Mães solas no município de Goiás: Direito de comer e habitar
140Resumo:Trata-se de estudos socioeconômicos, realizados por assistentes sociais e estudante de Serviço Social, versam sobre a realidade de vida de 52 famílias, que acessaram o direito a um lote no Setor Tempo Novo situado em Goiás-GO, constituídas em sua maioria por mães solas, as autoras denominam de „mães solas‟ de maneira a contemplar a linguagem de gênero, compromisso indicado pelo Conselho Federal de Serviço Social (Cfess), refere-se às mães que assumem a criação, a educação e o apoio à filhos/as. Sendo que o acesso ao lote garantido por meio de um projeto habitacional assumido pela Prefeitura Municipal de Goiás-GO/Secretaria Municipal de Assistência Social, Trabalho e Habitação (Smasth). Desse modo, objetivou conhecer e analisar as condições de vida das referidas famílias chefiadas por mulheres. Assim, recorreu-se aos instrumentais sociais utilizados nas entrevistas sociais com as sujeitas que acessaram um lote no referido bairro, garantindo uma pesquisa documental. E ainda, a uma pesquisa bibliográfica. Destaca-se que essa iniciativa resultou na contribuição com o processo de efetivação do Projeto Habitacional no município de Goiás-GO, além disso, subsidiou as reflexões empreendidas no Projeto de Extensão coordenado pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo/UFG-Campus Goiás. Considera-se fundamental compreender que antes de habitar torna-se central o atendimento de outras necessidades básicas, visto que, dezesseis dessas mães se encontram desempregadas, resultado do atual contexto vivido, sendo assim, destaca-se o direito de alimentar, resultando na fome que torna inviável o sonho de morar, dentre outros. Pondera-se que a reduzida renda salarial vigora em tempo de desemprego, subemprego que intensifica nesse tempo pandêmico, torna-se insuficiente para o atendimento das necessidades básicas. Vale destacar que resta às estas sujeitas o trabalho como diaristas, em razão de que algumas até acessaram a formação profissional, mas não tiveram a oportunidade de adentrar ao trabalho de acordo com a área. Outro determinante, em geral em uma cidade de pequeno porte no caso Goiás-GO, as vagas para acesso ao trabalho são escassas.
Palavras-chave: fome, realidade social, habitação, mulheres.
-
Introdução
Trata-se de um estudo ampliado, fundamentado em um relatório analítico da realidade social de sujeitas, em especial mães solas, pessoas com deficiência e idosas, que acessaram um lote para construção habitacional no Residencial Tempo Novo. Desse modo, recorreu à pesquisa bibliográfica e documental, esta última subsidiada pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Trabalho e Habitação (Smasth) – informações depreendidas pela Equipe de Serviço Social.
Registra-se que em 2019, profissionais de Serviço Social da Secretaria Municipal de Assistência Social, Trabalho e Habitação, lotadas no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), realizaram avaliação socioeconômica de 52 famílias com emissão de pareceres, no entanto, sete prontuários não foram localizados e 45 encontram-se disponíveis no acervo impresso do Cras de acesso à Equipe de Serviço Social.
Ressalta-se que estes estudos, pesquisas e organização das informações e dados de 52 famílias constituídas de mães solas – duas pessoas com deficiências e duas pessoas idosas –, atendem as necessidades do Projeto de pesquisa sobre a realidade social de trabalhadores/as no Residencial Tempo Novo, que por sua vez vincula-se à extensão nominada Serviço Social: arte, cultura e sociabilidade no Tempo Novo, desenvolvidos no âmbito do Curso de Serviço Social UFG/Câmpus Goiás, sendo que a partir de 16/março/2020 encontram-se suspensos, em razão da pandemia.
141De tal modo, espera-se que a iniciativa de empreender estudos e análises de informações/dados contribua também com o Serviço Social na área habitacional da Prefeitura Municipal de Goiás, uma das frentes de trabalho assumida por uma assistente social, em 2021. E ainda, com os projetos de pesquisa e de extensão assumidos por docentes e discentes do Curso de Serviço Social.
