AUTORA
Luelí Nogueira Duarte e Silva

O protagonismo estudantil/juvenil e as concepções de formação de professores na contemporaneidade

04

Resumo: Este texto tem como objetivo estabelecer uma relação entre a ideia de protagonismo estudantil/juvenil e as concepções de formação de professores na contemporaneidade. Inicialmente, discute os significados e usos desse termo. Em seguida, apresenta as concepções de formação de professores na contemporaneidade, destacando o papel do professor, do aluno e do conhecimento.



As concepções de formação de professores estão vinculadas, em cada momento histórico, a uma concepção de educação, de escola, de processo ensino-aprendizagem e, consequentemente, a uma determinada compreensão do papel do professor, do aluno e do conhecimento.

As preocupações em torno da tríade: professor, aluno e conhecimento na educação, de modo geral, e na formação de professores, em particular, tem se desenvolvido e se traduzido, ao longo da história, em diversas formas de entendimento do ser, do fazer e do pensar do professor, ou ainda, tem se apresentado em diferentes abordagens teóricas e práticas sobre a formação docente.

Nos últimos anos, o uso frequente do termo protagonismo estudantil/juvenil em artigos e eventos científicos da educação, bem como em propostas educacionais, projetos pedagógicos, na legislação e no discurso de professores, nos leva a questionar os significados e usos desse termo e buscar compreender os nexos constitutivos com certas concepções de formação de professores na contemporaneidade.

Percebe-se, em uma consulta rápida aos documentos ou textos que empregam esse termo, que há uma pluralidade de significados atribuídos ao protagonismo estudanti/juvenil. Em decorrência disso, faz-se necessário uma melhor compreensão dos significados e usos do termo - protagonismo estudantil/juvenil.

O termo protagonismo, de acordo com o dicionário Aurélio (1986, p. 1405), significa:

1 - Desempenho do papel de protagonista (de peça teatral, filme, série televisiva, livro, etc.); 2 - Qualidade do que se destaca em qualquer acontecimento, área ou situação.

Verifica-se que o termo significa, por um lado, aquele que assume o papel principal em uma peça, ou filme ou livro, etc, ou aquele que ocupa o lugar central em um acontecimento.

No campo educacional, protagonismo estudantil ou juvenil tem sido empregado para referir-se a autonomia, a participação, a cidadania, a ação do aluno tanto no processo ensino – aprendizagem, na escola, de modo geral, como em movimentos sociais, de caráter político.

A ideia da ação como princípio pedagógico, traduzida na concepção do aluno ativo, autônomo, produtor de seu próprio conhecimento e, consequentemente na concepção do professor como mediador, orientador, ou ainda, naquele que cria as condições para o aluno “aprender a aprender”, verificadas no final do século XX e presentes nas primeiras décadas do século XXI confirmam uma tendência que vinha se delineando, já na passagem do século XIX para o século XX, que se expressavam pelas concepções da escola ativa. John Dewey (1979), nos Estados Unidos, é considerado seu principal representante.

05

As concepções da escola ativa desembarcam fortemente no Brasil a partir dos meados de 1920, impulsionadas pelas transformações políticas, econômicas e sociais e pelo crescente processo de urbanização e industrialização daquele momento. Esse ideário foi disseminado por meio do movimento que ficou conhecido como escola nova ou escolanovismo. Movimento, este, que defendia o aluno na centralidade do processo educacional e se opunha a escola tradicional, na qual o professor era visto como o centro do processo ensino aprendizagem e detentor da função de transmitir o conhecimento.

No início da década de 1980, no momento de redemocratização do país, verifica-se a retomada da ideia do aluno como sujeito autônomo e ativo na construção de sua aprendizagem, em decorrência da emergência da tendência pedagógica do construtivismo, que se fundamentava inicialmente nas concepções e formulações do teórico Jean Piaget e, posteriormente teve a incorporação de outras teorias psicológicas, como por exemplo a abordagem histórico – cultural, dando origem a novas denominações como sócio-construtivismo, co-construtivismo, sócio-interacionismo ou interacionaismo. Em que pese as diferenças conceituais e epistemológicas entre essas abordagens, todas defendiam a atividade, a autonomia do aluno, ou ainda o aluno como centro do processo ensino – aprendizagem.

