A violência doméstica no período gestacional, impactos e visibilidade social
25Resumo:Essa pesquisa aborda o conhecimento, apreensão e análise do conjunto de fatores desencadeantes, e consequências da violência doméstica contra a mulher gestante, impactos e visibilidade social, abrangendo a saúde, assistência e direito. Seu objetivo é dar visibilidade às situações de violência doméstica cometidas contra mulheres na gestação no âmbito da assistência social. Trata-se de pesquisa qualitativa, estruturada no Estado da Arte, em publicações do Serviço Social e Enfermagem sobre a temática em questão. Evidencia nos resultados um crescente número de ocorrência e uma multiplicidade de fatores condicionantes da mesma, exteriorizada através das violências: psicológica, física, sexual e patrimonial, com várias implicações morbimortalidade feminina, abortos, partos prematuros, pré-natal tardio, entre outros.
Palavras-chave:Violência doméstica; Gestação; Direitos Sociais;
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Introdução
O presente trabalho “A violência doméstica no período gestacional, impactos e visibilidade social”, foi construído e desenvolvido na disciplina de Pesquisa em Serviço Social, abordando o tema e suas inferências com a saúde, assistência e os direitos e cidadania. A qual foi desenvolvida no ápice da emergência sanitária ocasionado pela pandemia do vírus COVID-19, que assolou o mundo e principalmente o nosso país dada a atual conjuntura política nacional, tendo seu direcionamento para um estudo bibliográfico, visando o resguardo ao elemento humano na pesquisa.
A violência contra as mulheres, repercute desde os primórdios atribuído por uma cultura sustentada sob a égide da relação de poder, caracterizada pela retórica da dominação do homem e submissão da mulher. Historicamente constitui em construções de relações sociais que perpassa gerações imprimindo ao gênero feminino a condição de fragilidade, inferioridade e vulnerabilidade instituído pelo poder do patriarcado e da cultura machista constituída. Nesse sentido, “o machismo é, essencialmente, uma expressão do patriarcado que se materializa nas relações interpessoais, para perpetuar relações de dominação e poder via inferiorização, submissão e apropriação das mulheres”. (CFESS, 2019, p.9).
Dada a essas construções fundadas em relações sociais estruturais de exploração, opressão e dominação, a que se ater ao fato de que a violência doméstica adensa nas sociedades capitalistas, a partir do momento em que as mulheres galgam um lugar no mercado de trabalho buscando liberdade e independência. Conhecer e identificar as situações em que estas ocorrem, por que ocorrem, incide em objeto de interesse, análise e intervenção dos assistentes sociais.
O termo violência conforme Sacramento & Rezende (2006) se refere a qualquer ato agressivo que se manifeste por meio da forma seja ela física, sexual ou até mesmo psicológica que aconteça por negligência e/ou até mesmo, pela privação dos direitos. De modo, complementar, estes autores observam ainda que a violência também pode ser vista como a utilização da força ou do poder, que acontece contra si mesmo ou contra outro indivíduo, grupo ou “comunidade, tendo a possibilidade ou resultando em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (SACRAMENTO & REZENDE, 2006, p.5).
Conforme Schraiber; D’oliveira (1999) o termo violência abrange inúmeras conotações, que vão desde as formas mais cruéis da tortura e do assassinato em massa, ou até mesmo nos aspectos mais sutis que muitas das vezes são considerados como extremamente opressivos na vida moderna. Na realidade para estes autores existem dificuldades quando o assunto é definir este termo. Entretanto,
De um modo geral, os critérios utilizados para a caracterização da violência se baseiam em diversos fatores, que incluem a natureza da ação (sua forma, intensidade e frequência), o impacto físico ou psicológico sobre a vítima, a intenção do agressor, a influência do contexto em que se deu o ato violento e os padrões de conduta culturalmente considerados apropriados (SCHRAIBER & D’OLIVEIRA, 1999, p.5).26
Neste cenário, estes autores observam ainda que na tentativa de definição de violência, observa-se no cenário atual que muitos estudiosos à caracterizam como a utilização de termos relativos a abusos, maus-tratos. Assim, por se tratar de um problema de relevância pública, a OMS recentemente apresentou uma definição do termo violência como sendo
O uso intencional da força física ou poder, como ameaça ou real, contra si mesmo, a outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha alta probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, transtornos de desenvolvimento ou privação (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002, p. 5).
