Programa social vale feira: Efetivação do direito humano à alimentação e o fortalecimento da agricultura familiar no município de Goiás-GO
185Resumo:O presente trabalho versa sobre o Programa Social Vale Feira que é um programa do município de Goiás. O mesmo contempla 200 famílias com vales de R$ 80,00 mensais por um período de 6 meses para aquisição de alimentos orgânicos nas feiras municipais da Agricultura Familiar. O objetivo do trabalho é apreender por meio do Serviço Social a efetivação e o alcance do programa, e a possibilidade de concretização dos direitos sociais elencados na referida legislação municipal. Destarte, evidencia-se sua relevância enquanto promoção e efetivação de direitos sociais e consequentemente de justiça social, a necessidade de sua ampliação e fortalecimento, e o impacto na realidade sociofamiliar e socioeconômica da classe trabalhadora, contribuindo em tempos de ditames neoliberais no enfrentamento de expressões da questão social.
Palavras-chave:Programa Social Vale Feira; Direitos Sociais; Justiça Social; Serviço Social; Goiás.
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Introdução
Este estudo é produto de uma pesquisa – em andamento – do projeto de pesquisa da disciplina de Estágio Supervisionado do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Goiás (UFG)/Campus Goiás, realizado na Secretaria de Assistência Social, Trabalho e Habitação (Smasth), subsidiado por estudos documentaise bibliográficos desenvolvidos sobre o Programa Social Vale Feira no município de Goiás-GO. A pesquisa documental trata de dados da Smasth, analisados pelo discente estagiário e pelas assistentes sociais participantes desta construção, sob amparo de referências bibliográficas e legais necessárias.
O mesmo tem o intuito de apreender por meio do Serviço Social a efetivação e o alcance do programa supracitado e a possibilidade de concretização dos direitos sociais elencados na referida legislação municipal. Destarte este assunto torna-se pertinente, pois busca ampliar o conhecimento sobre o Programa recentemente instituído na cidade e aproximar de sua organização e efetivação.
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Programa social Vale Feira
O Programa Social Vale Feira é um programa do município de Goiás instituído pela Lei Nº 280, de 24 de junho de 2021 e regulamentado pelo Decreto Nº 113 de 02 de julho de 2021. Com a expectativa de sedimentar o direito social à alimentação, ao trabalho e à assistência às pessoas em situação de desigualdades sociais, que são estabelecidos no art. 6o da Constituição Federal (GOIÁS-GO, 2021).
O mesmo tem como intuito contemplar 200 famílias da cidade com vales de R$ 80,00 mensais por um período de 6 meses para aquisição de alimentos orgânicos nas duas feiras municipais da Agricultura Familiar - feira de domingo e feira das quintas-feiras, ambas ocorrem na Praça Jornalista Goiás do Couto, no Bairro João Francisco. O que possibilita a movimentação de R$ 16.000,00 ao mês, com recursos da prefeitura.
O público atendido é em especial pessoas e famílias em situação de desigualdade socioeconômica, em especial, mães solas, mulheres autodeclaradas pretas, pardas e indígenas, mulheres em situação de violência doméstica. Com o objetivo de
[...] beneficiar famílias ou pessoas que moram sozinhas (unidade doméstica), identificadas e caracterizadas na faixa socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal ou em cadastro próprio do Município (GOIÁS-GO, p. 01, 2021a).186
Também tem como objetivo contribuir com as/os produtoras/es da Agricultura Familiar, assentadas/os da Reforma Agrária, e outros grupos que cultivam e produzem alimentos orgânicos e sem agrotóxicos. Que segundo dados da Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, são 49 fornecedoras/es cadastradas/os e somente 21 estão ativas/os. Essa inserção acontece por meio de
[...] aquisição de gêneros alimentícios produzidos pela Agricultura Familiar, constituída de pequenos produtores rurais, povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores, estabelecidos no território do Município de Goiás, cadastrados como fornecedores exclusivos aos beneficiários do Vale Feira (GOIÁS-GO, p. 01, 2021a).
