Covid-19 e correlações com a população em situação de rua na cidade de São Paulo
162Resumo:Esse estudo qualitativo destaca algumas correlações que afetaram a População em Situação de Rua (PSR) da cidade de São Paulo durante a pandemia da Coivd-19. Tem por base os Censos da População em Situação de Rua, e reportagens online sobre essa população, realizadas entre 2019 e 2022. Ademais, aponta algumas mudanças no perfil da população no período pandêmico, que se intercruzou com a crise econômica, acentuada devido à crise sanitária, e ampliou o desemprego, a desproteção e incertezas que contribuíram para o acirramento da extrema pobreza. Utilizamos o método de análise de conteúdo de Bardin para analisar as reportagens online.
Palavras-chave:Covid-19; População em Situação de Rua; extrema pobreza.
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Introdução
Esse estudo é resultado de discussões laterais, após alguns encontros no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e Questões Metodológicas em Serviço Social. (NEMESS), pesquisando os impactos da pandemia da Covid-19 na cidade de São Paulo, a partir de outro enfoque, entre os anos de 2020 e 2021, nos encontros online sobre a exposição da População em Situação de Rua (PSR). Quais seriam as medidas a serem tomadas pelas Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), enquanto instituições que atuam na oferta de serviços, acolhimentos e no incentivo da retomada da autonomia da População em Situação de Rua. Tudo dentro de um contexto que exigia respostas rápidas e diversas daquelas já definidas.
A Política da Assistência Social na cidade de São Paulo não difere dos outros municípios, estando subordinada à Política Nacional da Assistência Social (PNAS/2004) e conforme as necessidades, são empreendidas ações. Para essa atuação São Paulo conta com muitas organizações terceirizadas conveniadas com a Prefeitura (1.301) na prestação desses serviços.
Para a População em Situação de Rua, na Assistência Social existe o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), criado pelo Decreto nº 7.053/2009 de acordo com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Trata-se de um serviço somado à rede de Proteção Social Especial (PSE), de média complexidade, tido como espaço considerável para os que utilizam a cidade como meio de sobrevivência. Esse serviço está inserido em um amplo sistema, complexo e articulado, que engloba serviços, programas e benefícios: o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) (Brasil, 2011).
A conceituação sobre População em Situação de Rua dá um sentido para os corpos em situação de rua se refere a indivíduo e grupos distintos, mas semelhantes pela situação não convencional de estar na rua. Semelhantes pelas necessidades comuns, como moradia, higiene, alimentação, e pela exclusão e abandono social do Estado e da sociedade na garantia de seus direitos básicos.
163São Paulo é uma metrópole diversa e abriga, no Brasil, o mais importante centro financeiro. Fundada em 1554, se desenvolveu muito, e segue crescendo em termos de riqueza, que possui origem na cafeicultura, atividade que possibilitou a acumulação de capitais no país e, assim, financiou a implantação de diversas indústrias. Entretanto, a produção de riquezas sempre conviveu com a desigualdade de renda e gênero, a pobreza, a precariedade do trabalho e a realidade da situação de rua. O Decreto nº 7.053, Art. 1o, Parágrafo único, de 23 dezembro de 2009, institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, que define:
Grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.
Mas porque grupo? A Defensoria Pública da União (DPU) sintetiza que o termo População em Situação de Rua demonstra dessa população o caráter temporário, porém de abordagem coletiva, ameniza denominações pejorativas e não reforça a questão individual da condição, como se a pessoa fosse a única responsável pela vida que leva, ocasionando, assim, estigmas e diversas discriminações. Isso ocorre cotidianamente e, dessa forma, vê-se a necessidade de ações educativas em todas as esferas sociais.