Os atos de violência contra as mulheres geralmente são envolvidos por um grande número de modalidades, ou até mesmo, situações as quais são evidenciadas por meio das agressões sejam elas físicas, psicológicas ou até mesmo sexuais no ambiente doméstico. A mesma é penetrada nos espaços de convivência pelos familiares, pessoas desconhecidas e inclusive, pelo parceiro íntimo da vítima.
Neste cenário conforme, Sinclair (1985), a violência física acontece quando a vítima recebe tapas, socos, chutes, beliscões, empurrões, enforcamento, ou em alguns casos o agressor pode ainda atirar objetos ou líquidos no rosto da mulher, ou até mesmo a queimam com cigarro, usam objetos para fazer com que ela engula substâncias desagradáveis ou que sejam prejudiciais para a sua saúde física e emocional. Na maioria dos casos, a violência física também acontece por meio de utilização de armas como revólveres ou facas, as quais resultam em homicídios.
Em relação a violência sexual essa autora, adverte que esta encontram-se relacionada com exemplos que possam subestimar a mulher através de piadas, xingamentos, ou toques indesejados sem o consentimento da vítima, a prática de atividades sexuais utilizando-se da força, apresentação de um ciúme em excesso, “acusações sexuais, submetê-la a atos sexuais desprazerosos ou dolorosos, rejeição como parceira sexual e sujeitar a comparações desfavoráveis com outras mulheres” (SINCLAIR, 1985, p.5).
No que concerne à violência psicológica, Sinclair (1985) comenta que essa acontece quando se realiza ameaças para com a vítima forçando-a realizar atos degradantes, humilhantes, de modo verbal que a ridicularize diante da sua família ou do meio em que estabelece as suas relações diárias. Igualmente, Aguiar (2014), afirma que seria um equívoco acreditar que a violência aconteça apenas de forma física, pois ela acontece ainda de maneira sexual e psicológica.
De acordo com a Lei Nº 11.340/06 conhecida popularmente como Lei Maria da Penha; 1. “Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher. 2 estabelece as formas de violência doméstica contra a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral” (SEMIRA, 2008 p.15). Portanto, essa lei ressalta um fato muito interessante que muitas vezes a sociedade faz questão de silenciar ou ignorar, que a violência ultrapassa os limites do físico, que ela pode ser também moral, sexual, patrimonial e psicológica. E estas, por vezes, em muitos casos podem causar traumas ou dores até mesmo maiores do que a dor física. E,
Com relação específica à violência contra a mulher, podemos situar como violência invisível não só a pressão perpetrada pela sociedade de classes e a ação de instituições discriminatórias, como também a educação diferenciada, a violação dos direitos, a naturalização dos papéis sociais e das relações hierarquizadas (GOELLNER, PILLOTO, ALTMANN, VIEIRA, 1995, p. 139).27
Corroborando com a afirmação acima, percebe-se que também há uma violência invisível, que por vezes está inserida na sociedade, e isso acaba se naturalizando a tal ponto que as pessoas passam a encarar como normal as hierarquias existentes, o patriarcado e o senso comum até se apropriam de chavões como: “briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, ou “roupa suja se lava em casa”, entre tantos outros que tentam restringir o problema da violência contra as mulheres somente no âmbito do privado, onde ninguém deverá interferir. Mas até que ponto terminaria o privado e começaria o público?
Neste cenário, esses autores afirmam ainda que a violência doméstica por muitas vezes acontece de modo velado inclusive no período gestacional. Para Aguiar (2014), a violência contra mulher é considerada um problema de saúde pública complexo o qual se encontra presente inclusive, em um período da vida da mulher em que seu bem-estar deveria ser extremamente assegurado que é a gestação. Dessa forma, este estudo se apoia na necessidade de se abordar um tema do qual existem reduzidas pesquisas que é a caracterização da violência contra a mulher no período gestacional no âmbito do serviço social.