Ferretti, Zibas e Tartuce (2004) afirmam que o termo protagonismo emerge nos documentos oficiais a partir da década de 1990, tendo como principal difusor dessa ideia as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Resolução n. 3/1998. Para esses autores, inclusive, a ideia de protagonismo é um dos eixos estruturantes desse documento.

... a ênfase no protagonismo juvenil permeia tanto o eixo de gestão quanto o eixo curricular da reforma do ensino médio, decorrendo daí nosso interesse em tentar definir mais precisamente esse conceito, reconhecidamente fluído e multifacetado, carregado de significado pedagógico e político, o que o torna um potencial catalisador de conflitos e, portanto, um fértil objeto de estudo. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004, p. 412)

Contudo, alertam que no texto da LDB/96 já estava presente a ideia da importância da participação dos alunos. Portanto, pode-se afirmar que é no contexto dos documentos legais do final do século XX que o termo protagonismo aparece pela primeira vez.

O que explica a emergência desse termo naquele momento? Para esses autores são

as transformações sociais e culturais que configuram as chamadas sociedades pós-modernas ou pós-industriais, as profundas mudanças que ocorrem no campo do trabalho estruturado sob o capital, o vertiginoso avanço nos campos científico e tecnológico”. Fatos que, para eles, produziram “simultânea e contraditoriamente a afirmação e negação de paradigmas, valores, concepções e práticas de trabalho, de vida e de educação. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004, p. 412/413)

Diante disso, surgiu, para esses autores, “uma urgente necessidade social de promover, de maneira sistemática, a formação de valores e de atitudes cidadãs que permitissem a esses sujeitos conviver de forma autônoma com o mundo contemporâneo” (2004, p.413). O protagonismo juvenil seria assim a forma de dar conta dessa formação para a “moderna cidadania”, ou para essa sociedade que se constituía.

06

A revisão bibliográfica sobre o tema realizada por eles indica que o "protagonismo dos jovens/alunos" é um conceito passível de diferentes interpretações e, além disso, imbrica outros conceitos igualmente híbridos, como "participação", "responsabilidade social", "identidade", "autonomia" e "cidadania".

Isto posto, cabe perguntar: o que há de novo, nesse momento, que reacendeu e realimentou o uso do termo protagonismo juvenil/estudantil no discurso, na literatura e nas propostas pedagógicas?

Verifica-se que os textos que referem-se ao protagonismo estudantil, em particular, dizem respeito aos movimentos que nos últimos quatro anos tiveram o engajamento de jovens, como, por exemplo: o “Vem pra rua” e o “RUA” – anticapitalisa. Porém, o que tem sido considerado um marco, ou o momento emblemático do protagonismo estudantil foram as ocupações das escolas pelos alunos secundaristas em 2016, principalmente em São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro e Paraná, em defesa da educação pública e em reação a medidas governamentais que colocavam em risco a educação pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referendada.

Esse fenômeno estudantil tem implicado em algumas reflexões e tomadas de ações e medidas nas escolas do ensino médio, ou, pelo menos em algumas delas, como: maior aceitação da participação dos alunos na gestão da escola, nos processos de avaliação, na criação de grêmios estudantis, de jornais, de rádios, entre outros. Além disso, verifica-se que a ideia do protagonismo estudantil também tem sido canalizada e direcionada para supostamente fundamentar propostas de mudanças no interior das práticas pedagógicas, como por exemplo, na concepção do aluno, de professor, de ensino e de conhecimento.

Atualmente, a renovação desse movimento de tomar o aluno como protagonista de sua aprendizagem, de seu conhecimento, ou como protagonista de seu futuro, ou como o centro de todo o processo ensino - aprendizagem e o professor como apenas aquele que orienta esse processo encontra uma forte defesa em publicações da área da administração de empresas e também nas publicações do Instituto Lemam, do Instituto de Co-responsabilidade da Educação (ICE), entre outros dessa natureza.