Por último, apresenta os feixes norteadores desta análise – Serviço Social, habitação, direito social e realidade socioeconômica – que envolve a vida de 52 famílias. Sendo assim, este texto versa sobre a habitação como um direito social, sobre a cidade de Goiás-GO e sobre a realidade social das sujeitas desse processo.
-
Habitação um direito social em disputa na ordem o capital
Destaca-se a necessidade de empreender um estudo sobre a política social no Brasil, que ora se configura conforme as dimensões políticas, culturais e econômicas, de maneira que o Estado assuma a regulação das relações de trabalho e consumo. Além do mais, a política social tem sido utilizada historicamente como estratégia de controle da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que é resultante de lutas e conquistas de sujeites e movimentos sociais.
A política social um espaço contraditório delineado por projetos societários em disputas, a sua efetivação focalizada, restritiva, atrelada a condicionalidades alcança os pobres dos mais pobres, situações vexatórias dentre outras. Assim, estabelece
profunda relação entre as transformações, em andamento, no regime de acumulação na ordem capitalista, especialmente as mudanças que caracterizam a esfera da produção e o mundo do trabalho, associadas à nova hegemonia liberal-financeira e as transformações que ocorrem nas políticas sociais com o advento, por um lado da ruptura trabalho/proteção social e por outro com a recomposição das políticas sociais que se tornam cada vez mais focalizadas e condicionadas. Ou seja, trazem a lógica do workfare ou da contrapartida por parte dos que recebem algum benefício (YAZBEK, 2012, p. 1).
O direito à moradia, é considerado fundamental desde a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Nações Unidas, 1948),
toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle (Nações Unidas, 1948, p. 1).
Dezoito anos mais tarde, cria-se o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado em 1966, artigo 11, parágrafo primeiro, que valida o direito à habitação, estabelecendo que “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito [universal] a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e moradia suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência” (BRASIL, 1992). Contudo, somente com o advento da Constituição Federal de 1988, o referido direito compõe o texto constitucional.
O direito à cidade legítima a recusa de se deixar afastar da realidade urbana por uma organização discriminatória, segregadora. Esse direito do cidadão (...) anuncia a inevitável crise dos centros estabelecidos sobre a segregação e que a estabelecem: centros de decisão, de riqueza, de poder, de informação, de conhecimento, que lançam para os espaços periféricos todos os que não participam dos privilégios políticos. Do mesmo modo, o direito à cidade estipula o direito de encontro e de reunião; lugares e objetos devem responder a certas “necessidades”, em geral mal conhecidas, a certas “funções” menosprezadas, mas, por outro lado, transfuncionais: a “necessidade” de vida social e de um centro, a necessidade e a função lúdicas, a função simbólica do espaço (LEFEBVRE, 2008, p. 34).142
O Estatuto da Cidade promulgado em 2001, conforme Lei Federal no 10.257 (BRASIL, 2001), define princípios e diretrizes para o ordenamento territorial e urbanístico, referenciada na função socioambiental da propriedade e Direito a Cidades Sustentáveis,
entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana [a garantia de vias de acesso, de iluminação pública, de esgotamento sanitário e de drenagem de águas pluviais, ligações domiciliares de abastecimento de água e energia elétrica] ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 2001, Art. 2o, inciso I).
A referida lei estabelece ainda, sobre a posse – Usucapião Urbana, Concessão do Direito Real de Uso e Zonas Especiais de Interesse Social, dentre outras – regularização fundiária em Zonas de Especial Interesse Social (Zeis), do ordenamento territorial – plano diretor participativo, parcelamento, edificação ou utilização compulsórias. Além disso, o poder público local se compromete com a instalação ou de ampliação dos equipamentos e serviços sociais – educação, saúde, lazer e transporte público.
O Ministério das Cidades, criado em 2003, reconhece o acesso à habitação e aos serviços básicos fundamentais. Registra-se que em 2005, por iniciativa popular, formula-se a Lei no 11.124 (Brasil, 2005), que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), com o objetivo de promover o acesso à terra urbanizada e à habitação digna para a população de menor renda (Art. 2o - incisos I e II), acesso à moradia digna (Art. 4o - inciso I - alínea b).
