Projeto baquara - relato de experiência de duas tutoras em atuação
94Resumo:O Baquara é um projeto de ensino da Universidade Federal de Catalão/UFCAT, que prevê o acompanhamento pedagógico dos alunos Indígenas e Quilombolas ingressantes, tendo como objetivo garantir o sucesso acadêmico desses estudantes, e consequentemente, a permanência na universidade. Ele surge diante de reivindicações dos próprios alunos por mais amparo dentro da universidade. Esse acompanhamento é realizado por tutores, alunos da pós- graduação de três diferentes áreas. Neste artigo, o objetivo é compartilhar as experiências adquiridas, até o presente momento, por duas tutoras pertencentes ao Programa de Pós- graduação em Educação, durante a execução deste projeto, que ainda está em fase inicial. Conclui-se que o projeto possui grande importância para a integração dos discentes Indígenas e Quilombolas na universidade, mas existem muitos desafios a serem enfrentados nesse percurso, como também, muitas novas possibilidades a serem descobertas.
Palavras-chave:Baquara; Indígenas; Quilombolas; Ações afirmativas; Interculturalidade.
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Introdução
O Baquara, é um projeto de ensino da Universidade Federal de Catalão/ UFCAT, que se volta para um público específico, discentes Indígenas e Quilombolas ingressantes na instituição, visando o acolhimento e permanência deste mesmo público. Este trabalho, trata-se de um relato de experiências de duas tutoras que atuam no âmbito do Projeto Baquara, discentes do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGEDUC/UFCAT), com o intuito, não somente de divulgar a relevância do projeto para a inclusão e desenvolvimento dos estudantes, como também, o de demonstrar os desafios enfrentados na execução do projeto, neste período experimental.
Na atualidade, a grande diversidade tem representado o ensino superior brasileiro, o cenário acadêmico tem se transformado com o ingresso cada vez maior de alunos de diversas raças, classes, gêneros e etnias. Com a Lei de Cotas de 2012, o ingresso de alunos negros e Indígenas, fica favorecido nas instituições, possibilitando a igualdade no acesso as oportunidades. Desta forma, garantido o acesso, a permanência deste novo público tem se tornado a nova preocupação, já que diversos fatores podem ocasionar a evasão, fatores econômicos, culturais e pedagógicos podem comprometer o desempenho destes estudantes e, consequentemente, a permanência na UF.
O Projeto Baquara surge neste contexto, com um significativo número de discentes Indígenas e Quilombolas matriculados em cursos de graduação da UFCAT, e diante de reivindicações destes alunos por mais amparo dentro da universidade. A partir disso, viu- se a necessidade de criar um programa que pudesse garantir um acompanhamento pedagógico/acadêmico destes estudantes, criando laços de companheirismos e, trocas de saberes mútuo entre alunos da Pós-graduação Stricto Sensu, de três diferentes áreas, Educação, Estudos da Linguagem e Matemática (Tutores) e, alunos da graduação Indígenas e Quilombolas (Tutorados).
Trata-se de um projeto em fase experimental, que se iniciou em setembro/2021, em um momento marcado pelas privações decorrentes da Pandemia da Covid-19. Na UFCAT, as aulas ficaram suspensas no modelo presencial de março/2020 a abril/2022, neste período o formato de aulas aderido pela instituição foi o remoto, assim como as demais instituições públicas de todo país, permeado pelas plataformas tecnológicas de comunicação (RNP, Google Meet, Whatsapp e outras). Nunca se usou tanto os meios digitais, como neste período.
Diante disso, o Projeto Baquara vem sendo construído e transformado diante dos desafios e possibilidades existentes no dia a dia, buscando firmar-se em uma perspectiva inclusiva, de modo a acolher cada vez mais alunos Indígenas e Quilombolas da universidade. A participação dos alunos é indispensável para a sobrevivência do projeto e de modificações futuras em sua configuração, caso a presente não venha a suprir as necessidades acadêmicas dos mesmos. Desta maneira, buscamos apresentá-lo e discuti-lo, com base nas experiências vivenciadas.