Para Costa, do Instituto de Co-responsabilidade da Educação, o

Protagonismo juvenil é a participação do adolescente em atividade que extrapolam os âmbitos de seus interesses individuais e familiares e que podem ter como espaço a escola, os diversos âmbitos da vida comunitária; igrejas, clubes, associações e até mesmo a sociedade em sentido mais amplo, através de campanhas, movimentos e outras formas de mobilização que transcendem os limites de seu entorno sócio- comunitário. (COSTA, 2000; 90)

Para a escola de negócios, a Faculdade Paulista e Ensino Superior (FAPPES), por exemplo, o protagonismo estudantil significa que o aluno tem autonomia para escolher quando, onde e como estudar as disciplinas de seu interesse. Com base nas metodologias ativas, criaram o sistema Blox que permite que o aluno monte a própria grade curricular, a partir de assuntos oferecidos pela instituição e de acordo com os seus próprios interesses.

07

Outro exemplo disso, O Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) lançou em 2017 as Diretrizes de formação de professores para o uso de tecnologias, que, de acordo com o documento, “fornecem subsídios para a estruturação de formações inovadoras e de qualidade para professores, que associem momentos de experimentação, teóricos e práticos, com relação ao uso pedagógico de tecnologias em sala de aula”. (p.3). Nas diretrizes é possível verificar a ideia do protagonismo dos alunos, inclusive, uma das tarefas essenciais do professor é valorizar esse protagonismo, assumir um papel de mediador e estimular o desenvolvimento da autonomia.

Mas, o que há de comum entre os estudos iniciais de Ferretti, Ribas e Tartuce (2004) na literatura especializada, no texto da reforma do ensino médio sobre o protagonismo e atualmente nessa literatura sobre esse mesmo termo?

Em particular, pode-se responder a essa questão, destacando o seguinte entendimento da própria análise dos autores mencionados.

Essa forma de encarar e promover a participação de jovens e adolescentes abre, potencialmente, perspectivas para ações solidárias e meritórias diante das necessidades imediatas da população e dos próprios jovens. Entretanto, carrega consigo a possibilidade de despolitizar o olhar sobre as determinações da pobreza e sua manutenção, desviando o foco das preocupações do debate político e social sobre tais determinações para o da ação individual ou coletiva, com vistas a minorar, de modo funcionalista, "os aspectos negativos do pós-industrialismo", designação eufêmica para os desdobramentos sociais e econômicos da atual fase do capitalismo mundial. Nesse sentido, apesar do teor de questionamento das decorrências negativas do "pós-industrialismo", o protagonismo pode encaminhar a promoção de valores, crenças, ações etc. de caráter mais adaptativo que problematizador. (FERRETTI; RIBAS; TARTUCE, 2004, p. 417/418)

Isso significa que o protagonismo estudantil tanto nos documentos oficiais a partir da década de 1990, como na literatura especializada do início do século XXI como nessa atual literatura mencionada, em certo sentido, despolitiza a ação dos estudantes, retira dessa ação as questões políticas e ideológicas, higieniza e esvazia de significado histórico e lógico a atividade e a participação dos estudantes. Visto que a ideia de protagonismo se volta para as questões do interior da sala de aula, para as questões metodológicas, ou seja, se resume a adoção de uma prática pedagógica.

Mesmo quando esse protagonismo aparenta ter um caráter mais político e social, como por exemplo, quando o educador Antônio Costa do ICE diz:

O protagonismo juvenil deve priorizar a intervenção comunitária, procurando, com a ação concreta dos jovens, contribuir para uma sociedade mais justa, a partir da incorporação de valores democráticos e participativos por parte dos jovens e da vivência do diálogo, da negociação e da convivência com as diferenças sociais. Assim, o protagonismo juvenil pressupõe sempre um compromisso com a democracia.

Entretanto, para que se desenvolva o protagonismo juvenil é necessário desenvolver um novo tipo de relacionamento entre jovens e adultos, em que o adulto deixa de ser um transmissor de conhecimentos para ser um colaborador e um parceiro do jovem na descoberta de novos conhecimentos e na ação comunitária. (COSTA, 2000, p. 92)

08

O que se pode perceber dessa afirmação, na verdade, é a face conservadora, economicista e adaptativa do discurso do protagonismo. De modo que o protagonismo estudantil serviria a tornar o jovem mais solidário e autônomo diante desse mundo desigual e perverso, porém não está dada a possibilidade desse jovem de questionar as desigualdades e propor outras possibilidades alternativas de sociedade. O protagonismo é entendido de modo funcional e dirigido a manutenção das coisas como elas estão.

Diferentemente do que a literatura e esses documentos apresentam, é importante destacar que protagonismo estudantil/juvenil não se resume a ação de poder escolher a grade curricular, o quê e o como estudar, a ter maior participação na sala de aula, a ser visto como construtor de seu conhecimento ou responsável por sua aprendizagem e também não se resume a participar dos processos avaliativos, mas envolve, sobretudo, apropriar-se dos conhecimentos cultural e socialmente construídos pela humanidade e por meio deles e com base nesses conhecimentos ser capaz de pensar e repensar o mundo e a sociedade, de modo a refletir, interpretar, reinterpretar e agir em busca da construção de um mundo melhor, mais justo, mais humano e mais fraterno.

Diante desse entendimento do protagonismo estudantil/juvenil, cabe perguntar qual a relação entre a formação de professor e o protagonismo estudantil/juvenil? Ou, dito de outro modo, o que as concepções de formação de professores têm a dizer sobre o protagonismo estudantil/juvenil?

Desde a emergência da modernidade, a escola, em particular, dentre as várias instituições sociais modernas, ocupa cada vez mais uma posição de destaque na manutenção e na disseminação ideológica do desenvolvimento do capital (CAMBI, 1999). É inerente à modernidade e ao mundo contemporâneo o caráter reprodutor da educação, ou seja, a escola, no modo de produção capitalista, é concebida como um dos meios fundamentais de manutenção do capitalismo, tanto por meio da formação como da preparação da força de trabalho. Evidentemente que nesse processo de reprodução do capital, ao mesmo tempo, se faz presente o aspecto emancipador da escola, ou a possibilidade de construção de alternativa societária.

A educação moderna, assim, vai se constituindo em um instrumento ideológico fundamental e necessário ao desenvolvimento do capital, vai sendo constituído uma ligação orgânica entre a educação, particularmente a escolar, e a sociedade. Ao longo desse processo, vão se formando distintos projetos societários, subjacentes a esses encontram-se projetos políticos para a sociedade e vinculados a esses, encontram-se ainda distintas propostas de organização ou re-organização do ensino em todos os graus e ramos.

Essa reorganização da escola, do ensino e dos processos de escolarização implica de imediato a redefinição da(s) teoria(s) pedagógica(s) que orienta(m) os fins educacionais e que seleciona(m) os meios para se alcançar tais propósitos, ou seja, torna-se necessário uma mudança radical na concepção filosófica, ética e moral de educação e de escola para atender as novas demandas e necessidades sociais. Nesse processo de reorganização educacional e pedagógica, os cursos de formação de professores sofrem, em alguma medida, modificações em sua concepção, em seus princípios, em seus valores e em suas práticas com o objetivo de se ajustar as novas atribuições destinadas à escola.

09

Assim nas propostas de reorganização do ensino e nas propostas de reformulação dos cursos de professores se manifestam distintas concepções de sociedade, de homem, de educação e escola, as quais, por sua vez, se fundamentam em abordagens filosóficas, psicológicas e ideológicas que se apoiam em diferenciadas concepções de mundo.

Nessa perspectiva, entendendo que os processos educativos, de modo geral, e o escolar, em particular, não são neutros e nem descontextualizados, mas, ao contrário, mantém uma relação dinâmica e contraditória com os processos sociais, pretendo de forma breve apresentar as abordagens, concepções e práticas predominantes da formação de professores na contemporaneidade e suas implicações educacionais, em especial, no papel do professor, do aluno e do conhecimento.

Dentre as classificações das abordagens de formação de professores, adotou-se a de Diniz-Pereira (2007), sua análise baseia-se nos estudos elaborados por Carr e Kemmis (1988), mas também contempla e sintetiza as características fundamentais de cada uma das perspectivas ou tradições de formação, inclusive a de Liston e Zeichner (1997) e a de Pérez Gómez (1998), que gozam de grande prestígio no universo acadêmico. Diniz-Pereira (2007) elabora, no texto Paradigmas contemporâneos da formação docenteVer, também, Diniz-Pereira (2008, p. 11-42)., um quadro interpretativo das tendências de formação, agrupando-as em três grandes modelos: os modelos técnicos, os modelos práticos e os modelos críticos, descritos a seguir.

Modelos técnicos: consideram que as questões educacionais são problemas técnicos e, portanto, devem ser tratados tecnicamente, mediante a aplicação de uma teoria científica ou uma teoria. A prática, nesses modelos, é vista como local de aplicação desse conhecimento científico. O professor é um mero técnico que recorre aos conhecimentos técnico-científicos para solucionar os problemas técnicos do ensino. O aluno, de modo geral, é visto como sujeito passivo, com pouca ou nenhuma possibilidade de participação no processo ensino - aprendizagem e ainda como receptáculo de conhecimentos transmitidos pelo professor.

Modelos práticos: O princípio pedagógico deweyano “aprender fazendo”, ou aprender por meio da ação, e a compreensão de pensamento reflexivo do professor nele implícita são considerados os germes do que constituir-se-ia, a partir dos anos 1960, como racionalidade prática, ou perspectiva prática (PÉREZ GÓMEZ, 1998; ZEICHNER, 2008, 2008ª; DINIZ-PEREIRA, 2008). A perspectiva prática coloca-se em oposição ao modelo da racionalidade técnica e entende que o professor deve basear seu julgamento, suas ações, seu fazer, na experiência, na sua prática cotidiana, inclusive na elaboração curricular. Cabe ao professor, portanto, não transmitir conhecimentos, mas, ao contrário, por meio de sua experiência e prática dar a direção ou redireção do processo ensino - aprendizagem. Aos alunos cabem também vivenciar na prática os conhecimentos, as teorias para levantar hipóteses, testá-las e, inclusive refutá-las, enfim “aprender fazendo”. No entendimento que o processo de ensino se assemelha ao processo de aprendizagem, de modo que o professor é um aluno e o aluno também é um professor. Schwab, nos Estados Unidos, e Stenhouse, na Inglaterra, nos anos 1960, foram os teóricos que contribuíram para fundamentar outra concepção de professor, como prático, e ressaltar sua importância na formulação curricular. Schön (2000) também é apontado como um teórico que, nos anos 1970, chamou novamente a atenção para a importância da prática, da ação na formação dos futuros professores.

10

Modelos críticos: O adjetivo “crítico” conferido a essa perspectiva de formação de professores abre muitas possibilidades de entendimento e de significados diferentes. A despeito dos enfoques teórico-metodológicos distintos, esses aproximam-se, por um lado, pela crítica à perspectiva técnica e à perspectiva prática e, por outro, pela pretensão de articular uma concepção de ensino como prática social com um processo de desenvolvimento da autonomia dos próprios professores, de modo a elaborar uma abordagem crítica não apenas da sala de aula como também do contexto educacional e institucional. Autores como Zeichner (2008; 2008ª) e colaboradores, bem como Carr, Kemmis (1988) e colaboradores estariam inseridos nesses tipos de modelos críticos.

A perspectiva crítica, diferentemente da perspectiva prática e da reflexiva, não se resume a reflexões sobre a própria experiência ou sobre os problemas que emergem da prática dos professores, mas é crítica também das instituições e das estruturas em que os professores desenvolvem seu trabalho.

Nesse sentido, a reflexão crítica tem como ponto de partida a prática, a experiência do professor, mas também lança mão de um arsenal teórico crítico para fundamentar a reflexão do professor sobre sua atividade, sua ação e também sobre a escola, seu funcionamento, sua organização e sua função política e social.

Contudo, apesar de enfatizar a importância dos conhecimentos teóricos, ou das teorias acadêmicas públicas, como denomina Zeichner (2008), a finalidade do trabalho docente é levar os alunos a construção de teorias pessoais, teorias que advém da reflexão sobre a reflexão da ação. Por isso, Zeichner, Carr e Kemmis e colaboradores defendem que essa prática teorizada pelos alunos deve ser posteriormente socializada nas comunidades de aprendizagem ou junto a outros pesquisadores. Processo que levaria a construção de uma tradição de teoria e de investigação educativa decorrente das pesquisas dos alunos – futuros professores sob a orientação e direção de seus professores.