No período gestacional, conforme Silva (2013), a mulher guarda durante nove meses um ser que surgiu do encontro das células sexuais sendo elas o espermatozóide e o óvulo e depois disso, a mulher sofre muitas alterações que envolvem os inúmeros do seu corpo. Deste modo, quando esta se encontra no período gestacional é importante oferecer-lhe condições agradáveis, ambientes que sejam harmônicos, de paz, equilíbrio e tranquilidade, para que possa conceber sua gestação de modo saudável e positivo,
Entretanto, a realidade de muitas mulheres é diferente e está longe de prover- lhes tais condições. É o caso das mulheres – milhões delas tanto no Brasil como no mundo – que sofrem violência por parte do parceiro, encontrando-se, muitas vezes, em situações precárias de sobrevivência (AGUIAR, 2014, p.29).
Conforme Aguiar (2014), durante a gestação a mulher costuma utilizar com maior frequência os serviços que são básicos de saúde, estas realizam consultas e exames pré-natais constantes. A atenção básica é crucial durante este processo, pois o acompanhamento da gestação de baixo risco consiste em uma prioridade na Estratégia Saúde da Família (ESF) o qual por sua vez, se constitui, como um espaço privilegiado pois, o mesmo visa a identificação de casos de violência. Entretanto, por diferentes fatores a violência doméstica tem se tornado um problema invisível diante dos olhos de muitos profissionais de saúde.
Neste cenário Wolff, (2008, p.5) pontua que,
A violência contra a mulher tem consequências que, por si só, merecem atenção, cuidados e tratamento adequados. Já durante o período da gravidez os efeitos da violência são outros e podem causar sérios danos para a saúde da mãe e do bebê. Os abusos físicos repetidos podem causar fraturas no feto, hemorragia materna e fetal, ruptura do útero, fígado ou baço, atraso no desenvolvimento do bebê, descolamento prematuro da placenta e/ou parto prematuro, que podem gerar bebês com baixo peso; pancadas na barriga podem causar abortos e natimortos.28
No entendimento de Wolff, (2008) a violência doméstica gera repercussões negativas para à saúde física e psíquica da mulher gestante, e esse impacto reflete na percepção da mulher sobre si mesma, através dos seus sentimentos de insegurança e impotência, até suas relações com o meio social. Diante disso, Iamamoto (2007) pontua que diante das diferentes manifestações da violência é essencial que o Serviço Social atue de forma ética e compromissada diante do atendimento às vítimas de violência doméstica.
Conforme afirma Velloso (2013, p.50),
Um dos maiores desafios para os assistentes sociais no combate à violência é construir uma efetiva rede de atendimento interdisciplinar, considerando essa como a articulação das ações entre as instituições e seus profissionais, que possam efetivamente amparar as vítimas da violência. E, claro, as dificuldades não ficam apenas no âmbito da assistência. Os serviços disponíveis, tanto na saúde, como na assistência e na segurança pública, atendem com déficit as mulheres vítimas de violência.
Nas palavras dessa estudiosa, o assistente social trabalha diretamente nas instituições que prestam atendimento às mulheres grávidas que são vítimas de agressão. Dessa forma, no que diz respeito à dimensão ético-política, estes profissionais devem trabalhar orientando as mulheres a pensar e até mesmo, refletir sobre o seu papel na sociedade e os seus direitos, buscando, dessa feita se inserir na luta por políticas sociais que efetivamente atendam às reais necessidades das mulheres que são vítimas de violência. O próprio Código de Ética da profissão consiste em um marco, que orienta sobretudo, a postura que esse profissional deve ter para com seus usuários que se encontram nestas situações.
Ademais, conforme Martinelli et al (2001, p. 119), “a construção do saber profissional tendo como horizonte a intervenção, realiza um tríplice movimento: de crítica, de construção de um conhecimento “novo” e de nova síntese no plano do conhecimento e da ação(...)”. Com isto adensar o saber científico é possibilitar novas visões da realidade imposta com fins a uma intervenção comprometida com sua transformação.