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A democratização do ensino superior
Historicamente, o ensino superior público brasileiro atendeu um público bastante homogêneo, quanto a raça e classe, sendo considerado um ensino elitista e para poucos. O acesso dos Indígenas e Quilombolas nas universidades públicas brasileiras é recente, e ainda está em ascensão. Há marcos históricos e legais que vêm transformando as universidades públicas brasileiras em espaços mais democráticos, que garantem a entrada das minorias que não conseguiam adentrá-las anteriormente por via de uma competição por vaga desigual, entre estas minorias estão os Povos Indígenas e Quilombolas.
No que tange o Ingresso de Indígenas e Quilombolas nas instituições de Ensino Superior, a Lei n° 12. 711, de 29 de agosto de 2012, é fundamental, uma vez que obriga as UF a destinar no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas (art. 1), e dessas vagas devem ser preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e Indígenas e por pessoas com deficiência, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição (art. 3).
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2 Os Povos Indígenas
A presença de indígenas nas universidades públicas brasileiras é bastante recente, e tem se intensificado com a criação da Lei de Cotas em 2012, e com sua nova resolução, Lei nº 13.409, de 28/12/2016, mas antes disso, as universidades, dispondo de sua autonomia e preocupadas com a exclusão social que estes povos sofrem desde a invasão européia em nosso continente americano e o desumano processo de colonização, já buscavam incluí-los no ensino superior através de ações afirmativas.
Do outro lado, os povos indígenas vêm requerendo o seu direito à educação como uma arma de defesa ao seu território, a educação passou a ser uma demanda, uma estratégia para melhor conhecer e manejar as relações com o poder público (FAUSTINO, NOVAK, RODRIGUES, 2020). Esta democratização do acesso ao ensino superior, tem se mostrado um desafio à universidade, quanto ao acolhimento e a possibilidade de permanência destes estudantes, já que a própria disposição curricular é pensada a partir do indivíduo e uma sociedade homogênea, e agora é preciso lidar com a ideia de “povos”, com conhecimentos e processos sociais e históricos diferenciados (KAWAKAMI, 2019).
A Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em 1989, foi decisiva para a proteção dos direitos e respeito à integridade dos Povos Indígenas e Tribais em todo o mundo. Direitos como a igualdade do direito às oportunidades previstas na legislação nacional para os demais cidadãos; direitos sociais, econômicos e culturais, respeito à identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas instituições; entre outros. Conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, promulgada pelo Decreto n. 5.051/2004, define “a consciência de sua identidade indígena ou tribal” como critério fundamental para determinação dos grupos. Desta forma, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considera indígena:
96A pessoa, residente ou não em terras indígenas, que se declarou indígena, na investigação sobre cor ou raça; ou A pessoa, residente em terras indígenas, que não se declarou indígena, na investigação sobre cor ou raça, mas se considerava indígena, de acordo com as suas tradições, costumes, cultura, antepassados etc. (IBGE, 2020)
A Constituição Federal de 1988, destaca, entre as diversas funções institucionais do Ministério Público, a de defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (Cap. IV, Secção I, Art. 129); e ao Estado, cabe garantir aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (Cap. VIII. Art. 231).
Os marcos legais e históricos citados acima, possuem suma importância para o cenário contemporâneo, onde os Povos Indígenas têm conquistado mais visibilidade na luta pelas suas causas, amparados pela lei e órgãos de proteção, depois de décadas silenciados e sofrendo diversas privações e ameaças quanto a sua própria sobrevivência. A discriminação cultural/social destes povos, iniciou-se desde a colonização.
Conforme Darcy Ribeiro (1995), os índios encontrados no litoral pelos portugueses, somavam quase o número da população de Portugal, eram do tronco Tupi, e receberam o invasor de forma acolhedora, como um presente. Mas para o Europeu, aquela gente pelada, possuía um pecado capital: eram vadios e viviam uma vida inútil. A escravidão Indígena predominou ao longo de todo o século XVI, os Índios eram caçados nos matos e engajados na condição de escravos, eram incorporados a sociedade colonial, mas não na condição de membros, mas para serem desgastados até a morte, esse desgaste humano do trabalhador cativo constitui uma forma terrível de genocídio imposta a mais de 1 milhão de Índios na história do Brasil.