Portanto, teorizar e compreender a complexidade do fenômeno, seus diferentes conceitos e abordagem, torna possível a elaboração de políticas públicas para soluções que, no mínimo, preservem os direitos fundamentais, na perspectiva de minimizar essa questão. A definição envolve uma complexidade de fatores que carecem ser comtemplados, visto que passam pela compreensão da subjetividade dessas pessoas. Esses fatores nomeados ou não, somados à Covid-19, podem ter se avolumado, devido ao contexto da crise pandêmica, especialmente nos países mais pobres.
São consequências existentes de várias ordens, sendo a que se procura evidenciar é crise na economia. Entretanto, a saúde mental merece igual atenção. Nesse sentido, o relatório anual do Panorama Social da América Latina, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), calcula que entre 2020 e 2021, as pessoas em situação de extrema pobreza aumentaram em quase cinco milhões (Nações Unidas/CEPAL, 2022). A pandemia agravou o cenário econômico que já estava deficitário. A situação inspira as autoridades das nações em pensar medidas protetivas aos que mais necessitam. A ex-Secretária-Executiva da CEPAL, Alicia Barcena, diz que
A pandemia é uma oportunidade histórica para construir um novo pacto social que dê proteção, certeza e confiança. Um novo contrato social deve avançar e fortalecer a institucionalidade dos sistemas de proteção social e promover que esses sejam universais, integrais, sustentáveis e resilientes. Anos de menor crescimento económico estão chegando e, se não forem mantidos os esforços para proteger o bem-estar da população, serão maiores os aumentos da pobreza e da desigualdade na região (BARCENA, 2022).164
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Covid-19 e pobreza extrema
De acordo com cálculo do economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, apontado pela reportagem da Carta Capital, a situação de pobreza extrema se configura quando a renda é de até 1,90 dólar por dia, por indivíduo ou família. Entretanto, esse valor sofre variações de acordo com a força da economia e fatores particulares de cada país, por exemplo a instalação de uma pandemia, como a da Covid -19, que atingiu o mundo inteiro.
A COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo coronavírus SARS-CoV- 2 e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca. Outros sintomas menos comuns e que podem afetar alguns pacientes são: perda de paladar ou olfato, congestão nasal, conjuntivite, dor de garganta, dor de cabeça, dores nos músculos ou juntas, diferentes tipos de erupção cutânea, náusea ou vômito, diarreia, calafrios ou tonturas (OPAS, 2021).
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Os efeitos pandêmicos e correlações com a População em Situação de Rua
A pandemia foi um aglutinador do agravamento da insegurança começando com o aumento progressivo dos infectados nas subprefeituras na cidade, de 2020 até 2022. Observem no gráfico os casos confirmados em uma linha ascendente. Os bairros mais afetados na Zona Sul (Campo limpo, M´Boi Mirim, Itaquera e Capela do Socorro etc.) e Zona Leste (São Miguel, São Mateus, Itaim Paulista etc.). Bairros que tiveram grande número de casos de Covid-1 confirmados.
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A análise
A pesquisa, tendo por método análise de conteúdo de Bardin, tem como objetivo verificar as correlações que motivaram a população a ir para as ruas durante a pandemia
Para Bardin, “A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações” (1977, p 31). Sendo assim, analisamos 3 entrevistas dos jornais El País, G1/BBC BRASIL e Veja São Paulo. Foram realizadas coletas online a partir de entrevistas que esses veículos realizaram com pessoas nas ruas da cidade de São Paulo, após decretos governamentais que, reconhecida a situação de calamidade pública, ordenaram a quarentena.
Voltando ao procedimento, após selecionar o material, procedemos à leitura flutuante do conteúdo. Também, novas leituras foram feitas, para não deixarmos de contemplar na íntegra as falas das pessoas dentro do nosso propósito. Desse modo, frases dos jornais foram destacadas e avaliadas, procurando aproximação às regras propostas pelo método de Bardin, como a exaustividade: consumir todo o assunto, não deixando nenhum elemento suprimido.
165Seguindo com as regras do método, procuramos adaptar nesse trabalho: a Regra da representatividade: a seleção da amostra deve caracterizar o universo inicial, ou seja, nosso universo é a população em situação de rua a partir das suas expressões nos mencionados meios de comunicação; a Regra da homogeneidade: na coleta de dados deve-se utilizar as mesmas técnicas com sujeitos semelhantes. As narrativas foram submetidas ao mesmo método de análise; a Regra da pertinência: deve-se selecionar documentos de acordo com os objetivos da pesquisa. Todos os materiais tratavam do mesmo tema abordado; e a Regra da exclusividade: cada elemento utiliza, na pesquisa, uma categoria, apenas. Foi um selecionado as frases que exploramos, e catalogamos algumas unidades de registro. Unidade de registro (seguimentos dos textos das reportagens utilizados para registro dos dados) pode ser uma palavra, um tema, um acontecimento ou um personagem (BARDIN, 1977) ou frases que agrupam sentidos semelhantes. Aqui utilizamos a unidade de registro temática, com os temas (frases) que mais se pronunciavam sobre o assunto e estavam em situação de rua. Ver aqui no quadro
166“Por causa dessa pandemia, perdi o emprego em 7 de dezembro. Trabalhava como atendente do Burguer King fazia três anos” (El País, 2021).
“A gente vive de pegar marmita e pedir no farol. Todo dia um pessoal vem aqui e doa comida" (G1, 2022).
“Sou acostumado a trabalhar... Sempre trabalhei, e essa situação está muito difícil para nós. Difícil mesmo” (El País, 2021).“Sem emprego, não tive como construir outro barraco. O frio está difícil, nossas crianças vivem gripadas. Durante a noite dormimos todos juntos, com oito cobertas” (Veja São Paulo, 2021)”.
“Em tempos normais tem mais forma de ganhar dinheiro. Você faz uma faxina aqui, vende uma bala ali. Mas agora diminuíram as formas de ganhar dinheiro” (El País, 2021).
"Em Francisco Morato a gente passava fome, sem dinheiro. As doações não chegam por lá [...] e precisamos nos virar para não passar fome” (G1, 2022).
“Aqui consigo uma alimentação para as crianças” (Veja São Paulo, 2021).
“As doações não chegam por lá e precisamos nos virar para não passar fome. Quando a gente consegue alguma cesta básica, até volta pra casa, mas faz tempo que não vamos” (Veja São Paulo, 2021).
“O centro tem mais movimento e a gente se sente um pouco mais seguro” (G1, 2022).
“A gente tinha tudo. Mas quando perdemos o trabalho, não tivemos mais condições de pagar aluguel e fomos para a rua. Felizmente fomos acolhidos num abrigo” (El País, 2021).“Em tempos normais tem mais forma de ganhar dinheiro. Você faz uma faxina aqui, vende uma bala ali. Mas agora diminuíram as formas de ganhar dinheiro” (El País, 2021).
“Para não fazer uma coisa errada, tirar dos outros, a gente prefere manguear”
“Se tinha um evento de futebol, eu pegava minha água e vendia tudo. Era impossível não ganhar dinheiro” (El País, 2021).
“A rua é sem futuro, mas é o que tem pra gente. Sempre ouvi que as pessoas que moravam na rua eram 'vagabundas', drogados. Hoje são famílias inteiras, crianças, bebês" (G1, 2022)."Fico aqui porque é mais seguro, bem policiado. Passa muita gente e não corro risco, e sempre tem auxílio. De fome ninguém morre" (G1, 2022).
“A gente gasta quase tudo em leite e fraldas. Um quilo de carne está R$ 40. O gás custa R$ 100" (G1, 2022).
As narrativas estão na íntegra a fala do entrevistado(a), percebe-se a intensidade no teor dos comentários que possuem pouca diferença de um jornal para outro. Constatamos que, mesmo sendo a pandemia uma ameaça, ela em si não era algo tão preocupante quanto ao fato de não ter trabalho, meios de subsistência como; abrigo, comida, acolhida, segurança entre outros. A recordação da “facilidade” de fazer trabalhos informais nas ruas nos eventos, e o trabalho formal que perderam por causa da pandemia.