Como se nota, a ideia do protagonismo estudantil/juvenil, traduzido na ação, na autonomia do aluno ou do futuro professor, encontra apoio nos aportes teóricos, especialmente, dos modelos de formação de professores práticos e críticos. Embora não se pode afirmar que no modelo da racionalidade técnica não haveria uma atividade ou uma ação do aluno. Visto que o próprio Piaget (1994; 1976) nos ensinou que a atividade do aluno que promove seu desenvolvimento não se resume a uma ação física e motora, mas é uma ação predominantemente interna, cognitiva e endógena, essa ação, portanto, é lógica - matemática, operacional e reflexiva.

Com base nesse entendimento, deve-se apresentar uma análise das implicações educacionais dessas abordagens, em particular práticas e críticas, e, na sequência, a questão do protagonismo estudantil/juvenil.

Em primeiro lugar, os modelos práticos e críticos, em sua tentativa de romper com o modelo da racionalidade técnica, cuja ênfase está posta no professor e, consequentemente, no conhecimento, dão destaque ao papel do aluno como sujeito ativo, autônomo, participativo e como aquele que é o construtor de seu próprio conhecimento, ou seja, põem a ênfase no protagonismo estudantil/juvenil, com isso o papel do professor e do conhecimento torna-se secundário.

11

Em segundo lugar, percebe-se nessas duas abordagens: prática e crítica, por um lado, uma exacerbação da prática, da experiência ou de uma teoria imediatamente referida à prática, por outro, um ofuscamento da importância da teoria, principalmente das teorias que não têm essa característica de ser imediatamente referidas à prática, mas possuem um valor inestimável de compreensão e interpretação da realidade e, consequentemente da educação.

Terceiro, as críticas ao enfoque positivista dessas abordagens, e, ao mesmo tempo, a defesa intransigente na formulação de uma nova concepção de ciência ou teoria educativa, como base na experiência prática do professor, na verdade, pode-se revelar solidária de abordagens que trazem em seu interior uma crítica radical e demolidora do projeto iluminista. O projeto iluminista defende a importância de se garantir a todos e todas o acesso aos conhecimentos sistematizados e aos bens culturais da humanidade, visto que este projeto parte do suposto de que a apropriação desse cabedal de conhecimentos é que permitiria a emancipação do indivíduo.

Quarto, a aproximação, estabelecida por essas abordagens, entre o senso comum e o conhecimento científico concorre para o descrédito da teoria e para a valorização e prevalência da prática, ou para o praticismo. Mesmo quando se referem à práxis, ou à ação pensada e refletida, a teoria enfatizada é a teoria que advém da prática, da experiência do professor, portanto, não é qualquer teoria. Em outras palavras, ao se nivelar ação do professor a ação do aluno ou ao se estabelecer uma equivalência entre as teorias acadêmicas do professor e as teorias pessoais dos alunos, esse procedimento promove um descrédito das teorias, do conhecimento dos professores, na esteira disso uma desvalorização do próprio professor.

Quinto, a ideia de comunidades críticas de pesquisadores ou comunidades autorreflexivas, defendidas pelas abordagens críticas, sugerem um potencial formativo interessante. Porém, se a ênfase de todo o processo for posta na prática, na experiência ou no protagonismo desse sujeito, essas comunidades, no limite, podem obscurecer o papel do próprio professor e do conhecimento.

Por isso, entende-se que uma concepção de educação e de formação de professores que pretenda dar voz e lugar a ação, ao protagonismo estudantil/juvenil e ainda superar o praticismo, a instrumentalização da teoria, o imediatismo, o primado da ação, da técnica não pode negar as contribuições das ciências, da filosofia, da literatura e das artes. Nesse sentido, defende-se, neste trabalho, a concepção da formação cultural como princípio educativo, ao mesmo tempo, como abordagem que se opõe e se distancia da formação proposta pelas abordagens práticas e críticas.

A concepção da formação cultural de professores tem como base teórica abordagens filosóficas, pedagógicas e psicológicas, como por exemplo, as denominadas de histórico – cultural, sócio – cultural, ou ainda a psicologia social de Adorno e Horkheimer (1985), e Adorno (1995; 1995ª; 2003). Abordagens, estas que defendem o papel ativo do aluno, de seu protagonismo, mas sem descuidar ou obscurecer o papel do professor e, muito menos do conhecimento sistematizado.

