18 ∙ Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica

Sumário

18 ∙ Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica

  • Johnathan Santana de Freitas
  • Maysa Campos Mota de Oliveira

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DEFINIÇÃO

É uma síndrome clínica que se desenvolve como uma desordem óssea sistêmica devida a anormalidades minerais, esqueléticas e vasculares que e ocorre em associação com a DRC.

CLASSIFICAÇÃO

  • Doenças ósseas de alta remodelação (hiperparatiroidismo secundário e doença mista)
  • Doenças ósseas de baixa remodelação (doença óssea adinâmica e osteomalácia).

Doença Adinâmica:

  • Baixa atividade osteoblástica;
  • Baixa taxa de formação óssea;
  • É a mais comum em crianças em diálise;
  • Relacionada à supressão excessiva da glândula paratireoide (pela administração de quelantes cálcicos do fósforo e análogos da vitamina D);
  • Aumenta o risco de fraturas e calcificação metastática;
  • Tratada diminuindo ou suspendendo-se os quelantes cálcicos do fósforo e/ou terapia com vitamina D (o que eleva o PTH e, consequentemente, o remodelamento ósseo).

Osteomalácia

  • Lesão de baixo turnover ósseo;
  • Aumento do volume de osso não mineralizado (osteóide);
  • Decréscimo no número de células formadoras e reabsorvedoras ósseas;
  • Menos comum (quando ocorre, está associada a deficiência de vitamina D).

QUADRO CLÍNICO

  • A doença leva a complicações como fraturas, dor e necrose avascular;
  • Comprometimento do crescimento;
  • Deformidades do esqueleto (deslizamento da epífise óssea, geno valgo, etc).

DIAGNÓSTICO

DRC 3 a 4

  • A forma mais comum de Osteodistrofia renal (ODR) é a osteíte fibrosa cística;
  • A elevação do PTH é indicativa de doença óssea de alto turnover e diagnóstica do DMO associado à DRC.

DRC 5

  • PTH elevado com cálcio sérico baixo é visto em pacientes com doença óssea de alto turnover;
  • PTH baixo com cálcio sérico elevado é mais frequente na doença óssea adinâmica.

TRATAMENTO

O objetivo da terapia é prevenir a retenção de fósforo, hipovitaminose D e hipocalcemia. --Detecção precoce e correção dessas anormalidades pois contribuem para o hiperparatiroidismo secundário.

a. Níveis Séricos de Ca e P

Estágios 2 a 4 da DRC, os valores de Ca e P devem manter-se nos intervalos de normalidade para faixa etária:

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Valores séricos normais de Ca total e iônico, e P em relação à idade:
Fonte: J Bras Nefrol 2008

Idade

Ca total (mg/dL)

Ca iônico (mmol/L)

P (mg/dL)

0-11 meses

8,8-11,3

1,22-1,40

4,8-7,4

1-5 anos

9,4-10,8

1,22-1,32

4,5-6,5

6-12 anos

9,4-10,3

1,15-1,32

3,5-5,8

13-20 anos

8,8-10,2

1,12-1,30

2,3-4,5

Estágio 5:

DRC estágio 5 Ca (mg/dL) P (mg/dL)
Valores a serem mantidos 8,8-9,7 4,0-6,0 (para crianças de 1 a 12 anos de idade)
3,3-5,5 (para adolescentes)

Se calcemia acima de 10,2mg/dL:

  • Suspender uso de quelantes cálcicos do P;
  • Descontinuar o uso de vitamina D até normalização do Ca;

Se hipocalcemia:

  • Sais de Ca em horários distantes das refeições;
  • Se necessário, associar calcitriol para elevar a calcemia.


Adolescentes acima de 12 anos de idade

Crianças mais jovens

Manter o produto Ca x P

<55m²/dL²

<65mg²/dL²

Quando se utiliza o cálcio total, o mesmo deve ser corrigido pela albumina sérica conforme a fórmula:

Ca total corrigido (mg/dL) = Ca (mg/dL) + 0,8 x [4 – albumina (g/dL)]

b. Uso de quelantes de P na DRC

Principais sais de Ca disponíveis Porcentagem de Ca elementar
Gluconato 9%
Lactato 13%
Acetato 25%
Carbonato 40%
  • Administrar junto às refeições para quelar P (10 a 15 minutos antes ou durante);
  • Administrar longe das refeições para repor Ca.

