Débora Maria Ribeiro Peres

Margareth Pereira Arbués

Ações em grupo como ferramenta de integração feminina e redução da reincidência de violência doméstica na cidade de Goiás

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Resumo:As ações e omissões governamentais acarretam consequências severas e devem ser tratadas como forma específica de decisão política. Insta salientar que o caos como método se materializa em um arsenal de táticas que engendram o colapso da administração pública, cujos efeitos impactam os direitos da população, o que suscita a judicialização. Neste ponto, o presente artigo objetiva identificar a idiossincrasia e a dinâmica da relação entre os três poderes no Governo Bolsonaro, entre os anos de 2019 e 2021, mormente a atuação do Judiciário frente à atual gestão. A partir da observação, análise e interpretação dos fatos e fenômenos jurídico-políticos do período, se traçará as características do controle da administração pública.

Palavras-chave:Conflitos político-institucionais; Gestão pública; Judicialização da política; Teoria de Freios e Contrapesos.

A violência doméstica e familiar é uma questão multicausal e democrática, que atinge mulheres em distintos níveis sociais, regiões, idade e escolaridade. Scott (1989), apresenta o termo gênero, como qualidade fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. Nesse mesmo sentido a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (PNEM), documento elaborado em 2011 pela então Secretaria Especial de Políticas para as mulheres (SMP), reforça que a violência contra a mulher não pode ser dissociada de uma dimensão de gênero, “a construção social, política e cultural das masculinidades e feminilidades” (p. 20). Considerando seu aspecto complexo, e interseccional, o documento citado pactua sobre a necessidade de mudanças socioculturais e educativas para um real enfrentamento a violência de gênero.

A violência doméstica e familiar é uma das modalidades da violência de gênero, caracterizada por “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” que ocorra na unidade doméstica; familiar ou em qualquer relação íntima de afeto, independente de orientação sexual. Sendo tipificada como violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral conforme o art. 5º da Lei Maria da Penha - LMP. Importante frisar que essa lei foi instituída como forma de cumprimento a uma condenação do Estado brasileiro, por omissão a violações aos Direitos Humanos, diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no qual se comprometeu a criar mecanismos para o combate a violência doméstica e familiar em território brasileiro (Negrão, 2016).

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, aponta a pandemia de Covid-19, como agravante a situação de mulheres em situação de violência (FBSP, 2022). Pois mulheres e meninas passaram a ter um maior convívio com seus agressores, a partir do isolamento social, método utilizado para contenção da transmissão do vírus. Muitas vezes sem condições de procurar por serviços de assistência e suporte, devido a restrição de algumas formas de atendimento, mantendo somente os considerados emergenciais. Durante 2020 foram suspensos serviços presenciais preventivos a violência doméstica, bem como foi impossibilitado a realização de atividades em grupo, instituindo a possibilidade de atendimento psicológico por meio de Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs (04/2020 - CFP), mas que também tinha suas limitações dependendo do ambiente em que a mulher se encontrasse e o acesso a rede de internet ou telefonia.

A fim de discorrer sobre as modalidades de intervenções com o público de mulheres em situação de violência, o presente trabalho, vislumbra levantar questões sobre os atendimentos em grupo realizados em um Ceam – Centro Especializado de Atenção às Mulheres, numa cidade de pequeno porte do estado de Goiás, durante o segundo semestre de 2021, após a flexibilização das normas de segurança sanitária provocada pelo Covid-19. Este equipamento foi criado a partir da Lei municipal nº 20 de 5 de dezembro de 2013, em cumprimento ao estabelecido no art. 35 da LMP, no qual estabelece a concepção de instituições para atendimento integral às mulheres e seus dependentes.

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A PNEM, também norteia a criação de espaços para atendimento especializado e humanizado às mulheres em situação de violência. Compreendendo o enfrentamento a violência de gênero nas dimensões de trabalhos preventivos, assistência e garantia de direitos das mulheres, através de ações que promovam o empoderamento e o resgate destas como sujeitas de direito. O documento citado, também preceitua sobre a importância da construção e integração de uma rede de atendimento, com instituições do poder público, organizações não governamentais e comunidade, constituindo “um caminho para superar a desarticulação e a fragmentação dos serviços” (p. 14). Sendo os Centros de Referência os responsáveis por promover a articulação dos entes da rede, bem como monitorar os serviços prestados a esse público, pelas instituições que compõem a rede.

