Grindr: um Produto Gerando Processos de Aproximações e Distanciamentos de Gays/Bis/Queers

Resumo O Grindr, assim como outros aplicativos de relacionamento, cria novos modelos de sociabilidade. Discuti-lo enquanto produto que gera processos de aproximações e distanciamentos entre gays, bissexuais e queers foi o objetivo deste artigo. Para isso, utilizou-se como metodologia e método de investigação a netnografia em interlocução com colaboradores que utilizam o aplicativo em questão e tendo como arcabouço teórico os estudos de sexualidade e comunicação.

Palavras-chave Grindr, Netnografia, Processos de Sociabilidade.

Autoria

  • Judi van Ferreira

    Bacharel. em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo (UFT|UM|UnB) e (quase, falta pouco) museólogo|a (FCS|UFG). Especialista em Gênero e Diversidade na Escola (UFT) e Processos e Produtos Criativos (FaV|UFG). “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”.

Orientador

  • Flávio Pereira Camargo

    É professor adjunto de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Goiás, com atuação na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística. Suas pesquisas se concentram em estudos sobre a narrativa brasileira contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: narrativa metaficcional, literatura e estudos de gênero (gender), literatura e homoerotismo, literatura e experiência urbana, representação e autorrepresentação de grupos marginalizados na literatura. Organizou vários livros sobre literatura brasileira contemporânea e sobre literatura e homoerotismo, além de ter inúmeros artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais. É líder do Grupo de Pesquisa Estudos sobre a narrativa brasileira contemporânea (CNPq/UFG) e membro do GT Homocultura e Linguagens, vinculado à ANPOLL.

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1. Introdução

“Domingo é o melhor dia para sair. É também quando realizamos nossos rituais favoritos. Ler o jornal, tomar um brunch, ir à igreja, jantar familiar. Mas, recentemente, desenvolvi um novo ritual de domingo” (MARCUS, 2012).

Figura 1. Frame da série Temporada de Caça (2012).

Esta fala de Alex (Ben Baur), personagem principal da (web)série televisiva norte-americana Temporada de Caça (Hunting Season, em inglês), seguida das imagens que constroem a cena na qual a fala é dita, ilustra de maneira didática as mudanças comportamentais, o contraste de gerações e os novos modelos de sociabilidade entre as pessoas, que trazem hábitos de comunicação mediada tecnologicamente.

Em cena, temos um jovem bebendo sozinho na sala de seu apartamento enquanto está conectado à rede e interagindo com outras pessoas por meio do celular. Tal prática é corrente na contemporaneidade, sobretudo, entre jovens. Trata-se de um cenário hiperconectado (SANTAELLA, 2015) no qual “as mídias e redes sociais tornam-se um bastião da sociabilidade juvenil” (ROCHA; AMARAL-SILVA, 2015, p. 18), isto é, elas são hoje uma realidade da qual não podemos fugir.

O início do século XXI foi, segundo Carla Luiza de Abreu (2015, p 197), “palco para a exploração das redes sociais na internet”. Para ela, as imagens se converteram – no contexto da interação mediada pela internet – em “veículos de representação, comunicação, socialização e criação de significados, símbolos e imaginários sociais” (ABREU, 2015, p. 197).

Observa-se, sobretudo a partir da última década, um crescente aumento do consumo de redes sociais e, consequentemente, das relações sociais no modo de produção capitalista, visto que tais redes possibilitam a (inter)ligação de indivíduos – a partir de seus interesses comuns, coletivos e/ou individuais – tornando-se um importante termômetro social, que nos possibilita investigar os impactos das redes digitais sobre as relações sociais na contemporaneidade.

Ao contrário de um jantar familiar ou até mesmo de um culto religioso, “típicos” programas de domingo numa perspectiva tradicional, Alex – com o auxílio da rede – desenvolve um novo ritual dominical: a caça, isto é, a personagem está, como podemos ver na imagem 01, marcando um encontro sexual por meio do aplicativo (app) Grindr.

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2. Grindr: um Estilo de Vida ou um Novo Modo de se Relacionar?

O Grindr é a maior rede social móvel do mundo voltada para gays, bissexuais, queers e “heterossexuais” curiosos (PRESKIT, 2017; GRINDR, 2017) e “traz a você imediata conexão a uma comunidade que se fortalece a cada dia. Agora, mais do que um meio de bater papo e encontros, o Grindr proporciona uma janela de boas-vindas a um estilo de vida apaixonante e progressista” (GRINDR, 2017, on-line). O Grindr é também, de acordo com Gleiton Bonfante (2014), o app de “pegação”, isto é, envolvimento libidinoso com alguém gay mais difundido no globo. Tal popularização se deu, de acordo com Eduardo Bianchi (2014, p. 07), devido ao “barateamento dos smartphones e as facilidades de pagamento” dos mesmos.

O app em questão, desde sua criação em 2009 pelo israelense Joel Simkhai, dirigia-se, inicialmente, aos gays de forma geral. No entanto, em 2013, os desenvolvedores deste aplicativo perceberam a necessidade de uma avaliação de seu público e concluíram que “ele continua gay, mas perceberam na fragmentação cultural, nos diferentes modos de vida dessa grande comunidade, as diferentes tribos através dos diferentes interesses de estilos, preferências e desejos” (BIANCHI, 2014, p. 07).

