Re) Pensar do Lugar da História e Filosofia da Ciência no Processo de Ensino-aprendizagem e na Formação de Professores
13Resumo: Neste artigo é apresentada uma reflexão crítica a respeito da História e Filosofia da Ciência (HFC) na sua relação com o ensino de Ciências a partir de uma perspectiva dialética. Considerando a história da relação entre a HFC com o ensino e os estudos sobre a lógica dialética, advogamos que a HFC pode ser uma abordagem didática de pensar o conteúdo. Nesse movimento, percebemos que é essencial que a HFC seja incorporada como estratégia didática contextualizada/contextualizadora no processo de construção do conhecimento, mas não como um conteúdo a mais a ser trabalhado ou como uma metodologia a mais do currículo. Compreendemos que essa relação HFC e o modo de pensar o processo de ensino- aprendizagem pode se apresentar como um eixo unificador que perpassa todo ensino de Ciências na escola, dando organicidade aos conteúdos e superando a dicotomia entre a teoria e prática. Investimos aqui na ideia que a HFC como estratégia didática trabalha forma e o conteúdo num movimento dialético, visando a superação tanto do “ensino conteudista”, quanto a “epistemologia da prática”.
A inserção da HFC no campo educacional
Num movimento dialético é possível perceber que existem “duas histórias”, aquela vinda das transformações da matéria na Natureza (História Natural) e a que vem das transformações das relações de produção humana (História Social). Porém, elas não existem separadamente, já que estão reciprocamente relacionadas e é exatamente dessa relação que emerge a Ciência (NASCIMENTO Jr., SOUZA e CARNEIRO, 2011).
Compreender a Ciência e ensiná-la a partir do seu movimento histórico e suas bases filosóficas tem provocado a atenção de pesquisadores e professores. Nesse percurso a História e Filosofia da Ciência (HFC) é um campo de estudo que vem construindo, a partir de pesquisas sistemáticas, suas bases teóricas enquanto área do saber. Ao mesmo tempo, é uma área com implicações para o ensino de Ciências (MARTINS, 2007) que vem sendo analisada sob diferentes perspectivas, como conteúdo das disciplinas científicas, metodologia, objeto de pesquisa ou ainda como abordagem didática.
De acordo com Prestes e Caldeira (2009), a HFC na sua relação com o ensino de Ciências não é uma discussão nova, pois já no século XIX a Associação Britânica para o Avanço da Ciência (BAAS), na Grã-Bretanha, solicitava que fossem ensinados aos estudantes os processos científicos e não apenas os produtos da Ciência. No século XX, desde a década de 1990 ocorreu uma reaproximação significativa entre o ensino de Ciências e a perspectiva histórica e filosófica da Ciência. A inserção de aspectos históricos e filosóficos quando devidamente contemplados no ensino de Ciências pode possibilitar a ação de “humanizar as ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade; pode tomar as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, o desenvolvimento do pensamento crítico” (MATTHEWS, 1995, p. 165).
14Matthews (1995) e Campanário (1998) já alertavam no fim da década de 1990 sobre a necessidade do ensino de Ciências ir além das tradicionais aulas, nas quais os conhecimentos científicos eram apresentados fora de uma estrutura lógica linear, datada de marcos científico, de uma Ciência desprovida de influências sociais e econômicas que a determinam, forma direta ou indireta. Esses autores ressaltam a relevância de se ensinar aos estudantes os processos científicos, não somente os produtos da Ciência.
Para isso, é preciso compreender que a realidade é historicamente construída e que o conhecimento científico faz parte dessa construção, sendo assim, ser necessário explicitar o caminho da construção dos conhecimentos científicos para que esses façam sentido na escola. Nesse contexto, esses conhecimentos perdem o papel meramente instrumental e se constituem um componente básico para a leitura e crítica da realidade multifacetada (NASCIMENTO Jr.; SOUZA; CARNEIRO, 2011). A HFC pode colaborar para percepção da realidade em suas múltiplas determinações, em um movimento do pensamento sobre a construção do conceito pela sua abstração. Para Kosik (2011, p. 37):
A ascensão do abstrato ao concreto é um movimento para o qual todo início é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta abstratividade. O progresso da abstratividade à concreticidade é, por conseguinte, em geral movimento da parte para o todo e do todo para a parte; do fenômeno para a essência e da essência para o fenômeno.
Portanto, a totalidade não significa a compreensão de todos os fatos, mas sim a análise das suas múltiplas determinações, como um todo estruturado. Para Engels (1976) o movimento dialético, em seu sentido mais amplo, “compreende todas as transformações e processos que se produzem no Universo, desde a simples mudança de lugar até a elaboração do pensamento (p. 41)”. É importante destacar que no materialismo dialético “a natureza e o homem vivem num processo de constante fazer-se de tal maneira que, da matéria (Natureza) surge o homem que, com seu trabalho, transforma a Natureza e a si próprio e, nesse processo, ele projeta o seu futuro e inventa o pensamento” (NASCIMENTO Jr.; SOUZA; CARNEIRO, 2011, p. 225).
No Brasil, um dos primeiros documentos oficiais a elucidar esta proposta foram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do ensino fundamental, na década de 1990 e do ensino médio, já nos anos 2000 (BRASIL, 1998; 2000). Eles enfatizaram a relevância da HFC como complemento de outras abordagens no ensino científico e indicam que seus elementos podem conferir um caráter integrador ao currículo, uma vez que permitem aos alunos a compreensão das relações entre produção científica e contextos sociais, econômicos e políticos. Contudo, cabe salientar que apesar de defenderem a abordagem histórico-filosófica, os PCN apresentam a HFC de forma vaga e sem uma fundamentação teórico-metodológica, apresentando lacunas em relação às concepções epistemológicas (ALMEIDA, 2014).
15Pelo PCN se tratar de um documento, um produto social construído pelo homem em sua prática social e política, é possível perceber as intencionalidades atreladas ao modo de produção capitalista ao transpor a lógica da fragmentação para o processo de ensino- aprendizagem, presente nos bastidores de sua elaboração. O documento materializa uma proposta curricular que separa a forma do conteúdo, enfatizando o papel da forma (modos/metodologias de ensinar).
Recentemente os editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para livros de Ciências (Edital PNLD, 2016) e de Biologia (Edital PNLD, 2015), também demarcaram a importância da HFC no ensino de Ciências e Biologia. A falta da temática foi tido como um item de exclusão de uma obra do processo de seleção. O edital de Convocação n. 01/2013 para o PNLD de Ciências da Natureza (Biologia) de 2016, por exemplo, explicitou no item “Critérios eliminatórios da área de Ciências da Natureza” a demanda de observar se a obra analisada “desenvolve os conteúdos e apresenta as atividades, de forma contextualizada, considerando tanto a dimensão histórica da produção de conhecimento (...)” (p. 63).
De acordo com Gil-Pérez et al. (2001) e Ferraz e Oliveira (2006), a maioria dos professores do ensino básico possui uma visão empírico-indutivista da Ciência. Segundo esses pesquisadores, essa visão além de influenciar na organização do trabalho didático dos docentes, também guia suas estratégias pedagógicas. Isso por sua vez, confere um obstáculo para que esses docentes elaborem aulas, projetos e unidades de ensino, por exemplo, que tenham como pressupostos a HFC para o ensino de Ciências/Biologia.
Em relação à formação de professores, a inserção da HFC nos currículos das licenciaturas é ainda incipiente, pois essa discussão tem sido observada nos últimos dez anos no Brasil. Para Martins (2007, p. 115), “vários cursos de licenciatura das áreas científicas, nos últimos anos, têm contemplado essa questão”, mas ainda existe uma carência de professores com formação adequada para pesquisar e ensinar a história da Ciência, limitando-se a considerar essa perspectiva apenas como um conteúdo em si não como abordagem histórico- filosófica dos conteúdos.
A HFC, como proposta de se constituir o fundamento de uma didática para o ensino, suscita uma retomada histórica e filosófica do modo de constituição de uma Ciência e seus conceitos. Pode ainda, ser uma proposta mais abrangente e contextualizada dos fatos científicos, pela qual a aprendizagem das Ciências também contempla uma aprendizagem sobre as Ciências (MARTINS, 2007). Didática, neste trabalho, entendida como aquilo que é capaz de: “a) ajudar os alunos a pensar teoricamente (a partir da formação de conceitos); b) ajudar o aluno a dominar o modo de pensar, atuar e investigar a ciência ensinada; c) levar em conta a atividade psicológica do aluno (motivos) e seu contexto sociocultural e institucional” (LIBÂNEO, 2015, p. 16).
16Realizando ações didáticas que retomem o movimento histórico entre forma e conteúdo no processo de ensino de um conteúdo científico, a HFC pode possibilitar a apropriação de um saber por meio da construção de um concreto pensado. A forma na perspectiva de análise pode ser compreendida como a didática pertinente ao percurso lógico- histórico do conceito científico a ser estudado, por conter as metodologias de investigação e sua transposição às de ensino, e não o processo inverso.
Com essas posturas buscamos, não somente, analisar o desenvolvimento do pensamento científico ao longo da história da Ciência, mas também revelar o processo de construção deste pensamento em conceitos históricos que nos possibilitam promover a compreensão do pensamento de um conceito e sua constituição enquanto produção humana.
Diante do exposto, nesse texto não será contemplado discussões sobre a presença ou ausência da HFC no ensino de ciências, mas será problematizado “qual” HFC foi historicamente relacionada a esse ensino. Destacar as bases teóricas e epistemológicas que fundamentam a HFC se torna importante para que o professor possa inclusive se posicionar de forma crítica acerca dos discursos presentes nos documentos oficiais.
Abordagem ou conteúdo: possibilidades distintas para a HFC no ensino
Martins (2007) indica que o ensino a partir da HFC pode se apresentar em duas vertentes como conteúdo (forma) ou abordagem (conteúdo-forma). Superar a concepção de HFC como conteúdo a ser ensinado indo em direção da HFC como abordagem, requer um conhecimento histórico, ontológico e epistemológico da Ciência a ser trabalhada (MARTINS, 2006). Como um conteúdo, a HFC é tida como mais uma disciplina do processo formativo, pode se constituir um adendo, mais uma metodologia e não uma proposta formativa, por não representar uma forma de pensar a Ciência.
A HFC como conteúdo se apresenta apenas como uma perspectiva de inserção de elementos históricos e filosóficos no ensino, e ainda que feita com qualidade não assegure a integração desses conhecimentos no processo ensino aprendizagem, ou ainda uma reflexão mais aprofundada, por parte dos professores, do papel da HFC para o campo da didática das ciências (MARTINS, 2007). A sua abordagem nesse aspecto prezara por elementos empíricos, retendo a sua análise a aspectos imediatos não se pautando no movimento necessário para a construção de uma educação emancipadora.
Para Samba (2011), a HFC quando adotada não como conteúdo, mas como uma abordagem em uma perspectiva de reflexividade crítica pode promover uma aprendizagem reflexiva crítica, criativa e situada sócio historicamente. Posta em práxis no ensino como uma abordagem, a HFC apresenta uma lógica para ensinar o conhecimento científico, que busca um conhecimento integrado e reflexivo ao modus da Ciência que se leciona. Compreende o processo de construção do conceito, se preocupando com origem do conhecimento, seu desenvolvimento e desdobramento ao longo da história da humanidade. Para Engels (1976, p. 161)
17a dialética não reconhece linhas duras e fixas, ("isto ou aquilo), imprescindíveis e universalmente válidas, ela ultrapassa as rígidas diferenças metafísicas e ao lado de "isto ou aquilo" reconhece igualmente, em seu justo lugar, o "tanto isto como aquilo" e, conciliando os opostos.
Alguns autores apresentam a HFC como um instrumento que colabora para revelar a realidade da construção do conhecimento científico e das suas implicações políticas, sociais, econômicas e ambientais, ou também defende o uso da HFC como estratégia didática, ou ainda, como coadjuvante na formação de cidadãos críticos (SAMBA, 2011). Para que a HFC seja entendida como estratégia didática contextualizada e incorporada no processo de construção do conhecimento, não como um conteúdo ou metodologia a mais a ser trabalhado, é preciso superar a lógica formal no intuito de oferecer uma aprendizagem efetiva para emancipação intelectual dos sujeitos.
