Ressignificação de modos e modas através do Design consciente e sua aplicação na marca goiana O Badulaque

Resumo O propósito deste estudo é refletir sobre as abordagens recentes do consumo contemporâneo, com foco no design consciente. O artigo surge da necessidade de obter respostas para questões que estão sendo repensadas na indústria do vestuário e adaptadas pelos consumidores. Nosso interesse é construir uma ponte que transcenda do mundo material e que elucide o impacto abrangente – social, cultural e ambiental dos novos produtos desenvolvidos sob a luz do consumo consciente, a exemplo da marca goiana O Badulaque.

Palavras-chave design, design consciente, sustentabilidade, slow fashion, consumo contemporâneo.

Autoria

  • Dávila Kess Pimentel da Silva

    Formada pela Universidade Paranaense em Design de Moda, pós-graduada pela Universidade Estadual de Londrina em Moda: Produto e Comunicação , foi aluna especial do mestrado de Cultura Visual da UFG e atualmente cursa duas especializações na mesma universidade, Processos e Produtos Criativos e Inovação em Midias Interativas. Depois de uma experiência de uma década na indústrias da moda, nas áreas de Desenvolvimento de produto , planejamento das coleções nos segmentos jeans wear, surf wear, fashion (modinha) , fitness e moda íntima em empresas de pequeno,médio e grande porte em unidades de Criação ,Estilo e Marketing. Em 2012 iniciou um projeto autoral a Agência Immagine que presta serviço na área se comunicação integrada e em 2016 a D.Kess que produz camisetas cheias de alma e amor.

Orientadora

  • Lorena Pompei Abdala

    Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás - Faculdade de Artes Visuais. Graduada em Design de Moda pela Universidade Federal de Goiás, Graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi professora efetiva no curso superior de Tecnologia em Design de Moda da Universidade Estadual de Goiás - UEG. Atualmente é professora na pós-graduação de Processos e Produtos Criativos, FAV/UFG e professora adjunta no curso de Design de Moda da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.

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1. Introdução

Atualmente, percebe-se cada vez mais o consumo sendo motivado através da experiência. A virtualização do ato de consumir foi ampliada e constantemente este ato é ressignificado. O consumidor contemporâneo busca, além de praticidade, atributos intangíveis e seu significado social sob a luz da ótica do consumo consciente.

Através de várias nomenclaturas, vemos essa tendência tomar forma e força na web (Ecomoda, Moda Ética, Slow Fashion, Moda Mais Sustentável) ¹, mas o que não se sabe ainda é se de fato essas empresas de selos sustentáveis e conscientes têm real expressividade no consumo contemporâneo e como a web impulsiona essa nova forma de consumir.

Segundo Carvalhal (2016), estamos vivendo a sociedade do ser, preocupados cada vez mais em consumir produtos que sabemos onde foram produzidos, por quem foram produzidos e como eles impactarão o planeta. Estamos, segundo o autor, cada vez mais despertos para essa nova realidade de consumo e sabemos que esta será a única forma da indústria sobreviver às últimas crises que têm assolado a confecção do setor de vestuário. O autor reforça a necessidade de olhar o outro e o mundo com empatia, como se fôssemos de fato responsáveis pelas escolhas que fazemos.

O vestuário, sendo uma das formas mais visíveis de consumo, desempenha um papel da maior importância na construção social da identidade. A escolha do vestuário propicia um excelente campo para estudar como as pessoas interpretam determinada forma de cultura para seu próprio uso, forma essa que inclui normas rigorosas sobre a aparência que se considera apropriada num determinado período. (O que é conhecido como moda), bem como uma variedade de alternativas extraordinariamente rica. (CRANE, 2006, p.21).

André Carvalhal (2016) sugere que as tentativas emergentes para reduzir o consumo lançam um questionamento sobre nossas necessidades reais, separando o que tem propósito daquilo que é um consumo pelo consumo. Nesse sentido, em diferentes pontos do globo, bem como nas mais diversas áreas, o consumo de massa é confrontado pela busca de relacionamentos mais profundos e verdadeiros entre empresas e consumidores. As relações, antes registradas como compra e venda, agora são transformadas e reverberam como “experiência”. As iniciativas “slow” podem ser consideradas formas de resistência no contexto do consumo ocidental, procurando, por meio de atitudes simples, a ressignificação do ato de comprar, através de abordagens conscientes, que incentivam a levar mais tempo para garantir qualidade, dar valor ao produto e contemplar a conexão com o meio ambiente. Enfim, a conscientização acerca do problema ambiental levou à discussão e à reorientação de novos comportamentos sociais, isto é, à procura por produtos e serviços que motivem a existência de processos mais limpos e conscientes (MANZINI, EZIO,2016).

