educativas. Dessa forma, compreensões distintas de formação dos sujeitos envolvidos construirão projetos também distintos que se efetivaram em formas diferentes de alternância.
198No entanto, mesmo com experiências tão diversas a alternância se consolidada como proposta pedagógica da Educação do Campo no país, corroborada pelos documentos oficiais como o Parecer CNE/CEB 36/2001, que institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo e o Parecer CEB/CNE/MEC nº 1/2006 que regulariza o calendário de Alternância na Educação Básica.
Especialmente sobre a formação de professores, o Decreto 7352 de 2010, que dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, em seu artigo 5º manifesta:
§ 2o A formação de professores poderá ser feita concomitantemente à atuação profissional, de acordo com metodologias adequadas, inclusive a pedagogia da alternância1, e sem prejuízo de outras que atendam às especificidades da educação do campo, e por meio de atividades de ensino, pesquisa e extensão.
§ 3o As instituições públicas de ensino superior deverão incorporar nos projetos político-pedagógicos de seus cursos de licenciatura os processos de interação entre o campo e a cidade e a organização dos espaços e tempos da formação2, em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação.
Segundo Molina e Antunes-Rocha (2014), as experiências acumuladas na execução de cursos de formação de educadores do campo, apoiados pelo Pronera, e executados em parceria com os movimentos sociais, foram muito importantes para a elaboração das Diretrizes do Procampo.
Com base nestas experiências, os diferentes cursos de Licenciatura em Educação do Campo do país organizam-se pedagogicamente no regime da Alternância, escolhendo em cada realidade e projeto distintos a forma mais adequada para consolidar essa proposta. Para Molina (2012) a institucionalização e consolidação da Alternância como modalidade de oferta da Educação Superior, na perspectiva da garantia do direito à educação para os sujeitos do campo, considerando as especificidades de seu modo de produzir a vida, se constituem como importante território conquistado pela Educação do Campo.
Segundo Correia e Batista (2012) a alternância vem se configurando como alternativa pedagógica que inspira metodologicamente diversas experiências na educação básica, profissional e superior direcionadas às populações campesinas. Nesse sentido a Alternância propõe um processo formativo em que cada sujeito desenvolve seu modo de ser garantindo sua sobrevivência, sua reprodução física e cultural com contribuição dos saberes da escola e da universidade. E, portanto, alinha-se ao projeto de Educação do Campo no sentido da reprodução da vida no campo e da articulação da escola com o território. De modo que os sujeitos aprendizes podem elaborar sistemas de pensamentos e modos de vida, de produzir, expressar, transmitir, avaliar e reelaborar seus conhecimentos e concepções sobre o mundo. Transformando-se em um modelo educativo de re-existência e enfrentamento aos modelos de escola pautados na lógica do capital.
199-
A alternâcia no município de Goiás e práticas formativas docentes
No município de Goiás, duas escolas da rede municipal organizam o processo educativo por meio da alternância de tempos e espaços formativos. A primeira delas, a Escola Municipal Olimpya Angélica de Lima localiza-se no Assentamento União Buriti, distante 50 quilômetros da cidade de Goiás. A unidade escolar atende estudantes oriundos dos Projetos de Assentamentos São Carlos, Bom Sucesso, Buriti Queimado, União dos Buritis, além dos de fazendas e sítios vizinhos. A segunda, a Escola Municipal Vale do Amanhecer, localiza-se no distrito de Calcilândia distante 57 quilômetros do município de Goiás. Atende estudantes filhos de funcionários das fazendas e sítios vizinhos, e filhos de pequenos produtores camponeses da região.
Estas instituições atendem a primeira e segunda fase do ensino fundamental em tempo integral. Em Alternância, os estudantes passaram a frequentar a escola três dias da semana, quando assistem 90% da carga horária semanal, enquanto os outros 10% são realizados em casa, junto a família (SOUZA, NEIA, MILITÃO, 2020).
No período de 2020 a 2021, gestores, professores formadores e estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFG promoveram encontros formativos sobre a Alternância com a rede municipal de educação de Goiás. Estes encontros, tinham o objetivo de formar os sujeitos envolvidos no processo e abordaram as seguintes temáticas: princípios da Educação do Campo e da Alternância, políticas públicas que versam sobre a Educação do Campo e a Alternância no Brasil, instrumentos pedagógicos da Alternância e a importância da família na construção do processo educativo em Alternância.
Os encontros foram desenvolvidos na Secretária Municipal de Educação de Goiás, nas escolas do campo e, durante a pandemia de Covid-19, via remota utilizando a plataforma do Google Meet. Nestes momentos formativos as atividades buscaram aproximar-se da realidade social da Alternância nas escolas do campo da Educação Básica do município de Goiás por meio do encontro com os sujeitos que estão imersos nessa situação a partir de uma proposta de reflexão e práxis tornando possível o pensar verdadeiro e crítico sobre a realidade (FREIRE, 2019) com vista na sua transformação.
Como resultado destes encontros os professores conseguiram refletir sobre a Alternância e sua prática pedagógica, assim como o desenvolvimento da aprendizagem escolar no campo. De outro modo, para algumas famílias o fato dos estudantes precisarem se deslocar no transporte escolar em apenas três dias tem melhorado a qualidade do convívio familiar e o desempenho de seus filhos nas atividades escolares.
200-
Breves considerações
O desenvolvimento do projeto de extensão buscou construir uma via de mão dupla para a formação docente inicial e continuada. Para isso, promoveu momentos na formação inicial dos professores da UFG, em que puderam estabelecer a relação entre o contexto da escola do campo e a proposta pedagógica em Alternância, e na formação continuada dos professores e gestores da rede, em que por meio de um grupo de trabalho, oportunizaram a reflexão e investigação sobre a própria prática em Alternância na Educação Básica conduzindo a uma práxis pedagógica.