Destarte, coaduna-se com Cfess (2016, p. 51), no entendimento da moradia como “cenário do cotidiano de seu habitante, carregado de histórias, de subjetividade, de afetividades, de desejos, de possibilidades objetivas e subjetivas e de formas de ser e viver.” Contudo, as conquistas legais ainda, continuam insuficientes para enfrentamento das desigualdades sociais, no sentido de implementar projetos habitacionais onde viabilize a participação social de sujeites e garantia da autonomia e atendimentos dos interesses e necessidades, ora a destinação de áreas ocorre na periferia distante dos centros históricos de forma a valorar e propiciar a especulação imobiliária.
Desse modo, cabe à Equipe profissional envolvida garantir amplas discussões rumo a superação da lógica contida nos sorteios, na avaliação socioeconômica, nas condicionalidades, apesar de acompanhar o avanço de programas de habitação de interesse social – Programa Crédito Solidário, criado em 2004, subsidiado com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), Ação de Produção Social da Moradia (APSM) quatro anos depois a efetivação do Programa Minha Casa Minha Vida/Entidades (PMCMV-E), em especial incentivou a organização de associações, cooperativas a participação de sindicatos, dentre outras (BRASIL, 2011). Tal contexto, propiciou um avanço significativo no acesso ao direito habitacional.
O Programa Minha Casa Minha Vida/Entidades (PMCMV-E), em 2009, insere- se em um contexto contraditório, pois as entidades defensoras da classe trabalhadora e liderança dos movimentos de defesa da moradia passam a ser gestoras do acesso a esse direito, decorre aí uma monopolização do direito de habitar, além de uma transferência para a sociedade, movimentos sociais e organização sindical. No referido período, a esfera governamental assume ao mesmo tempo o apoio incentivo ao agronegócio e à agricultura familiar; criação da secretaria de economia solidária; a expansão do ensino público universitário e à transferência de recursos à esfera privada; a fabricação de insumos e à indústria de mobiliário, eletrodomésticos e linha branca.
143A garantia de uma Política Habitacional no município requer o desenvolvimento de estudos, de pesquisas, de mobilização, de articulação e organização da classe trabalhadora. Além de elaboração de projetos para arrecadação de recursos financeiros, acompanhar as necessidades habitacionais, se ocorre ou não déficit habitacional, a elaboração de um plano municipal de Habitação de Interesse Social, a rearticulação do Conselho Municipal de Habitação, dentre outros. E ainda, construir com as/os sujeitas/os um projeto ambiental, de áreas de lazer e de acesso ao conjunto de política social, o que requer envolver outras profissões ou áreas do conhecimento.
Direito este atravessado pelas disputas de interesses
daqueles que buscam uma moradia para viver e aqueles que lucram com sua provisão. (...) entre promotores e construtores, entre a força de trabalho e os construtores, entre os agentes que compõem o capital imobiliário e a política macroeconômica. Enfim, [trata-se] de antagonismos que podem acontecer ou não, dependendo de uma dada correlação de forças definida historicamente (...) que podem ocorrer entre esses [sujeitos] (HARVEY,1982, p. 6).
O envolvimento e participação social nas decisões, o diálogo, a interação, a troca entre a Equipe e sujeitas torna-se indispensável na construção de um trabalho coletivo de maneira a superar o instituído por meio de manuais e normas técnicas que seguem ditames de organismos internacionais. Ressalte-se que o trabalho coletivo, assinala Raichelis (2009, p. 8) "demanda a capacidade de expor com [nitidez] os ângulos particulares de análise e propostas de ações diante dos objetos comuns a diferentes profissões".
A sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida e as condições para habitar, conforme disposto artigo 2o da Lei no 12.424, de 2011, prevê que “os empreendimentos do PMCMV devem observar adequação ambiental do projeto, bem como a infraestrutura básica que inclua vias de acesso, iluminação pública e solução de esgotamento sanitário e de drenagem de águas pluviais” (BRASIL, 2011, p. 8-9). Desse modo, a construção de estratégias ampliadas de atendimentos das necessidades sociais, assim, como a organização da classe trabalhadora, em especial em busca do „direito à cidade‟ “manifesta-se como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar” (LEFEBVRE, 2011, p. 134).
