Nathania Ribeiro da Silva Pereira

Samantha Ribeiro da Silva

Joel dos Santos Lima

Samara Santos Silva

Tereza Cristina Pires Favaro

Espaços das profissões em tempos remotos: “tinha uma pedra no meio do caminho”

106

Resumo: Levando em consideração que o processo da extensão, na especificidade do Ensino Remoto Emergencial (ERE) com recorte no Espaços das Profissões (EP), é evento promovido anualmente pela UFG desde 2009, voltado a estudantes do ensino médio de escolas públicas e privadas para divulgar os cursos, formas de acesso, programas de bolsas, iremos refletir e construir este artigo recorrendo à experiência no campo, à revisão bibliográfica e à pesquisa documental, apontando as contradições que atravessam o EP e as inúmeras possibilidades que tal estratégia coloca. Os resultados apontam para a baixa adesão dos estudantes de ensino médio, tanto no evento organizado pela Pró-reitoria como pelo Câmpus Goiás. É plausível que a baixa participação se ligue à desigualdade digital provocada pela qualidade do acesso à internet e a equipamentos, como telefones celulares e computadores, bem como a diferentes habilidades para acessar e manusear esses recursos tecnológicos, reforçando a invisibilidade do EP junto aos estudantes do ensino médio das classes populares.

Palavras-chave:Extensão. Espaço das Profissões. Ensino Remoto Emergencial. Exclusão digital.

  1. Introdução

O presente artigo é fruto de inquietações e aprendizados resultantes de participações em projetos de extensão no decorrer do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal de Goiás - Câmpus Goiás (UFG-CG), precisamente no projeto Espaço das Profissões (EP), que, no cenário pandêmico, ocorreu em ambiente virtual, diferentemente dos anos anteriores, em que ocorria presencialmente nas dependências da universidade com a participação de jovens da cidade de Goiás e cidades vizinhas.

O estudo recorre ao materialismo histórico-dialético como método indispensável para análise do processo sócio-histórico, evidenciando o movimento e as contradições do ensino remoto na realização do Espaços das profissões (EP) para os(as) alunos(as) do ensino médio que vivem na região do Rio Vermelho.

O Espaço das Profissões (EP) é um evento de extensão que acontece anualmente na Universidade Federal de Goiás com o propósito de aproximar os seus discentes e profissionais dos estudantes do ensino médio de escolas públicas e privadas, interessados em ingressar na instituição. Propicia a esses jovens conhecer os cursos e habilitações oferecidos e fortalece o diálogo horizontal entre universidade e sociedade por meio da extensão, que “é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade. " (FORPROEX).

A direção é a de levar a universidade além dos seus muros, dialogando com a população, problematizando a realidade social e almejando a troca de saberes. Afinal, nos ensina Freire (2006, p. 36),

O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julgam não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações.

Assim, trata-se de um diálogo constante e permanente mediado pela realidade social na perspectiva da totalidade para reivindicar mudanças sociais. Daí que as ações extensionistas, dentro dos seus princípios basilares, se apresentem como processo educativo, cultural e científico articulador do ensino e da pesquisa de forma indissociável, mobilizador de reflexão e leitura crítica da realidade, capaz de contribuir na autonomia das pessoas envolvidas. Por isso, é fundamental reconhecer os desafios para a extensão, “principalmente pela escassa tradição que temos de uma educação fundamentada no diálogo, na perspectiva freireana”, impulsionadora da práxis social a partir da apreensão crítica da realidade concreta (JACINTO e MARTINS, 2021, p. 6).

107
  1. É preciso estar atento e forte: ensino remoto emergencial, avanço do neoliberalismo e as investidas na educação superior pública.

Vivemos tempos sombrios de aprofundamento da política neoliberal e avanço do conservadorismo. Consequentemente, a redução dos investimentos nas políticas sociais e na responsabilidade assumida pelo Estado de materializar políticas sociais focalizadas na pobreza “encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia o espaço privado (...) [o que] não é admissível, no campo dos direitos sociais conquistados” (CHAUÍ, 1999, p. 1). Na educação, significa alinhamento aos organismos internacionais e submissão do Estado brasileiro aos interesses do capital. À vista disso, impulsiona a privatização, o sucateamento do ensino superior público, o aligeiramento da formação, imprimindo a lógica mercantil à política nacional de educação superior e subordinando a educação à acumulação de capital. Em outras palavras, importa aos organismos internacionais, como Banco Mundial, BIRD, FMI, que a educação responda aos interesses do mercado, com reformas no molde liberal, dentro da ordem, sem ruptura com a lógica do capital. Por conta de tal processo, vem ocorrendo uma onda crescente de cursos de ensino à distância e de instituições privadas, uma desqualificação das universidades públicas e ataques à formação crítica e reflexiva. Freire endossa que a formação está imbricada na materialidade da vida cotidiana e, portanto,