Outrossim, adira Iamamoto (2007), o trabalho do assistente social possui uma ampla magnitude, porque envolve a sociedade e sujeitos que possuem suas privacidades, problemas, conflitos, sofrimentos, anseios e que são dotados de deveres, mas também de direitos e que precisam contar com a prerrogativa dos Direitos Humanos em seus amplos aspectos e com uma política realmente engajada e comprometida com as problemáticas sociais, para que possam de fato, serem amparados de maneira desejáveis como é o caso das mulheres que são vítimas de violências. Assim,
O grande desafio na atualidade é, pois, transitar da bagagem teórica acumulada ao enraizamento da profissão na realidade, atribuindo, ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias, táticas e técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de estudo e ação do assistente social. (IAMAMATO, 2014, p. 52)
Logo, o projeto de pesquisa justifica-se para além de um compromisso pessoal da pesquisadora, como também uma realização profissional. Pois, a importância da construção de conhecimento no âmbito do Serviço Social, advém da necessidade de se acompanhar o movimento social e suas dinâmicas, capazes de fortalecerem a formação do profissional, direcionando o uso deste conhecimento na produção de mecanismos de enfrentamento, “que endossa a presença inegável do tema no âmbito da categoria dos assistentes sociais e, ao mesmo tempo, permite inferir um recente adensamento da visibilidade dessa discussão no campo profissional” (SILVA, 2008, p. 266)
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Método
A pesquisa pautou se no materialismo histórico dialético, na perspectiva de desvelar a totalidade sendo necessário compreender cada elemento de forma particularizada, onde o mesmo possui várias determinações em uma sociedade, sendo que, após conhecer a realidade em que cada elemento está inserindo é que é possível entendê-lo como um todo de modo a compreender a realidade pela totalidade social (NETTO, 2009).
Segundo, Lima & Mioto (2007, p.4) a pesquisa bibliográfica busca a resolução de um problema recorrendo-se de referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo sobretudo as várias contribuições científicas,
Esse tipo de pesquisa trará subsídios para o conhecimento sobre o que foi pesquisado, como e sob que enfoque e/ou perspectivas foi tratado o assunto apresentado na literatura científica. Para tanto, é de suma importância que o pesquisador realize um planejamento sistemático do processo de pesquisa, compreendendo desde a definição temática, passando pela construção lógica do trabalho até a decisão da sua forma de comunicação e divulgação.
Neste sentido, estes autores endossam que a pesquisa bibliográfica, é uma das etapas da investigação científica que por sua vez, requer ser um trabalho minucioso, bem como tempo, dedicação e atenção por parte de quem decide empreendê-la.
Portanto, essa é uma pesquisa bibliográfica qualitativa elencada em um levantamento apurado de artigos pertinentes à temática, os quais possibilitam compreender e fornecer subsídios para a atuação do assistente social no âmbito da violência doméstica cometidas contra a mulher gestante.
A pesquisa empreendida foi instrumentalizada em produções científicas (artigos) das áreas de Serviço Social e Enfermagem nos quais são abordadas questões relativas: à identificação, incidência, fatores desencadeadores, os tipos de violências perpetradas, consequências a saúde materna e do bebê, a percepção das vítimas de violência por parceiro íntimo, perfil do agressor e suas alegações quanto ao cometimento da violência, apontando a violência como complexo social indicando demandas ao Serviço Social. Para tanto a pesquisa será subsidiada nas produções de: Gedrat, Silveira, et al (2020), Einhardt & Sampaio (2020), Silva (2008), Oliveira, Fonseca-Machado, et al (2015), Marcacine, Abuchaim, et al (2018), Berger & Giffin (2011) e Campos, Gomes, et al (2019).