“A moda sempre incentivou o descarte. Os produtos são compreendidos como “úteis” somente quando estão na moda. A primeira marca de moda, criada por Worth, em meados de 1857, tinha como slogan “altas novidades” e já sugeria a troca e o desejo pelo novo a todo momento. Só que “entrar e sair da moda” tem sido cada vez mais rápido. Alguém realmente acredita que isso continua fazendo sentido? (CARVALHAL, 2016:24).

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A indústria da moda tem procurado caminhos para se tornar mais sustentável, pois o consumidor contemporâneo busca na sustentabilidade um elemento imprescindível de imaterialidade do produto (CIETTA, 2017). Portanto, negócios inovadores ganham destaque através de produtos que apoiem o slow fashion, que incentivam a tomada de tempo para garantir a qualidade da produção e a utilização de materiais reciclados em suas produções. Nesse contexto, o artigo proposto procura observar e discutir o conceito do design consciente sob a ótica do consumo contemporâneo.

2.Consumo de Moda na Web

A internet é um meio de aceleração de consumo (ABDALA E FILHO, 2017). Pela facilidade de apresentação de tendências, a web massifica e democratiza a moda, atendendo aos anseios de quem vende e de quem consome. Estar presente nas mídias sociais se tornou uma obrigatoriedade, os celulares ampliaram as possibilidades comerciais das empresas e os consumidores puderam minimizar as distâncias dos produtos antes comercializados somente nos grandes centros de consumo.

A captação de consumidores através das mídias sociais é cada vez maior devido à informalidade da experiência do usuário com a marca, além da praticidade do consumo. Ações como gestão de conteúdos para marcas e parceria com influenciadores digitais tornaram-se a alavanca motriz de sucesso de uma marca bem engajada no ambiente web da contemporaneidade. Cada vez mais informado e engajado em causas que se tornam marcas, o perfil do consumidor mudou. O consumidor opta não só por funcionalidade, mas pelo universo simbólico que transpõe estes novos produtos e a forma como o mesmo se insere na vida do usuário.

O e-commerce virou uma realidade não só para a grande indústria, mas também para pequenas marcas, e a quantidade de lojas virtuais no Brasil vem crescendo em ritmo acelerado. Segundo a Agência Brasil, comprar pela internet se tornou um hábito do brasileiro e em um estudo feito pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em 2016, 89% dos internautas realizaram pelo menos uma compra online nos últimos 12 meses, 45% efetuam as compras online devido à praticidade de comprar sem sair de casa e 31% optam pela forma de consumo devido à facilidade de comprar em qualquer horário, 29% adquire produtos online devido à economia de tempo. Essa pesquisa elucida muito sobre o consumo contemporâneo de moda na web, onde a experiência de praticidade complementa a compra analógica, rompendo barreiras da territorialidade e dando liquidez ao consumo pós-moderno com uma nova ressignificação do significado do tempo, de acordo com Zigmunt Bauman.

Assim, na sociedade contemporânea, consumo é um processo social e cultural que diz respeito a múltiplas formas de provisão de bens e serviços. Mais que a simples satisfação de um desejo material, relações de consumo são relações sociais, relações de trocas, socialização de experiências e enquadramento dos sujeitos em tribos, estilos de vida e segmentação de mercados. (VOLPI, 2007. APUD ABDALA E FILHO, 2017).

Dessa maneira, a mudança do consumo de moda inicia uma transformação através do design consciente e, em movimentos como o Fashion Revolution – movimento sobre a conscientização do consumidor sobre a aquisição de produtos feitos de forma sustentável, ganham força mundialmente através das mídias sociais e impulsionam os novos consumidores a questionarem quem fez suas roupas, como e onde. Estas perguntas norteiam movimentos como o lowsumerism, um novo desdobramento de signos de consumo da moda e a inserção destes produtos na vida dos sujeitos.