Grupos são caracterizados como instâncias intermediárias que articulam a relação do indivíduo com a totalidade social, servindo como elementos de mediação (FONSECA, 1988, p. 184). A família é um grupo primário no qual o indivíduo é inserido naturalmente, e ao discorrermos sobre a violência imputada às mulheres, o ambiente doméstico é um dos ambientes mais hostis, 65,5% do total de crimes contra mulheres em 2021 foi realizado nas residências (FBSP, 2022). Sendo os companheiros, 81,7% dos autores de crimes contra as mulheres, conforme o mesmo levantamento.

Ao pontuar sobre o trabalho psicossocial em grupo Del Prette & Del Prette (2006) reforçam o aspecto sistêmico das relações sociais, no qual é composto por vários componentes que se afetam e modificam “os sistemas humanos são determinados pela forma como seus componentes se relacionam entre si e isto lhe confere a sua estrutura” (p.28). Dessa maneira, alterações em seus subsistemas podem conferir mudanças na relação e aos outros subsistemas. Consideramos aqui as famílias como sistemas, e a importância dos trabalhos em grupo como possibilidade para a modificação das estruturas, através da conscientização sobre os papéis de gênero estabelecidas pelo patriarcado, podendo possibilitar o empoderamento das mulheres assistidas.

Para conceituar o grupo, Carlos (2009) pontua como “reunião de duas ou mais pessoas com um objetivo comum de ação” (p. 201). De acordo com Matos (2012, p.81) em citação na Web, o grupo pode auxiliar as mulheres a compreenderem seus sentimentos de confusão, medo e desespero ao compartilhar com outras em situações similares, servindo também como suporte social para tomada de decisões.

Objetivo

O presente artigo tem como objetivo apresentar dados de atividades realizadas em grupos de mulheres em situação de violência doméstica, em um Centro Especializado de Atenção às Mulheres, em um município de pequeno porte do estado de Goiás.

Metodologia

O método utilizado para esse trabalho constitui-se a partir de pesquisa qualitativa, descritiva, através de análise documental dos materiais e prontuários disponíveis no Ceam. O aporte teórico utilizado para análise e reflexão sobre as atividades desenvolvidas, partiram principalmente de Zimerman e Del Prete & Del Prete, para a compreensão do sistema grupal. Bem como de Lane, e a Psicologia Social Crítica, a partir do embasamento teórico do materialismo dialético e a sócio-histórica.

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Resultados e discussão

Conforme, pontuado anteriormente, os atendimentos presenciais em grupos foram suspensos a partir do decreto municipal de nº 21 de 16 de março de 2021, como medida de contenção do Covid-19, ocasionado pelo novo coronavírus. Em 2021, retomou-se os atendimentos presenciais, possibilitando a realização de atividades em grupos. Dessa forma o Ceam organizou o Chá com Direitos, que teve três edições, cada uma sobre um tema de interesse e procura das mulheres atendidas no serviço. Importante pontuar, que os temas permeiam a discussão dos papéis sociais de gênero, a compreensão sócio- histórica da violência doméstica e familiar como um fenômeno complexo e como isso se relaciona com o patriarcado, considerando as ações dos indivíduos sobre o meio, assim como este meio e o que o constitui objetivamente se tornam subjetivos no psiquismo humano (Lane, 1984).

A primeira edição teve como tema o Direito Reprodutivo, tratando sobre o acesso aos serviços ginecológicos do município, com foco principal nos procedimentos cirúrgicos de laqueadura. Essa atividade contou com a participação da equipe da UBS onde a Ginecologista que realiza os procedimentos atende e uma assistente social que atua no hospital da região, responsável pelo encaminhamento e solicitações de Laqueadura. Na ocasião as mulheres se apresentaram e fizeram relatos em sua maioria sobre seus partos e pós-parto, algumas já haviam realizado o procedimento e pontuaram sobre os trâmites para realizar o procedimento e os efeitos deste em suas vidas, frisando aspectos emocionais e de recuperação física. Diante da possibilidade as mulheres que demonstraram interesse no procedimento foram devidamente encaminhadas para a realização da consulta e solicitação para a realização do procedimento.