Trata-se de produções científicas, publicadas nos periódicos: Serviço Social & Sociedade, Katálysis (UFSC), Interface (Botucatu), Revista Gaúcha de Enfermagem, Brasileira Enfermagem (Brasília), REME –Mineira de Enfermagem, as quais trouxeram abordagens sob diferentes óticas acerca do tema proposto, possibilitando assim um estudo diante das variáveis já mencionadas. Netto (2009, p. 33), “do conhecimento não se extraem diretamente indicativos para a ação, para a prática profissional e interventiva. Mas não se terá uma prática eficiente e inovadora se ela não estiver apoiada em conhecimentos sólidos e verazes”.
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Análise dos dados
O reconhecimento da violência doméstica durante a gestação impacta enquanto problema social e saúde pública. No Brasil nos últimos anos tem-se aumentando gradativamente o número de violência doméstica para com a mulher gestante e normalmente estas são vítimas dos seus cônjuges/companheiros.
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2010) conceitua-a como, Violência por Parceiro Íntimo (VPI) em outros termos, “comportamento dentro de uma relação íntima que causa dano físico, sexual ou psicológico, incluindo atos de agressão física, coerção sexual, abuso psicológico e comportamentos controladores”.
30Oliveira, Fonseca-Machado, et al (2015) e Marcacine, Abuchaim, et al (2018), abordam o tema no âmbito da saúde por serem trabalhos desenvolvidos na área de enfermagem, focalizado na mulher gestante e pós gestação em situação de violência doméstica. Ambos estudos abordam as consequências da VPI na saúde materna e do nascituro, sob as condicionantes socioeconômicas e ao uso de drogas lícitas e ilícitas.
Quanto a incidência da violência durante a gestação,
Os resultados apresentados mostraram que das 358 entrevistadas, 63 (17,6%) sofreram algum tipo de violência pelo parceiro íntimo (VPI) durante a gestação. A variação de idade foi de 15 a 42 anos, com predominância de mulheres solteiras, que se autorreferiram de cor parda e preta, de religião católica seguida pela evangélica e que em sua maioria se encontravam fora do mercado de trabalho. (...). Com relação ao tipo de VPI sofrida pelas 63 mulheres durante a gestação, destacamos que 60 (95,2%) sofreram violência psicológica, 23 (36.5%) sofreram violência física e uma (1,6%) sofreu violência sexual (OLIVEIRA, FONSECA-MACHADO et al, 2015, p. 236).
Ao analisar a prevalência dos casos de violência entre nas 207 participantes, identificou-se que 51,2% sofreram VPI alguma vez na vida, sendo que dessas, 49,3% relataram VPI psicológica,18,4% física e 4,8% sexual. No que se refere ao momento da exposição, 36,7% delas referiram que a VPI ocorreu durante a gestação e 25,6% relataram a continuidade das agressões após o parto. Quanto ao tipo da violência sofrida pelas participantes, nos dois períodos, a violência psicológica foi a mais frequente (durante a gestação: 32,9%; após o parto: 25,1%), seguida da física (durante a gestação: 14,0%; após o parto: 4,3%) e sexual (durante a gestação: 3,9%; após o parto: 0,5%). (MARCACINE, ABUCHAIM, et al, 2018, p. 1388).
As autoras consideram que os dados coletados por sua pesquisa demonstram um aumento na incidência da VPI durante a gestação, bem como, uma preponderância da violência psicológica às demais, ambas análises foram realizadas em regiões com IDH mais elevado centro-sul, o que as levam a pensar no agravamento da mesma nas regiões com IDH menor como é o caso do Norte e Nordeste – as quais consideram regiões mais pobres, tendo menor índice de desenvolvimento humano e com menos oportunidades fator este, que, adensa a propagação da violência como um todo.
No que tange ao acompanhamento do pré-natal verifica-se, que a “mulher vítima de pelo menos um ato de violência física durante a gestação está mais propensa ao acompanhamento pré-natal inadequado”, bem como, a “VPI está diretamente associada à morbimortalidade feminina”. (OLIVEIRA, FONSECA-MACHADO, et al, 2015, p. 234).