A modernidade tem como base a industrialização, ela produziu uma sociedade do trabalho e do consumo, do dinheiro e das classes. O Brasil experimentou dessa modernidade de forma particular. Produziu-se aqui um estilo de sujeito ideal, com tais princípios. E foi nesse processo que os Povos Indígenas sobreviventes ficaram à margem da sociedade. Seus modos de vida não combinam com o sujeito moderno. Os invasores trouxeram consigo seus valores modernos, e introduziu a ideia de que os “índios” são inferiores, selvagens e preguiçosos. Mesmo com tamanho descaso do governo com as Comunidades Indígenas, quanto à proteção das terras de invasões externas, da preservação, do respeito à cultura e da garantia de sobrevivência, acredita-se que eles usufruem de muitos privilégios.
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3 Os Quilombolas
Assim como os Indígenas, os Quilombolas hoje, também, possuem seu direito à educação superior resguardado por meio das ações afirmativas e, principalmente, da Lei de Cotas. Mas nem sempre foi assim, o ingresso dos negros no ensino superior, assim como dos Indígenas, é recente e resultado de muita luta, visto o histórico de exclusão, discriminação e marginalização destes povos na história e formação do Brasil. Ainda hoje se debate a existência das cotas, o assunto está sempre em pauta, e grupos privilegiados socialmente se opõem a elas, enquanto aqueles que delas necessitam e percebem seu valor para o processo de democratização do ensino superior, lutam para defendê-las.
No processo de colonização do Brasil, o interesse português era a exploração das riquezas brasileiras para a exportação, ou seja, o Brasil se firmou como uma “colônia de exploração”, o sistema escravista esteve presente desde o primórdio, primeiro pelos índios cativos, que vivenciaram tamanha violência, desapropriação cultural e genocídio, e, posteriormente ou concomitante, a escravidão negra, onde foram trazidos negros escravos principalmente da costa ocidental da África. Ao chegarem ao Brasil, incorporaram passivamente o universo cultural da nova sociedade, aprenderam o português e influenciaram de múltiplas maneiras as áreas culturais onde mais se concentraram, nordeste açucareiro e zonas de mineração (RIBEIRO, 1995).
97A escravidão, no período colonial, representou o momento mais sombrio da história do Brasil, o sistema escravista ao apropriar-se de seres humanos através da violência, desumanizou e desculturalizou povos. A única saída do negro era a morte ou a fuga, como afirma Darcy Ribeiro (1995): “Todo negro alentava no peito uma ilusão de fuga, era suficientemente audaz para, tendo uma oportunidade, fugir, sendo por isso supervigiado durante seus sete a dez anos de vida ativa no trabalho (P.90)”.
Os Quilombos são comunidades que surgem no período colonial, formadas por negros escravos fugidos das fazendas e da escravidão, lugar onde os negros se refugiavam para tentar viver uma vida em liberdade, criando assim comunidades espalhadas em todo o país, tendo sua maior concentração na região Nordeste. Um estudo realizado pelo IBGE em 2019, estimou que havia 5.972 comunidades quilombolas no Brasil, espalhados em 1672 municípios em todo território nacional. O maior quilombo do Brasil em extensão territorial está localizado em terras goianas, está localizado na região nordeste do Estado de Goiás, divisa com o Estado do Tocantins: A Comunidade Quilombola Kalunga.
Os quilombolas são descendentes e remanescentes dos quilombos. Como aponta os artigos da Normativa n° 16:
Art. 3º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos étnicos raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
Art. 4º Consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, bem como as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos seus costumes, tradições, cultura e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos. (BRASIL, 2004, p.43).