A segunda edição do Chá com Direitos, teve como tema o direito à semeadura e contou com colaboração do Grupo de Mulheres Renascer, associação das mulheres da Mata do Baú, Assentamento da Reforma Agrária do município. Nesse encontro trataram sobre o plantio e cultivo de flores alimentícias com propriedades medicinais, as Beldroegas, Portulaca oleracea. A partir da exposição da integrante da associação, às demais participantes também fizeram relatos envolvendo experiências com essa e outras plantas, com finalidade terapêutica. Arruda (2010) aponta a Terapia Comunitária como uma metodologia de grupo que trata e acolhe o sofrimento em circunstâncias que envolvem violência, luto, depressão, insônia e baixa autoestima, promovendo o acolhimento e a escuta, além da prática coletiva de inclusão social e valorização da diversidade.

O autocuidado se estendeu como tema para a terceira edição do Chá com Direitos, que foi realizado na Sede da Associação Mulheres Coralinas, e contou com o maior número de participantes conforme apresentado no Gráfico 1. Conforme levantado por Lange (1997) a OMS estimula o autocuidado para saúde de pessoas e comunidades, sendo a educação um processo essencial para o desenvolvimento das habilidades e capacidade de ações de autocuidado, tendo a educação um papel de motivador de tais ações, servindo para atualização dos conhecimentos e potencialidades dos indivíduos, “fortalecendo sua autonomia que, como capacidade humana, leva, em contrapartida, à responsabilidade” (p. 36).

GRÁFICO 1 – Quantidade de Mulheres por Edição do Chá com Direitos, 2021. Fonte: CEAM, 2022

GRÁFICO 1 – Quantidade de Mulheres por Edição do Chá com Direitos, 2021. Fonte: CEAM, 2022

Conforme o Gráfico 1, participaram das edições do Chá com Direitos entre 14 e 23 participantes. Conforme pontuado anteriormente foram convidadas mulheres inseridas nos bancos de dados do equipamento, e no decorrer das edições observou-se o movimento das usuárias em convidar amigas e familiares para participarem das atividades.

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Este trabalho apresentou um esboço de intervenções em grupo oferecidos por um Centro de Referência de Atenção às Mulheres, no último trimestre de 2021. Fazendo um breve recorte diante de algumas políticas de combate a violência doméstica construídas nas últimas 3 décadas. Diante disso refletimos sobre alguns desafios para um efetivo acompanhamento e superação da violência, a partir das ações apresentadas.

Podemos considerar questões sobre a modalidade dos grupos oferecidos, sendo estes em modalidade aberta, o qual permitia a inserção de novos membros, bem como de familiares das convidadas ao longo das ações. Apesar da importância do trabalho amplo, junto aos familiares e comunidade em geral, principalmente no que concerne a desconstrução dos estereótipos provindos dos papéis de gênero. Acreditamos ser de grande relevância a realização de grupos fechados, restrito especificamente às mulheres em situação de violência, de preferência que não haja a possibilidade de inserção durante as edições. Grupos fechados podem facilitar o estabelecimento de vínculo entre as integrantes do grupo e responsável pela coesão grupal (Zimerman, 2000). Podendo ser mais eficaz para a participação das mulheres, ao se sentirem em um ambiente seguro diante de pessoas já conhecidas, com as quais possuem vínculo.

Um ponto de relevância no trabalho realizado foi a capacidade de inserção de integrantes da rede de atendimento, por meio de parceiros da comunidade, como as associações de mulheres e artesãs que participaram de dois encontros, bem como de outros integrantes da gestão municipal, com a participação da Secretaria de Saúde, por meio da UBS e do Hospital da região e da Secretaria de Assistência Social, Trabalho e Habitação, com integrantes do Centro de Referência em Assistência Social – CRAS.

Para além de aspectos locais e sugestões apresentadas, consideramos salutares as ações realizadas, principalmente com os desafios referentes à pandemia de Covid-19, e suas consequências. Referente a questões políticas, podemos citar falta de interesse por essa pauta, com desmonte do ministério especifico, reverberando na falta de investimento próprio em políticas públicas de combate a violência contra as mulheres, recaindo unicamente sobre as gestões municipais os encargos dessas políticas.

ARRUDA, A.G. Saúde mental na comunidade: a terapia comunitária como dispositivo de cuidado. 2010. 65 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, 2010.

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