A gestão, coordenação e supervisão do programa é realizada por meio do Comitê Gestor formado por quatro secretarias municipais: a de Assistência Social, Trabalho e Habitação (responsável pelo cadastro, seleção e acompanhamento das famílias, e entrega dos Vales), a de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (responsável pelo cadastro de fornecedoras/es de produtos da agricultura familiar), a de Administração e Finanças (responsável pela emissão dos vales e repasse financeiro às/aos fornecedoras/es) e a das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos (responsável por contribuir na inscrição das mulheres, pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas, e pessoas com deficiências) (GOIÁS, 2021b).
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Direito humano e social à alimentação
Como supracitado, o Programa Social Vale Feira evidencia o compromisso com a perspectiva de defesa e efetivação dos direitos humanos e sociais à alimentação, ao trabalho e à assistência às pessoas em situação de desigualdade socioeconômica.
Neste tópico, dá-se ênfase ao direito à alimentação, que a partir da Emenda Constitucional Nº 64, de fevereiro de 2010, foi introduzida como direito social,
Art. 1º O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 2010).
A inclusão do direito à alimentação entre os direitos sociais é resultante de lutas históricas pela melhoria da qualidade de vida e pela afirmação dos direitos humanos, que torna-se um legado para a sociedade na compreensão da busca de um país com justiça social, pois o Estado torna-se obrigado, a assegurar a todos, não somente o direito à alimentação, mas sim a uma alimentação com qualidade (LENZA, 2011).
Apesar dessa conquista, a inclusão do direito não é o suficiente para garantir a todos uma alimentação adequada e saudável. Ainda há muitos passos a serem dados para o país acabar com a fome e efetivamente garantir o direito humano à alimentação adequada a todo seu povo. Temos pela frente desafios a serem enfrentados, como a falta de informações por parte da população e dos operadores de direito; a limitação do acesso à terra, à água e ao trabalho, especialmente das populações mais pobres, além dos projetos de leis e leis que ameaçam o direito à alimentação (CONSEA, 2011, p. 01).187
Assim a III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (2007), constrói a perspectiva que a alimentação adequada e saudável é,
Realização de um direito humano básico, com a garantia ao acesso permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais dos indivíduos, de acordo com o ciclo de vida e as necessidades alimentares especiais, considerando e adequando quando necessário o referencial tradicional local. Deve atender aos princípios da variedade, qualidade, equilíbrio, moderação e prazer (sabor), às dimensões de gênero, raça e etnia, e as formas de produção ambientalmente sustentáveis, livre de contaminantes físicos, químicos e biológicos e de organismos geneticamente modificados (CONSEA, 2007, p. 20).
Destaque que este direito é resultante da luta da sociedade civil, organizações e movimentos sociais, órgãos públicos e privados, artistas e cidadãos de todo o país que se mobilizaram pela Campanha “Alimentação – Direito de Todos”. Apesar dessa conquista, a inclusão do direito não é o suficiente para garantir a todos uma alimentação adequada e saudável. Ainda há muitos passos a serem dados para o país acabar com a fome e efetivamente garantir o direito humano à alimentação.
É direito de cada pessoa ter o acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para obter estes alimentos, sem comprometer os recursos para obter outros direitos fundamentais, como saúde, educação e assistência social. E cabe afirmar que para que a alimentação seja considerada adequada para consumo, ela também precisa ser
adequada ao contexto e às condições culturais, sociais, econômicas, climáticas e ecológicas de cada pessoa, etnia, cultura ou grupo social. Esta adequação incorpora aspectos relacionados à: diversidade e adequação nutricional e cultural da dieta, incluindo a promoção do aleitamento materno; necessidade de estar livre de substâncias nocivas; proteção contra a contaminação; informação sobre adequação de dietas e conteúdo nutricional dos alimentos (CONTI, 2011, p. 03).