Neste sentido, em sua apresentação na loja de apps Play Store, o Grindr apresenta a seguinte descrição:

O Grindr é o melhor aplicativo social móvel GRÁTIS para homens gays e bi se conectarem. Converse e encontre homens sexy e interessantes grátis, ou faça upgrade para o XTRA para mais recursos e diversão. [...] O Grindr tem gente para todos os gostos: viado, discreto, anônimo, gostosão, nerd, papai, couro, militar, rústico, urso, lontra, vizinho, colegial, sarado, bissexual, trans. Não importa o que você esteja buscando: relacionamento, amizade, brincadeira, encontro, amor... você poderá encontrar aqui! (PLAY STORE, 2017, on-line, ênfase minha).

Ele é um app gratuito, sujeito a anúncios, e possui uma versão premium (xtra) que é paga, na qual os usuários que optam por ela obtêm mais recursos e vantagens como, por exemplo, ver seis vezes mais homens em sua interface que a versão gratuita (que só pode visualizar até 100 perfis), editar fotos salvas, filtrar buscas para encontrar o par perfeito, fugir dos anúncios, ver apenas homens com fotos nos perfis, bloquear e favoritar pessoas ilimitadamente, enviar várias fotos concomitantemente, dentre outros recursos.

Além disso, o Grindr está disponível nos sistemas operacionais Android e iOS (FEITOSA, 2017, p. 04) e faz uso de geolocalizador – sistema de posicionamento global (GPS, siga em inglês), que permite localizar os possíveis parceiros a partir da distância entre os usuários informada pelo app, funcionando como uma espécie de “gaydar” (radar gay) e incitando o encontro de pessoas próximas (COUTO; SOUZA; NASCIMENTO, 2013; BONFANTE, 2014; CAMARGO, 2014; MISKOLCI, 2014, 2014a; REZENDE; COTTA, 2015; FEITOSA, 2017).

O principal conceito do Grindr, segundo seu criador, é proporcionar a interação e gestão da vida social na palma da mão; é facilitar o encontro no momento em que os homens estão em movimento, criando oportunidades para o cara a cara (SIMKHAI, 2012; COUTO; SOUZA; NASCIMENTO, 2013).

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Compete mencionar, a título de contextualização, que “a possibilidade de estabelecer laços afetivos do tipo romântico e/ou sexual via tecnologia digital existe no Brasil, efetivamente, desde a década de 1990” (SALGADO, 2015, p. 49), graças, de acordo com Richard Miskolci (2014, 2014a, 2015, 2016), à disseminação da internet comercial seguida da “Web 2.0 e todos os seus desdobramentos tecnológicos” (PELÚCIO, 2016). Podemos citar, por exemplo, os sites Bate Papo Uol, Amigos Virtuais, NamoroOnline, ParPerfeito, SuperEncontro, Manhunt, Disponível, dentre outros. Posteriormente, surgiram os OkCupid, Orkut, Facebook, Badoo, Twitter... até serem desenvolvidos apps como Hot or Not, Whatsapp, Grindr, Romeo, Instagram, Scruff, Snapchat, Hornet, Tinder, Happn, GROWLr, Grrr, Gruzzly, Gaydar, Adote um Cara, Down, Mint, Kickoff, Wapa, Her, enfim, apps que auxiliam nas paqueras e flertes.

“O Grindr liga os gays ao mundo ao seu redor e representa um estilo de vida gay moderno que reúne os homens às pessoas, aos lugares e às coisas que mais lhes interessem” (PRESKIT, 2017, p. 03). Tal missão vai ao encontro do que Lucia Santaella (2015, p. 8) chama de hiperconexão, que “significa não apenas ligação entre pessoas, mas também entre sistemas e, com a emergente internet das coisas, significa ligação entre gente, animais, coisas e lugares”.

Posto isto, e considerando que as interações mediadas pela internet e apps podem, à luz de Suely Fragoso (2009), tanto criar “comunidades virtuais”, na qual as pessoas se relacionam harmoniosamente quanto mecanismos de esfriamento das relações ao acentuar o que há de pior nas pessoas, me proponho a discutir – neste artigo – o app Grindr (produto) enquanto rede de relacionamento que gera aproximações e distanciamentos (processos) de pessoas gays/bissexuais/queers por meio de uma netnografia.

3. Netnografia

A internet e as redes sociais mudaram nossa realidade “como cidadão, consumidor, pensador, falante, denunciante, blogueiro, amigo, fã, estudioso, enfim, mudou a realidade de ser um membro da sociedade” (KOZINETS, 2014; SILVA, 2015, p. 4). Além da mudança de realidade, o advento da internet trouxe também, segundo Christine Hines (2005, p. 01) “um desafio significante para a compreensão dos métodos de pesquisa”.

Neste contexto de mudanças – e dado o crescimento das interações tecnologicamente mediadas enquanto práticas sociais – surge, em meados dos anos 1990, a netnografia, termo que consiste tanto em uma metodologia para estudos na internet – que Christine Hines (2000) chama de etnografia virtual e Larissa Pelúcio (2016) de etnografia on-line, que aqui serão entendidas como sinônimos de netnografia) – quanto em um método de investigação, interpretação e compreensão de comportamentos e fenômenos culturais na internet e de comunidades on-line (KOZINETS, 1997; AMARAL; NATAL; VIANA, 2008; SILVA, 2015).

Neste tipo de etnografia são considerados, observados e analisados os processos de sociabilidade, os fenômenos comunicacionais que envolvem representações humanas (AMARAL; NATAL; VIANA, 2008), as práticas de consumo midiático (BRAGA, 2007) e, dentre uma gama de possibilidades, o mapeamento dos perfis de consumo nas plataformas sociais (AMARAL, 2007). Adriana Amaral, Geórgia Natal e Lucina Viana (2008, p. 36) – ancoradas nos estudos de Robert Kozinets (2002) – apontam como vantagens desta metodologia/método o fato dela/e “consumir menos tempo, ser menos dispendiosa e menos subjetiva, além de menos invasiva”, posto que o/a netnógrafo/a não interfere direta e fisicamente nas relações da comunidade analisada. No entanto, tal metodologia/método também apresenta seus contras, uma vez que ao utilizarmos apenas as interfaces digitais perdemos nuances de percepção característica da interação face a face.