Não há nem jamais houve prática educativa em espaço-tempo nenhum de tal maneira neutra, comprometida apenas com ideias preponderantemente abstratas e intocáveis. Insistir nisso e convencer ou tentar convencer os incautos que essa, na verdade, é uma prática política indiscutível com que se pretende amaciar a possível rebeldia dos injustiçados (FREIRE, 1992, p. 78).

Pautado nessa premissa, o presente texto intenta problematizar os desafios que o Ensino Remoto Emergencial (ERE) colocou ao cotidiano da Universidade Federal de Goiás, com recorte no Câmpus Goiás e no Espaço das Profissões dentro dessa modalidade.

O ERE foi imposto como alternativa da retomada do calendário acadêmico pelas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) face às recomendações das autoridades sanitárias brasileiras de isolamento físico como possibilidade de conter a propagação do novo coronavírus (Covid-19) que atingiu o planeta. Em razão disso, o Ministério da Educação (MEC) ordenou a substituição das aulas presenciais por aulas virtuais enquanto perdurasse a pandemia. Na verdade, foi um meio encontrado para manter a “normalidade acadêmica” sem levar em consideração que o uso de tecnologias não era/é acessado por parcela dos estudantes oriundos das classes populares que constituem a maioria ingressante na universidade pública. Em favor da retomada do calendário acadêmico, o Conselho Universitário (CONSUNI) da UFG aprovou a adesão à modalidade de ensino remoto, sob resistência do movimento estudantil, de docentes e de técnicos administrativos em educação (TAEs), que apontavam que 75% das/os estudantes provinham de famílias de baixa renda, conforme estudo do perfil socioeconômico dos estudantes da universidade (CARDOSO, 2019). Não houve, porém, efetivo debate, dado que a aprovação das propostas aconteceu de forma aligeirada, sem tempo hábil para o debate, o estudo e a maturação necessários para o planejamento desse período absolutamente excepcional (FARAGE, 2021, p. 56 e 57).

108

De fato, no entendimento de Favaro & Lima (2021), a pandemia favoreceu o lobby da educação, tecnologias, internet, dentre outras, que vê a educação superior (ES) como uma janela de oportunidade em meio ao caos, como mercadoria e não enquanto direito, atendendo à agenda neoliberal, em específico ao Banco Mundial (BM). Para tanto, em 2019, ocorreu a ampliação do percentual de 20% para 40% da oferta de carga horária dos cursos na modalidade EaD em cursos presenciais do Ensino Superior. Em outras palavras, para o empresariado isso tem significado “a abertura de um mercado muito ambicionado pelo capital [...] e a canalização do fundo público da educação para a reprodução capitalista” (GARRIDO, 2020 on-line).

Sob o manto da pandemia, o MEC tem justificado a adesão ao ensino remoto e atendido pelo Banco Mundial em sua proposta de redução dos investimentos em educação. Sem rodeios, Farage (2021, p. 55) ressalta o sentido ideológico desse processo: “o ensino remoto emergencial deve ser compreendido como um dos elementos do processo de contrarreforma da educação em curso no Brasil e em toda a América Latina”.

Nesse chão de disputas e intensas contradições, o Câmpus Goiás - UFG se coloca no dia a dia e apresenta os desafios para a efetivação da educação superior como direito social público. O Campus Goiás encontra-se na Cidade de Goiás, fincada ao pé da Serra Dourada, cercada de morros cortados por rios, distante 148 km da capital do estado, Goiânia. A cidade recebeu, em 2001, o título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade (2001). Segundo o IBGE (2018), a população estimada do município é de 22.916 habitantes. Goiás é um estado marcado pela agricultura, que carrega em seu interior as marcas das desigualdades sociais em que, por exemplo, agricultores familiares provenientes de assentamentos de reforma agrária conquistados pelas forças sociais em luta pelo acesso à terra como um direito, disputam espaço com os latifúndios (FAVARO e RIBEIRO, 2020).

