5 ∙ Nefrite Lúpica

Sumário

5 ∙ Nefrite Lúpica

  • Maysa Campos Mota de Oliveira
  • Ana Mateus Simões Teixeira e Silva

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DEFINIÇÃO

É uma glomerulonefrite (GN) secundária ao Lúpus eritematoso sistêmico (LES), sendo essa última uma doença inflamatória crônica, que pode atingir múltiplos sistemas e cuja produção de autoanticorpos e consequente formação de imunocomplexos culmina em ativação do sistema complemento.

QUANDO PENSAR EM NEFRITE LÚPICA (NL) EM PACIENTE LÚPICO?

  • Leucocitúria com urocultura negativa;
  • Hematúria microscópica ou macroscópica;
  • Proteinúria subnefrótica ou nefrótica;
  • Sinais e sintomas de síndrome nefrótica;
  • Redução da função renal (em alguns casos pode ser rapidamente progressiva) podendo evoluir para IRA com progressão para cronicidade.

Obs: O paciente pode abrir o quadro de LES com apenas o quadro de NL.

DIAGNÓSTICO

BIÓPSIA RENAL

  • Os achados clínicos nem sempre se correlacionam com a extensão ou gravidade do envolvimento renal;
  • Útil para confirmar o diagnóstico;
  • Avaliação de características de atividade e cronicidade que informam as decisões de tratamento e prognóstico;
  • Imunofluorescência(IF): deposição de imunoglobulinas e imunocomplexos;
  • IF Full-house : depósito simultâneo de IgA, IgG, IgM, C1q e C3.
* NIH: National Institute of Health
Itens incluídos no escore de atividade do NIH* Evolução Pontos Escore
  • Hipercelularidade endocapilar
  • Neutrofílos e/ou cariorrexis
  • Necrose fibrinoide
  • Depósitos hialinos
  • Crescêntico celulare/fibrocelular
  • Inflamação intersticial (leucócitos intertisticiais)
Não presente 0 0-3
    0-3
Presente em:   (0-3) x2
<25% 1 0-3
25-50% 2 (0-3) x2
>50% 3 0-3
Escore total de atividade: 0-24
Itens incluídos no escore de cronicidade do NIH Evolução Pontos Escore
  • Glomeruloesclerose total (global + segmentar)
  • Crescênticos fibróticos
  • Fibrose intersticial
  • Atrofia tubular
<10% 0 0-3
10 - 25% 1 0-3
25-50% 2 0-3
>50% 3 0-3
Escore total de atividade: 0-12

Outros itens não incluídos nos escores:

  • Podocitopatia lúpica
  • Glomerulopatia lúpica colapsante
  • Lesões vasculares (aterosclerose, depósito de imunocomplexos vascular não inflamatório, microangiopatia trombótica, vasculite necrotizante não inflamatória,etc).
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CLASSIFICAÇÃO HISTOPATOLÓGICA

(Sociedade Internacional de Neurologia -ISN)/Sociedade de Patologia Renal -RPS)

Categoria Descrição
Classe I Glomérulo normal à Microscopia Óptica (MO), imunocomplexos na Imunofluorescência (IF) ou na Microscopia Eletrônica (ME).
Classe II Hipercelularidade mesangial com depósito imuno-mesangial; expansãoda matriz mesangial à MO.
Classe III Doença focal segmentar ou global envolvendo < 50% dos glomérulos
III (A): lesões ativas
III (A/C): atividade ou lesões crônicas
III (C): lesões crônicas inativas
Classe IV Doença difusa segmentar (S) ou global (G) envolvendo ≥ 50% dos glomérulos
IV-S: ≥ 50% dos glomérulos com lesões segmentares
IV-G: ≥ 50% dos glomérulos com lesões globais
IV-S (A), IV-G (A): lesões ativas
IV-S (A/C), IV-G (A/C): lesões ativas e crônicas
IV-S (C), IV-G (C): lesões crônicas inativas
Classe V Depósitos imuno-subendotelial global ou segmentar com espessamento da membrana basal glomerular (MBG); presença de depósito de imuno-complexos; pode ocorrer em combinação com a Classe III ou IV.
Classe VI Esclerose avançada; ≥ 90% de glomérulos esclerosados

MANEJO GERAL DE PACIENTES COM NEFRITE LÚPICA

  • Objetivo de evitar a progressão da nefrite existente e consequentemente a evolução para insuficiência renal terminal;
  • O tratamento é instituído baseado no achado da biópsia renal.

AO DIAGNÓSTICO, INICIAR O TRATAMENTO COM HIDROXICLOROQUINA:

  • 6,5 mg / kg / dia ou 400 mg / dia;
  • 4 a 5 mg / kg / dia - durante a fase de manutenção;
  • Dose 25% menor deve ser administrada a pacientes com TFGe <30 ml / min / 1,73 m ².