O direito humano à alimentação significa tanto que as pessoas estão livres da fome e da desnutrição, como também têm acesso a uma alimentação adequada e saudável. E o Programa Social Vale Feira, como supracitado, busca por meio dessas/es fornecedoras/as opções de venda, de produtos orgânicos, sem a presença de agrotóxicos. Então, o DHAA é um direito de todas as pessoas e é também obrigação do Estado – tanto em âmbito federal quanto estadual e municipal. O Estado tem a obrigação de respeitar, proteger e realizar este direito. Respeitar significa que o Estado, em hipótese alguma, pode tomar quaisquer medidas que possam bloquear o acesso livre e permanente à alimentação adequada.
Portanto, as políticas públicas têm a função de garantir a realização dos direitos constitucionais e devem ser elaboradas em conformidade com os preceitos relativos ao direito humano à alimentação adequada. Os gestores públicos, em todas as esferas de governo, devem fazer todo empenho pela adoção de políticas públicas para a realização deste direito, sob pena de constituírem-se em violadores do direito à alimentação.
Apreende-se que com o Programa Social Vale Feira sendo organizado, efetivado e desenvolvido em âmbito municipal, ele apresenta um pontapé inicial para fortalecimento e efetivação do direito social à segurança alimentar e nutricional, mesmo que no município não tenha uma política específica.
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O fortalecimento da agricultura familiar em um município com 24 assentamentos da reforma agrária
A agricultura familiar brasileira contempla diversidade cultural, social e econômica, variando desde o campesinato tradicional até à produção modernizada. Esta agricultura corresponde a um universo agrário extremamente complexo, em decorrência da diversidade da paisagem, seja ela do meio físico, ambiente, variáveis econômicas, dentre outras. Ou também em função da existência de diferentes formas de agricultoras/es, em agregar perspectivas de interesses particulares, com maneiras próprias de sobrevivência e de produção, que resultam em estratégias diferentes ao lidar com os desafios e restrições semelhantes.
Diante disto, a agricultura familiar sobreleva como um modo de vida de milhares de mulheres e homens que encontram na luta historicamente um processo que contrapõe a lógica capitalista, buscam ter seu espaço em um ambiente cada vez mais competitivo, disputando de forma desigual com latifundiários (re)produtores do agronegócio.
Essa disputa evidenciada entre a agricultura familiar e o agronegócio encontra-se ligada à forma de exploração agrícola familiar, pressupõe uma unidade de produção onde a propriedade e o trabalho estão intimamente ligados à família. Isto é, uma forma social de produção familiar, em que a função preponderante da família como estrutura fundamental de organização da reprodução social, que vem por meio da organização de estratégias (conceitos ou não) familiares e individuais que remetem à transmissão do patrimônio material e cultural (SAVOLDI e CUNHA, 2010). Entretanto, a agricultura familiar sofre com esta disputa desigual pelos que defendem no ponto de vista econômico, tecnológico e social, voltado para a produção de produtos alimentares básicos e com uma lógica de produção de subsistência.
Porém, vale destacar, a necessidade de subsidiar as famílias, para conhecimento dos direitos sociais para que estas/es produtoras/es se organizem para acessar os recursos e até mesmo por um pedaço de terra,
O universo da agricultura familiar no Brasil é extremamente heterogêneo e inclui desde famílias muito pobres as quais detém, em caráter precário, um pedaço de terra que dificilmente pode servir de base para uma unidade de produção sustentável, até famílias com dotação de recursos, terra, capacitação, organização, conhecimento. Dessa forma, para que a utilização da categoria de agricultura familiar seja útil e desejável para fins de política, é preciso assumir, em profundidade, as conseqüências da reconhecida diferenciação dos agricultores familiares e tratá-los como de fato o são: diferentes entre si, não redutíveis a uma única categoria simplesmente por utilizarem predominantemente o trabalho familiar (SAVOLDI e CUNHA, 2010, pág. 28).
Recorrer ao contexto da agricultura familiar passa atualmente por um destaque outrora negado, como relevante sujeito social do segmento produtivo, capaz de gerar emprego e renda.
189Na década de 1990, ocorreu um reconhecimento da relevância da/o pequena/o produtora/or, com a Lei Nº 1.946 de 1995, com a criação do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). Um programa que surge com a finalidade de garantir recursos para estas/es pequenas/os produtoras/es investirem nas propriedades, para desenvolvimento do agronegócio, com as menores taxas de juros no mercado. A/o agricultora/or pode utilizar os recursos que são exclusivamente para essa categoria em compra de sementes, equipamentos, maquinários ou fazer melhorias na infraestrutura da propriedade (BERTOLINI; FILHO; MENDONÇA, 2020).