Dose inicial: 50mg/Kg/dia ou conforme tabela a seguir.

Dose inicial do quelante à base de cálcio:

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Fonte: J Bras Nefrol 2008
Idade Quelante de P contendo Ca Posologia
0-1 ano 250 mg 3 a 5 vezes/dia
1-4 anos 500 mg 2 a 3 vezes/dia
5-8 anos 500 mg 3 a 4 vezes/dia
9-19 anos 500 mg 5 vezes/dia
  • Não exceder 2,5g/dia de Ca elementar (incluindo dieta).
  • Se hipercalcemia, preferir cloridrato de sevelamer (100-200mg/Kg/dia).

Obs1.: Em Goiás, central estadual de medicamentos de alto custo Juarez Barbosa não libera sevelamer para menores de 18 anos de idade.

Obs2: Na criança está contraindicado o uso de quelantes à base de alumínio, citrato de cálcio e hidróxido de magnésio.

  • DRC estádios 3 a 5 com PTH elevado e P sérico normal, manter fosfato da dieta em 100% da ingestão diária recomendada para idade (IDR).
  • PTH acima o alvo e P sérico acima do valor de referência para idade, deve-se reduzir os P da dieta para 80% da IDR.

Ajuste da diálise para potencializar a depuração de P:

  • DP: aumentar o volume de infusão para 1000 a 1400mL/m² de SC; aumentar tempo de permanência e/ou número de banhos;
  • HD: aumentar a frequência das sessões; prolongar tempo das sessões (diálise diária).

c. Prevenção e tratamento da deficiência de vitamina D

  • Vitamina D é fundamental para a homeostase do Ca, P e PTH;
  • Tem papel importante no crescimento da criança.
  • Níveis séricos de vitamina D:
Estado da Vitamina D no organismo Valor
Deficiência severa < 5g/mL (<12nmol/L)
Deficiência 5 a 20 ng/mL (12 a 50nmol/L)
Insuficiência 20 a 30 ng/mL (50 a 75nmol/L)
Suficiência > 30 ng/mL (>75nmol/L)
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Tratamento com vitamina D (ergocalciferol ou colecalciferol) deve ser iniciado precocemente para prevenir o desenvolvimento de HPS e retardo de crescimento, conforme tabelas a seguir:

Suplementação de 25(OH)D na DRC estágios 2-4:

Fonte: J Bras Nefrol 2008
Nível sérico de 25(OH)D (ng/mL) Grau de deficiência Dose de vitamina D (oral) Duração (meses) Controle do nível sérico
< 5 Severo 8.000UI/dia/4 sem OU 50.000UI/sem/4sem.Após, 4.000UI/dia/2 meses OU 50.000UI 2x/mês/2 meses 3 Medir nível de 25 (OH)D após 3 meses
5-15 Moderado 4.000UI/dia/3 meses OU 50.000UI 2x/mês/3 meses 3 Medir nível de 25 (OH)D após 3 meses
16-30 Insuficiente 2.000UI/dia OU 50.000UI/mês 3 Medir nível de 25 (OH)D após 3 meses

Suplementação de 25 (OH)D na DRC estágio 5:

Fonte: J Bras Nefrol 2008
Nívelsérico de 25(OH)D (ng/mL) Grau de deficiência Dose de vitamina D (oral) Duração (meses) Controle do nível sérico
< 5 Severo 8.000UI/dia/4 sem OU 50.000UI/sem/4sem.Após, 4.000UI/dia/2 mesesOU 50.000UI 2x/mês/2 meses 3 Mensal
5-15 Moderado 4.000UI/dia/12 sem OU 50.000UI 2x/mês/3 meses 3 Mensal
16-30 Insuficiente 2.000UI/dia OU 50.000UI/mês 3 Mensal

Quando se atingir o valor de suficiência de vitamina D (>30ng/mL) deve-se administrar dose de manutenção de colecalciferol entre 400 e 2.000 UI/dia.

d. Tratamento com calcitriol na DRC

Recomendações para uso do calcitriol na DRC (Todos os critérios devem estar presentes):

  • Vitamina D > 30ng/mL;
  • PTH acima do valor de referência;
  • Cálcio sérico < 10 mg/dL;
  • Fósforo sérico abaixo dos valores de máximos de referência para idade e estádio da DRC.