Os Quilombos resguardam uma cultura local, um modo de ser, de viver e de existir, um conjunto de relações sociais e representações que definem o ser “quilombola”, representam resistência de um povo que muito sofreu e contribuiu para a formação do Brasil, a força de lutar por seu lugar, por liberdade, que remete a importância da defesa dos territórios para a sobrevivência das sociedades quilombolas. Tendo em vista a importância do território para a manutenção da cultura, e da unificação do grupo étnico, o Decreto n°6.040 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, define:
II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; (BRASIL, 2007)
Há uma década atrás, em 2003, foi aprovada a lei 10.639/03, do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira, e posteriormente a lei 11.645/08, que complementa a primeira, acrescentando a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Indígena, que se torna obrigatório o ensino da história dos povos originários e dos afrodescendentes na educação básica, abrindo caminho para a melhor compreensão da historicidade desses povos que sofreram muitas privações sociais ao longo da história. É importante discutir a discriminação racial, a violência sofrida pelos negros na história do Brasil, e inclusive evidenciar os hábitos que ainda hoje preservamos em nossa cultura, sem saber de suas origens africanas.
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Como funciona o projeto baquara
Bacuara ou baquara, é uma palavra indígena que significa: esperto, sabido, vivo. bacuara em tupi-guarani significa literalmente: o que sabe. Desta forma, a proposta do Projeto Baquara relaciona-se ao saber, ao conhecimento, de modo a ser um apoio, um incentivo ao progresso acadêmico dos estudantes Indígenas e Quilombolas da Universidade Federal de Catalão, em um regime de cooperação entre discentes da Pós- graduação e os discentes da graduação, onde os tutores não só ensinam conteúdos, trabalhos, avaliações, mas aprendem através do diálogo entre as diferentes culturas, em condições de igualdade. “Em sociedades multiculturais cada vez mais complexas, a educação deve auxiliar-nos a adquirir as competências interculturais que nos permitam conviver com as nossas diferenças culturais e não apesar delas.” (UNESCO, 2010, p.15).
Este processo, chamamos de Interculturalidade, que possibilita o enfrentamento da discriminação, do racismo e da exclusão. Abaixo estão os pilares da Projeto Baquara:
O primeiro passo para que o aluno possa participar das atividades fornecidas pelo Projeto Baquara, é o aceite, já que a participação no programa não é obrigatória, o aluno Indígena ou Quilombola recebe um convite via e-mail através dos seus dados cadastrados no ato de matrícula na UF, coletados pela Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), que é um dos setores administrativos da UFCAT, responsável por gerir demandas tanto acadêmicas quanto didático-pedagógicas dos cursos de graduação dessa instituição.
O discente, ao manifestar interesse em participar, é convidado para conhecer o projeto em reunião com a coordenadoria, e após isso é remanejado para um dos tutores, aquele que estiver com menos tutorados no momento. Assim, inicia-se o processo de acolhimento: consideramos este o degrau mais importante, acolher e ganhar a confiança do aluno, de forma que ele se sinta seguro em compartilhar conosco suas dificuldades, sejam elas pedagógicas ou de adaptação à universidade.
Os tutores são de três diferentes áreas: Sendo três (3) tutoras do Programa de Pós- graduação em Educação/PPGEDUC, duas (2) do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem-/PPGEL e dois (2) do Mestrado Profissional em Matemática/ProfMat. As tutorias acontecem de duas formas: individual, que se restringe a tutor e tutorado e; as oficinas, que são coletivas e abordam diferentes temas. Neste caso, as tutoras do PPGEL são responsáveis pela organização das oficinas semanalmente, e os demais realizam as tutorias individuais, com seus tutorados, que não ultrapassam cinco (5) por tutor.
Os horários das tutorias individuais não são fixos, podem variar em dia e horário de acordo com a disponibilidade e necessidade do tutorado, mas espera-se que seja realizado um encontro por semana, com cada. Mas a ausência do tutorado, não ocasiona nenhuma penalidade, já que não é obrigatória a participação no projeto, devendo ser um ato voluntário. Já as oficinas, são realizadas em dia e horário fixo, semanalmente, com temas interdisciplinares que atendam aos discentes Indígenas e Quilombolas dos diferentes cursos, que participam do projeto.
99Alguns assuntos recorrentes, de grande demanda, são aqueles voltados à língua portuguesa, principalmente aos gêneros textuais. Tanto nas tutorias individuais, quanto nas oficinas coletivas, este assunto é bastante solicitado pelos discentes: como fazer um resumo, resenha, texto narrativo, entre outros. Também é recorrente as dificuldades de interpretação de texto, principalmente de conceitos muito abstratos. Nesse sentido, o trabalho não termina em uma tutoria, é um trabalho contínuo e permanente, onde é preciso estar sempre retomando assuntos e temas. O projeto Baquara não só contribui para com a formação dos discentes Indígenas e Quilombolas, como também para a formação docente dos discentes da Pós-graduação, ao ensinar aprendem e formam-se.