Então, a agricultura familiar teve o marco legal ao ser definida e reconhecida legalmente pela Lei Federal Nº 11.326 de 2006 que elenca os critérios e regulamenta que a/o agricultora/or familiar é aquela/e cuja renda vincula-se às atividades rurais que exercem com sua família em sua pequena propriedade ou posse rural (BRASIL, 2006).
Contudo, ressalta-se que outros grupos fazem parte desta agricultura, que são os povos e comunidades tradicionais que possuem suas próprias organizações sociais, quilombolas, pescadores/as artesanais, agroextrativistas, indígenas, bem como aquicultoras/es e silvicultoras/es que se enquadrem nesses critérios, a partir do Decreto Nº 6.040 de 2007 (BRASIL, 2007).
As políticas sociais voltadas para a agricultura familiar têm como objetivo promover a sustentabilidade ambiental, social e econômica das atividades desenvolvidas por agricultoras/es familiares e empreendedoras/es familiares rurais.
A análise da agricultura familiar juntamente com a reforma agrária evidencia que tem-se um arcabouço de interesses e lutas coletivas, em especial, a luta pela terra que se concentra na mão de poucas/os. Assim,
de um modo geral, verifica-se que essas mudanças impactam mais fortemente o sistema da agricultura familiar, o qual vem se especializando e permitindo que as lides agrícolas sejam crescentemente asseguradas apenas pelo chefe da exploração, liberando os demais membros familiares que passam a buscar ocupação em atividades fora da agricultura. Nessa lógica, é crescente o número de famílias de agricultores das regiões com grande presença do sistema familiar de produção agrícola que procuram se reproduzir socialmente desenvolvendo, simultaneamente, atividades agrícolas e não agrícolas, com implicações diretas sobre a dinâmica geral do emprego no meio rural do país (MATTEI, 2016, p. 235).
Então, sobre a relação do trabalho rural, evidencia-se a subordinação de agricultoras/es à dinâmica global do capital, uma vez que as agroindústrias passam a deter um controle sobre as ações das/os agricultoras/es. Nesse processo, agrava-se a questão agrária, em que, além das ações governamentais nessa esfera serem tímidas e limitadas, o nível de concentração fundiária tem ampliado no Brasil.
Com isto, aproximando dos estudos sobre a luta por terras, o Movimento dos Trabalhadores Rurais e Sem Terra (MST) encontra-se presente com a premissa que a luta pela terra é uma luta coletiva e, diante disso, as conquistas também são.
190A Reforma Agrária é sinônimo de luta, resistência e persistência, que desde o século XIX, em especial a partir da década de 1950 as organizações camponesas do país conseguem pautar esta Reforma como uma medida de relevância nacional, decisiva para o desenvolvimento e para garantir o acesso à terra para quem nela trabalha. Apesar de a ditadura militar perseguir essas organizações, a necessidade de Reforma Agrária fez ressurgir a luta por terra a partir da década de 1970, a qual permanece viva e necessária até os dias atuais,
A ausência de uma reforma da estrutura fundiária no Brasil, mesmo após a Constituição Federal de 1988, tornou a luta pela terra a única possibilidade de milhões de famílias Sem Terra conquistarem um lote de terra para sobreviver e obter seu sustento. A organização das famílias Sem Terra no MST permitiu a conquista e a desapropriação de latifúndios em todo o país, garantindo a criação de Assentamentos da Reforma Agrária, que beneficiaram cerca de 400 mil famílias no Brasil (MST, 2022, S/N).
Vale ressaltar que os assentamentos são territórios conquistados pelas famílias trabalhadoras Sem Terra, que são conquistados em áreas/terras de latifúndios improdutivos, grilados, com crimes ambientais e/ou trabalhistas que, pela luta, foram transformados em território de reprodução social das famílias camponesas. Nesses territórios as famílias assentadas vivem, trabalham e produzem em especial alimentos, tendo como objetivo garantir a soberania alimentar, ou seja, garantir a produção de alimentos saudáveis, acessíveis ao povo brasileiro, seja em âmbito municipal, estadual ou mesmo nacional (MST, 2022).