Samba (2011) afirma que a reflexividade e criticidade atualizadas, podem fazer com que a HFC seja fundamental para que haja reflexividade crítica situada historicamente. O autor ainda acrescenta que “o movimento da HFC no ensino de ciências apresenta, em seu discurso, prescrições acadêmicas ou políticas que justificam a reflexão e a ação investigativa e projetual na práxis educativa” (p. 41).
Parece haver na literatura compreensões distintas para a inserção da HFC no ensino de Ciências. Para nós, essas compreensões estão assentadas nas lógicas formal ou dialética e isso nos possibilita afirmar que a HFC, que tem como central a questão do conteúdo e/ou da forma está para a lógica formal, assim como, a HFC como abordagem está para a lógica dialética.
Na primeira assertiva, o conceito científico a ser ensinado e as formas de ensiná-lo são elementos do processo (ensino-aprendizagem) que estão dissociados, ou seja, o modo de ensinar esse conceito não apresenta relação com os modos e as determinações envolvidas na construção do conceito científico ensinado. Portanto, nesta acepção, sua apropriação se dá desvinculado da compreensão dos processos que permitiram a sua construção. Quando a centralidade está na forma de ensinar, a HFC no ensino lança mão de uma contextualização obtusa; conta a história de vida dos cientistas e/ou, quando muito, estabelecem frágeis relações com o cenário político e econômico do momento. O ensino de Ciências sob esta concepção adota uma perspectiva histórica da Ciência, calcada na linearidade dos processos, sucessão de eventos e adotam a propedêutica como uma premissa da atividade científica.
Por outro lado, a HFC como abordagem entende que conteúdo e forma não se dissociam e, portanto, compreende a atividade científica como sínteses históricas de múltiplas determinações. A atividade científica se dá por meio do trabalho do homem e está imbuída de intencionalidades engendradas pelas determinações políticas, econômicas e sociais circunscritas num tempo histórico. Um conceito científico é uma construção histórica que porta as determinações de seu tempo, portanto, compreendê-lo passa por ir além das barreiras de suas definições, indo em direção à apropriação da lógica que permitiu a sua construção. A busca por essa lógica, remete às formas de organização do trabalho didático no ato de ensinar um conceito. A construção de conceitos científicos das ciências da natureza não é universal. Logo, por que lançamos mão de formas universais para ensinar os conceitos científicos? Esta é a questão que deve ser superada com a HFC enquanto uma abordagem que, demanda por sua vez, superar a dicotomia conteúdo-forma.
18HFC e o trabalho docente: intencionalidades possíveis na lógica formal
Para Lefebvre (1991, p. 165) “A forma lógica pura representa, exatamente, o “zero” do conhecimento: a ausência de conteúdo, a redução do conteúdo a um mínimo”. A função dessa forma vem para preservar uma prática de repetições idênticas a forma “pura”, em que se mantém a conservação do discurso e coerência do mesmo com a em que a forma formal original, mantendo assim a sua identidade (LEFEBVRE, 1991).
O princípio dessa lógica que dicotomiza conteúdo e forma se baseiam na repetição dessas formas ou na centralidade do conteúdo, podendo se efetivar em ação conteudista ou de uma epistemologia da prática. A forma ao ser separada do conteúdo consiste em um erro, pois quando esta se encontra separada trás dilemas sobre os fundamentos desta verdade, ficando restrito ao metafísico, esquecendo da construção racional do pensamento no empírico durante o processo. A mesma situação se repete quando centramos na metodologia (empírico) e nos esquecemos da mediação por parte da didática, culminando em um ensino como um protocolo de passos que deve ser seguido, não levando em consideração as especificidades do processo histórico de sua produção.
A formação por competências segue a lógica formal, em que se aprende durante a prática a desvinculando da teoria. Caracterizada como um treinamento de professores e alunos para as “inovações” do mundo contemporâneo e com o argumento de criar autonomia nos processos formativos, o “aprender a aprender” segue uma lógica neoliberal, que acredita “formar” por meio de técnicas/metodologias necessárias para atender o mercado de trabalho ou para “motivar” os alunos (DUARTE, 2001).