Em substituição ao referido PMCMV-E, instituiu-se o Programa Casa Verde e Amarela, que assegura financiamentos, o que torna mais desafiante acessar o direito de habitar. Além disso, decorrem o enfraquecimento dos órgãos fomentadores e garantidores desse direito social, depara-se com o clientelismo, a politicagem e manipulação governamental.
As análises empreendidas anteriormente indicam a necessidade de uma estreita relação com os desafios que envolvem a cidade de Goiás, de tal forma depreender a contradição, as mediações que perpassam a classe trabalhadora, trata-se de primeiras aproximações, por isso apresenta subsídios parciais o que requer a continuidade dos estudos e pesquisas. Para Harvey (2014, p. 28), o direito à cidade significa o “direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade”.
144-
.1 A cidade de Goiás no contexto periférico
A cidade de Goiás está situada a 140 quilômetros de distância da capital do estado, fundada por Bartolomeu Bueno da Silva Filho em 1729 por meio de minas auríferas, possui um terreno acidentado às margens do Rio Vermelho, sua formação sem planejamento, tendo ruas estreitas e tortas, com uma área territorial de 3.108.020 km² (2020). Em 2001, foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), por possuir um conjunto arquitetônico formado por monumentos históricos, casas construídas em adobe, ruas de pedras, portas e janelas de madeira, dentre outras.
Sua população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 é de 24.727 habitantes, a população estimada para 2021 é de 22.122 pessoas. O percentual da população com rendimento mensal per capita de até 1/2 salário mínimo é 34,7% de acordo com o IBGE 2010. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2010 evidenciou uma estimativa de 0,709.
Ainda, segundo o Censo de 2010, 75,38% das pessoas são residentes na área urbana e 24,62% na área rural. Com relação à taxa de urbanização, a mesma apresentou alteração no período de 2000 a 2010, a população urbana do município de Goiás, em 2000 representava 72,98% e em 2010 passou a representar 75,38% do total.
Em seu contexto, pode-se notar a periferia presente na cidade, tendo em vista que no centro histórico encontra-se em sua maioria famílias com amplo poder aquisitivo. As famílias da classe trabalhadora situam-se em preponderância nos setores afastados do centro. Os/as habitantes são limitados/as a emprego, visto que é uma cidade de interior, tendo como fonte de trabalhos apenas comércios locais, artesanatos, turismo e serviços públicos, o que amplia o desemprego. Segundo dados contidos na plataforma IBGE Cidades, em 2019 contava-se com 4.165 pessoas ocupadas, simbolizando 18,4%.
A cidade de Goiás pode ser considerada uma cidade universitária, visto que, possui três instituições de ensino superior público, sendo elas: Universidade Federal de Goiás (UFG/Câmpus Goiás); Instituto Federal de Goiás (Câmpus Cidade de Goiás); e Universidade Estadual de Goiás (UEG/Câmpus Cora Coralina). As instituições acabam gerando certa movimentação na cidade, o que consequentemente exige mais oportunidades ao município que é capaz de graduar seus habitantes, mas não é capaz de garantir oportunidades de emprego e de continuar residindo na cidade. Desse modo, pode-se observar que na cidade é possível encontrar uma população diversificada.
Além da falta de acesso à política de trabalho e geração de renda, enfrenta-se dificuldades e burocracias no acesso à política social – transporte, habitação, saúde, educação, cultura, lazer e saneamento básico. Essas ausências do Estado nos bairros periféricos da cidade, geram impactos na vida das sujeitas/os/es, que evidenciam as expressões da questão social e, por vezes, agudização das existentes. Em especial, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 (EC-95) que estabelece um teto para os gastos primários.
O movimento contraditório por esse motivo assume-se na análise da realidade social, partindo da totalidade social, sem alimentar um movimento conservador de culpabilizar, marginalizar, responsabilizar e criminalizar as/os moradoras/es dos bairros. Além das iniciativas privatistas que envolvem a família, as organizações sociais e a classe trabalhadora.
145A crise sanitária que atinge a esfera mundial provoca implicações nas condições de vida, além de que as iniciativas do governo brasileiro de corte dos investimentos no conjunto de política social, as contrarreformas – previdência, trabalho, em andamento a administrativa, dentre outras – provocam a redução da proteção social, sendo que decorre daí, a ampliação da desigualdade, das injustiças, da fome, do desemprego, da pobreza para a maioria da classe trabalhadora. Dessa maneira, afeta as estratégias de enfrentamento da pandemia e, o número significativo de óbitos em tempos da pandemia do Covid-19, a morosidade na garantia da cobertura vacinal.
Ressalte-se ainda, o desgoverno no âmbito social, político, econômico e cultural, o que extrapola a dimensão da crise sanitária, ciente de que as relações sociais de produção são delineadas historicamente e determinam as condições de vida, em especial da classe trabalhadora. Destaca ainda, a prevalência do atendimento dos interesses atrelados ao capital financeiro, ao agronegócio, à privatização, às concessões, às barganhas, ao negacionismo à vida e ao meio ambiente, entre outros.
-
2 A realidade social de sujeitas no Residencial Tempo Novo e os desafios em tempos pandêmicos
As referidas famílias encontram-se sob acompanhamentos da Equipe de Trabalho vinculada aos programas sócio assistenciais, depreende-se que oito não informaram, seis não acessam nenhum serviço, duas famílias são atendidas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), onze na Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), cinco no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi) – ofertado no Creas, sete no Benefício de Prestação Continuada (BPC), 27 no Programa Bolsa Família (BF), onze têm sido contempladas no Programa Social Vale Feira e três recebem cestas básicas da Central Única das Favelas (Cufa). Ressalte-se que 40 possui o número de Identificação Social (Nis) e, por conseguinte, inscrição no Cadastro Único (CadÚnico).
Quanto ao quesito geracional varia entre 21 a 71 anos de idade, entre as quais duas se autodeclaram pardas, uma branca e 49 sem informação. As mães têm entre um/a à sete filhas/os, uma mãe encontra-se gestante e oito não informado.
Destaca-se que dezesseis mulheres são diaristas, duas trabalhadoras de serviços gerais, uma é servidora pública, uma manicure, duas cozinheiras, uma auxiliar de cozinha, uma além de diarista é garçonete em um bar, uma ceramista, duas trabalham sem especificação de profissão, uma é revendedora, uma auxiliar administrativa, uma secretaria, uma agente penitenciária, uma não trabalha e encontra-se aposentada, dezesseis em situação de desemprego, quatro não informaram a profissão.
Considera-se que resta à estas sujeitas o trabalho como diaristas, em razão de que algumas até tiveram acesso a formação profissional, mas não tiveram a oportunidade de acessar o mercado de trabalho de acordo com a área de formação. Outro determinante, em geral em uma cidade de pequeno porte como Goiás-GO, as vagas para acesso ao trabalho são escassas. Ressalte-se ainda, que a cidade Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade resguarda uma pompa, sendo que
146O luxo constitui absoluta necessidade em um modo de produção que cria riqueza para os não produtores, e, que, portanto, deve dar-lhes formas necessárias para que seja apropriado pela riqueza dedicada somente ao desfrute. Para o próprio operário, o trabalho produtivo, como qualquer outro, não é mais do que um meio para a reprodução de seus meios de subsistência (MARX, 1978, p.77).
Ao aproximar da realidade das mães solas, depreende-se que como assinala Marx (1980, p. 41) “uma mercadoria é uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas do estômago ou da fantasia” (1980, p. 41). Trata-se de uma determinação social, histórica e contínua, pois o “primeiro ato histórico” (erste geschichtliche Tat), afirmam Marx e Engels, é, resultante de um processo que se materializa na “produção dos meios de satisfação, de subsistência, das condições que atendem as necessidades básicas e humanas de sobrevivência, uma condição básica para “fazer história”, tais como comer, beber, habitar, vestir, dentre outras, pois sem estas inexiste história.