Como desafio o projeto demonstrou que a formação docente precisa ser buscada de forma contínua e reflexiva e que a participação das famílias neste processo é fundamental para que o processo seja dialógico e contextualizado com a realidade da comunidade.
-
Referências
ANTUNES-ROCHA, M. I.; et al. Formação e trabalho docente na escola do campo: protagonismo e identidades em construção. In: MOLINA, M. C. (org.) Educação do Campo e Pesquisa II: questões para a reflexão. Brasília: MDA/MEC, 2010.
ARROYO, M.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. Apresentação. In: ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. Por uma educação do campo. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
ARROYO, M. Políticas de formação de educadores(as) do campo. In: Caderno Cedes, Campinas, vol. 27, n. 72, p. 157-176, maio/ago. 2007.
BARBOSA, A. I. C. A organização do trabalho pedagógico na Licenciatura em Educação do Campo/UNB: do projeto às emergências e tramas do caminhar. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Universidade de Brasília. Brasília, 2012.
BRANDÃO, C. R.; FAGUNDES, M. C. V. Cultura popular e educação popular: expressões da proposta freireana para um sistema de educação. Educar em Revista. Curitiba, Brasil, n. 61, p. 89 – 106, 2016.
CALAZANS, M. J. C. Para compreender a educação do estado no meio rural (traços de uma trajetória). In: THERRIEN, J.; DAMASCENO, M. N. (coords.). Educação e escola no campo. Campinas: Papirus, 1993.
201CALDART, R. S. Por uma Educação do Campo: traços de uma identidade em construção. In: ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. (orgs.) Por uma Educação do Campo. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011
CORREIA, D. M. N.; BATISTA, M. S. X. Alternância no Ensino Superior: o Campo e a Universidade como territórios de formação de Educadores do Campo. In: ANTUNES- ROCHA, M. I.; MARTINS, M. F. A.; MARTINS, A. A. Territórios educativos na Educação do Campo: escola, comunidade e movimentos sociais. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2012.
FERNANDES, B. M. Diretrizes de uma caminhada. In: KOLLING, E. J.; CERIOLI, P. R.; CALDART, R. S.(orgs.). Por uma educação do campo: identidade e políticas públicas. 2ª edição. Brasília: articulação nacional Por Uma Educação do Campo, 2002.
; MOLINA, M. C. O campo da Educação do Campo. In: MOLINA, M. C.; JESUS, S. M. S. A. (orgs). Contribuições para a Construção de um Projeto de Educação do Campo. Brasília, Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo, 2004.
; CERIOLI, P. R.; CALDART, R. S. “Primeira Conferência Nacional ‘Por uma educação básica do campo’: texto preparatório”. In: ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. Por uma educação do campo. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
LEITE, S. C. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1999.
MOLINA, M. C. Educação do Campo: novas práticas construindo Novos Territórios. In: ANTUNES-ROCHA, M. I.; MARTINS, M. F. A.; MARTINS, A. A. Territórios educativos na Educação do Campo: escola, comunidade e movimentos sociais. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2012.
. Licenciaturas em Educação do Campo e o ensino de Ciências Naturais: desafios à promoção do trabalho docente interdisciplinar. Brasília: MDA, 2014.
MOLINA, M. C.; ANTUNES-ROCHA, M. I. Educação do Campo: história, práticas e desafios no âmbito das políticas de formação de educadores – reflexões sobre o PRONERA e o PROCAMPO. In: Revista Reflexão e Ação, v. 22, nº 02, 2014, p. 220- 253.
OLIVEIRA, M. A. Educação do Campo: a reafirmação de um novo sujeito para outra agricultura e a contribuições de Michael Foucault, Jugen Habermas e Paulo Freire. In: MUNARIM. A.; BELTRAME, S. A. B.; CONDE, S. F.; PEIXER, Z. I. (Org.). Educação do Campo: políticas públicas, territorialidades e práticas pedagógicas. Florianópolis: Insular, 2011.
PEIXER, Z. I. O entrelaçar dos conceitos de campo e cidade na constituição de territorialidades educacionais. In: MUNARIM. A.; BELTRAME, S. A. B.; CONDE, S.
F.; PEIXER, Z. I. (Org.). Educação do Campo: políticas públicas, territorialidades e práticas pedagógicas. Florianópolis: Insular, 2011.
PESSOA, J. M. Extensões do rural e educação. In: . Educação e ruralidades. Goiânia: Editora UFG, 2007.
RIBEIRO, M. Movimento camponês, trabalho e educação: liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação humana. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
SILVA, A. S.; et al. Sujeitos jovens do campo. In: CALDART, R. S.; PALUDO, C.; DOLL, J. Como se formam os sujeitos do campo? Idosos, adultos, jovens, crianças e educadores. Brasília: PRONERA/ NEAD, 2006.
SILVA, L. H. Concepções & práticas de alternância na educação do campo: dilemas e perspectivas. In: Nuances: estudos sobre Educação. Ano XVII, v. 17, n. 18, p. 180- 192, jan./dez. 2010.
. A pedagogia da alternância na educação do campo: velhas questões, novas perspectivas de estudo. In: Eccos Revista Científica. N. 36, p. 143-158, jan./abr. 2015.
SOUZA, M. M.; NEIA, L. S.; MILITÃO, D. A. Pedagogia da Alternância na Escola Municipal Olímpya Angélica de Lima: uma experiência com os anos iniciais da educação básica. In: Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Oliveira; José Maria Balbino; Ana Maria Franco. (Org.). EDUCAÇÃO DO CAMPO: Histórias. memórias, políticas públicas e práticas educativas. 1ºed.Goiânia: Editora Espaço Acadêmico, 2020, p. 216-227.