Além da UFG, a cidade de Goiás abriga a Universidade Estadual de Goiás (UEG) e o Instituto Federal Goiano (IFG). A presença dessas instituições altera o cotidiano vilaboense, ampliando a circulação de pessoas, eventos, debates, novas construções imobiliárias, formação de repúblicas estudantis, dando outra feição sócio-político-cultural à bucólica cidade. Contudo, esse ar de modernização contrasta com o conservadorismo existente, visto que Goiás é berço de famílias tradicionais goianas e preserva a nostalgia de seus dias de capital, local de decisões políticas e referencial de poder, de história, de sagas, de heróis e de tradições. Ainda pairam no ar resquícios do mandonismo dos coronéis. (FAVARO e RIBEIRO, 2020).

O Câmpus Goiás (CG) veio na esteira do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais ( REUNI), concebido na perspectiva política de democratizar o acesso ao ensino superior público, associado à sua função social. Por essa via, se deu a interiorização das universidades públicas federais, rompendo com a lógica histórica de a maioria dessas instituições brasileiras se encontrarem nas capitais e cidades de maior porte. Destaca-se que a interiorização ampliou os municípios atendidos pelas universidades e o acesso de alunos ao ensino superior público, significando que o processo de interiorização não esteve descolado das demandas sociais, políticas e econômicas.

109

Nesse entendimento, o Reuni significou uma oportunidade de assegurar o protagonismo da UFG na constituição da primeira escola pública de Serviço Social no estado de Goiás, resultante da luta histórica de assistentes sociais para a sua criação (FAVARO e RIBEIRO, 2020).

O Espaços das Profissões é coordenado pela Pró-reitoria de Graduação em parceria com a Pró-reitoria de Extensão e envolve todos os Câmpus da UFG. Porém, é realizada uma versão específica do projeto no Câmpus Goiás.

  1. Espaços das profissões presencial: “tenho comigo as lembranças do que eu era”

Criado em 2009, o Espaço das Profissões tem como objetivo orientar estudantes do ensino médio e a população em geral sobre os cursos da universidade assim como o acesso a esses cursos, às pesquisas, aos projetos de extensão e aos direitos previstos pela Política de Assistência Estudantil. O EP possibilita aos alunos visitantes uma aproximação com as produções da UFG e seus impactos na sociedade.

Diante disso, o ERE, ocorrido em 2020 e 2021 por meio virtual, supostamente deveria alcançar mais pessoas, considerando o poder mobilizador das redes sociais. Na prática, acabou sendo um evento distante da realidade, considerando o planejamento das suas atividades, as estratégias de mobilização e as desigualdades digitais, que constituem barreiras de acesso e restringem as possibilidades de participação.

O EP sempre despertou o interesse dos(as) estudantes do Curso de Serviço Social como um momento bastante aguardado, visto o planejamento das atividades para recepcionar as populações da região do Rio Vermelho, que relatam suas experiências nas escolhas do curso e no processo de ingresso na universidade, na rotina acadêmica bem como nos desafios para se manterem dentro da instituição vez que o CG não tem moradia estudantil nem restaurante universitário.

Dessa forma, por um lado, o EP propicia uma suspensão do cotidiano, isto é, a possibilidade de sair da rotina universitária, dia de ver novas caras, encarar a possibilidade de expor o acúmulo do conhecimento adquirido na universidade, os sentidos e os significados construídos, pois requer todo um preparo para dialogar com os visitantes que chegam ávidos por informações diante das inquietações sobre seus futuros. É momento também de reafirmar que a graduação vai além da sala de aula. O EP é um entre tantos projetos de extensão promovidos pela UFG de cujo planejamento ou equipe executora os(as) estudantes têm a possibilidade de participar.