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3. Consumo simbólico de modos e modas

O estudo de consumo de moda é essencial para a ressignificação de produtos de vestuário, pois através dele há uma ampliação do entendimento do comportamento do usuário e suas escolhas, baseadas não só no estilo, como também em valores, ideais e filosofia de vida. Consumidores necessitam mais do que produtos: eles compram para obter função, forma e significado das suas escolhas. O consumo é, portanto, um processo cultural ativo, onde nos tornamos o que consumimos. McCracken (1986) e Baudrillard (1972) afirmam a relação do consumo e seu modo ativo não só como objetos, mas situando o desejo por consumir como as lentes mediantes pelas quais os indivíduos enxergam o mundo.

O comportamento da moda dentro de uma sociedade é um dos meios externos de comunicação, quando vista por um aspecto social. O seu comportamento orientado é um dos fenômenos do ser humano generalizado, está presente na sua interação com o mundo em que vive e é constante. (LIPOVETSKY, 1989; SOLOMON, 1996 apud SOBRÁ, CIPINIUK E MACHADO, 2011, P 147).

Os significados expressos pelos consumidores refletem pontos de vista culturais da contemporaneidade, onde a preocupação central está em significar, pois “significa-se sempre, seja ao outro ou a si mesmo” (LEVI- STRAUSS, 1970, p.212). Os produtos, portanto, possuem significado simbólico social para a coletividade, além de habilidades de comunicar tais significados de quem somos para o mundo.

O reconhecimento de valor simbólico de bens e serviços é o caminho para a criação de atitudes positivas em relação a produtos, a marcas e lojas que expressam os valores individuais das pessoas. Todo objeto comercial tem caráter simbólico: o ato de comprar envolve a avaliação do seu simbolismo, para decidir se é ou não adequado ao seu comprador. A partir da premissa de que as marca são mitos da sociedade moderna. (MIRANDA, 2017, P.61)

A moda é a cultura do consumo (MIRANDA,2017) e refletindo a personalidade individual (RADELOFF,1991), código responsável por um fenômeno cíclico temporário adotado e adorado por consumidores, sendo as mudanças de estilo a representação do rompimento com o passado recente. A roupa é um dos mais importantes veículos de símbolos e expressões. Ela age como linguagens não verbalizadas dos desejos coletivos e suas divergências funcionam como propulsor da mudança (FREYRE,1987) para consumidores cada vez mais fluidos e interessados em viver experiências em vez de comprar produtos (CARVALHAL, 2016).

Em suma, Simmel (1904) coloca que identificação e diferenciação são as forças principais que dirigem o curso da mudança da moda. Segundo Carvalhal (2016), o momento é oportuno para esta mudança, pois a alteração do comportamento do consumidor contemporâneo prioriza o consumo simbólico e o capitalismo consciente, resgatando a essência e ressignificando a moda. Esse fenômeno é chamado pelos cientistas de “cognição indumentária” e prova o quanto vestimos também os aspectos simbólicos das roupas, sendo, portanto, um reflexo do nosso interior – e a moda, um meio de autoconhecimento e transmissão.

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4. O novo paradigma: Design consciente

À luz de novos modelos existenciais e de novas dinâmicas contemporâneas, o ato de consumir mudou e através do design viu-se uma crescente mobilidade de intenções do consumidor para produtos mais sustentáveis e responsáveis. Uma área jovem mas com crescente aceitação mercadológica. O design nesta perspectiva vanguardista ganha na contemporaneidade a função de mediar e transcender o mundo material do imaterial. Munido de uma “consciência”, isto é, com objetivo de obter o melhor resultado possível de todo o sistema de maneira equilibrada, ou seja, um design consciente. (GERMANO, 2017).

Diante da sociedade cibernética e global, o consumo é ressignificado, os artefatos necessitam ter uma relação de coautoria com seu usuário e esta interação objeto-autor discutida por Germano (2017) obtém nomenclaturas como “design emocional”, “design culturalista, “design reflexivo”, sob a perspectiva estética do “design de autor”, um estudo que o autor chama de interação objeto-ator (IOA).

Com o estudo da IOA, o Design foi evoluindo para uma visão aligeirada de “modernalismo funcionalista”, adotando uma visão de “responsabilidade social do design”, e mais recentemente “design inclusivo”, “eco design”, etc. (O eco design, e sustentabilidade, como metodologia, devem integrar o núcleo conceptual, de forma a que cada detalhe do artefacto seja valorizado, e que cumpra a sua função e seja adequado à contextualização de espaço, tempo, e ambiente cultural - o processo de Design deve acrescentar uma mais-valia funcional, semântica, assim como também responsabilidade ambiental e social). “Eco design”, “design inclusivo”, “design sustentável”, “human-centered design” pas¬saram a fazer parte de um léxico comum a esta disciplina, adquirindo por vezes uma forma dispersa ou fragmentada. Adotando a matriz conceptual da teoria dos sistemas podemos construir uma estrutura analítica, que apelido de “Design Consciente”, capaz de convocar uma preocupação sistémica (global), cada vez que uma decisão projetual é implementada. (GERMANO, 72, 2017).

Uma visão vanguardista do design, através de uma abordagem contemporânea axiomática e agregando ao design possibilidades de criar pontes com temas importantes do período pós-moderno, como a sustentabilidade e o trabalho escravo, que se inscrevem nesta perspectiva.

A boa notícia é que já existem modelos de negócios inovadores, que se relacionam com uma ou mais tags dessa nova era. Eles estão em lojas incubadoras (que abrigam e vendem produtos de estilistas independentes), nas novas marcas de slow-fashion (que incentiva a tomada de tempo para garantir uma produção de qualidade e maior conexão com o meio ambiente) e em ateliês que produzem com materiais reciclados. Em brechós-online, lojas de aluguel e empréstimo de roupas, eventos de doação ou troca de peças. Em makerspaces (onde pessoas se associam para aprender a produzir em comunidade), como clubes e oficinas de tricô local e espaços de cosewing (espécie de coworking da moda). (CARVALHAL, 2016, P.59).

Nesse sentido, repensa-se o paradigma da moda: transformar a maneira de fazer negócios, redefinir os métodos de produção e reinventar as práticas de design de modo que sejam sustentáveis a longo prazo (SALCEDO,2014). Nessa nova perspectiva, a sustentabilidade não é algo agregado, e sim parte do processo de design desde a sua concepção, e o consumo deixa de ser um fim em si mesmo para se tornar uma forma de alcançar o bem-estar das pessoas e do meio ambiente.

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5. O Badulaque, uma análise netnográfica:

Considerando o momento cultural, nota-se uma nova perspectiva do usuário, que deixa de ter interesse puramente no consumo, para interessar-se em relacionamento (SANTAELLA, 1996). O relacionamento é uma das forças da marca goiana O Badulaque e, através do estudo netnográfico aplicado nas mídias sociais da marca, pode-se tecer uma análise do desencadeamento do estudo deste artigo com foco no design consciente pregado pela grife.

A pesquisa teve início na mídia social Instagram, posteriormente no Facebook e finalizou-se no e-commerce da marca. O estudo netnográfico foi aplicado não só através da vivência com a observação dos usuários, mas complementando com a experiência como cliente, onde foi possível vivenciar uma experiência cultural da marca em suas frentes de produção e comercialização. Essa emergência verificada nas práticas culturais sinaliza para uma retomada da experiência (JOHNSON, 2003).

Os novos paradigmas de comunicação virtual permitem que uma pesquisa netnográfica explore os padrões de comportamento dos usuários de maneira intensa. Através dos comentários dos usuários da marca em diversos posts, observa-se uma crescente da mesma frente a esse mercado que aumenta exponencialmente pelo feedback de interessados nas mídias com frases como “eu quero”, “quanto custa”, “me envia preço inbox” [SIC].

Segundo a proprietária da marca, Pahola Ferreira de Abadio, desde o nascimento da O Badulaque, em setembro de 2015, a marca teve um crescimento de 50% nos últimos dois anos. As vendas pela internet correspondem a 20% do total de vendas da marca, que tem despachado seus artefatos para dezenas de estados brasileiros. Os eventos são outra forma de comercialização, onde há uma possibilidade de maior interatividade com o público-alvo, além da loja física que fica no setor Pedro Ludovico, em Goiânia.

Figura 1. Imagem publicada no dia 17/02/2018 no Insta Stories da O Badulaque. Boa parte das vendas é realizada em feiras e eventos, oportunidades que estreitam o relacionamento com o público-alvo. (Usada com a permissão do autor).
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A aparência das coisas é, no sentido mais amplo, uma consequência das condições da sua produção (FORTY,2007). Mais do que aparência, as peças da O Badulaque traduzem uma moda baseada em princípios do upycicle, slow fashion e veganismo em sua produção que utiliza materiais reciclados como matéria-prima principal, com a utilização de tecidos descartados pela indústria do vestuário para confecção de bolsas, pochetes e chapéus.

Em seu site, a marca se intitula como moda sustentável, “uma solução amorosa, feliz e consciente”. O Badulaque prioriza a produção de artefatos duráveis, resistentes e cheios de vida. Transformando lixo em arte, reaproveita com poesia e propõe a utilização da economia circular em toda a vida útil do produto. A marca sugere, através das suas mídias, a possibilidade de aplicar a economia circular em suas peças após o fim da sua vida útil, expondo ao usuário as possibilidades de consertos, trocas e doações dos artefatos.

Trata-se apenas de um enfoque diferente, segundo o qual os estilistas, compradores, distribuidores e consumidores estão mais conscientes do impacto das roupas sobre pessoas e ecossistemas. Diferentemente do que acontece nos demais enfoques, a slow fashion enxerga o consumidor e seus hábitos como parte importante da cadeia. Ao contrário do que se poderia pensar, a moda lenta não é um conceito baseado no tempo, e sim na qualidade, que no fim, evidentemente, tem alguma relação com o tempo dedicado no produto. A maior conscientização de todas as partes envolvidas, a velocidade mais lenta e a ênfase na qualidade dão lugar a relações diferentes entre o estilista e o produtor, o fabricante e as peças, a roupa e consumidor (SALCEDO, 2014, p. 32).

Nas mídias sociais da marca, pode-se acompanhar a produção da mesma, desde a seleção da matéria-prima até a produção final da peça. Mais do que vender produtos, nota-se uma preocupação em apresentar ao público-alvo os porquês de certas escolhas no processo de produção e explicitar a cultura da empresa para seus consumidores. Em uma postagem feita no dia 4 de dezembro de 2017 (figura 1) pode-se ver essa tentativa de demonstrar as origens do produto com intuito de conscientização.

Figura 2. Legenda do post - “Vocês sabiam que 30% do tecido é desperdiçado na hora do corte nas grandes indústrias da moda? Nós utilizamos desses insumos para dar vida a novos produtos!” (USADO COM A PERMISSÃO DO AUTOR)
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Em outra postagem publicada pela marca em suas redes sociais no dia 20 de janeiro de 2018, pode-se ver um dos tecidos que estavam no amontoado de tecidos de retalhos da Figura 1, transformado em uma dezena de peças “feitas à mão e com todo amor e cuidado”, afirmou a marca no Facebook. (Figura 2).

Em outra postagem publicada pela marca em suas redes sociais no dia 20 de janeiro de 2018, pode-se ver um dos tecidos que estavam no amontoado de tecidos de retalhos da Figura 1, transformado em uma dezena de peças “feitas à mão e com todo amor e cuidado”, afirmou a marca no Facebook. (Figura 2).

Figura 3. Acessórios que conectam com nossas emoções. (Usado com a permissão do autor)

As formas expressas nos objetos ao longo do tempo são mais do que a expressão de um estilo: são expressões de valores, de visões de mundo ou de propósitos claramente dimensionados por seus produtos assumindo uma função social que está além da função prática (FORTY apud MONÇORES, 2011).

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Frente a um cenário complexo de fluidez material e imaterial e da grande circulação de informação, o consumidor passa a ser plural, um sujeito cada vez mais exigente e atento aos processos produtivos e às suas experiências de consumo. Segundo Botsman e Rogers (2011, 37), o consumidor está cada vez mais consciente de que o crescimento finito e o consumo baseado em recursos infinitos são uma combinação inviável.

