9 ∙ Infecção do Trato Urinário na Infância

Sumário

9 ∙ Infecção do Trato Urinário na Infância

  • Johnathan Santana de Freitas
  • Maysa Campos Mota de Oliveira

24

DEFINIÇÃO

  • Multiplicação de um único germe patogênico em qualquer porção do trato urinário, que seja identificado por urocultura coletada por um método de confiança.
  • Pielonefrite: infecção do parênquima renal.
  • Cistite: infecção da bexiga.

CLASSIFICAÇÃO

ITU atípica

  • Doença severa
  • Fluxo urinário pobre
  • Massa abdominal ou vesical
  • Creatinina elevada
  • Septicemia
  • Falta de resposta ao tratamento com antibiótico adequado após 48 horas
  • Infecção por outro microrganismo que não a Escherichia coli

ITU recorrente

  • 2 ou mais episódios de pielonefrite
  • 1 episódio de pielonefrite mais 1 ou mais episódio de cistite
  • 3 ou mais episódios de cistite

CAUSAS

Principal causa é a infecção pela bactéria Escherihia coli (60 a 92%).

ATENÇÃO!

ITU:

  • Infecção bacteriana mais frequente em <2 anos de idade;
  • Pode ser o primeiro sintoma de anormalidades congênitas dos rins e trato urinário (sigla em inglês: CAKUT)- Refluxo vesico-ureteral (RVU) é o mais prevalente.

Podem abrir o quadro como sepse.

Lactentes e crianças menores

  • Febre com ou sem sintomas sistêmicos (em casos de febre sem foco, deve-se coletar exame de urina- 5% deles tem ITU);
  • Sinais e sintomas inespecíficos;
  • Raramente apresentam sintomas urinários.

Crianças maiores e adolescentes

  • Sintomas urinários típicos sugestivos de pielonefrite (febre, vômitos e dor lombar);
  • Sintomas urinários típicos de cistite (dor suprapúbica, disúria e frequência urinária).

DIAGNÓSTICO

  • Coleta de amostra de urina para exames de EAS (elementos anormais e sedimentoscopia urinária) e urocultura.
  • Coleta pode ser por saco coletor, jato médio, cateterização vesical e punção supra púbica.

Sobre a coleta por saco coletor...

  • Oitenta e cinco por cento das culturas positivas colhidas por saco coletor podem ser falso positivas;
  • Desde 2011 os guidelines concordam que amostra de saco coletor só tem valor quando negativa – para descartar o diagnóstico de ITU;
  • O diagnóstico de ITU não pode ser realizado de modo confiável através de amostra de urina coletada por saco coletor (Evidência A).

Estratégia para o pronto socorro...

• Colher amostra de urina pela técnica mais conveniente (ex.: saco coletor);

Se EAS sugestivo de ITU (nitrito, esterase leucocitária ou leucócitos ou bactérias) coletar nova amostra para urocultura (por cateterismo ou punção supra púbica).

Nitrito

  • Conversão do nitrato da dieta por bactérias gram-negativas;
  • Tem alta especificidade par ITU;
  • Seu resultado pode vir negativo se a bexiga tiver sido esvaziada recentemente ou se o germe é gram-positivo.

Esterase leucocitária

  • Marcador substituto da piúria;
  • Sensibilidade de 79% e especificidade de 87% para ITU.

Leucocitúria

  • Indicador de inflamação associado a ITU;
  • Não é patognomônico.
25

CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA

Por meio da urocultura!

  • Cateterização vesical: Presença de crescimento bacteriano ≥1000 UFC/mL;
  • Jato médio (após assepsia prévia): contagem bacteriana ≥100.000 UFC/mL ou ≥ 50.000 UFC/mL associada com a análise de urina demonstrando evidência de piúria.
  • Bacteriúria assintomática – todos os guidelines concordam que não há necessidade de intervenção nesse caso.
  • Crianças com bexiga neurogênica em cateterismo vesical intermitente normalmente apresentam bacteriúria assintomática quando realizam urocultura, sem manifestações sugestivas de ITU.

TRATAMENTO

  • Não há diferença entre tratar com antibiótico endovenoso por 10 a 14 dias ou fazê-lo endovenoso até a melhora dos sintomas e continuar o tratamento por via oral até completar 10 a 14 dias de duração total;
  • Inicia-se o tratamento empiricamente (cobertura para E.coli, principal causa de ITU);
  • Após o resultado da urocultura modificar tratamento baseado na sensibilidade dos antibióticos testados.

Antibiótico para o tratamento parenteral da ITU:

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2016.
Antibiótico Dose
Ceftriaxone 75 mg/kg – 150 mg/kg/24 horas
Cefotaxime 75 mg/kg – 150 mg/kg/24 horas
Ceftazidime 100 mg/kg- 150 mg/kg/8 horas
Gentamicina 7,5 mg/kg/24 horas
Tobramicina 6 mg/kg/24 horas (a cada 6 a 8 horas)
Amicacina 15 mg/kg/24 horas
Piperaciclina 300 mg/kg/24 horas (a cada 6 a 8 horas)

Antibiótico para o tratamento oral da ITU:

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2016.
Antibiótico Dose
Amoxicilina+ Clavulanato 20-40 mg/kg/dia (a cada 8 horas)
Sulfametoxazol+ Trimetroprima 30-60 mg/kg/dia (a cada 12 horas)
Cefalexina 50- 100 mg/kg/ dia ( a cada 6 horas)
Axetil-Cefuroxime 20- 30 mg/kg/dia ( a cada 12 horas)
Cefprozil 30 mg/kg/dia ( a cada 12 horas)
  • Deve-se considerar o perfil de sensibilidade de cada região, assim como o uso racional de antibióticos (escolhendo-se sempre que possível o antibiótico de menor espectro e menor poder de indução de resistência bacteriana).
  • Deve-se individualizar a escolha, considerando-se as contraindicações e efeitos colaterais de cada antibiótico de acordo com a faixa etária e situação clínica do paciente.
  • Em casos de sepse, deve-se iniciar o tratamento de modo empírico com antibiótico terapia de amplo espectro.
  • Se a criança apresentar melhora clínica com o antibiótico utilizado, não há necessidade de repetir urocultura após o tratamento.
26

Duração do tratamento

  • 7 a 10 dias para o tratamento de pielonefrite.
  • 3 dias tratamento de cistite.