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Compete mencionar que as análises netnográficas, por se circunscreverem numa perspectiva qualitativa, podem variar de acordo com as inclinações e posicionamento do/a netnográfo/a que pode tanto participar ativa e intensamente do processo quanto apenas observar as práticas da comunidade em análise. Todavia – apesar da netnografia se adaptar ao contexto e dele ser inseparável, não possuir um método protocolar e não apresentar receitas para ser realizada (HINES, 2000) – alguns procedimentos básicos devem, de acordo com Kozinets (2002, 2014), ser levados em consideração. Ei-los: o entrée cultural ou procedimento de entrada, que consiste numa preparação que pressupõe pesquisa e fundamentação antes do ingresso no campo; coleta e análise de dados, dos quais três tipos de coleta são importantes: dados arquivais – cópias diretas das comunicações tecnologicamente mediadas, dados extraídos – que o/a netnógrafo/a cria por meio da interação com os membros da comunidade em questão, dados do diário de campo. A análise destes dados contempla e delineia a pesquisa no geral; e, por fim, temos a ética de pesquisa e o feedback e a checagem de informações com os membros do grupo. Posto isto, apresento a seguir o passeio netnográfico que realizei pelo Grindr.

4. O Passeio Netnográfico Grindriano...

“Tanta coisa depende
de um
carrinho de mão
vermelho”

William Carlos Williams

O passeio netnográfico pelo bosque, quiçá jardim das delícias, grindriano foi realizado entre os meses de outubro de 2017 e fevereiro de 2018, tendo como cenário a capital federal, Brasília, e contou com um universo de 100 perfis analisados (uma vez que utilizei a versão gratuita do app), dos quais 30 representam a amostra de colaboradores/interlocutores. Esta foi selecionada considerando a pertinência da interação tecnologicamente mediada para o escopo desta netnografia.

4.1. Entrando no Jardim das Intimidades

O passeio começa com uma pequena versão digital de mim (ILLOUZ, 2011; PELÚCIO, 2016), isto é, o perfil, que foi criado em outubro de 2017. Penso, assim como Larissa Pelúcio (2016, p. 311), que “construir um perfil para si em sites e/ou aplicativos para relacionamentos é um processo altamente racionalizado, independente de es¬tarmos fazendo uma pesquisa”. Neste sentido, com a criação do meu perfil no Grindr, o procedimento de entrada no campo se deu de maneira tranquila, uma vez que eu já havia realizado uma leitura prévia acerca do tema e de seus desdobramentos e devido à facilidade de manuseio da interface do app em questão.

Ao preencher o perfil utilizei uma fotografia do meu rosto que, inclusive, já foi postada em outras redes sociais, como o Instagram e o Facebook. Ademais, preenchi o perfil de modo a atender às minhas necessidades enquanto pesquisador/netnógrafo e acatando aos princípios éticos que a netnografia demanda, ou seja, identificar-me enquanto pesquisador, fazer a apresentação do tema da pesquisa e solicitar as permissões e consentimentos aos colaboradores/interlocutores quando eu fosse abordado. Alguns destes procedimentos estão ilustrados na imagem 02, a seguir.

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Figura 2. Captura de tela do meu perfil no Grindr.

No preenchimento do perfil foi possível pensar a primeira coleta e análise de dados. Comecei pelas informações (dados arquivais) que eu inseri no perfil e que estavam, em maior ou menor proporção, nos perfis dos colaboradores/interlocutores. As informações foram: foto; nome de exibição, um breve perfil de até 255 caracteres; idade; altura; peso; etnia (tendo como opções as respostas: sem resposta [SR], asiático, branco, latino, mestiço, negro, outro, sul asiático, árabe, índio); porte físico (SR, comum, grande, magro, musculoso, parrudo, torneado); posição (SR, ativo, versátil ativo, versátil, versátil passivo, passivo); tribos (SR, barbie, cafuçu, couro, discreto, elegante, garotos, malhadinho, nerd, papai, soropositivo, trans, urso, sendo que podemos escolher até três tribos); relacionamento atual (SR, casado, caso, com parceiro, comprometido, exclusivo, noivo, relacionamento aberto, solteiro); em busca de (SR, agora, amigos, contatos, conversa, encontros, relacionamento, sendo que você pode marcar quantos itens quiser); identidade – como você se identifica? – gênero (SR; homem – homem, homem cis, homem trans, homem personalizado; mulher – mulher, mulher cis, mulher trans, mulher personalizada; não conformista – não binário, não conformista, queer, travesti, não binário personalizado); saúde sexual – status hiv (SR; negativo; negativo, usando PrEP; positivo; positivo, não detectável); data do último teste; perguntas de saúde sexual (link que remete a informações sobre hiv, profilaxia preventiva, exames e perguntas frequentes); rede social – espaços para inserir o link do Instagram, Twitter e Facebook.

Estas categorias acabam por se tornar marcadores que possibilitam aos participantes do Grindr a construção de um perfil que represente a si mesmos (versões de si) e possibilita a mim a identificação e análise destes perfis. Sendo assim, coletei os dados disponibilizados nos perfis que representam o universo (U=100) – tendo como amostra 30 colaboradores/interlocutores (N=30) – desta pesquisa e elaborei as seguintes tabelas para melhor visualização dos dados e informações de interesse.