Infere-se na pesquisa a abordagem da autoestima como fator coadjuvante da VPI contra mulheres gestantes. Nesse grupo, encontram-se mulheres com baixa autoestima, por isso são mais vulneráveis ao seu cometimento, trazendo implicações para saúde do bebê como o baixo peso. Nesse sentido,
O presente estudo permitiu identificar o perfil e a autoestima de puérperas, bem como as características de seus bebês e companheiros e, verificar suas associações com a ocorrência de VPI (...). Quanto aos neonatos, mulheres cujos bebês nasceram com peso inadequado (<2500g), apresentaram quase duas vezes mais chances de serem vítimas da VPI, confirmando os resultados encontrados em outros estudos (MARCACINE, ABUCHAIM, et al, 2018, p. 1.390).31
Os estudos são unânimes quanto a relação dos fatores socioeconômico, visto que há uma correlação significativa entre violência e pobreza, como consequência das desigualdades sociais e da exclusão” (GEDRAT, SILVEIRA, et al, 2020, p. 344). Da mesma forma que, a utilização de drogas lícitas (álcool) e substâncias ilícitas, na inferência do comportamento mais agressivo do parceiro. “Sabe-se que o álcool reduz as inibições, anuvia o julgamento e coíbe a capacidade da pessoa interpretar os sinais, facilitando a ocorrência de agressões” (MARCACINE, ABUCHAIM, et al, 2018, p. 1391). Todavia, atitudes rudes dos alcoólatras dantes eram consideradas sinônimo de virilidade,
É reconhecido que culturalmente nesta sociedade baseada pelo patriarcalismo, homens são influenciados a começarem a beber mais cedo, e são “bem- vistos/admirados” por terem a capacidade de ingerirem grandes quantidades de álcool (EINHARDT & SAMPAIO, 2020, p. 362)
Pensar a violência como um todo, é invocar todas as condicionantes que levam a sua ocorrência, numa perspectiva de apreensão crítica Einhardt & Sampaio, (2020), se ocupam em apresentar uma análise a partir da fala dos autores da violência doméstica, emergem o reconhecimento cultural da sociedade pelo patriarcalismo através de um discurso machista verificado nas falas dos entrevistados, de modo que,
Os fatores apresentados na pesquisa emitidos pelos companheiros foram: reunidos da seguinte forma: “O motivo sempre está fora, como se o autor de violência não tivesse em si a causa de suas ações”; “Impulsividade”; “A ambiguidade da mulher”; “Desconsideração do seu ponto de vista” e, ainda, “O autor da violência se vê como vítima” (EINHARDT & SAMPAIO, 2020, p. 360/361).
Contudo, tem-se ainda o fator desconsideração da existência da VPI por parte das vítimas, imbuídos pela afetividade ou mesmo pela questão da dependência econômica, conforme Gedrat, Silveira, et al (2020, p. 351), a “subordinação da mulher aos homens está associada à instauração da propriedade privada e da luta de classes”.
Consequentemente, o delineamento do perfil dos agressores posto como mecanismo facilitador na identificação da VPI durante a gestação e puerpério, mapeando as variáveis capazes de subsidiar uma intervenção articulada voltada à descontinuar o ciclo da violência, traduz-se em estratégia de ação para seu enfrentamento. Assim,
Enfrentar as múltiplas formas atuais de violência não significa, em absoluto, especializar o ‘olhar científico’ para formar profissionais comprometidos com tratamentos e ações cirúrgicas, como verdadeiros ‘médicos sociais’.(...) Apanhar esse contexto, reconhecer sua complexa e pulverizada (mas não isolada) particularização e, a partir disso, propor encaminhamentos práticos e efetivos que levem em consideração os aspectos peculiares dos segmentos envolvidos, é condição para o enfrentamento das múltiplas formas de violência (SILVA. 2008, 271).