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Resultados
Os Indígenas e Quilombolas têm ocupado cada vez mais cadeiras na universidade pública, com as políticas de democratização do acesso ao ensino superior, e agora a permanência deste público na universidade, tem sido a nova preocupação, já que diversos fatores podem ocasionar a evasão. Neste período experimental do projeto, que teve início durante a Pandemia do Covid-19, quando as aulas estavam acontecendo no modelo remoto, com o auxílio dos meios digitais, houveram muitos desafios para chegar efetivamente aos alunos, e ajudá-los a obterem um bom desempenho em seus cursos.
A pandemia ocasionou muitas perdas, lutos, e uma adaptação a um novo modelo de ensino/aprendizagem jamais visto antes. Mas além disso, quando falamos dos alunos Indígenas e Quilombolas, estamos falando da diversidade cultural, de uma outra forma de viver e de perceber o mundo, que nem sempre a comunidade acadêmica está preparada para acolher. Durante a Pandemia, grande maioria desses alunos voltaram para suas comunidades de origem, e muitos nem de lá saíram, iniciaram seus cursos no modelo remoto, sem nem mesmo conhecer o interior da universidade. Tanto os que tiveram de retornar às suas casas, aldeias e comunidades, quanto aqueles que de lá nem saíram, atravessaram desafios semelhantes. Chegar até eles e fazê-los confiar no trabalho desenvolvido, não foi e nem é tarefa fácil.
Com o recente retorno presencial vislumbra-se um novo começo, mas novos desafios também surgem, como as dificuldades de adaptação à universidade e a saudade das famílias que ficaram distantes. Os desafios são grandes, mas as possibilidades de sucesso também são.
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Considerações finais
Diante disso, a Universidade, se vê diante a novos desafios, o de acolher, incluir, e propiciar a permanência desse novo público. Há diferenças no modo de ser, pensar, agir. Para os alunos Indígenas, por exemplo, o domínio da língua é um desafio, tanto na escrita quanto na leitura dos textos acadêmicos que são indispensáveis para a “sobrevivência” na universidade. A interpretação de conceitos que não fazem parte de suas realidades, as exigências da academia (regras, normas, horários) muitas vezes se tornam um empecilho para o progresso de todos eles, tanto Indígenas quanto Quilombolas.
Outra questão delicada, é o fator sócio/econômico, esse público necessita, sem exceções, das políticas de permanência que a universidade oferece, (alimentação, moradia, bolsas), caso haja desmonte ou corte de verbas, o ingresso e permanência dos Indígenas na universidade fica inviabilizado.
100Quanto ao ensino, há uma distância a ser percorrida para que atenda aos interesses dos alunos Indígenas e Quilombolas que estão na Universidade Federal de Goiás- UFCAT e em outras universidades e, também, de forma indissociável, os interesses de suas comunidades de origem, já que são povos que agem no/para o coletivo. É preciso esquecer os estereótipos (preconceitos), e aceitá-los como são, e abrir mais espaços para que possam ser protagonistas do processo ensino/aprendizagem, possam disseminar seus saberes, culturas, e construir novos conteúdos no interior da universidade.
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Referências
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BRASIL. Presidência da República. Lei n ° 10. 639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF.
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 12.711, de 29 de agosto de 2012. Institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial e Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF.
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FAUSTINO, Rosângela Célia; NOVAK, Maria Simone Jacomini; RODRIGUES, Isabel Cristina. O acesso de mulheres indígenas à universidade: trajetórias de lutas, estudos e conquistas. Revista Tempo eArgumento, Florianópolis, V. 12, n 29, jan./abr. 2020.
KAWAKAMI, Erica Aparecida. Currículo, ruídos e contestações: os povos indígenas na universidade. Revista Brasileira de Educação, v 24, mar. 2019.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. -1 Ed. – São Paulo: Global, 1995.