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Tabela 1. Identificação, Fotografia e Identidade de Gênero.
Identificação Fotografia Identidade
Nome N % U Foto com: N % U Gênero N % U
Próprio 05 16,7 19 Rosto 09 30 29 Homem Homem 05 16,7 20
Cis 02 6,6 07
Apelido 22 73,3 72 Partes do Corpo 08 26,7 43 Trans - - 01
Queer - - 01
SR 03 10 09 Sem Foto 13 43,3 28 SR 23 76,7 71

Considerando os dados, observei que na categoria “identificação” poucas pessoas se apresentam no app utilizando nome próprio e que a maioria delas prefere utilizar apelidos que remetem à posição sexual (ativo, versátil, passivo), ao tamanho da genitália e a profissões, dentre outros. Sobre “identidade”, nota-se que a maioria prefere não responder e os que respondem, seja pelas estatísticas seja pelas informações verbais nos perfis, declaram-se homens masculinos/machos e demonstram não gostar de “afeminados”.

No que diz respeito à fotografia, a maioria dos perfis não apresenta foto de rosto. Esta é uma prática comum nos app de pegação e está na contramão de outras redes sociais, como o Instagram e o Facebook que são conhecidas (também) pela grande quantidade de selfies e hipervisibilidade. No entanto, a partir das interações, é possível negociar a troca de fotos. Mesmo com a pouca divulgação de fotos de rosto no mosaico de perfis do Grindr (Imagem 03), existe uma grande quantidade de fotos que expõem partes fragmentadas do corpo como, por exemplo, peitorais, braços, pernas, detalhes da barba, costas e partes erógenas. Há também, e já entrando nos dados gerados pela interação e conversa pelo app, muita troca de “nudes”, isto é, imagens eróticas compartilhadas em redes sociais. Cabe mencionar que a troca de nudes não é feita apenas em apps voltados para os gays.

Idade
Intervalos N % U
18 – 25 07 23,3 23
26 – 33 05 16,7 28
34 – 41 06 20 23
42 – 49 04 13,3 06
50 – 57 - - 02
SR 08 28,7 18
Tabela 2. Idade e Etnia.
*Dada à baixa frequência, optei por agrupar em um mesmo grupo as categorias (árabe, asiático, índio, outro e sul asiático).
Etnia
Autodeclaração N % U
Autodeclaração N % U
Branco 03 10 18
Latino 03 10 12
Mestiço 04 13,3 09
Negro 04 13,3 18
Outros* 01 3,4 04
SR 15 50 39
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No âmbito da faixa etária, os meus colaboradores/interlocutores têm idades que variam de 18 a 46 anos. A maioria dos perfis analisados tem entre 26 e 33 anos. A respeito da etnia, 39% dos perfis preferem não responder, seguidos de 18% que se consideram brancos e 18% se consideram negros. Dos colaboradores desta pesquisa, 50% preferiram não responder, 26,6% representam negros e mestiços, 20% representam brancos e latinos e 3,4% são outros.

Tabela 3. Porte Físico, Posição e Tribo.
*Optei por agrupar as categorias musculoso e torneado e ** as categorias barbie, cafuçu, couro, malhadinho, papai, soropositivo, trans e urso.
Porte Físico Posição Tribo
N % U N % U N % U
Comum 05 16,7 23 Ativo 04 13,3 12 Discreto 02 6,6 10
Grande 01 3,3 02 Versátil Ativo 03 10 14 Elegante - - 04
Magro 07 23,3 14 Versátil 05 16,7 16 Garotos 05 16,7 10
Musculoso - - 12 Ver. Passivo 02 6,7 06 Nerd 02 6,6 02
Parrudo 03 10 10 Passivo 01 3,3 07 Outros - - 07
SR 14 46,7 39 SR 15 50 45 SR 21 70 69

A maioria dos colaboradores desta netnografia preferiu omitir de seus perfis as informações relativas ao porte físico, à posição sexual que tem preferência e à tribo. No entanto, observa-se que os magros representam 23,3% da amostra, seguidos dos comuns (16,7%), parrudos (10%) e grande (3,3%). Consideradas as proporções, o mesmo se repete no universo analisado. No que diz respeito à posição: a maioria é formada por versáteis. Os “garotos”, seguidos dos “discretos”, são as tribos que possuem o maior número de colaboradores.

Relacionamento Atual
  N % U
Aberto 01 3,3 02
Casado* 02 6,6 06
Caso - - -
Exclusivo - - -
Solteiro 07 23,3 24
SR 20 66,8 68
Tabela 4. Relacionamento Atual e Em busca de...
*Considerando que as categorias casado, com parceiro, comprometido e noivo podem ser lidas como sinônimas e dada à baixa frequência, optei por agrupá-las.
Em busca de
  N % U
Agora 07 12,5 14
Amigos 06 10,7 14
Contatos 06 10,7 13
Conversa 07 12,5 15
Encontros e Rel. 13 23,2 30
SR 17 30,4 55
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Os solteiros, depois dos que preferiram não responder, são a maioria entre os colaboradores desta netnografia. No entanto, há presença de casados, comprometidos, noivos e pessoas em relacionamento. Eles buscam amigos e contatos (ambos com 10,7%), conversa e sexo casual (ambos com 12,5%), encontros e relacionamentos (23,2%) e 30,4% preferiram não responder a este item.

No que tange às categorias “Saúde Sexual”, observei que: 64% dos colaboradores não responderam a este campo e 36% declararam status negativo do HIV; dos 100 perfis contabilizados, 76% não responderam a este campo e 24% declararam status negativo. Quanto às redes sociais, apenas 5, dos 100 perfis, informaram o link do Instagram e apenas 1 informou o do Facebook.