São os mesmos intuitos do Programa Social Vale Feira, que visa beneficiar as famílias de baixa renda, com acesso a alimentos saudáveis, produzidos por estas/es trabalhadoras/es do campo que plantam e colhem alimentos orgânicos.
De acordo com os critérios indicados na normatização do Programa Social Vale Feira podem-se cadastrar como fornecedoras/es dos produtos alimentícios agricultoras/es que moram no território do município de Goiás e que sejam integrantes da Agricultura Familiar e assentadas/os da Reforma Agrária. Este processo é de responsabilidade da Secretaria Municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O MST (2022) elenca dados contundentes sobre as famílias que se encontram assentadas, como: 160 cooperativas e 190 associações, as quais possuem 120 agroindústrias de pequeno e médio porte. Essas empresas sociais atuam em diferentes níveis, da produção, agro industrialização até a comercialização de alimentos.
De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Goiás, criado em 1986, o estado goiano possui 308 assentamentos, com um total de 13.019 famílias assentadas em uma área de 720.435 hectares (INCRA, 2022). Relevante mencionar que esses dados são do ano de 2017, ou seja, possivelmente esses números podem ter mudado.
Destaque que o município de Goiás na Região Noroeste é o município com a maior concentração, conta com 24 assentamentos criados no estado, entre estes destaca o Assentamento Mosquito, o primeiro assentamento do Incra, criado em 1986, na fazenda de mesmo nome. Atualmente, o município conta com dois acampamentos da Reforma Agrária.
Estas organizações são produtivas, proporcionando assim a produção de arroz, leite, carne, café, cacau, sementes, mandioca, cana-de-açúcar e grãos – resultantes da Reforma Agrária, advindas dos assentamentos do MST com produções distintas em diferentes estados. Todavia, a diversidade de alimentos produzidos em cada região do país passa de centenas, abastecendo feiras locais e regionais, cestas e cooperativas de consumo, mercados locais e, principalmente, a alimentação escolar e de outros (MST, 2022).
191Características que encaixam com as/os agricultoras/es que são credenciadas/os no Programa Social Vale Feira, que possuem em suas bancas: leite, queijo, doces caseiros, gordura de porco, carnes, frutas, legumes, e ainda, hortaliças – alface, couve, salsa, cebolinha, dentre outras.
As famílias Sem Terra, também buscam modificar-se,
para produzir essa diversidade de alimentos às famílias Sem Terra vêm trabalhando na consolidação da Agroecologia nos assentamentos, a partir de novas relações ser humano-natureza, produzindo formas saudáveis de manejar a produção ao mesmo tempo em que se cuida dos bens comuns dos povos (água, terra, biodiversidade, ar). Mais de 50 mil famílias Sem Terra implementam, atualmente, práticas agroecológicas (MST, 2022, s/n).
Então a Reforma Agrária Popular busca redistribuir a terra no país, com a finalidade de produzir alimento saudável para o povo brasileiro, conservar os bens comuns dos povos, criar territórios de enfrentamento às formas de violências e com novas relações sociais, fundamentadas nos valores humanistas.
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O trabalho de assistentes sociais na efetivação do programa social vale feira
O Serviço Social enquanto profissão inserida nas trincheiras de lutas e defesa dos direitos da classe trabalhadora, se reconhece como tal, tem ampla aproximação e adensamento com o processo de reforma agrária e de luta pela terra, pois o trabalho realizado “explicita os horizontes para a concretização dos referenciais históricos do projeto ético-político” (SILVA et. al., 2017, p. 110).
O trabalho de assistentes sociais no âmbito da Smasth no município de Goiás-GO, tem incidência sobre a gestão de programas e projetos, em especial no âmbito socioassistencial, um desses programas, destaca o Programa Social Vale Feira.
