Tecendo Identidades de Gênero

Introdução

O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo, os números são assustadores. [...] E eu pergunto a vocês: seguiremos nos recusando a falar sobre igualdade de gênero? Até quando? [...] Enfrentar este debate é nos comprometermos com a democracia e com nosso avanço civilizatório. Falar de igualdade entre mulheres e homens, meninas e meninos, é falar pela vida daquelas que não puderam ainda se defender da violência. [...] Somos a maior parte da população, ainda que sejamos pouco representadas na política. Ainda que ganhemos salários menores, que estejamos em cargos mais baixos, que passemos por jornadas triplas, que sejamos subjugadas pelas nossas roupas, violentadas sexualmente, fisicamente e psicologicamente, mortas diariamente pelos nossos companheiros, nós não vamos nos calar: as nossas vidas importam! [...]Quem acha que isso não merece ser debatido na nossa educação é porque se beneficia das desigualdades. Por isso, quero deixar registrado que, ao retirar os termos “gênero”, “sexualidade” e “geração”, fortalece a continuidade de desigualdades e violências dos mais diversos tipos. [...] Desde quando falar sobre uma opressão, que gera tantas mortes, é falar sobre alguma doutrinação? Se dizem tanto a favor da vida, então deveriam ser a favor da igualdade de gênero. E só se promove igualdade através de uma educação consciente e do debate com nossas crianças, para que se tornem adultos melhores. Por isso, como parlamentares responsáveis pelas cidadãs e cidadãos, devemos defender o debate na educação! Se é da escola que nasce o espaço público que queremos, é indispensável que se fale de igualdade de gênero sim! Que se fale de sexualidade, de respeito, de laicidade, de racismo, de LGBTfobia, de machismo. Pois falar sobre estes temas é se comprometer com a vida, em suas múltiplas manifestações. É se comprometer com o combate à violência e a desigualdade! É mais do que urgente que não se cale sobre as vidas que são interrompidas dia-a-dia [...]. Falar de igualdade de gênero é defender a vida!”

Marielle Franco, 2018 (grifos meu).
p.3

A construção de identidades de gênero, na infância e na juventude, e a compreensão da importância do respeito à diversidade são processos complexos, influenciados por vários fatores sociais, culturais e individuais. Em um mundo cada vez mais consciente acerca da diversidade e da inclusão, refletir sobre como a leitura de produções literárias de recepção infantil e juvenil pode contribuir para a formação e a valorização de identidades de gênero torna-se indispensável. Neste e-book, analisamos como essa leitura é capaz de cumprir papel relevante nos processos formativos na Educação Básica, permitindo que, por meio de personagens diversas e da abordagem de temas prementes, as crianças e os/as jovens se reconheçam e se aceitem melhor, uma vez que, a literatura oferece um terreno fértil para a imaginação e a reflexão e, assim, favorece a percepção de que há muitos modos de ser e de viver na sociedade.

Para compreender as contribuições da literatura para a construção de identidades de gênero, é essencial articular teoria e prática. As teorias sobre gênero e desenvolvimento infantil fornecem uma base sólida para entender como as crianças assimilam e interpretam as concepções de gênero representadas em suas leituras. A prática pedagógica, por sua vez, demonstra como essas teorias podem ser aplicadas efetivamente no ambiente escolar. Histórias e personagens que desafiam estereótipos de gênero desempenham papel crucial nesse processo que envolve mediação pedagógica, com a finalidade de promover uma compreensão inclusiva e abrangente quanto a identidades de gênero.

Para garantir que as crianças e os/as jovens tenham oportunidades de ver suas experiências e identidades refletidas na literatura, é necessário ampliar e diversificar o acesso às obras. Quanto mais rico o acesso a narrativas que apresentam uma diversidade de vivências e experiências relacionadas a gênero, maiores são as possibilidades de se desenvolver uma compreensão mais ampla e inclusiva a respeito da natureza humana. Por exemplo, livros que apresentam personagens não conformistas ou que exploram a fluidez de gênero ajudam a entender, a aceitar e a respeitar a diversidade. Desse modo, a seleção cuidadosa dos títulos que serão apresentados aos/às jovens leitores/as é fundamental. Cabe, portanto, aos educadores, assim como aos pais, escolher obras que reflitam a diversidade de gêneros, proporcionando a identificação de padrões que devem ser discutidos na sociedade e de outras formas de ser e de viver, que precisam ser reconhecidas e valorizadas. Além disso, é importante a promoção de discussões e reflexões sobre os temas abordados nas obras, incentivando os/as jovens leitores/as a questionarem normas e expectativas de gênero. Assim, crianças e jovens poderão encontrar espaços seguros para a expressão autêntica de suas identidades de gênero, e isso trará contribuições para a construção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa.