Paradigmas da Imagem: Criação, Transmissão e Recepção nas Colagens de Wolney Fernandes

Resumo Compreende-se que a construção da imagem constitui uma poética, para tanto é importante observar a articulação da trama visual enquanto discurso capaz de influenciar de forma direta os efeitos do sensível. Este trabalho se justifica ao promover a discussão, no que se refere à produção, circulação e recepção de imagens de acordo com o paradigma da imagem, situando neste as obras do artista Wolney Fernandes. Para esta análise, fizemos um recorte em seu trabalho, priorizando as colagens divulgadas nas redes sociais. Utilizamos como principais aportes teóricos os estudos de Flusser (1985) e Santaella; Nöth (2001). O êxito na conclusão da proposta foi evidenciado ao compreendermos que as imagens são criadas de acordo com processos complexos envolvendo a intencionalidade de seus produtores e as possíveis relações estabelecidas entre os sujeitos receptores/apreciadores, processos esses que foram identificados na obra do artista escolhido.

Palavras-chave Paradigmas da imagem, Arte, Colagens.

Autoria

  • Jhon Maykel Fernandes

    Licenciado em Pedagogia pela UEG (2007) e em Artes Visuais pela UFG (2012). Especialista em Mídias na Educação pela UFG (2013). Especialista em Processos e Produtos Criativos pela UFG (2018).

Orientador

  • Wagner Bandeira

    Nascido em Teresópolis.RJ, possui graduação em Desenho Industrial pela Esdi.UERJ (2000), mestrado em Design pela PUC.RJ (2006) e doutorado em Arte e Cultura Visual pela UFG (2017). Atualmente é professor adjunto na Universidade Federal de Goiás. Coordena a equipe de produção multimídia no Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (CIAR.UFG), integra a equipe de pesquisadores do Laboratório de Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento de Mídias Interativas (Media Lab. UFG) onde coordena a pós-graduação em Inovação em Mídias Interativas (InMídias). Tem experiência na área de Desenho Industrial, com ênfase em Programação Visual, atuando principalmente nos seguintes temas: design de interface, design de experiência do usuário, design editorial, design acessível, tipografia, design para EaD, identidade visual e semiótica.

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1. Introdução

Para Flusser (1985), as imagens, de forma ampla, podem ser organizadas em dois agrupamentos: as imagens tradicionais – desenhos, pinturas, gravuras, colagens –, onde há um agente humano, pintor, desenhista, artista que elabora símbolos mentalmente e os transfere para uma superfície por meio de um pincel ou objeto similar; e as imagens técnicas – fotografia, fotografia cinematográfica – produzidas por intermédio de aparelhos, um cinegrafista ou fotógrafo tendo o suporte de um aparelho para captação da imagem em um processo que liga a imagem e seu significado (FLUSSER, 1985).

O observador enxerga a imagem técnica sem questionamento, como janelas e não imagens. É uma aparente objetividade simbólica, pois são imagens como as outras e devem ser decifradas por quem deseja saber o seu significado. As imagens tradicionais não podem ser vistas como janelas, pois são elas mesmas imagens, superfícies que transcodificam processos em cenas (FLUSSER, 1985). A magia das imagens técnicas é diferente das tradicionais, pois, nestas, o nível histórico e ontológico é diferente daquelas. Outra tipologia proposta acerca da natureza das imagens foi apresentada por Santaella e Nöth (2001), em que consideram as imagens em três agrupamentos, avaliando também as imagens produzidas a partir das novas invenções tecnológicas (séculos XIX e XX). O primeiro grupo formado pelas imagens pré-fotográficas, o segundo, as imagens fotográficas, e o terceiro, as imagens pós-fotográficas. As diferenças verificadas nos modos de produzir imagens alteram a forma como percebemos o mundo e a imagem que temos do mundo. Desta forma, entendemos enquanto processo a passagem de um tipo de imagem para outro.

As imagens estudadas por muitos historiadores de arte contêm cores e formas, são objetos que muitas vezes adquirem características humanas, com sentimentos, consciência e desejo, dados por estes estudiosos. É importante considerar, diante da sociedade atual, que existe uma recolocação das atitudes tradicionais (a idolatria, o fetichismo, o totemismo) frente às imagens. De acordo com Mitchell (2015), seguindo o pensamento de Lacan, a imagem desperta um desejo em nosso olhar que não pode ser mostrado, uma impotência que lhe confere esse poder específico. Segundo ele, a “expressão de um querer pode expressar a falta, muito mais que o poder de comandar ou exigir.” (MITCHELL, 2015, p.19).

Juntamente com o desejo da imagem, é importante considerar o desejo do artista produtor, o que pode ser feito através da interpretação dos signos. Muitas vezes, a mensagem que as imagens comunicam não é o mesmo que elas gostariam de comunicar inicialmente, nem mesmo o efeito produzido é o mesmo que elas dizem querer.

Tendo como objeto de análise as obras de colagens do artista plástico Wolney Fernandes, disponibilizadas na Internet por meio de redes sociais (Instagram, Facebook), este artigo aborda questões do campo de estudos em processos de criação, transmissão e recepção de imagens, considerando como documentos de processo o conjunto de obras já disponibilizadas ao público. Propomos aqui relacionar os entrelaçamentos visíveis no projeto poético do artista e identificáveis em seus trabalhos já expostos.

A importância deste trabalho se justificou por trabalhar as obras/colagens do artista a partir dos conceitos sobre a imagem, tendo como principais suportes teóricos Flusser (1985) e Santaella e Nöth (2001). Propomos uma discussão sobre a importância do processo criativo das imagens e seus desdobramentos na transmissão e recepção por intermédio dos dispositivos digitais e das redes sociais na Internet.

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2. Imagem Tradicional e Imagem Técnica

As imagens técnicas contêm um significado impresso que, aparentemente, não precisa ser decifrado. São símbolos muito abstratos, pois codificam textos em imagens, sendo metacódigos de textos. Ao contemplar as imagens técnicas não vemos o mundo, mas sim determinados conceitos relativos ao mundo.

Elas são dificilmente decifráveis pela razão curiosa de que aparentemente não precisam ser decifradas. Aparentemente, o significado das imagens técnicas se imprime de forma automática sobre suas superfícies, como se fossem impressões digitais onde o significado (o dedo) é a causa, e a imagem (o impresso) é o efeito. (FLUSSER, 1985, p. 10).

Esse mesmo autor afirma que a objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois, em realidade, são imagens simbólicas assim como todas as outras imagens, devendo ser decifradas por quem se interessar em conhecer seu significado, sendo, portanto, símbolos muito abstratos.

Nas imagens tradicionais é fácil verificar que se tratam de símbolos. Existe um agente humano (pintor, desenhista) que elabora símbolos em sua cabeça e os transfere para a mão com o pincel e, posteriormente, para a superfície da imagem (FLUSSER, 1985).

A função das imagens técnicas é emancipar a sociedade da necessidade de pensar conceitualmente, se considerarmos que sua criação se deu a partir de um momento de crise do texto, quando este foi elevado ao nível da textolatria, conforme discutido por Mitchell (2015). Os textos são uma mediação entre o homem e a imagem, mas podem não cumprir esta sua função em razão de tapar as imagens que pretendem representar algo para o homem.

Em outro momento histórico, os textos foram inventados no momento de crise das imagens tradicionais como forma de superação da idolatria.

O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função das imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas. Tal inversão em função da imagem é idolatria (FLUSSER, 1985, p. 7-8).

Se nos atentarmos para o contexto histórico podemos dizer que as imagens tradicionais são pré-históricas, elas precedem os textos e as imagens técnicas são pós-históricas, sucedendo os textos. De modo ontológico, as imagens tradicionais têm uma imaginação do mundo, as imagens técnicas têm uma imaginação de textos que criam imagens e, consequentemente, imaginam o mundo. O significado impresso contido nas imagens técnicas, aparentemente, não precisa ser decifrado (FLUSSER, 1985). Atualmente, tudo se converte para a imagem técnica, todo ato científico, artístico e político visa eternizar-se em imagem técnica, visa ser filmado, fotografado, videoteipado.

Contudo, as imagens sofreram mudanças no que se refere ao armazenamento e conservação, criação e produção, compartilhamento e distribuição, aliados aos novos meios, advindos das inovações tecnológicas. Para tanto, percebe-se mais claramente, a partir das considerações de Santaella e Nöth (2001), uma leitura de imagens nas mais diversas formas de criação, transmissão e recepção, entrecruzando diversos modos de expressão em uma relação ilimitada de possibilidades, como veremos a seguir.

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3. Paradigmas da Imagem

De acordo com Santaella e Nöth (2001), o processo evolutivo para produção da imagem é materializado com a existência de três paradigmas, resultantes de uma perspectiva materialista, ou seja, cada paradigma é discutido a partir dos modos de produção, sendo estes materiais, instrumentais, técnicos, meios e mídias.

Compreende-se que a passagem de um grupo para outro não é feito de forma simples, sendo um processo didático. Uma passagem histórica, que não se dá de forma abrupta ou rápida, configurando-se em um processo gradativo.

No primeiro paradigma, pré-fotográfico, vemos como característica básica o modo de produção artesanal que depende de um suporte para receber às substâncias, onde o produtor/artista registra seu gesto por meio do pincel, um prolongamento das mãos. O resultado é um objeto único criado por um agente que deu forma àquele olhar. Nesse paradigma identifica-se um processo conhecido como monádico, onde se incorporam o sujeito-criador, o objeto-criado e a fonte de criação. Fazem parte deste paradigma as imagens nas pedras, o desenho, a escultura e a pintura.

Para Michael Fried (1990), a convenção primordial da pintura se resume da seguinte forma: a pintura, primeiramente, deve atrair o espectador, depois prender seu olhar e, finalmente, encantá-lo. “Uma pintura deve chamar o espectador, paralisá-lo e sustentar sua atenção, como se o espectador estivesse impossibilitado de mover-se, como se estivesse enfeitiçado” (FRIED, 1990, p. 92).

No segundo paradigma, conhecido como fotográfico, ocorrem processos automáticos de captação/produção de imagens por meio de uma técnica óptica de emanação da luz, tendo como suporte um fenômeno químico ou eletromagnético. O olho do sujeito produtor é um prolongamento do olho da lente que confronta o real a ser capturado, um processo didático. A imagem fixada na revelação é uma marca do real, um recorte de um instante captado que ficará arquivado para a posteridade. Aqui, nota-se uma correspondência com as imagens técnicas de Flusser (1985).

As imagens fotográficas têm o propósito de capturar o visível, sendo reproduções por captação e reflexo. Na fotografia ocorre um conflito entre o olho da câmera e o olhar do sujeito. Neste paradigma, o meio de armazenamento começou a ganhar resistência e durabilidade, situando-se no universo do reproduzível. A imagem fotográfica é um documento onde um fragmento do real é capturado pela máquina através de um sujeito. (virtualidade, simulação, funcionalidade, eficácia).

São imagens produzidas por aparelhos, sendo estes produto da técnica que, por sua vez, é texto científico aplicado. A imagem técnica é, portanto, produto indireto dos textos. As imagens tradicionais precedem os textos por milhares de anos. Ao contemplar as imagens técnicas não vemos o mundo, mas sim determinados conceitos relativos ao mundo.

A primeira delas a ser inventada foi a fotografia. Os aparelhos fotográficos podem servir de parâmetro de análise para todos os tipos de aparelhos. O significado do termo vem da palavra latina apparatus, podendo designar prontidão para algo ou disponibilidade em prol de algo (FLUSSER, 1985). Ontologicamente, trata-se de objetos produzidos ou trazidos da natureza para o homem.

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Os instrumentos são prolongações dos órgãos do corpo e simulam a forma deles, sendo mais poderosos e eficientes. Com a Revolução Industrial, eles passam a ser técnicos, recorrendo às teorias científicas. Passam a ser mais poderosos, maiores e mais caros, se tornando verdadeiras máquinas. O tamanho e o preço das máquinas faz com que poucos as possuam – os capitalistas, e afeta uma maioria funciona em função delas – o proletário. Desta forma, a sociedade é dividida entre aqueles que usam as máquinas para seu próprio proveito e aqueles que trabalham em função desse tal proveito. Os aparelhos são objetos do mundo pós-industrial, não havendo ainda categorias adequadas que os expliquem.

O terceiro paradigma, o pós-fotográfico, tem como meio de produção da imagem uma prótese ótica, que advém das invenções tecnológicas digitais (séculos XIX e XX). O suporte técnico é resultante da união entre computador e tela de vídeo, tendo como mediador um programa de cálculos matemáticos. O programador é seu agente de produção onde a inteligência visual ocorre por meio da interação entre os poderes da inteligência artificial. Por meio de uma matriz, as imagens são transformadas de números em pixels (pontos elementares), sendo visualizadas em uma tela de vídeo. As imagens produzidas são sintéticas e buscam uma simulação da realidade, de experiências sobre um objeto sem vínculo com tempo e espaço. Esse paradigma já não encontra correspondência com a categorização Flusseriana. Ainda que tenha aproximações com seu conceito de imagens técnicas, acrescentam-se variáveis que não se resumem ao aparelho como intermediador da imagem, mas como criador original das mesmas.

As imagens do paradigma pós-fotográfico visualizam o que é modelizável, se constituindo a partir de um modelo com propriedades e capacidades específicas, gerando imagens-matriz. Esta é comandada por um programador que dá lugar ao pensamento lógico e experimental. Nessas imagens, a memória do computador é seu lugar de armazenamento. Elas funcionam como uma porta de entrada para o mundo virtual, em um real refinado, filtrado pelo cálculo (SANTAELLA; NÖTH, 2001).