Ainda sobre os perfis, as versões digitais do “eu” dos colaboradores desta netnografia apresentavam as seguintes nominações e descrições: Luiz (100% passivo) “Quero conhecer alguém para algo sério ou só paquera...”; Carlos (Desejo...) “Sexo descomplicado... Mas podemos conversar e quem sabe...”; Francisco (Enfermeiro) “Se é macho pode vim, se não é vaza”; Miguel (Cebrutius) “Vem no envolvimento mas sem viadagem poha”; Artur (chegues) “Que me tire do app”; Henrique (você) “Uma pessoa tranquila e de bem com a vida”; Afonso (Gouiner) “Sou uma pessoa bem tranquila e na minha. E sim, não responder é falta de educação”; José ( – ) sem descrição; Paulo ( – ) “Happy by nature! Não passo whatsapp. Descrição é tudo, poc. Fica a dica!”; César (emoji) “Já manda foto no primeiro contato”; Fernando (Ativo) “Busco relacionamento sério. Não as bichinhas afeminadas. Sou macho e gosto de machos; Maicon (Moreno) “Aqui tem muito músculo e pouca massa cinzenta aff mim poupe das bonecas de açougue. Estou a procura de pessoas de personalidade”; Fábio ( – ) sem tem cabelo da moda e se veste como mulher nem vem; Rodrigo (Afim agora?) “Somos um casal e somos versátil/passivo. Quer foto? Manda primeiro se puxou conversa. Sem paciência para emojis, odeio taps, totalmente passivos e afeminados proibidos”; Kaique (C/local) “Idade não define a maturidade, atitudes sim”; Marcelo (Thi) “Tranquilo, educado”; Augusto (Zay) “Manda aí uma foto do seu dog. Em que caixa você guarda os seus sonhos perdidos?”; Júlio (Gato) “‘Sou apenas um andarilho em busca da verdade’ Curto animes e séries. Fotos no pv”; Gilmar (Vamos ser amigos?) “Bora dar uns pega? Quer conversar? Quer mais? Só puxar assunto, eu não mordo”; Lourenzo (F**k) sem descrição; Samuel (17**) “Não tô afim de fast foda”; Caio (afim agora) “Me chama aí, salva esse. Não sou e nem curto afeminado”; Pablo (Tio safado) “QUERO fuder um MLK bem safado de preferência macho”; Estevão (Kzdo a fim) “Procuro putaria com macho no sigilo”; Gabriel (Quem sabe) “Afeminado nem é gente. Procuro macho, pois é preciso ser muito macho pra dá o C*”; João (KsadoAtivoSarro) PERDI O HISTÓRICO!!! Sei apreciar a beleza do corpo de outro homem. E curto receber uma massagem. CURTO BRINCADEIRAS COM MACHOS. Sarro, punheta, mão amiga”; Élder (Fixo, talvez?) “Curto Gentis, limpinhos, focados. Não quero sexo mecânico, rápido. Curto o momento. S/ local. Só com capinha. Aceito propostas. Prefiro os que moram só (exceções). Já chega consciente se gostou ou não. c/ fotos pfv, se não, economize meu tempo e paciência”; Wagner (Ativo – TOP) “PT, EN. TOP é ativo em inglês!! Procuro sexo s/compromisso. Curto cair de língua numa bunda e depois meter. Quer foto? Mande a sua primeiro! Não passo whatsapp. No pic = no chat. Sem afetações; Inácio ( – ) Não me interessa os afeminados. Masculino aqui; Tom (Val) sem descrição.

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4.2. Interações

As interações pelo Grindr acontecem de uma maneira muito simples. Diante do mosaico de perfis (imagem 03), você seleciona um (ou muitos) deles e envia mensagens diretas. Existe também a possibilidade de demonstrar interesse por meio dos taps, que é um mecanismo encontrado pelos desenvolvedores para quebrar o gelo sem, necessariamente, fazer uso das palavras. No entanto, muitos usuários do Grindr não gostam de taps, demonstrando isso, inclusive, verbalmente na descrição de seus perfis.

Dada a natureza da minha participação no app, assumi a postura de não ser o primeiro a interagir, deixando que os/as interessados/as em contribuir com a pesquisa me abordassem. Para minha surpresa, muitas pessoas me abordaram motivadas pelos mais variados motivos, que iam desde o interesse em participar da investigação a convites para uma sessão de cinema/netflix, relacionamento sério, curtir o envolvimento ao som de MC Loma, discutir poesia e sexo a três, por exemplo. Ative-me às interações que atendiam ao escopo desta netnografia, mas sem desconsiderar os possíveis desdobramentos das outras abordagens, que inclusive se constituíram enquanto dados de/para análise. Vale mencionar que as construções frasais em itálico são, neste artigo, as falas dos colaboradores/interlocutores.

Marcelo e Maicon, de 29 e 45 anos respectivamente, me abordaram para demonstrar a surpresa que tiveram ao me ver no app de pegação pesquisando. Este iniciou o diálogo me perguntando se eu estava fazendo uma pesquisa sobre o mundo gay. Nas palavras dele, eu tive uma ótima ideia, pois até hoje nunca vi ninguém fazendo esse tipo de TCC. Você é o primeiro que vejo. Agradeço a interlocução de Maicon e apresento a ele alguns dos/as autores/as que, à propósito, utilizei para fundamentar esta netnografia (vale a pena conferir as referências). Aquele, por sua vez, encarou a minha presença no app como brincadeira e começou o diálogo da seguinte forma: sei que você colocou que estava fazendo pesquisa para seu TCC (deve ser zoação), mas você estuda? Respondi que sim e desenvolvemos, a partir dessas interações iniciais, diálogos sobre a pesquisa que se delineava.