A renda das famílias varia entre R$ 82,00 a R$ 2.700,00, essa é a renda geral, pois, nem todas contam com a possibilidade de calcular a renda per capita, pois faltam informações de renda de componentes familiares. Dentre estas uma aposentada, duas pensionistas, 31 não recebem pensão alimentícia das/os filhas/os, quinze recebem e seis não informaram. Decorre daqui, que o atendimento das condições materiais, objetivas, concretas e subjetivas de vida de mulheres-homens é uma exigência para “fazer história” [Geschichte machen]. Mas
o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a História, é que os homens devem estar em condições de viver para poder „fazer história‟. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos (MARX; ENGELS, 1987, p. 39).
Considera-se que a renda salarial em tempo de desemprego, subemprego que intensificam nesse tempo pandêmico, torna-se insuficiente para o atendimento das necessidades básicas. Assim, o ser humano é “um ser com necessidades físicas historicamente anteriores a todas as outras” (MÉSZÁROS, 2006, p.79)
Como assinala Marx (2008, p. 248) “a fome é fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozida, que se come por meio de uma faca ou de um garfo, é uma fome muito distinta da que devora carne crua com ajuda das mãos, unhas e dentes”.
Quanto a esta determinação social: o processo de produção tem de ser contínuo, tem de percorrer periodicamente os mesmos estádios (isto é, suprir as necessidades). Uma sociedade não pode deixar de consumir nem de produzir, produz e consome o produzido e, assim, reproduz. Cada processo social de produção assim que considerado num nexo permanente e em fluxo constante de renovação é, consequentemente, um processo de reprodução (MARX, 1962, p. 591).147
Bairro de moradia das mães contempladas com cada um dos 52 lotes: doze no Setor Aeroporto, nove no Residencial Tempo Novo, cinco residem no Bairro Rio Vermelho, quatro não informados, três no Centro Histórico, três na Vila Lions, duas na Vila Serra Dourada, duas no Setor Bauman, duas no Bairro Goiás II, uma no Bairro Alto Santana (Quilombo Urbano), uma no Conjunto Geraldo Inácio, uma na Vila Goiacy, uma no Bairro Santa Bárbara, uma no Bairro Papyrus, uma no Bairro João Francisco, uma na Vila São Vicente de Paula, uma na Vila República, uma na Vila Maçônica e uma no Bairro Carmo.
O andamento da construção nos lotes, conforme levantamento realizado em agosto de 2021, conta-se com dados de 50 lotes, no entanto, dois lotes foram devolvidos e, posteriormente, foram destinados a duas mães que encontravam na lista de espera. Essa análise indica a relevância de aproximar da vida cotidiana de quem “corre de sua moradia para (...) [o centro histórico, seja à pé, de coletivo], para retomar à tarde o mesmo caminho e voltar para casa a fim de recuperar as forças para recomeçar no dia seguinte.” (LEFEBVRE, 1969, p. 109). Além da parceria com o Projeto de Pesquisa “Residencial Tempo Novo: arte, cultura e sociabilidade”, também, contaremos com a parceria do Centro Especializado de Atenção à Mulher (Ceam) e do Cras para realizar o mapeamento e o diagnóstico socioeconômico e sócio territorial, caso a equipe entenda como necessário para subsidiar posteriores pesquisas e estudos.
Quanto à localização dos lotes no Residencial Tempo Novo Sub-50 II, Terceira Etapa situa-se: dezenove lotes na Rua Aline Rodrigues da Silva Araújo, dezoito lotes na Rua Contorno Oeste, dez lotes na Rua Heleno Gomes de Sá, três lotes na Rua Contorno Leste, dois lotes em ruas não informadas. A análise dos dados e informações possibilitou a compreensão de que o acesso ao trabalho e renda tem sido insuficiente no atendimento das necessidades básicas de mães solas, pessoas idosas e com deficiências que se encontram na lista de acesso a um lote no Residencial Tempo Novo. Além disso, ao analisar o cotidiano das pessoas que ora, vivem em casas cedidas ou alugadas, acompanhar como se encontra o acesso a política social, à alimentação, às condições atuais de moradia, à vacinação, dentre outras.