Todos os pacientes devem fazer um exame inicial da retina e depois teste oftalmológico anual, especialmente após cinco anos de uso.

TRATAMENTO IMUNOSSUPRESSOR

1) Nefrite lúpica classe I ou classe II

  • Geralmente têm função renal normal;
  • Baixo grau de proteinúria (subnefrótica) e às vezes hematúria microscópica;
  • Para esses pacientes, utiliza-se imunossupressão do LES, não tem terapia específica para a nefrite lúpica;
  • Histologicamente, são semelhantes aos pacientes com lesões mínimas e geralmente tem boa resposta ao corticoide.
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2) Nefrite lúpica classe III e IV

BIÓPSIA COM LESÕES EM ATIVIDADE
TRATAMENTO DE INDUÇÃO

Corticoide associado a ciclofosfamida intravenosa:

Pulsoterapia com metilprednisolona 20 mg/kg/dia (máxima: 500mg/dia) de 1 a 3 dias. Seguido por dose oral de prednisona 0,6-1 mg/kg/dia (máximo de 80 mg/dia).

  • Ciclofosfamida venosa de 0,5-1 g/m²/mês por 6 meses OU
    Ciclofosfamida venosa 500mg a cada 15 dias (6 ciclos) OU
    Ciclofosfamida oral 1-1,5 mg/kg/dia (máximo de 150mg/dia) por 6 meses OU
  • Terapia alternativa:
    Corticoide associado ao Micofenolato de mofetila ou de sódio:
    • Micofenolato de Mofetila 2-3g/dia por 6 meses OU
      Micofenolato de sódio 1140-2160 mg/dia por 6 meses

BIÓPSIA COM LESÕES CRÔNICAS SEM ATIVIDADE

Tratamento de suporte para doença renal crônica (DRC), se houver concomitante classe V, tratar como classe V.

Regime de corticoide

Esquema de dose inicial Esquema de redução da dose
Pulso com metilprednisolona 0,25- 0,5 g/dia x3 0,25-0,5g/dia x 2-3
Equivalente de prednisona oral
0-2 semanas 0,6-1 mg/kg (máx 80 mg/dia) 20-25 mg
3-4 semanas 0,3-0,5 mg/kg 20 mg
5-6 semanas 20 mg 15 mg
7-8 semanas 15 mg 10 mg
9-10 semanas 12,5 mg 7,5 mg
11-12 semanas 10 mg 5 mg
> 12 semanas 5-7,5 mg 2,5 mg

Terapia inicial com esquema triplo de imunossupressor (inibidor da calcineurina-ciclosporina ou tracrolimo- Micofenolato em dose baixa e corticosteróides) em pacientes que não toleram dose padrão de micofenolato e não toleram esquemas com ciclofosfamida.

Terapia de manutenção para nefrite lúpica classe III e classe IV:

Dose de manutenção:
Micofenolato de mofetila: 1 a 2 g/dia OU
Micofenolato de sódio: 720 a 1440 mg/dia OU
Azatioprina 1 a 2mg/kg dia OU
Ciclosporina atingir o nível sérico de 60-100 ng/ml OU
Tacrolimo atingir o nível sérico de 4-6 ng/ml.

  • Os corticosteróides devem ser diminuídos para a menor dose possível durante a manutenção, exceto quando são necessários corticosteróides para o lúpus extrarrenal.
  • A suspensão do corticoide deve ser considerada após completa resposta clínica renal por aproximadamente 12 meses.
  • Duração do tratamento indutor + manutenção deve durar pelo menos 36 meses.
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Resposta completa
  • Redução da proteinúria - relação proteína/creatinina em amostra isolada de urina (RPC) < 0,5g/g;
  • Estabilização ou melhora da função renal (±10-15% da linha de base);
  • Dentro de 6-12 meses do início da terapia, mas levar mais do que 12 meses.
Resposta parcial
  • Redução da proteinúria pelo menos 50% e < 3g/g RPC;
  • Estabilização ou melhora da função renal (±10-15% da linha de base);
  • Dentro de 6-12 meses do início da terapia.
Ausência de resposta renal
  • Falência em alcançar resposta parcial ou completa com 6-12 meses de terapia.

Obs.: Se paciente com resposta insatisfatória após 6 a 12 meses de tratamento, avaliar nova biópsia renal para condução o tratamento.

Tratamento da recidiva

Após uma remissão completa ou parcial, a recidiva deve ser tratada com a mesma terapia inicial usada para alcançar a resposta ou uma terapia de primeira linha alternativa.

Referências Bibliográficas:

  1. Kidney Disease Outcomes Quality Initiative. Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO). KDIGO-GN Clinical Practice Guideline for Glomerulonephritis. lupus nephritis. Kidney International Supplements, chapter 10, 2020.