Ow, achei da hora o que você escreveu no seu perfil, mas agora me explica em português, disse-me Lourenzo. Gilmar também manifestou interesse em participar da netnografia, mas ambos acabaram desistindo do diálogo após eu explicar o motivo pelo qual eu estava no app. Em que posso ajudar no seu TCC? Perguntou-me César. Ao conversarmos sobre a pesquisa ele mesmo respondeu à pergunta que ele me havia feito: eu posso ajudar na parte que hoje em dia as pessoas se aproximam muito rápido pra poder alcançar o sexo e depois a distância é de uma forma tão grande que é até difícil a pessoa mandar mensagem depois do sexo. Pergunto se isso acontecia com frequência e ele responde que isso já aconteceu tanto comigo que eu resolvi fazer do mesmo jeito e finaliza a interação.

Desviando-me dos convites de Francisco, Miguel, Artur, Henrique, Fábio, Rodrigo, Kaíque, Caio, Pablo, Estevão, Gabriel e João – que iniciaram a conversa com convites do tipo oi, topa? Putaria no sigilo, quer? Com você eu faço tudo! Se quiser vir fazer uma entrevista, fica à vontade... enviando em seguida nudes e, em tom de brincadeira, justificando essas investidas com a frase-meme em vigor “é pro meu TCC” – acabei me deparando com os colaboradores Luiz e Tom.

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Quando perguntado sobre quais motivações o tinham levado ao Grindr, Tom responde: busco pegação. Esse é o meu único interesse nesse app. Além da facilidade de transpor barreiras. Facilidade de ser inserido em grupos afins com objetivo de sexo. E tem conseguido sucesso nessa empreitada?, pergunto. Ele responde que a oferta é alta e tem gente pra todo gosto. Quais perfis te interessam? Os que têm foto. Não falo quando não tem foto. E as pessoas te abordam, uma vez que você não tem foto? Ele explica que envia foto de rosto depois de conversar e ver que vai rolar mesmo. Não vou me expor à toa. Entendo, vi no seu perfil que você é discreto, o que pensa a respeito de gays assumidos? Tanto faz. Que sejam bons de cama e que tudo fique entre quatro paredes. Fiz mais algumas perguntas, mas não obtive respostas.

Luiz começou a conversa perguntando do que eu estava a fim. Respondi que procurava colaboradores para uma netnografia e ele me explicou para que serve, segundo ele, o Grindr. Aqui nesse app pode ser para duas coisas: encontro ou desencontro. Ou rola ou enrola. Entendeu? Sexo ou pra paquera. Se curtiu ou não. Mas acredito também pode acontecer um namoro sério ou não. Boa pesquisa aí. Após essas frases, e antes que eu pudesse fazer mais perguntas, ele me bloqueou. Élder, de 29 anos, fez a mesma coisa. Mas ao contrário de Luiz, Élder apresentou – desde o início da interação – atitudes agressivas. Transcrevo abaixo a nossa interação mediada pelo Grindr.

Que tipo de pesquisas? Nossa, quis ajudar e vc demora assim? Olá, boa noite! Embora pareça que eu esteja conectado ininterruptamente, às vezes paro para escrever e fazer outras tarefas. Mas enfim, como vai? O que vc pesquisa? Nesta netnografia eu pesquiso o Grindr como possibilidade de sociabilidade entre gays, bissexuais e queers. Importa-se em dizer a sua orientação sexual? Acho que é uma opção e ainda não optei. Não vai por minha imagem na rede né??? Não, aqui é na base do consentimento. A propósito, posso utilizar o diálogo que estamos tendo para ilustrar a minha pesquisa? Sim, mas sem imagens. Vc manda nudes? Prefiro estabelecer contato apenas verbalmente. Vou entender se não quiser continuar o papo. Mas caso queira, o que te motiva a usar o Grindr? Mas vc é ativista gay? São péssimos de diálogo! É uma opinião que não partilho. Até o momento me mostrei aberto ao diálogo e agindo de maneira muito cortês, até. Depois dessa não vi abertura. Vcs logo odeiam. Moço, você quer dialogar (que pressupõe falar e escutar) ou apenas me atacar gratuitamente? Estou, de fato, confuso. Diálogo sem responder perguntas? Te fiz perguntas. E eu respondi, inclusive te fiz outras que você simplesmente ignorou. Ai ai não finja estar tudo bem. Mas você tá brava? Comigo está tudo bem, contigo não? (DIÁRIO, 2018).

A interação com Élder foi finalizada por um bloqueio por parte dele. Com o bloqueio, além de não visualizar mais o perfil dos colaboradores Luiz e Élder, eu não tive mais acesso às conversas que tivemos e a descrição delas só foi possível graças aos relatos no diário de campo.

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Carlos, de 37 anos, casado com mulher, que tem como nome de exibição “Desejo...” e cuja descrição é “sexo descomplicado... Mas podemos conversar e quem sabe...”, me abordou da seguinte forma: Bom dia. Desculpa para sair “comendo” ou realmente estás fazendo pesquisa pra TCC. Se for, que massa! Respondo que sim, trata-se de um trabalho de conclusão de curso e ele, prontamente, se disponibilizou a colaborar com a pesquisa, mas de forma anônima, sem nomes, sem fotos. Quando perguntado do porquê usar o Grindr ele responde que é por curiosidade e fuga, da minha realidade e das coisas que vivo. Daí me permito estar de boa por aqui, sem traumas, sem medos. Para ele os traumas e medos não têm uma relação direta com a forma que a sociedade brasileira encara as sexualidades diferentes da heteronormativa.