Níveis séricos de CA, P, PTHi para início da terapia com calcitriol e doses recomendadas em pacientes com DRC 2 e 4:

Fonte: J Bras Nefrol 2008
PTH (pg/mL) Ca total (mg/dL) P (mg/dL) Dose calcitriol oral
> 70(DRC 2-3)
> 110 (CRD 4)
< 10 < nível recomendado para a idade < 10kg: 0,05µg dias alternados
10-20 kg: 0,1-0,15 µg/dia
20kg: 0,25 µg/dia
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Recomendações para a dose inicial de calcitriol em crianças com DRC estágio 5:

Fonte: J Bras Nefrol 2008
PTH (pg/mL) Ca total (mg/dL) P (mg/dL) CaxP Dose calcitriol oral-HD Dose calcitriol oral-DP
300-500 < 10 < 5,5 lactentes
<6,5 crianças
< 65 lactentes e crianças
< 55 adolescentes
0,0075µ/kg/d
(máximo 0,25 µg)
0,0075µ/kg/d
(máximo 0,25 µg)
>500-1.000 <10 < 5,5 lactentes
<6,5 crianças
< 65 lactentes e crianças
< 55 adolescentes
0,015µ/kg/d
(máximo 0,5 µg)
0,015µ/kg/d
(máximo 0,5 µg)
>1.000 < 10 < 5,5 lactentes
<6,5 crianças
< 65 lactentes e crianças
< 55 adolescentes
0,0025µ/kg/d
(máximo 1 µg)
0,0025µ/kg/d
(máximo 1 µg)

Efeitos colaterais:

  • hipercalcemia
  • hiperfosfatemia
  • queda acentuada do PTH e desenvolvimento de doença óssea de baixa remodelação.

ATENÇÃO! Estar atento a níveis de Ca, P e PTH para utilizar o Calcitriol.

- Se Ca > 10,2 mg/dL e/ou fósforo acima dos valores recomendados, suspender uso do calcitriol.

Recomendação dos níveis alvo de PTH conforme o estadio da DRC:

  • DRC 2 e 3: 35 a 70pg/mL;
  • DRC 4: 70 a 110 pg/mL;
  • DRC 5: 200 a 300 pg/mL.

e. Concentração de Ca no dialisato

  • O ideal é manter solução de diálise (DP ou HD) com concentração de Ca de 2,5mg/dL.
  • Previne hipercalcemia, doença óssea adinâmica e calcificação sistêmica.

f. Acidose metabólica

  • Acidose metabólica crônica é uma das principais causas de retardo do crescimento.
  • Caracteriza-se por redução do pH e níveis séricos de bicarbonato.
Recém-nascidos e lactentes abaixo de 2 anos de idade Acima de 2 anos de idade
Valores alvo de bicarbonato sérico >20mEq/L ≥22mEq/dL
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Tratamento da acidose metabólica:

  • Potencializar diálise;
  • Utilizar dialisato contendo bicarbonato;
  • Administrar bicarbonato.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. Srivastava T, Warady BA. Pediatric chronic kidney disease-mineral and bone disorder, Up to Date. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/pediatric- chronic-kidney-disease-mineral-and-bone-disorder kdmbd?search=anemia%20doen%C3%A7a%20renal%20cr%C3%B4nica%20crian%C3%A7a&topicRef=6085&source=see_link, acessado em 13-08-19.
  2. Lima EM, Bandeira F, Gesteira F. Diretrizes Brasileiras de Prática Clínica para o Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica da Criança. J Bras Nefrol 2008; 30 (Supl 2): 31-42.
  3. KDIGO Clinical Practice Guideline for the Diagnosis, Evaluation, Prevention, and Treatment of Chronic Kidney Disease-Mineral and Bone Disorder (CKD-MBD). Kidney International 2009; 76 (SUPPLEMENT 113).