8 ∙ Disfunção do Trato Urinário na Infância

Sumário

8 ∙ Disfunção do Trato Urinário na Infância

  • Ana Maria Lima de Souza
  • Maysa Campos Mota de Oliveira

20 Veja o anexo desse capítulo

DEFINIÇÃO

  • Anormalidades no enchimento e esvaziamento vesicais na ausência de doenças neurológicas.
  • Disfunção vesical e intestinal” (DVI): associação de obstipação e disfunções do trato urinário inferior.

CONCEITOS

Capacidade Vesical Esperada (CVE) para a idade: volume miccional máximo esperado.

Lactente 1° ano de vida:
CVE(ml)= 38 + [2.5 x idade (meses)]
Idade de 1 a 12 anos:
CVE(ml)= [idade (anos) x 30]+ 30

Frequência diurna: uma frequência normal de micções seria pelo menos 3 até 8 micções por dia.


Polaciúria: termo usado para relatar um aumento de frequência de micções em uma criança que já tem controle esfincteriano, sem evidência de infecção do trato urinário.


Incontinência: perda involuntária de urina contínua ou intermitente.


Urgência: vontade súbita ou inesperada de urinar.


Noctúria: hábito de levantar à noite para urinar.


Exitação: dificuldade para iniciar a micção ou tempo prolongada para inicia-la.


Estrangúria: uso de força abdominal para aumentar ou manter a micção.


Jato urinário fraco: ejeção de urina com pouca força.


Jato intermitente: ejeção não contínua de jato urinário.


Disúria: queimação ou desconforto ao urinar.


Manobras de contenção: manobras usadas para alívio ou contenção da urina como erguer na ponta dos pés, cruzar as pernas, segurar o períneo com as mãos.

CLASSIFICAÇÃO

De acordo com achados clínicos e urodinâmicos:

1. Bexiga Hiperativa

  • Evidência urodinâmica de contrações involuntárias do detrusor (contração detrusora a partir de 15 cm de água, durante a fase de cistometria) em crianças neurologicamente normais;
  • A eletromiografia nestes casos, não deve revelar atividade perineal durante a micção.
  • Caracteriza-se por urgência miccional, com ou sem incontinência urinária diurna, frequentemente associada a posturas de contenção urinária.
  • Na hiperatividade vesical isolada, a urofluxometria se apresenta com curva em “sino” e ultrassonografia sem resíduo pós-miccional significativo.

2. Disfunção Miccional

  • Quando ocorrem alterações na fase de esvaziamento vesical, ocorre uma incoordenação entre a contração detrusora e o relaxamento esfincteriano externo no momento da micção, levando a uma situação de obstrução infra-vesical funcional, denominada de incoordenação vésico-esfincteriana, nas crianças sem doença neurológica.
  • Ocorre pela falta de relaxamento do esfíncter uretral externo no momento da micção.
  • Clinicamente apresentam sintomas de esforço miccional, jato interrompido e presença de resíduo pós-miccional significativo à ultrassonografia.
  • Estudo urodinâmico evidencia uma urofluxometria com curva achatada e alongada (“staccato”), fluxo urinário reduzido, padrão de obstrução infra-vesical com redução de fluxo máximo, pressão detrusora no fluxo máximo elevada e presença de resíduo significativo ao estudo urodinâmico.
  • Na eletromiografia, ocorre a persistência de atividade eletromiográfica perineal, no momento da micção.
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3. Postergador da Micção

  • Padrão de micção infrequente (03 ou menos vezes ao dia), em grandes volumes e com o esvaziamento vesical completo.
  • A ultrassonografia não apresenta resíduo pós-miccional.
  • Padrão urodinâmico destas crianças geralmente é normal.

4. Bexiga Hipoativa

  • Redução na frequência das micções (máximo de 03 micções diárias);
  • Hipotonia vesical (hipo ou acontratilidade detrusora), associada à presença de grande volume de resíduo pós-miccional.
  • Padrão urodinâmico nestes casos se apresenta com uma micção intermitente associada à pressão detrusora no fluxo máximo reduzida, manobras de prensa abdominal para auxílio do esvaziamento vesical e resíduo pós-miccional significativo.

CAUSAS

  • Multifatorial;
  • Fatores genéticos;
  • Pela teria de neuroplasticidade: alteração primária da musculatura pélvica, levando a contração persistente deste grupo muscular, que por sua vez, estimularia a ocorrência de alterações na inervação vesical e intestinal;

QUADRO CLÍNICO LABORATORIAL

Anamnese

  • Frequência urinária
  • Urgência
  • Manobras retentoras e de postergação
  • Incontinência diurna
  • Enurese
  • Eritema vulvar ou vulvovaginites refratárias nas meninas
  • Dores genitais, abdominais e hematúrias
  • Alterações do jato urinário
  • Constipação funcional (usar a escala de bristol e critérios de roma em anexo)
  • Desenvolvimento neuropsicomotor
  • Histórico médico pregresso e historia familiar
  • Hábitos alimentares

Exame Físico

  • Estigmas na região lombo-sacra
  • Alterações ortopédicas
  • Massa fecal à palpação abdominal
  • Genitália se sinais de perda urinária ou dermatites
  • Exame anorretal

Investigação

Diário miccional (por pelo menos 72 horas)

(Sugestão de diário miccional em anexo)

Ultrassonografia

  • Pesquisa de dilatação pieloureteral e presença de resíduo pós-miccional.