Campos, Gomes, et al, (2019, p. 5), introduz a dificuldade por parte dos profissionais da saúde em, identificar e investigar a ocorrência e possíveis causas de VPI durante a gravidez, no contorno de prevenção a complicações obstétricas que coloquem em risco mãe/filho. Para tanto, revela ainda que, agressões voltadas para o ventre da mulher, “pode estar atrelada à rejeição do cônjuge em relação à criança (...). Como consequência, têm-se os riscos para abortos espontâneos, perdas fetais ou partos prematuros”.32
Em seu trabalho, Campos, Gomes, et al, (2019), frisa ser o Brasil um dos poucos países, em um rol de 127, a ter legislação própria voltada à proteção da mulher contra a violência. A adoção destes mecanismos jurídicos, como a Lei n° 11.340/06, mais conhecida como Maria da Penha - legislação que defende e orienta mulheres que estão em situação de violência doméstica, a criação da Lei nº 13.104/15 – Lei do Feminicídio, que define o assassinato de mulheres por seus parceiros como crime Hediondo, e a Lei nº 11.804/08, de Alimentos Gravídicos, por si só, são insuficientes para suprimir a ocorrência da VPI independentemente dessa estar grávida ou não.
Quanto à necessidade de debate sobre VPI na gestação emerge como fator de extrema relevância para os autores que, coadunam do debate em vias de se promover um enfrentamento capaz de alterar esta realidade. Gedrat, Silveira, et al, (2020), alude ser necessário voltar-se para além da denúncia, pela implantação de ações de enfrentamento articuladas entre os setores de saúde, educação, segurança, justiça e assistência social, voltadas para a igualdade de gênero e a cultura de paz. Somando ações intersetoriais e interdisciplinares direcionadas para a atenção aos homens autores de violência, com o intuito de alterar seu comportamento violento e promover a igualdade de gênero. Assim,
Devemos levar em consideração a contribuição que os profissionais da enfermagem têm ao proporcionar condições e acesso à assistência social e institucional ao se deparar com casos de violência na gestação, sendo esta abordagem uma forma direta de contribuição para a equidade de gênero e direitos das mulheres, (...), e o empoderamento das mulheres (OLIVEIRA, FONSECA-MACHADO, et al, 2015, p. 237).
Quanto às produções acerca do tema aqui abordado, apenas a de Berger & Giffin (2011), contempla o tema em uma abordagem específica à atuação do profissional de Serviço Social. Fato que vai de encontro com o interesse da pesquisadora, ou seja, o caráter inovador de se voltar ao estudo de um tema que merece atenção pelas implicações na saúde, na assistência social, bem como, no sociojurídico, investigando sua integralidade dissecando o tema “A violência doméstica no período gestacional, impactos e visibilidade social”, abordagem digna dos profissionais em Serviço social. Assim,
Articular a profissão e a realidade é um dos maiores desafios, pois entende-se que o Serviço Social não atua apenas sobre a realidade, mas atua na realidade. (...). O esforço está, portanto, em romper qualquer relação de exterioridade entre profissão e realidade, atribuindo-lhe a centralidade que deve ter no exercício profissional (IAMAMOTO, 2014, p. 55).
Para tanto, a investigação é inerente às competências do profissional em Serviço Social na busca de apreender o desenvolvimento sócio histórico, identificando demandas, produzindo conhecimento, capazes de alterá-las a partir da intervenção profissional.
Considerações finais
Conflui na pesquisa a falta de preparo dos profissionais em identificar e abordar as vítimas de VPI, sendo esta, por falta de preparo intelectual, estrutura física, ou até mesmo pelo fator desconsideração por parte da mulher. Muitas mulheres vítimas de violência gestacional, pós partos e com filhos já crianças se recusam a dar as entrevistas, talvez por medo, talvez por vergonha, talvez por querer apagar da memória os acontecidos. Nesse sentido fica-se a pergunta: será que em outras gestações seus parceiros continuaram a agir como da primeira vez?
Nessa concepção agrega-se também a importância da construção de conhecimento acerca do tema dado ao reduzido material encontrado voltado para este recorte VPI na gestação, enfatizando o papel fundamental dos Assistentes Sociais no enfrentamento da expressão violência doméstica, suas implicações para a saúde, assistência e direito, subsidiando suas atuações pautadas no projeto ético-político, o qual possui estratégias de articulação e de fortalecimento de vínculo, nas ações conjuntas em rede.
33Referências
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