Destaca-se e questiona-se que o Residencial Tempo Novo, se encontra fora da cidade, próximo à rodovia, consiste em um bairro periférico, de difícil acesso, fazendo com que as mães solas tenham dificuldades de estar e se locomover para a cidade em busca do trabalho e outras demandas e necessidades.
Desse modo, a realidade que emerge do cotidiano das sujeitas exige a busca do atendimento das necessidades básicas, que ora evidencia no „ato de comer, beber‟, sendo que recorrem a gestores para vender o direito ao lote, pois reconhecem que manter filhas/o é central nesse momento, ao invés de habitar. “A essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais” (MARX e ENGELS, 2007, p. 534).
148Além de tudo, reafirma-se a necessidade de empreender um processo de articulação, mobilização e organização das 52 famílias, pois acredita-se que essa iniciativa garante um salto no trabalho coletivo das áreas envolvidas por meio dos Projetos tanto do Serviço Social quanto da Arquitetura e Urbanismo,
Os homens são os produtores de suas representações, de suas ideias etc., mas os homens reais, ativos, são condicionados por um desenvolvimento determinado de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a eles corresponde até chegar às suas formações mais amplas. A consciência nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo real de vida. Se em toda ideologia os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa câmara obscura, é porque este fenômeno deriva do seu processo histórico de vida, da mesma maneira que a inversão dos objetos na retina deriva imediatamente do seu processo físico de vida (MARX;ENGELS, 1958, p. 26).
Destarte o trabalho desenvolvido por assistentes sociais, por meio eletrônico ou remoto durante a pandemia implica na “qualidade ética e técnica”. Além do compromisso de “zelar pelo sigilo profissional, foge, inclusive, do seu controle na modalidade eletrônica, sendo, portanto, fator intimidatório para o aprofundamento da análise e avaliação circunstancial de dada condição socioeconômica” (CFESS, 2020).
Depara-se com um desafio evidenciado na proposta de contatar as sujeitas, pois 43 possuem aparelho telefônico para contato e nove não têm informações, contudo sem acesso à Wifi e não conseguem pagar pelo acesso dos dados móveis. Sendo assim, acredita-se que ao contactar essas mulheres, há que apresentar objetivamente as contribuições, caso contrário provocará expectativas que extrapolam o âmbito do Projeto de Extensão e ainda, dos compromissos da Universidade.
As condições de andamento das construções até o momento 50 famílias não realizaram construções, uma construiu a casa de alvenaria e outra construiu uma casa de lona. O que concretamente, com que, e como contribuiremos com essas mulheres? Certamente, uma das bandeiras de lutas, considerada central “Lutamos pelo fim da habitação como mercadoria”. Harvey (2014, p. 15), assinala que a reivindicação “surge basicamente das ruas, dos bairros, como um grito de socorro e amparo de pessoas oprimidas em tempos de desespero”. Como fazer que o grito dessas 52 famílias ecoe ao ponto de serem ouvidas em seus clamores pelo acesso à alimentação, à habitação, à saúde, à educação, ao trabalho e à renda.
-
Conclusão
Conclui-se que antecede a prioridade de articular no âmbito da Prefeitura Municipal de Goiás o atendimento das necessidades básicas das famílias em situação de pobreza absoluta, em especial de alimentar. Ademais estabelecer um diálogo com o Departamento de Habitação para busca de outros apoios institucionais e parlamentares, bem como, fortalecer programas e políticas no âmbito do município com a Política de Assistência Social e o Programa Vale Feira, além de movimentos e grupos populares de organização e fomentação de projetos sociais, em especial voltados à política de segurança alimentar, como a Cufa, dentre outras.
Registra-se ainda, a relevância de garantir um processo de mobilização e articulação das sujeitas envolvidas nesse Projeto de Extensão, de maneira a fortalecer a organização política e o exercício da liberdade e autonomia, assim, cabe à Equipe de trabalho extrair da aparência da realidade vivida os reais interesses e necessidades sociais da classe trabalhadora.