Após a pesquisa netnográfica, há uma percepção nítida de uma ascendente oportunidade do mercado do design consciente. Cada vez mais usuários estão interessados em saber mais sobre a origem e produção dos produtos da O Badulaque em suas redes sociais. Nesse contexto, amplia-se o escopo de atuação da marca para além dos aspectos tangíveis da produção, focando na dimensão imaginária do produto, sendo seu “propósito”, definido por Carvalhal (2016) o principal conector entre a marca e o público.

O último ciclo do velho mundo ficou conhecido como era moderna. Por mais de meio milênio, ela se desenvolveu com base em valores como humanismo, hedonismo, materialismo, capitalismo, racionalismo, cientificismo, individualismo e outros ismos. Ela pariu a economia industrial e capitalista, a política estatística e colonial, alimentando-se do pensamento cartesiano – racional, analítico, mecanicista e determinista. Mas, ao que tudo indica, o momento que estamos vivendo vai além da evolução. É de quebra. De ruptura. Chegamos ao limite. O que estamos vendo (da primeira fila), muito mais do que apenas uma era de mudanças, é uma mudança de era. (CARVALHAL, 2016, p.39).

O consumidor autor é o protagonista deste novo período e as iniciativas “slow” como a d’ O Badulaque podem ser consideradas formas de resistência no contexto do consumo ocidental, procurando, por meio de atitudes simples, a ressignificação do ato de comprar. Mais do que uma marca, a proprietária Pahola afirma que O Badulaque é como uma pessoa, com defeitos, qualidades, sentimentos, pensamentos, preferências e ideologias. “Somos feitas para pessoas livres que acreditam no amor e no ato do mundo ser um eterno planta e colhe. Então vem compartilhar o seu mundo com a gente e ajudar na nossa grande missão de espalhar amor por aí” [SIC], afirma.

6. Conclusão:

Segundo Carvalhal (2016; P. 56) “para entender como será a moda daqui pra frente, é preciso olhar primeiro para as pessoas”. Essa nova era de consumo mais autoral, individual e integrado com o todo ampliará nosso nível de consciência, onde pessoas, seus valores, sentimentos e emoções estão acima das marcas. É preciso fazer moda além da roupa, com maior consciência, ética, mais qualidade, menos quantidade e com propósito para atrair os olhares deste Lowsumers, trazendo produtos conscientes a favor das pessoas e do planeta.

O consumidor contemporâneo busca, hoje, atributos que o levem além da experiência básica do consumo, além da tradicional compra e venda. Esse novo consumidor está em busca de algo que o faça sentir-se bem, que o integre a algo e que tenha um significado além do próprio consumo. Para atingir este patamar, as marcas precisam estar em sintonia com o seu próprio universo, para transmitir verdade em sua essência.

A indústria da moda, especificamente, precisa estar atenta ao que está oferecendo aos seus usuários. Vender apenas roupas, calçados e acessórios já não faz mais sentido. Até mesmo vender uma imagem já está ultrapassado neste novo consumo. Agora é preciso comercializar sentimentos, cultura e propósito. Além do slow-fashion, outras vertentes como o veganismo e o cruelty-free também estão corroborando para a ampliar a necessidade contemporânea de inserir verdade em cada uma das etapas da produção, demonstrando seus processos e propósitos ao mundo, otimizados pelo poder de difusão da internet, interligando-se ao consumidor através das crenças compartilhadas nestes espaços .

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Nesse contexto, somente marcas embasadas e com posicionamento irão conquistar esse consumidor, que se importa com o todo, não somente com o produto final. Para isso, a indústria precisa estar atenta aos seus processos e em como demonstra isso ao seu consumidor. Com consciência e profissionalismo, as marcas conseguirão fazer estes novos consumidores, exigentes e detalhistas, sentir que usam mais do que um produto, usam um propósito de vida.

Referências

Artigos em revistas acadêmicas/capítulos de livros

ABDALA, L e FILHO, A.M. Moda e consumo na web: Breves apontamentos. Moda e historicidade: múltiplos olhares - Adair Marques Filho e Miriam da Costa Manso Moreira de Mendonça a (organizadores). – Goiânia:/ Editora Espaço Acadêmico 2017.