A educação deve proporcionar a construção de uma compreensão ao indivíduo que o conhecimento não é algo estático, que os conhecimentos vivenciam esse processo dinâmico que consiste na ação-reflexão teórica-ação em um movimento constante de construção. Quando este movimento é rompido e ocorre o enaltecimento da prática, separando do conteúdo ocorre o anacronismo, em que a formação dos sujeitos é embasada em características adaptativas ao mercado (DUARTE, 2001).
A perspectiva praticista da centralidade das metodologias nos revela uma intencionalidade do Estado Neoliberal em que torna estes sujeitos os únicos responsáveis pela sua própria formação, retirando do Estado à responsabilidade formativa e as limitações impostas pelo próprio sistema.
O docente da lógica das competências práticas ou, essencialmente, do conteudismo, tem o seu trabalho docente fragmentado, o que dificulta a noção de totalidade do mesmo, possibilitando a desvalorização do papel do professor em sala, transformando a sua atuação em diversificação metodológica ou de “transmissão” de conhecimentos, o que historicamente não resulta em emancipação intelectual e compreensão da Ciência nem dos estudantes, nem dos docentes.
Para romper a dicotomia entre conteúdo/forma, conteúdo/ prática, teoria/prática é necessário compreender o movimento entre estas, uma vez que a lógica formal se fundamenta na constituição do pensamento imediato, quando acessamos a esta na sua forma pura, em que não se apresenta a essência do conteúdo. A compreensão do movimento enquanto unidade de contraditórios, na relação entre forma e conteúdo e por meio da síntese dos elementos essenciais ao conteúdo em suas relações com a rede conceitual que o sustenta, nos possibilita compreender o movimento de constituição da Ciência.
19Martins (2007) propõe a utilização da HFC como uma abordagem didática para a compreensão de conceitos, modelos e teorias, podendo ser uma ferramenta de contextualização histórico-social do conhecimento científico. Libâneo (2015, p. 16) nos acrescenta que:
Trata-se, portanto, de unir no ensino a lógica do processo de investigação com os produtos da investigação. Ou seja, o acesso aos conteúdos, a aquisição de conceitos científicos, precisa percorrer o processo de investigação, os modos de pensar e investigar da ciência ensinada. Não basta aprender o que aconteceu na história, é preciso pensar historicamente. Pensar matematicamente sobre matemática, biologicamente sobre biologia, linguisticamente sobre português.
Essa forma de entender a atividade de ensino das disciplinas específicas requer do professor não apenas o domínio do conteúdo mas, também, dos procedimentos investigativos da matéria que está ensinando e das formas de pensamento, habilidades de pensamento que propiciem uma reflexão sobre a metodologia investigativa do conteúdo que se está aprendendo. Ensinar, portanto, é adquirir meios do pensar, através dos conteúdos (grifos do autor).
Portanto, o pensar biologicamente compreende o modo de pensar e investigar a uma determinada Ciência, a Biologia, por exemplo, contemplando seus aspectos históricos e filosóficos que perpassam por toda a construção de um conceito biológico, e que fundamenta teórica e pedagogicamente o trabalho docente, superando o pragmatismo. Delizoicov acrescenta ainda que:
A inserção do componente histórico-epistemológico nos cursos de formação de professores tem contribuições a dar para a melhoria do ensino de ciências e de biologia, no ensino fundamental e médio. A História e a Filosofia da Ciência oportunizam ao professor não só a redimensionar a abordagem de conteúdos em sala de aula como também a melhorar a sua própria compreensão da dinâmica da disseminação e da produção de conhecimentos científicos (DELIZOICOV, 2002, p. 207).
Em um processo de emancipação e libertação do sujeito, o professor não deve permanecer apenas como transmissor, mas se tornar um agente transformador, sujeito ativo que se encontra em um movimento de se pensar como ensinar a Ciência. Para tanto, o processo de formação de professores deve propiciar a compreensão dos conteúdos curriculares por meio da HFC como abordagem que permeie todas as disciplinas biológicas (CARVALHO, 2017). Nesse sentido Souza e Magalhães (2016, p. 53) propõem que “O professor é sujeito crítico emancipado, cujo trabalho é problematizador, intrinsecamente político, e afeta as escolhas dos sujeitos envolvidos no processo. Sua função social é promover a transformação da sociedade por meio da educação da classe do proletariado”.