Ressalte-se um desafio de jamais despertar expectativas que extrapolem a alçada do Projeto em tempos de extrema pobreza, a classe trabalhadora corre atrás de possibilidades de sobrevivência, o que representa um ato de resistência. Desse modo, a alternativa aponta a construção coletiva no lidar com as expressões da questão social, espera-se que as iniciativas sirvam de inspirações, de lutas e de manifestações. Certamente, importa a vida de tantas sujeitas, assim, interessa caminhar na direção de ruptura com o instituído, com a dominação e clientelismo reeditado na sociedade e defesa do acesso à riqueza produzida socialmente.
149Por último, considera-se fundamental a assumência de estudos e pesquisas para conhecimento da realidade social de sujeitas/os/es seja no âmbito do trabalho ou da formação acadêmico profissional no âmbito universitário, de maneira a transformar esses conhecimentos em projetos e ainda, em ações. Além de subsidiar outras áreas do conhecimento.
-
Referências
BRASIL. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 30 agos. 2022.
. (1992). Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Promulga o Pacto internacional sobre direitos civis e políticos, adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 30 agos. 2022.
. (2001). Estatuto da Cidade: Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm . Acesso em: 30 agos. 2022.
. (2005). Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e institui o Conselho Gesto do FNHIS. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C0F669056BF3C54B405994E449A3DE67.proposicoesWebExterno2?codteor=656147&filename=LegislacaoCitada+-PL+5207/2009. Acesso em: 30 agost. 2022.
. (2011, 17 de junho). Lei no 12.424, de 16 de junho de 2011. Altera a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e garante outras providências Brasília: Diário Oficial da União.
CFESS - CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Atuação de assistentes sociais na política urbana: subsídios para reflexão. Brasília: CFESS, 2016. (Trabalho e projeto profissional nas políticas sociais, v. 5).
. Nota da Comissão de Orientação e Fiscalização Profissional do CFESS (Cofi/CFESS) em relação à Resolução CNJ nº 317, de 30 de abril de 2020, sobre a realização, durante a pandemia do novo Coronavírus, de perícia socioeconômica por meio eletrônico em processos judiciais cujo assunto são benefícios previdenciários e/ou assistencial. Brasília: CFESS, 2020. Disponível em: http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/1702 . Acesso em: 30 agost. 2022.
HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes. 2014.
HARVEY, D. O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente construído nas sociedades capitalistas avançadas. São Paulo: Revista Espaço e debates, Cortez. 1982.
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Centauro. 2011.
. Espaço e política. Trad. Margarida Maria de Andrade e Sérgio Martins. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
150. O Direito à Cidade. Trad. T. C. Netto. São Paulo: Editora Documento, 1969.
MARX, K. Die deutsche Ideologie. In: MARX, K.; ENGELS, F. Werke (MEGA). Berlin: Dietz, 1958, v. 3.
. Das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie. En Marx-Engels Werke, vol. 23, band I. Berlin: Dietz Verlag, 1962.
MARX, Karl. O capital: livro I capítulo VI (inédito). Trad. Eduardo Sucupira Filho. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.
. O capital: crítica da economia política. Trad. R. Sant'Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. v. 1.
. Contribuição à crítica da economia política. Trad. Florestan Fernandes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
MARX, Karl.; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845 – 1846). Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007.
. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Trad. Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006.
NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos – adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal- dos-direitos-humanos.
RAICHELIS, R. O trabalho do assistente social na esfera estatal. Serviço Social e Sociedade, 2009. p. 377-391. Disponível em: https://www.unifesp.br/campus/san7/images/servico-social/Texto_Raquel_Raichelis.pdf . Acessado em: 21 set. de 2021.
YAZBEK, Maria Carmelita. Política Social e Desenvolvimento: o novo padrão da dependência na América Latina e seus impactos na estrutura da desigualdade. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, 13., 2012, Juiz de Fora. Anais..., Juiz de Fora: Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora, nov. 2012.