Em diálogo com ex-alunos (as) do ensino médio e atuais estudantes da UFG/CG, fica nítido que o EP se configura num espaço rico para diálogos e trocas de experiências sobre as profissões e as possibilidades de os(as) alunos(as) provenientes do ensino público ingressarem em uma universidade pública e permanecerem na sua região. Note-se que o EP contribui no esclarecimento da população sobre a relevância da UFG e do CG para o progresso da ciência, para o desenvolvimento econômico e para a melhoria da qualidade social e ambiental, principalmente da região do Rio Vermelho. Muitas vezes, a população desconhece o que é efetivado na UFG e o EP tem a possibilidade de contribuir com esse processo de ‘dar-se a conhecer’, sobretudo em tempos sombrios de ofensiva ideológica e econômica contra as universidades federais imposta pelo atual governo. Vale ressaltar a pertinência de projetos que aproximam a universidade da população, fundamentados no protagonismo estudantil, no diálogo com a juventude. O olhar da UFG a partir de seus estudantes para contribuir na escolha profissional de jovens interessados em ingressar na UFG é bem bacana, assim como o é ouvir os relatos das experiências acadêmicas vividas na universidade e que têm a ver com alguém que já está trilhando esse caminho, prestando apoio e informações de qualidade no que diz respeito às formas de acesso, à natureza dos cursos, à possibilidade de conciliar estudo, trabalho e áreas profissionais.

110

Essa aproximação efetiva, acolhedora, contudo, não é possível em meio remoto, que é uma modalidade que, por mais interessantes que sejam as suas metodologias, é impessoal e exige inserções curtas, debates ligeiros, breves notas do que consiste cada curso e esclarecimentos de dúvidas. Ou seja, um evento como o EP, vitrine da instituição, esvaziado de público como ocorreu na última versão, deixa uma grande lacuna entre população e universidade, pois não torna possível dialogar como se dialoga no presencial nem possibilita a interação. No EP presencial, os cursos realizam interação com os convidados através de dinâmicas que envolvem singelos brindes, momentos para esclarecer dúvidas, exposição de materiais desenvolvidos pelos estudantes e de recursos disponíveis na universidade, dentre outros. Inclusive, uma das autoras deste artigo testemunha que a sua participação, como visitante, no Espaço das Profissões em 2019 foi decisiva para a escolha do curso de Serviço Social e para a sua posterior participação ativa nas atividades acadêmicas que se seguiram ao seu ingresso (2020) e, em especial, no próprio Espaço das Profissões.

O Espaço das Profissões em ambiente virtual é aligeirado, possivelmente não atrai a sociedade como o presencial atrai e não permite muitos esclarecimentos e interações, isto é, não permite justamente o que torna o evento atrativo no modo presencial, quando a sociedade consegue conhecer a estrutura da universidade, sanar suas dúvidas, interagir com os(as) universitários(as) e até se familiarizar com aquele ambiente que poderá fazer parte de seu futuro.

participação, como visitante, no Espaço das Profissões em 2019 foi decisiva para a escolha do curso de Serviço Social e para a sua posterior participação ativa nas atividades acadêmicas que se seguiram ao seu ingresso (2020) e, em especial, no próprio Espaço das Profissões.
O Espaço das Profissões em ambiente virtual é aligeirado, possivelmente não atrai a sociedade como o presencial atrai e não permite muitos esclarecimentos e interações, isto é, não permite justamente o que torna o evento atrativo no modo presencial, quando a sociedade consegue conhecer a estrutura da universidade, sanar suas dúvidas, interagir com os(as) universitários(as) e até se familiarizar com aquele ambiente que poderá fazer parte de seu futuro.
Durante o ERE, a estratégia da Pró-reitoria de Graduação foi recorrer às plataformas digitais para dialogar com estudantes do ensino médio. Sem negar as inúmeras possibilidades que tais estratégias colocam, os resultados apontam para uma baixa adesão dos estudantes de ensino médio, tanto no evento organizado pela Pró-reitoria como pelo Câmpus Goiás. O que nos leva a indagar: a participação no EP mediado por tecnologias de comunicação e informação (TICs) está ao alcance das mãos dos(as) alunos(as) do ensino médio da região do Rio Vermelho? Podemos responder que não: é plausível que a baixa participação se ligue à desigualdade digital, em que famílias da periferia, do campo e com filhos em idade escolar enfrentam desafios de toda ordem para o acesso à rede mundial de computadores:

Dificuldades que vão desde não conseguir comprar um computador até a incapacidade de pagamento do custo dos equipamentos ou dos serviços de conexão. Daí serem classificadas, nas pesquisas, como ‘usuários de segunda classe’, por fazerem uso da internet com base em ferramentas mais limitadas, como telefones celulares, acesso de dados limitado e acesso em lugares públicos (SILVA, 2020, on-line).
111

E é preciso lembrar que, além desses equipamentos, ainda são necessárias habilidades para acessá-los e manuseá-los.