Uretrocistografia Miccional

  • Recomendada nas crianças com história de infecção do trato urinário febril e recorrente. A
  • Sinais que se correlacionam com maior frequência com a hiperatividade detrusora: baloneamento da uretra posterior (“uretra em pião”), serrilhamento da parede vesical, alongamento da bexiga e, em casos mais extremos, a presença de divertículos vesicais.

Cintilografia renal com DMSA

  • Avaliação da presença de cicatrizes renais.

Ressonância Nuclear Magnética

  • Da coluna lombossacra: recomendada nos casos em que há alterações no exame neuro-ortopédico, deformidades esqueléticas complexas na radiografia simples e ausência de melhora com a instituição de tratamento clínico.

Estudo Urodinâmico

  • Padrão ouro no diagnóstico e acompanhamento das disfunções.
  • Principais informações:
    • Capacidade cistométrica máxima (reduzida: < 65%; aumentada: >115%);
    • Complacência: relação entre o volume infundido e a pressão de detrusor (V/P= ml/cmH20), reflete a capacidade da bexiga em armazenar a urina até a capacidade normal com baixa pressão;
    • Pressão intravesical e contratilidade no enchimento e esvaziamento:
      • Hipercontratilidade quando ocorrem contrações involuntárias de detrusor. Elevada pressão intravesical é fator de risco para RVU e lesão renal.
      • Hipocontratilidade quando a pressão intravesical é insuficiente (hipoatividade de detrusor) com falta de contração sustentada para iniciar e manter uma micção eficiente para promover um bom esvaziamento vesical.
    • Atividade eletromiográfica do assoalho pélvico no enchimento e esvaziamento: uma contração inapropriada do assoalho durante a micção caracteriza a disfunção miccional.
  • A interpretação conjunta dos resultados permite descrever a classificação das DTUI de acordo com a descrição do ICCS.
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TRATAMENTO

  • Multidisciplinar e individualizado.
  • Fatores decisivos são a motivação, paciência e participação familiar.
    • Uroterapia (terapia não intervencionista e não farmacológica):
  • Micções em intervalos regulares programados e hidratação após cada micção.
  • Opção de uso de relógio com alarme para programação das micções e ingestas;
  • Postura da micção: adaptador de assento, suporte para os pés;
  • Diário miccional.
    • Biofeedback (terapia de retreinamento do assoalho pélvico)
  • Reeducação da musculatura perineal a partir de informações recebidas por meio de eletromiografia de superfície.
  • Conscientização da atividade muscular, do relaxamento, da força, tempo de contração e coordenação.
    • Neuromodulação (NM) ou Estimulação Nervosa Elétrica Transcutânea (TENS)
    • Tratamento da Obstipação
  • Educação: orientar maior ingesta de água e fibras, orientar postura adequadas respeitar o desejo de evacuar evitando a postergação;
  • Manutenção e desimpactação:
  • PEG 4.000UI:

    • Dose de desimpactação 1 a 1,5g/kg/dia por 3 a 6 dias.
    • Dose de manutenção de 0,2 a 0,8g/kg/dia por 2 meses.
  • Alarme
    • Dispositivo colocado junto à roupa da criança, que emite som, no momento da micção.
    • O dispositivo tem a intenção de acordar a criança e provocar a inibição do reflexo do ato miccional, estimulando o paciente a ir ao banheiro.
  • Tratamento Farmacológico
    • Anticolinérgicos
      • Função de relaxar o músculo detrusor permitindo melhorar o armazenamento, reduzindo os sintomas de incontinência
      • Oxibutinina

        • Dose: 0,4 mg/kg/dia em duas tomadas sendo um máxim de 15mg/dia.
        • Efeitos colaterais: boca seca e constipação.
      • Outros: tolterodina.
    • Alfa-bloqueadores
      • Objetivo de promover melhor esvaziamento vesical.
      • Efeitos adversos: hipotensão e tontura.
      • Alfa-bloqueadores seletivos como a Doxazosina (menos efeito colaterais).
      • A terapia farmacológica para esvaziamento é um método off-label.
    • Toxina Botulínica
      • Indicado em casos refratários de hiperatividade de detrusor ou hipertonicidade de esfíncter uretral externo ou esfíncter anal, com resultados promissores, ainda mais utilizados nos casos de disfunção neurogênica.
    • DDAVP (Desmopressina)
      • Deve ser utilizado nas crianças em que a avaliação sugeriu poliúria noturna.
      • Índice elevado de recidiva da enurese quando suspenso.
      • O tempo de tratamento ainda não está definido.
      • O DDAVP está disponível em comprimidos de 0,1 e 0,2 mg. A apresentação em spray nasal de 10 µg não é utilizada em crianças com enurese.
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Referências Bibliográficas

  • TrappC et al. Boletim Científico de pediatria. Distúrbios de Miccção em Crianças. Vol 2, n*2, 2013.
  • Austin PF, Bauer SB, Bower W, et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: update report from the Standardization Committee of the International Children´s Continence Society. J Urol 2014; 191:1863;
  • Gaither TW, Cooper CS, Kornberg Z, et al. Risk factors for Development od bladder and bowel dysfunction. Pediatrics 2018; 141.
  • Martin G, Minuk J, Varghese A, et al. Non-biological determinants of paediatric bladder bowel dysfunction: a plit study. J Pediatr Urol 2016; 12: 109.e1.
  • Bresolin NL et al. Disfunção vesical e Intestinal na Infância, Guia Pratico de Atualização da SBP, numero 3, maio 2019.