As entrevistas, se fossemos sintetizar em palavras, destacaríamos: perda de emprego, despejos, fome, incertezas, falta de perspectiva, desalento, a insegurança de estar nas ruas onde não imaginava que um dia pudesse estar, e ao mesmo tempo compreender que ali teria a “segurança” de alimentação por ser visto por muitos despertaria compaixão e empatia. Assim a Covid -19 teve correlação com a ida das pessoas para as ruas; foram se somar a outras que já ali estavam antes da pandemia. Foram disputar com elas a prestação dos serviços socioassistenciais, donativos/assistencialismo da sociedade esperançando pelas ações do Estado, “teleguiados pelo sentido da sobrevivência. A pandemia que tratasse de esperar, porque primeiro tinham de comer, alimentar seus filhos, encontrar auxílio concreto. A vacina ainda não tinha sido liberada.
As abordagens dos jornais com as pessoas em geral, eram em locais de distribuição de comida; pessoas nas filas esperando pegar uma marmita que comiam ali mesmo. Nas falas se observa a palavra “centro” se refere ao centro da cidade de São Paulo, especialmente local onde aconteceram as reportagens no período de 2021 e 2022. Nas análises se destaca a questão da sobrevivência, que passa pelo viés do trabalho, como essas pessoas expressam, buscam comida e lamentam estarem desempregados, lembram situações anteriores que podiam consumir, morar. São a parte da sociedade que vive mesmo do trabalho, atividade que define a subsistência e autonomia das pessoas, a inclusão e exclusão social. A perda ou impossibilidade de exercer tal atividade altera significativamente as histórias e estruturas das relações sociais.
Portanto as falas falam de desemprego e manifestam a segregação de indivíduos e famílias, e pessoas de outras cidades da grande São Paulo, e não só as que tinham sido despejadas, algumas possuíam casas e estavam em insegurança alimentar. Alguns em situação de rua recebiam o Auxílio Brasil (R$ 400,00), incompatível com os R$ 800,00 a R$ 1.000,00 necessários para o aluguel. Famílias com crianças utilizavam o valor para fraldas, leite e manutenção dos “pequenos”. Considerando a questão da segurança, quem não estava em um espaço de acolhimento preferia montar uma barraca em local que considerava mais seguro, “policiado” e movimentado, por exemplo o centro da cidade, ou locais como o Terminal Rodoviário Tietê. (El País, 2022). Nas falas fica nítido essas estratégias.
Ficou visível para os transeuntes do centro da cidade a desproteção social por parte Estado, pela falta de expertise e lidar com os fatores emergenciais causados pela Covid- 19, como o aumento da fome, perda de moradia, o aumento da taxa da inflação etc. A cidade não possuía um plano de contingência para minimizar a situação naquela intensidade e foi além do mais surpreendida.
Desse modo, pessoas que ainda não tinham os vínculos familiares interrompidos, que viviam sem problemas familiares, acabaram indo para as ruas não por brigas e desentendimentos com os seus. Esse é também um dos primeiros motivos que leva as pessoas a viverem nas ruas. Mas essas pessoas não estiveram em situação de rua antes e pediram ajuda em primeiro lugar para a família, antes de apelar ao Estado (El País, 2021), e não obtiveram sucesso com nenhum. Assim, uma medida para minimizar essa situação partiu da Câmara dos Deputados de São Paulo, que aprovou o Projeto de Lei 827/20, proibindo os despejos e desocupações a partir de março de 2020.
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O aumento da população partir do censo e algumas características
Com todas essas perspectivas, buscamos analisar os censos realizados em 2019, antes do efeito pandêmico assolar a cidade, em 2021, em que estávamos vivenciando as consequências da pandemia, e, por fim, 2022. As análises foram realizadas a partir do Censo da População em Situação de Rua, encomendado pela SMADS.