Essas desigualdades digitais são tratadas pela pesquisa TIC Domicílios 2019, realizada em 23.490 domicílios em todo o território nacional, entre outubro de 2019 e março de 2020 (SILVA, 2020, on-line) e seus dados são esclarecedores:

Soma-se a isso o espaço adequado para desenvolver as atividades, que, quase sempre, são precárias e compartilhadas com mais de uma pessoa da família do ponto de vista da infraestrutura (salas pequenas). É importante mencionar que a maioria dos estudantes do ensino médio da região do Rio Vermelho é oriunda das classes populares, o que, per si, demonstra o desafio para acessar as plataformas digitais.

Se, por um lado, a tecnologia vem avançando e produzindo inovações cada vez mais notáveis, por outro, elas não estão plenamente disponíveis ao conjunto da população, que se vê, em sua maioria, cerceada do acesso aos frutos da riqueza socialmente produzida (VELOSO, 2007 p. 12).

Em meio à pandemia, muitos foram os desafios, inclusive para o EP, vistas as condições aqui mencionadas. Com isso, frustra-se o propósito dos cursos de divulgarem seus feitos e, nessa realidade, se insere o curso de Serviço Social. A sua preparação para o Espaço das Profissões é uma construção coletiva, envolvendo docentes e estudantes no planejamento das atividades e no seu registro. Constitui um momento ímpar de trocas, de reflexões sobre a formação, de desenvolvimento de pesquisas e construção de materiais com intuito de encontrar a melhor forma de interagir com os estudantes vilaboenses e da região do Rio Vermelho. Tal atividade de extensão reforça o potencial de contribuir na formação do (a) estudante, construir conhecimento a partir da reflexão, da maturação e da articulação de distintos saberes. Sendo assim, é possível notar que a extensão possibilita ao estudante o contato com a vida da sociedade, o seu envolvimento e aproximação, ou seja, a extensão vai além dos estudos, dos muros da academia. Com imposição do Ensino Remoto, o EP foi realizado por meio de transmissões no YouTube, lives, Tik tok, podcast, com baixa participação do público-alvo. Em algumas atividades, o diálogo ficou restrito a docentes e estudantes da UFG, demonstrando a incompatibilidade das tecnologias de comunicação e informação (Tics) para as atividades do EP, em especial para a região do Rio Vermelho, região marcada pelas desigualdades sociais. Tudo isso contribui para a invisibilidade do EP junto a estudantes do ensino médio. A nossa participação no EP no formato remoto nos inquietou e provocou o questionamento sobre, afinal, a quem se destina o EP nesse formato?

112

Antes da pandemia, o EP ocorria presencialmente, como atividade bastante concorrida, pois as escolas do ensino médio organizaram visitas ao Campus Goiás para conhecer os diferentes cursos, participar de debates, exposições, atividades culturais, cursos, eventos, conhecendo tanto aquilo que é produzido na academia quanto indo além, provocando encontros e trocas de saberes na direção da construção de outros saberes.

É provável que a baixa adesão ao EP 2022 tenha a ver com a desarticulação na construção de alternativas de contraposição aos efeitos das desigualdades digitais. Parece-nos relevante, no que diz respeito à construção de espaços de partilha como o EP, que a Coordenação de Graduação do Câmpus Goiás envolva, além de docentes e estudantes, as escolas e os movimentos sociais tanto no planejamento quanto na organização e na construção de estratégias coletivas em razão da mobilização da juventude, utilizando o poder indutor das redes sociais e dos programas de rádio da região do Rio Vermelho. Reforçará, assim, a estratégia de fortalecimento da extensão e do papel social da universidade articulada às demandas das classes populares. Isso pressupõe, parafraseando o poeta, ir “aonde o povo está”.

  1. Considerações finais

Problematizar as questões do tempo presente do Espaço das Profissões no contexto do ensino remoto significa refletir sobre a função da universidade, da extensão e da própria trajetória do Espaço das Profissões. A produção do conhecimento via extensão se faz na troca de saberes sistematizados, acadêmicos e populares, contribuindo na democratização do conhecimento e na participação efetiva da população, no caso jovens do ensino médio vilaboense e da região do Rio Vermelho. Destaca-se ainda, a importância da articulação do tripé ensino-pesquisa-extensão no fortalecimento da universidade e da educação de qualidade socialmente referenciada e comprometida com os interesses históricos da classe trabalhadora.

Por tudo, experiências com o trabalho de extensão, tais como fóruns, palestras, exposições, espaços para visitação, materializam o diálogo entre universidade e sociedade, especialmente nesse recorte nas escolas de ensino médio. O esforço é significativo no sentido de mobilizar jovens a participarem de processos seletivos de ingresso em universidades públicas.