MONÇORES, A. O lugar da tendência – O novo e a novidade. Consumo - práticas narrativas / orgs. Kathia Castilho, Sylvia Demetresco – São Paulo : Estação das Letras e Cores, 2011.

RADELOFF,D.J. Psychological types, colour attibutes, and colour preferences of clothing textiles, and design studentes. Clothig and Textiles Reserarch Journal, v.9 n. 2-3, p.249-268,1991.

SOBRÁ, F.; CIPINIUK, A.; MACHADO, M.A.S. Design , Moda e consumo: por que compram os um produto têxtil novo? Consumo – práticas narrativas / orgs. Kathia Castilho, Sylvia Demetresco – São Paulo : Estação das Letras e Cores, 2011.

Livros, e material não publicados:

BAUDRILLARD, J. Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Ed. Gallimard; Lisboa: Ed. 70,1972.

BAUMAN, Z. Modernidade Liquida, Tradução de Plinio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. O que é meu é seu: como o consumo colaborativo vai mudar o nosso mundo. Porto Alegre: Bookman, 2011.

CARVALHAL, André. Moda com propósito: manifesto pela grande virada. São Paulo: Paralela, 2016.

CRANE, D. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Senac, 2006.

CIETTA, ENRICO. A economia da moda / Enrico Cietta; tradução Adriana Tulio Baggio. – 1. Ed. – São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2017.

FORTY,A. Objetos do desejo – Design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify,2007.

FREYRE,G. Modos de homem e modas de mulher. Record, 1987.

GERMANO, JOÃO. Design consciente: uma reflexão. / Universidade do Porto – Faculdade de Belas Artes, 2017.

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JOHSON, Steven. Emergência: a vida integrada de formigas, cérebros, cidades e softwares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

LÉVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. São Paulo : Editora Nacional e Editora da USP. 1970.

LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

MANZINI, EZIO. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis / Ezio Manzini, Carlo Vezzoli; tradução de Astrid de Carvalho – 1. Ed. 4. Reimpr. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.

McCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad. 2003.

MIRAQNDA, ANA PAULA DE. Consumo de moda: a relação pessoa-objeto – 2. Ed. – Ana Paula de Miranda. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2017.

SALCEDO, ELENA, 2014. Moda ética para un futuro sostenible; Barcelona, 2014.

SANTAELLA, Lucia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996.

SIMMEL, G. Fashion. International Quarterly, Oct. 1904.

SOLOMON, M. R. Comportamento do consumidor: Comprando, possuindo e sendo. Tradução de Lene Belon Ribeiro. 5ª ed. Porto Alegre: Book-man, 2002.

Textos publicados na internet

Agência Brasil 2017: About EBC. In: Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-06/pesquisa-indica-que-43-dos-internautas-compraram-online-este-ano, acessado em 22/01/2018.

O badulaque 2017. Disponível em: https://www.obadulaque.com.br/nosso-espirito, acessado em 04/02/2018.

Segundo Elena Salcedo, “ecomoda” é o mesmo que moda ecológica, moda bio ou moda orgânica: o termo engloba todas aquelas peças de roupas e produtos de moda feitos por métodos menos prejudiciais ao meio ambiente, enfocando a redução do impacto ambiental. “Moda Ética” leva em conta não só o meio ambiente, mas também a saúde dos consumidores e a condição de trabalho dos trabalhadores da indústria da moda, dando ênfase tanto no aspecto ambiental como sobre o aspecto social. O Slow Fashion para a autora é a moda lenta, uma moda feita com mais consciência do impacto das roupas sobre as pessoas e o ecossistemas. Seu foco é não só o produto, mas também os hábitos do consumidor, que assumem importância no processo, uma vez que trata-se da conscientização de todas as partes envolvidas, a velocidade mais lenta e maior qualidade da matéria prima. E “moda mais sustentável” inclui todas as alternativas anteriores, trata-se de todas as iniciativas que promovem boas práticas sociais e ambientais, incluindo uma redução da produção e do consumo.

Tomando a Revolução industrial como ponto de partida, o design, apresenta pouco mais de uma centena de anos como disciplina de estudo, tendo ganho real relevância no início do séc. XX. Nestes termos, por comparação a outras disciplinas, e.g., filosofia, matemática, pode-se considerar uma disciplina muito jovem.