O censo da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo foi realizado em outubro de 2019, pela empresa Qualitest Inteligência em Pesquisa. Contou 24.344 pessoas em situação de rua, das quais 12.651 foram contadas em ruas, praças e outros espaços públicos da cidade, e 11.693 nos Centros de Acolhida. A partir dele sabe-se que 5,5% das pessoas em situação de rua na cidade são do sexo masculino, e pelo menos 89% está em idade produtiva, entre os 18 e os 59 anos. Essa predominância de homens em situação de rua se alterou com a chegada de casais, mães solas e famílias, algumas numerosas, com até 3 gerações da mesma família (G1, 2022).
O grau de instrução foi observado, e grande parte das pessoas em situação de rua, 91,5%, sabem ler e escrever, e a maior parte, 91,9%, frequentaram escola. A soma dos(as) que não concluíram o ensino médio chega a 69,3%, e, 4,1% concluíram o nível superior. (SMADS/PMSP, 2019).
Segundo o censo da População em Situação de Rua de 2021, realizado pela Prefeitura da Cidade de São Paulo, somente na região da Sé são 12.851 pessoas em situação de rua. A capital possui 31.884. Dessas, 16,6% são do sexo feminino e 83,4% do sexo masculino sendo, em se falando de identidade de gênero: 17.508 homens cisgenero, 3.691 mulher cisgenero, 228 agênero, 171 mulher trans, 72 homens trans, 50 travestis, 47 não binário, 100 outras e 10.017 não responderam.
População por cor/raça e etnia: 10.866 pardas, 5.958 branca, 5.478 pretas, 186 amarela, 186 indígena, 395 não responderam e 8.815 sem definição. Na distribuição por faixa etária: até 11 anos 375, 301 de 12 a 17, 4.086 de 18 a 30, 10.901 de 31 a 49, 3.744 de 50 a 59 anos, 2.104 de 60 a 69, 460 de 70 a 79, 98 de 89 a 89, 10 pessoas com 90 a 99 e 9.805 pessoas sem informação (SMADS/PMSP, 2019). São corpos nas suas diversas definições de modo geral.
Em 2022, a Prefeitura da cidade de São Paulo resolveu antecipar o levantamento e, conforme apontam pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a População em Situação de Rua na cidade de São Paulo cresceu para 42.240 pessoas. Faremos, primeiramente uma análise do crescimento entre os 03 censos, a saber:
168Ano | Total | Número de crescimento | Percentual |
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2019 | 24.344 | 24.344 | 00% |
2021 | 31.884 | 7.540 | 31% |
2022 | 42.240 | 10.356 | 71% |
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Conclusão
Se compararmos o ano de 2019 com 2022, o crescimento da População em Situação de Rua quase que dobrou. Somou-se a essa população 17.896 pessoas, um percentual de 71% de crescimento. Esses dados nos mostram que, realmente, foi no período pandêmico que o aumento dessa população se evidenciou, e aí temos uma importante correlação da pandemia com o aumento da população em situação de rua.
Fazendo uma comparação com os dados publicados no dia 24 de maio de 2022, pelo jornalista Deslange Paiva, do G1 SP, que menciona que em janeiro de 2021 a cidade de São Paulo registrou 473.814 famílias em situação de miséria, neste ano de 2022 o número aumentou 30,82%, passando para 619.819. O resultado é de 601.923 vivendo em ocupações e em situações de extrema pobreza e 17.896 pessoas foram para as ruas no período pandêmico. De modo geral tínhamos as regiões com maiores números de infectados e outras com menor número, e associamos isso à desigualdade e à displicência pública com as questões de cunho social.