É consenso entre pesquisadores, professores, estudantes, entidades ligadas à educação, a precariedade da formação no ensino remoto. Nessa assertiva, o EP mediado por tecnologias contribuiu para reproduzir as desigualdades, visto que a realidade dos jovens das classes populares é marcada por diferentes expressões da questão social, que comprometem o acesso e o uso de tecnologias de comunicação e informação (TICs).

Entende-se que o nosso tempo histórico está prenhe de desafios que exigem estudos das contradições na particularidade da educação superior pública. Daí ser necessário o aprofundamento das discussões sobre o ERE como um fenômeno que fortalece a individualização do ensino, a fragilização da extensão e da pesquisa, o adoecimento, a precarização da formação e a intensificação do trabalho dos servidores.

113
  1. Referências

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria nº 343. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Acesso em 01 mai 2021.

CARDOSO, Felipe. 75% dos estudantes da UFG são de baixa renda, diz pesquisa. Jornal Opção. Goiânia 23 maio 2019. Disponível em https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/75-dos-estudantes-da-ufg-sao-de-baixa-rend a-diz-pesquisa-186119/ Acesso em 14 jul 2022.

FARAGE, Eblin. Educação superior em tempos de retrocessos e os impactos na formação profissional do Serviço Social. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 140, p. 48-65, jan./abr. 2021.

FAVARO, Tereza Cristina Pires; LIMA, Joel dos Santos. Ensino superior nos tempos da pandemia e do Ensino Remoto Emergencial (ERE): nosso suor sagrado é bem mais belo que esse sangue amargo. Anais da X Jornada Internacional de Políticas Públicas. São Luiz do Maranhão, 2021.

FAVARO, Tereza C. P.; RIBEIRO, Elizangela C. estágio supervisionado desafios à formação em serviço social na educação superior pública. Revista Serviço Social em Perspectiva, Montes Claros (MG), v. 4, n. 1, p.22-44, 2020.

I FORPROEX - Encontro de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Conceito de extensão, institucionalização e financiamento. Brasília, 1987. Disponível em: http://www.renex.org.br/ documentos/Encontro-Nacional/1987-I-Encontro-Nacional-do- FORPROEX.pdf Acesso em jul 2022.

FREIRE, Paulo; BETTO, Frei. Essa escola chamada vida: depoimentos ao repórter Ricardo Kotscho. São Paulo: Ática, 1985. 95p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

GARRIDO. Fábio. O uso da pandemia para precarizar a educação pública através de plataformas digitais. Brasil de Fato. 2020. Disponível em https://www.brasildefatomg.com.br/2020/04/01/o-uso-da-pandemia-para-precarizar-a-educacao-publica-atraves-de-plataformas-digitais . Acesso em 4 ago 2022.

JACINTO Adriana Giaqueto; MARTINS, Eliana Bolorino Canteiro. A construção do conhecimento na extensão universitária a partir de uma experiência freireana. Revista Educação. Porto Alegre, v. 44, n. 1, p. 1-10, jan.-abr. 2021.

MARTINS, G.A. & PINTO, R.L. Manual para elaboração de trabalhos acadêmicos. São Paulo: Atlas, 2001.

SILVA. Andréa Alice Rodrigues . Contrarreforma da educação superior brasileira: a expansão e a privatização do ensino. VI Seminário CETROS - Crise e Mundo do Trabalho no Brasil: desafios para a classe trabalhadora, 22 a 24 de agosto de 2018. Disponível em http://uece.br/eventos/viseminariocetros/anais/ Acesso em março 2021.

SILVA, Gilnei J. O. da. A desigualdade digital conectada com a pandemia. Brasil de Fato, 2020. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2020/07/22/ artigo-a-desigualdade-digital-conectada-com-a-p andemia. Acesso em 3 ago 2022.

SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (ANDES). Projeto do capital para a educação: o ensino remoto e o desmonte do trabalho docente. Cartilha ANDES-SN, Brasília, 2020. Vol.4.

VELOSO, Renato. As potencialidades contraditórias das tecnologias de informação. Contemporânea, Rio de Janeiro, Uerj, n.9,2007. (On-line). Disponível em: http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_09/contemporanea_n9_09_rveloso.pdf. Acesso em 31 jul. 2022.