12

Considerações Finais

A educação como formação cultural é um ensino fundamentado em uma sólida formação cultural, no intuito deve propiciar ao aluno, ou ao futuro professor, não só conhecimentos práticos, experienciais e pedagógicos, mas conhecimentos sobre a cultura em geral, no pressuposto de que o acesso à cultura, de modo geral, e, claro, aos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos permitiria, isso sim, a elevação da consciência dos professores e de seus alunos. Isso significa afirmar que o protagonismo, a ação, a autonomia do aluno é necessária e bem vinda ao processo ensino – aprendizagem, contudo essa atividade passa necessariamente pela ação, pelo protagonismo e pela autonomia do professor. Nesse sentido, a possibilidade de reflexão, interpretação e intervenção da realidade pelo aluno está condicionada a apropriação desses conhecimentos, contemplando ainda as dimensões artísticas, literárias e estéticas da cultura.

Cabe ressaltar ainda que a ideia de protagonismo estudantil/juvenil não se pauta apenas em questões da ordem da prática pedagógica, ou diz respeito a adoção de metodologias de ensino, por isso essa noção deve-se ancorar, de fato, em uma práxis e não em uma ação sem reflexão, ou em um praticismo estéril e sem sentido.

Enfim, a ação do aluno ou do jovem se pauta ou se fundamenta na reflexão crítica, aprofundada, a qual, por sua vez, apoia-se em conhecimentos históricos, filosóficos, culturais, sociais e políticos da realidade, ou seja, esse protagonismo emerge e se revela por meio da unidade teoria e prática.

Referências

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

ADORNO, Theodor W. Sobre sujeito e objeto. In: Palavras e sinais: modelos críticos 2. Trad. Maria Helena Ruschel. Petrópolis: RJ, 1995.

_________. Notas marginais sobre teoria e práxis. In: Palavras e sinais: modelos críticos 2. Trad. Maria Helena Ruschel. Petrópolis: RJ, 1995a.

_________. Educação e Emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. 3 ed.São Paulo: Paz e Terra, 2003.

BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, 1988.

CAMBI, F. História da Pedagogia. Tradução: Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999.

CARR, Wilfred & KEMMIS, Stephen. Teoria critica de la ensenanza. Barcelona, Espanha: Ediciones Martinez Roca, 1988.

CENTRO DE INOVAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA (cieb). Diretrizes de formação de professores para uso de tecnologias. 2017. www.cieb.net.br. Acesso em 19 de novembro de 2018.

COSTA, Antonio Carlos G. da. Protagonismo juvenil: adolescência, educação e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 2000.

DEWEY, John. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

DINIZ – PEREIRA, Júlio Emílio. A pesquisa dos educadores como estratégia para construção de modelos críticos de formação docente. In: ______; ZEICHENER, Kenneth M. (orgs.) A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

______. Paradigmas contemporâneos da formação docente. In: SOUZA, João Valdir A. de (org.). Formação de professores para a educação básica: dez anos de LDB. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

________; ZEICHENER, Kenneth M. (orgs.) A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008a.

FERREIRA, Aurélio Buarque de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2 ed. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

12

LISTON, D. P.; ZEICHNER, K. M. Formación del profesorado y condiciones sociales de la escolarización. 2. Ed. Madrid: Morata, 1997.

PIAGET, Jean e INHELDER, Bärbel. A Psicologia da criança. 13 ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S. A. 1994.

PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense – Universitária, 1976.

PÉREZ GÓMEZ, A.I. A função e formação do professor\a no ensino para a compreensão: diferentes perspectivas. In: GIMENO - SACRISTÁN, J; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 1998.

SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo - um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

______. A pesquisa-ação e a formação docente voltada para a justiça social: um estudo de caso dos Estados Unidos. In: PEREIRA, J. E. D.; ZEICHNER, K. M. (Org.). A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 67- 93.

______. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante na formação docente. Educação e Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 535-554, maio-ago., 2008a.

CURRÍCULO

Luelí Nogueira Duarte e Silva
Professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da UFG. Mestrado e Doutorado em Educação pelo PPGE/FE/UFG. E – mail lueliduarte1963@gmail.com. Currículo Lattes -  http://lattes.cnpq.br/0294578129306558