Todavia, salientamos que ainda existem grandes dificuldades em relação ao entendimento das construções de conceitos, na inserção da HFC no ensino de Ciências e no processo formativo docente. Segundo Cury (1989) o processo de compreensão da totalidade de um fenômeno se constrói a partir da compreensão de sujeito histórico em sua práxis. Assim, o processo de aprendizagem na Ciência se inicia na constituição da razão, esta por sua vez possibilita a compreensão dos eventos de forma sistemática a compreender o mundo, para que possamos explicá-lo a partir da experimentação.
20Da mesma forma conseguimos entender que o trabalho docente deve ser construído em um movimento constante entre forma e conteúdo, pois ao mesmo tempo em que os dois se negam, eles se constroem no processo de ensino-aprendizagem. Ao pensarmos na relação de HFC ela precisa ser além das nuances agrupadas para um modo de ensinar e se configurar em um modo dialético de constituição do homem e suas produções.
Considerações Finais
Pensar a respeito da História e Filosofia da Ciência na sua relação com o ensino de Ciências, a partir de uma perspectiva dialética, é um desafio que precisamos enfrentar. Algumas de suas categorias, tais como: forma e conteúdo, mediato e imediato, concreto e abstrato cabem para sustentar os argumentos dessa perspectiva e devem se constituir um movimento de práxis ao longo de um curso de graduação ou de ensino da educação básica.
Em consonância a proposta de emancipação por meio da apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade confirmamos à necessidade da inserção da HFC como estratégia didática no processo de apropriação de um conceito da Ciência, bem como no processo de formar professores.
Defendemos, portanto, a articulação da história e filosofia da Ciência como estratégia didática para pensar o conteúdo relacionado aos aspectos didáticos-pedagógicos que permeiam as disciplinas no ensino de Ciências. Visto que o professor pode ser capaz de se apropriar do processo de construção do conhecimento sobre esta lógica, articulando sua aula como práxis educativa, promovendo transformações e se constituindo profissional na luta pela emancipação.
Com base nesta análise podemos concluir que se faz necessário compreender a totalidade que envolve o processo de ensino-aprendizagem, objetivando identificar os fatores que o perpassam com princípios do direito à apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade.
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CURRÍCULO
Elisa Vaz Borges Silva
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás (PPGECM-UFG). Pesquisadora do Colligat – (Re)pensando a formação de professores de Ciências da Natureza e do Kadjót Grupo interinstitucional de estudos e pesquisas sobre as relações entre as tecnologias e a educação. Bolsista FAPEG. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1352240678465993. E-mail: elisavbio@hotmail.com.
Ana Luisa Neves Otto
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás (PPGECM-UFG). Pesquisadora do Colligat – (Re) pensando a formação de professores de Ciências da Natureza e do Kadjót Grupo interinstitucional de estudos e pesquisas sobre as relações entre as tecnologias e a educação. Bolsista: CAPES/FAPEG. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4237932841586958. Email: analuisaotto@gmail.com.
Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar
Doutora em Educação pelo PPGE da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Docente do PPGECM da UFG. Pesquisadora do Kadjót - Grupo interinstitucional de estudos e pesquisas sobre as relações entre as tecnologias e a Educação - e do Colligat – [(Re) pensando a formação de professores de Ciências da Natureza]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3758976350155947. E-mail: docenciaonline2012@gmail.com.
Rones de Deus Paranhos
Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (PPGE – UnB). Docente do Instituto de Ciências Biológicas e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, Universidade Federal de Goiás (ICB, PPEGCM – UFG). Líder do Grupo de pesquisa Colligat – [(Re) pensando a formação de professores de Ciências da Natureza Lattes: http://lattes.cnpq.br/9743767959125352. E-mail: paranhos.rones@gmail.com
Simone Sendin Moreira Guimarães
Doutora em Educação Escolar pelo PPGEE da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP- Araraquara). Docente do PPGECM da UFG. Líder do Grupo de pesquisa Colligat – [(Re) pensando a formação de professores de Ciências da Natureza. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0326214720994265. E-mail: sisendin@gmail.com