Sou muito bem resolvido sexualmente. Sem definições. Sou um homem que na cama busco prazer. Não preciso colocar uma plaquinha pra sociedade me identificar. Homens são homens e pronto. Uns gostam de mulheres e outros de homens. “Afeminados” é apenas uma nomenclatura. Não me passo por heterossexual. Sou o que sou. Apenas não saio por aí relatando minha intimidade. Sou casado, com mulher, casei amando loucamente, mas não recebi reciprocidade. Daí depois de cinco anos na coleira, estou aqui, não no “oba oba”, mas observando. Eu amo bater papo. Conhecer pessoas que possam falar sem barreiras, mas aqui [no Grindr] conheci uma pessoa que foi embora pra Sampa e me deixou desnorteado, mas passou. No momento converso bastante, inclusive contigo. Aqui, assim como na vida, nunca crie expectativas, principalmente no ser humano. Aqui todo mundo cria ilusões, mas a maioria, como diria um amigo meu: “quer dar o cu e chupar rola”. Perdão pela sinceridade. Nunca bloqueio. Se deixam de falar comigo, eles que perderam. Sou um cara legal, pra amizade e sexo. Os homens aqui querem príncipes em cavalos alados com rolas quilométricas pulsantes. Não sou eu. Espero que dê tudo certo na sua pesquisa. É um trabalho ousado. Boa noite. (DIÁRIO, 2018).

Assim como Carlos, muitos são os homens casados que buscam em apps (não só o Grindr) meios de fuga da “realidade” em que vivem. Mas para os homens, isso sempre, independente dos meios, foi considerado normal aos olhos da nossa sociedade.

Inácio, Fernando e Júlio entusiasmaram-se com a pesquisa. O primeiro, de 23 anos, me perguntou para que eu buscava colaboradores, quais informações eu queria e se mostrou disponível para participar da netnografia. Não sei se posso ajudar. Não serei aleatório. Quiser perguntar, responderei. Ele “me contou suas viagens” e preferências: gosto de homem que se porta como homem. Não me interessa os afeminados. Na verdade, eles envergonham os homens. Onde já se viu homem vestindo saia, passando batom. Não gosto! O segundo, de 37 anos, me chegou como quem chega do bar e enviou a seguinte mensagem: Quero fazer parte desse TCC. No que se refere a minha pessoa, estou atrás de um relacionamento e não algo casual. Mas não busco bichinhas afeminadas. Sou macho e gosto de machos. Não curto o meio gay, é muita futilidade e sou só ativo. O terceiro foi chegando sorrateiro:

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Oi, quero ajudar na sua pesquisa. O que me motiva a estar no Grindr é o tédio e a solidão. Na vida todos estamos sós, porém sempre acompanhados das nossas lembranças e crenças. Enfim, me sinto só, sem nenhum amigo para conversar e uso o app para falar com pessoas que nem faço com você agora. Aqui os caras julgam muito a aparência, não importa o que você pense ou goste. Se você não é masculino então, é o fim. O app consome muita bateria, podemos trocar whatsapp? (DIÁRIO, 2018).

Já que tenho como objeto e canal o Grindr, optei por estabelecer interações apenas por ele e Júlio entendeu tranquilamente. Afonso e Samuel, 29 e 18 anos respectivamente, também manifestaram interesse em migrar de app para continuar a conversa, mas por outros motivos. Mas você procura por alguém só pelo TCC? Perguntou-me Afonso, e continuou: você vai encontrar as pessoas com quem interage aqui? Se sim, tô aqui pra isso. Você não se envolve fisicamente? Não faz sexo com os caras? Respondi que, a princípio, não e propus um encontro em um café para conversarmos. Ele agradeceu o convite, mas justificou a negativa dizendo que estava a fim apenas de sexo. Além de fazer pesquisa, você se envolve? Perguntou-me Samuel, e prosseguiu falando: tô a procura de algo sério, disse ele. Expliquei que o envolvimento nesta situação acaba sendo inevitável, mas, infelizmente, eu não correspondia aos anseios dele e finalizamos a conversa.

Então isso é um experimento? Perguntou-me José. Sim, trata-se de uma pesquisa que intenta discutir o Grindr enquanto produto que gera processos de socialização de gays, bissexuais e queers. A que resultados chegou? Poderia compartilhá-los? Mantenha-me informado, por favor! E chegamos à parte das considerações...

5. “Por favor, goste de mim...”

Caminhando para o fim deste passeio, essa “história interminável que então comecei a escrever” (LISPECTOR, 2004, p. 180), apresento aqui as considerações reflexivas que apreendi nesta netnografia a partir das interações com os colaboradores/interlocutores, à luz do que conversamos, do que foi possível observar, da interlocução com autores da área e tendo como leme as discussões sobre como um produto (o app Grindr, no caso) pode gerar processos, quiçá criativos, de sociabilidade entre gays, bissexuais e queers.

A gozada, a foda, o prazer sem compromisso (não, você não está num texto de Caio Fernando Abreu, Cassandra Rios ou Hilda Hilst) são as principais buscas de quem utiliza o Grindr. A “beleza”, construída social e culturalmente nos ideais narcisistas e por modelos e padrões heteronormativos e higienistas, é o foco desta busca, que varia de acordo com os desejos mais íntimos: seja o “tamanho” (de preferência muito grande, propagado pela indústria da pornografia), item importante para os passivos; a “discrição” e o “não parecer gay” troféus dos ativos; a capacidade polivalente dos versáteis, que ampliam o campo da caça; a rapidinha e cada um para o seu canto depois do coito, para os casados; ou nada disso, dentre uma gama de possibilidades. Afinal, o desejo, o fetiche e as sexualidades são terrenos movediços.