A Secretaria conta com 4 (quatro) profissionais de Serviço Social, que têm como compromisso em relação ao programa – a inscrição, a seleção, o acompanhamento das famílias selecionadas para cada etapa, a entrega dos Vales, as orientações, os atendimentos permanentes e tem-se o planejamento para organização de oficinas coletivas e educativas com as famílias contempladas e as/os agricultoras/es, na perspectiva de discussão sobre o direito social à alimentação adequada e saudável.
O Programa tem impactado a realidade sociofamiliar e socioeconômica das famílias atendidas, tanto da cidade como do campo. Sua relevância é inegável, mas não pode-se deixar de analisar e evidenciar as suas contradições, pois apresenta em voga o viés reformista dos programas sociais que conotam um caráter de programas temporários e não programas permanentes, visto que ao passo que podem contribuir de maneira imediatista com as famílias - um dos impactos do neoliberalismo, não realizam modificações estruturais nas opressões e explorações que provocam a situação de violação de direitos, inclusive, historicamente e ontologicamente a política social não teve e não tem em seu fulcro esse intuito.
O mesmo como sendo de gestão da política de assistência social também sofre rebatimentos neste período de contrarreformas neoliberais. No momento são 200 famílias contempladas com um Vale de R$ 80,00 mensais, o essencial é que aumente tanto o número de famílias contempladas, como o valor do vale, pois as demandas ultrapassam as possibilidades do município.
192O intuito de efetivar um processo de valorização da agricultura familiar, que tem em sua significância um histórico de lutas coletivas, imprime uma entonação diferente ao programa, visto que ele tem, mesmo que de maneira subentendida, a estratégia de ir contrário à atual conjuntura política brasileira de valorização do agronegócio e de repulsa às lutas da classe trabalhadora, em especial à população do campo. Em um contexto de violações diversas contra população indígena, quilombolas, ribeirinhas, população campesina, dentre outras; a mobilização, o fortalecimento da autonomia enquanto pessoa do campo e agricultora/or familiar evidencia um traço forte do compromisso com uma classe trabalhadora que tem cor, gênero, território, idade, dentre outras.
O trabalho de assistentes sociais é essencial em diversos espaços, em especial, na política de assistência social e nesse programa. Ao passo que têm participação na efetivação, tem também na avaliação, na proposição, na organização, na análise, nos processos de orientação social e de incentivo ao controle social, no fortalecimento das lutas da classe trabalhadora e nos tensionamentos no âmbito institucional para viabilização de direitos.
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Conclusão
Na discussão estabelecida até aqui, buscou-se analisar o Programa Social Vale Feira no município de Goiás instituído há mais de ano na cidade pela Lei Nº 280, de 24 de junho de 2021 e regulamentado pelo Decreto Nº 113, de 02 de julho de 2021.
Diante disso, esta construção teve o propósito de apreender por meio do trabalho de assistentes sociais, a efetivação e o alcance do programa discutido e a possibilidade de concretização dos direitos sociais elencados na referida legislação municipal, com base na agricultura familiar e no direito humano e social à alimentação.
Evidencia-se que ocorre a efetivação do direito humano e social à alimentação, com produtos orgânicos; o fortalecimento da agricultura familiar, pois o município contém 24 Assentamentos da Reforma Agrária; a contribuição socioeconômica tanto com as pessoas e famílias atendidas, como as/os agricultoras/es familiares, visto que o programa movimenta um orçamento de R$ 16.000,00 mensais; a promoção de autonomia financeira, em especial para mulheres, contribuindo com o enfrentamento do machismo (tendo em vista que 84,4% do público atendido é composto por mulheres e 15,6% é composto por homens) e que o trabalho de assistentes sociais é essencial no desenvolvimento do referido programa e deve ser valorizado.
Destarte, salienta-se a relevância do programa enquanto promoção e efetivação de direitos sociais e consequentemente de justiça social, a necessidade de sua ampliação e fortalecimento, e o impacto na realidade sociofamiliar e socioeconômica da classe trabalhadora, contribuindo em tempos de ditames neoliberais no enfrentamento de expressões “contundentes da questão social” (IAMAMOTO, 2009, p. 05).
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