Vemos um contraste das subprefeituras nesse período, locais com maiores taxas de contaminados em bairros mais afastado; M´Boi Mirim, Capela do Socorro e Cidade Ademar. (locais que aumentaram as ocupações de onde saíram muitas pessoas para sobreviver no centro da cidade) Já na Lapa, Vila Mariana e Pinheiros vemos números mais reduzidos de casos confirmados. Residir em uma ou outra dessas subprefeituras influência na proteção à vida, distribuição de renda e a desigualdade na proporção de leitos de UTI distribuídos entre outros fatores.
169O mapa acima é uma ideia da quase totalidade da cidade de São Paulo e seus distritos, agrupados em subprefeituras. Deixamos uma ideia dos casos confirmados da Covid-19 em 2020, 2021 e 2022. Dos distritos periféricos, pessoas em situação de pobreza extrema vieram para o centro da cidade, devido às consequências da pandemia, juntamente com a questão econômica, entre outros. Os efeitos da pandemia desalojaram indivíduos e famílias que, sem opção, foram parar nas vias públicas, assolados pela extrema pobreza.
Essa dinâmica ajudou na metamorfose do quadro da População em Situação de Rua. Não era difícil identificá-los. Foi o que falou ao jornal El País Kaká Ferreira, fundador da ONG Anjos da Noite, que distribui alimentos e outros itens: “o perfil de quem está chegando agora nas ruas é totalmente diferente. Em termos de educação, em termos de postura e da maneira de conversar com a gente”, e acrescenta: “Quando o pessoal dá roupa ou comida, até a maneira de guardar é diferente. São pessoas muito tristes, desmotivadas, que não estão acostumadas a viver na rua” (El País, 2021). O fundador do Movimento Estadual da População em Situação de Rua menciona sobre a insegurança alimentar:
Muitos moradores passaram a se queixar que não comiam há dois dias. No primeiro dia distribuímos 20 refeições. No segundo, 150. No terceiro, 400″, conta. ele, que calcula distribuir diariamente entre 500 e 700 quentinhas no almoço, de domingo a domingo. De 27 de fevereiro de 2020 a 3 de maio de 2021 foram 15.000 refeições e 460 cestas básicas.” (El País, 2021).
Entretanto, elas seguiam com seus filhos matriculados na escola, na rua ou nos espaços de acolhida tentando decifrar um outro desafio, que era o ensino remoto, ajudar as crianças nas tarefas escolares e seguiam sonhando e fazendo planos para a vida na perspectiva de conseguir trabalho, planejando ganhar dinheiro para reconstrução do barraco, alugar um “quartinho”, uma casa, ter privacidade no lazer das crianças, entre outros.
Momento de refletir sobre a vida, e reorganizá-la a fala de uma mãe sola que alimentava seus filhos maiores após ter conseguido marmitas, e amamentava um pequeno. “Tenho vontade de montar um ferro velho, mas minhas limitações financeiras não permitem. Também não terminei os estudos, então isso diminui as possibilidades”. (El País, 2021). A pandemia parecia menos importante.
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Considerações finais
Consideramos que o tema População em Situação de Rua é denso, diverso, controverso e político, ou seja, é necessário sobre ele interesse social, consolidado com as diversas esferas públicas; Ministérios, União, Secretarias, Movimentos - como o Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), e o Conselho Nacional da População em Situação de Rua -, e a sociedade civil organizada, entre outros. Faz-se necessário campanhas educativas sobre o tema, em todos os níveis da educação. Especialistas afirmam que novas pandemias virão e, sendo assim, são necessários planos de contingência.
Faz-se necessário um planejamento a ser adotar e que apresente respostas rápidas e efetivas em situações imprevistas como foi a pandemia da Covid-19. E isso requer um trabalho com as políticas públicas, e entre a Saúde, a Assistência Social e os demais setores. Como pessoas e profissionais, teremos, a partir de uma estrutura sistêmica temos condições para nos proteger, proteger outro e sermos empáticos. Não falamos de assistencialismo, que tem seu sentido nessas situações, mas da construção de um mundo melhor, com ou sem pandemia. Em São Paulo ou em qualquer parte do mundo.
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