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“Sem foto, sem papo!” Os perfis sem fotos nítidas, por ironia ou não, são os que mais solicitam fotos colaborando com a cultura das imagens e com a hipervisibilidade. O corpo erotizado, e a sua representação por meio de imagens, é um item importantíssimo no Grindr. É o produto, a vitrine, o sonho de consumo – pois a esfera mercantil se tornou onipresente e ilimitada (LIPOVETSKY; SERROY, 2011) – pela qual o desejo é estimulado. Mas não é qualquer corpo. Tem que ser viril, com uma performance masculina e de preferência sarado, isto é, fora do meio: “nada contra, mas não curto afeminados”.

Os colaboradores – com seus relatos em conjunto com o universo de perfis analisados e os dados colhidos – desta netnografia me ajudaram a refletir que o Grindr, assim como outras mídias e apps de relacionamento, cria novos modelos de sociabilidade, partilha estilos de vida, funcionam como “meios que permitem criar redes relacionais seletivas dentro de uma espécie de mercado amoroso e sexual” (MISKOLCI, 2014a, p. 20; PELÚCIO, 2016, p. 315), desloca e potencializa outros meios de comunicação e socialização (como bares, boates, bosques, parques, reuniões entre amigos, saunas, que eram e continuam sendo formas de socialização) por meio da geolocalização, que conforme você ande mais e mais perfis aparecem à distância de um toque no seu celular.

No entanto, ao passo que o Grindr aproxima pessoas gays, bissexuais e queers com interesses comuns e possibilite encontros e relacionamentos entre pessoas que, talvez, sem o app não teriam as mesmas oportunidades, as interações com os colaboradores, assim como a análise dos perfis, me possibilitam dizer que acontece, concomitantemente, um processo de distanciamento destas pessoas (tal como na interação face a face), seja pela presença de discursos heteronormativos e homofóbicos, seja pelo falocentrismo e misoginia impregnados nos perfis, seja por desinteresse mesmo. O que nos leva a pensar que o que determina se um produto como o Grindr, por exemplo, é bom ou ruim é o modo como nos apropriamos dele e de como “reproduzimos” a cultura na qual estamos inseridos.

Adentrando o sigilo, tudo pode acontecer. Dadas às exigências dos perfis, neste disputado mercado dos afetos, as pessoas se mascaram com discursos “discretos” e “fora do meio”, mas tem também os que não aceitam estas imposições e “preços”. Assim como existem pessoas que buscam sexo (e não serei moralista a ponto de dizer que isso seja errado), existem os que procuram relacionamentos duradouros, bem como existem os que iludem estes. Além do sexo e dos possíveis relacionamentos, as pessoas fazem uso do Grindr para se sentirem dentro de um mundo onde sentir desejo, prazer e gozar (a vida em plenitude) não sejam encarados como anomalia. Ao finalizar este passeio fico com a sensação de que “aprendi mais sobre o mundo” (THOMAS; SAVILLE, 2013-2016).

Referências

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Entende-se por aplicativo, neste texto, um software baixado em smartphones e desenvolvido para as mais diferentes finalidades, que contemplam desde a aprendizagem de idiomas a relacionamentos amorosos/sexuais/sociais.

A internet das coisas (Internet of Things, IoT, em inglês) “refere-se à integração de objetos físicos e virtuais em redes conectadas à internet, permitindo que ‘coisas’ coletem, troquem e armazenem uma enorme quantidade de dados numa nuvem, que uma vez processados e analisados esses dados, gerem informações e serviços em escala inimaginável (ALMEIDA, 2015). É uma extensão da internet atual.

Trata-se de uma referência, direta e indireta, a: um perfil presente no Grindr, cuja foto é um detalhe do famoso tríptico intitulado “O Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymos Bosch; um livro de Umberto Eco (1994), intitulado “Seis Passeios pelo Bosque da Ficção”, do qual eu tomo emprestado a ideia e metáfora do passeio; e, a pegação em bosques, parques, jardins, praças, banheiros públicos, dentre outros lugares utilizados e ressignificados por gays e queers como estratégia de sociabilidade.

Para efeitos de geolocalização, foi tomado como referência a Asa Sul, mas dada a mobilidade das pessoas e a minha tive colaboradores/interlocutores das cidades satélites e da região do entorno de Brasília. Além disso, foram realizados –no período da netnografia– passeios netnográficos pelas cidades de Goiânia (GO), Florianópolis (SC) e Belém (PA) que foram descritos no diário de campo.

Para preservar o anonimato dessas pessoas (e ao contrário do que fez Nico Hayes ao expor atletas homossexuais nos Jogos Olímpicos Rio 2016 numa matéria “jornalística”) foram atribuídos aos colaboradores desta netnografia nomes próprios aleatórios. Os apelidos que nomeavam os perfis e que não apresentavam riscos de exposição da identidade dos colaboradores foram mantidos e estão entre parêntesis. Ademais, na imagem 03, os rostos identificáveis foram graficamente distorcidos.

"Esse hit é chiclete, na tua mente vai ficar. Sento, sento, sento, sento, sento e quico devagar...” esses são alguns versos de “Envolvimento”, de MC Loma, que surgiu como hit do Carnaval 2018 por meio do YouTube. É a internet impulsionando novos artistas.

Fiquei curioso, que referência é essa do carrinho de mão? Digo que “é só poesia”. Sério? Vou googlar, disse-me Augusto. Inácio também me questionou sobre os versos de Williams presente no meu perfil, disse-me que entendeu a proposta da pesquisa, exceto a parte do carrinho de mão. Os dois conversaram comigo tendo a poesia como mote.