Atenção

-O uso de nitrofurantoína para tratamento da pielonefrite é contra-indicado, uma vez que não alcança doses terapêuticas na corrente sanguínea, mesmo tendo alta excreção urinária.

PROFILAXIA

  • Crianças com trato urinário normal profilaxia deve ser avaliada com cautela (possibilidade de aparecimento de cepas mais resistentes);
  • Crianças com ITU de repetição com trato urinário normal e disfunção miccional realizar quimioprofilaxia (por 3 a 6 meses até que haja correção de disfunções);
  • RVU ≥ 3° graus e crianças com cicatriz renal realizar quimioprofilaxia;
  • Processos obstrutivos (estenose de junção uretero pélvica e uretero vesical) realizar quimioprofilaxia até que seja realizada a correção cirúrgica.

Antibióticos utilizados para profilaxia de ITU:

*Não usar em crianças < 2 meses de idade. **Neonatos e crianças < 2 meses de idade.
Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2016.
Antibiótico Dose
Nitrofurantoína* 1 -2 mg/kg/d
Sulfametoxazol+ Trimetroprima 20 mg/kg/d
Cefalexina** 20- 30 mg/kg/d

SEGUIMENTO- INVESTIGAÇÃO POR IMAGEM

Principal objetivo dos exames de imagem é identificar crianças com CAKUT que podem ser mais susceptíveis a ITUs recorrentes e cicatrizes renais futuras.

Okarska-Napierata, 2017, após análise dos principais guidelines atuais sobre o tema propõe:

Roteiro de investigação do trato urinário na infância com exames de imagem
USG crianças < 2 anos – realizar em todos os que tiveram o primeiro episódio de ITU;
crianças > 2 anos de idade – somente para os que tiverem fatores de risco para CAKUT.
UCM Para aqueles que apresentaram ITU febril recorrente, anormalidades ao USG ou outro fator de risco para CAKUT.
DMSA Para aqueles que tem pielonefrite recorrente, RVU graus III a V, alto risco de cicatriz renal.
27

Ultrassonografia de aparelho urinário (USG)

  • Detecta hidronefrose, hidroureteres, anormalidades da parede vesical, complicações da ITU (ex.: abscessos renais ou perirrenais);
  • Sua maior limitação é ser altamente examinador dependente.

Uretrocistografia miccional (UCM)

É o padrão-ouro para o diagnóstico e graduação do RVU ;

  • Útil para visualizar a anatomia da uretra e da bexiga;
  • Desvantagens: exposição à radiação, risco de causar ITU, custo e desconforto ao paciente;
  • A maioria dos guidelines não recomenda a UCM de forma rotineira. Só indica o exame se a USG demonstrar anormalidade sugestivas de CAKUT ou outras circunstâncias clínicas específicas.

Cintilografia

  • Usada primariamente para acompanhar o RVU após a sua correção cirúrgica, evitando repetir a UCM;
  • Gradua o RVU em leve, moderado ou severo;
  • Não consegue revelar defeitos anatômicos e não é utilizada para o teste diagnóstico inicial do RVU;
  • Cintilografia com DMSA é o padrão-ouro para o diagnóstico de pielonefrite aguda e cicatrizes renais (caso o paciente tenha apresentado episódio de ITU recente, é necessário esperar 4 a 6 meses após o episódio de pielonefrite aguda para realizar o DMSA para poder saber se resultou em cicatrizes renais).
Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2016.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Okarska-Napierata M, et al., Urinary tract infection in children: Diagnosis, treatment, imaging – comparison of current guidelines, Journal of Pediatric Urology (2017), http://dx.doi.org/j.jpurol.2017.07.018
  2. AAP Subcommittee on urinary tract infection. Reafirmation of AAP Clinical Practice Guideline: The Diagnosis and Management of the Initial Urinary Tract Infection in Febrile Infants and Young Children 2-24 Months of Age. Pediatrics. 2016; 138(6):e20163026.
  3. Lee, SJ. Clinical Guideline for Childhood Urinary Tract Infection (Second Revision). The Korean Society of Pediatric Nephrology. Child Kidney Dis 2015; 19:56-64.
  4. Saadeh, SA; Mattoo TK. Managing urinary tract infections. Pediatr Nephrol (2011) 26:1967-1976.
  5. Management and Screening of Primary Vesicoureteral Reflux in Children: American Urological Association Guideline. Revised, 2010. Disponível em: http://www.auanet.org/Documents/education/clinical-guidance/Vesicoureteral-Reflux-a.pdf, acessado em 04-12-17.
  6. National Institute for Health and Care Excellence (NICE): Urinary tract infection in children – diagnosis, treatment and long-term management. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists: London, ago. 2007.
  7. Sociedade Brasileira de Pediatria. Infecção do Trato Urinário. Departamento Científico de Nefrologia. Nº 1, Dezembro de 2016.