4. Criação, Transmissão e Recepção

Imagens são superfícies que pretendem representar algo. Originam-se da capacidade de abstração que podemos chamar de imaginação, sendo esta a habilidade de fazer e decifrar imagens, permitindo ainda abstrair duas dimensões dos fenômenos e reconstituir as dimensões abstraídas na imagem. O significado da imagem pode ser conhecido por um olhar, mas seu deciframento é feito através de um olhar mais aprofundado que chamamos de scanning. Este segue um traçado da estrutura da imagem mas também dos impulsos do observador (FLUSSER, 1985).

O significado decifrado é a síntese de duas intencionalidades: a do emissor e a do observador. O olhar não obedece uma trajetória linear, mas circular ao retornar para elementos da imagem que chamaram mais atenção. “O significado das imagens é o contexto mágico das relações reversíveis” (FLUSSER, 1985, p. 7).

A imagem pré-fotográfica exige o transporte do receptor para o lugar de armazenamento, reclusão. A imagem fotográfica é reprodutível a partir dos negativos passíveis de serem revelados. A imagem pós-fotográfica é disponível e acessível nos terminais de computadores, sendo suscetível de alterações, em uma transmissão individual e ao mesmo tempo planetária.

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A produção artesanal da imagem depende de um suporte ou superfície que serve de receptáculo às substâncias (tintas, colas etc) que o produtor/artista irá utilizar para deixar sua marca. Os meios de armazenamento são um grande diferencial na passagem de um paradigma ao outro, tendo como grande desafio a preservação e conservação das imagens. Neste sentido, percebe-se uma grande mudança, do pré-fotográfico – perecível, passando pelo fotográfico – reproduzível, ao pós-fotográfico – intangível. Os conceitos de Arte foram ampliados na medida em que se criaram várias maneiras de construção de imagem, coexistindo, simultaneamente.

Em seu universo, as imagens do paradigma fotográfico funcionam como uma reprodução por captação da luz, a imagem é o resultado do registro sobre um suporte químico “do impacto dos raios luminosos emitidos pelo objeto ao passar pela objetiva” (SANTAELLA; NÖTH, 2001, p. 165). As infografias, que compreendem o paradigma pós-fotográfico são simulações de modelos de objetos, tendo uma imagem-matriz enquanto imagem-experimento.

No paradigma pré-fotográfico ocorre uma metáfora que evoca para um mundo inexistente no plano material, são verdadeiros resíduos simbólicos que buscam uma separação com esse mundo. No paradigma fotográfico existe uma relação de contiguidade onde a imagem funciona como metonímia, uma imagem-documento, figurando um recorte da captura do real, trata-se de um índice. A imagem no paradigma pós-fotográfico é uma metamorfose, sendo experimental em um real filtrado pelo cálculo, um signo icônico.

A imagem pré-fotográfica aproxima o receptor a um contato imediato, suprimindo as mediações, produzindo um afastamento característico dos objetos únicos, conforme já discutido por Walter Benjamin (1975), citado por Santaella; Nöth, (2001, p. 174). A imagem fotográfica produz a concordância do reconhecimento. O ato de recepção desse paradigma é caracterizado pela memória e identificação. No último paradigma, pós-fotográfico, a imagem produz no receptor uma resposta rápida a instruções e comandos. Ela tem na interatividade sua característica dominante resultando na imersão do sujeito, suprimindo as distâncias.

Amparados no paradigma da imagem proposto por Santaella e Nöth (2001), seguimos para a análise do trabalho produzido pelo artista Wolney Fernandes.

5. Colagens de Wolney à Luz dos Paradigmas da Imagem

Figura 1. "Morrer só o necessário, sem exceder a medida." Técnica: Mista/colagem/Materiais: fotografia, papel, plantas naturais e cola.
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Para este artigo fizemos um recorte do vasto trabalho produzido pelo artista goiano Wolney Fernandes, mais precisamente as colagens (figura 01). A análise do processo criativo baseia-se em imagens/documentos disponibilizados na mídia social Instagram e em depoimentos e relatos do próprio artista. Pela Internet, o artista utiliza textos, imagens fixas e vídeos que relatam um pouco do seu processo criativo relacionado a algumas imagens publicadas. Entendemos que são vestígios de um vasto trabalho ou processo de execução das obras e apresentam interconexões ao conjunto de sua obra, são marcas do processo criativo. Conforme vimos, no paradigma fotográfico, a imagem funciona como uma relação por contiguidade. “É imagem-documento em que figura um recorte da captura de um instante do real. É um signo indexical” (SILVA, 2008, p. 22). Desta forma, compreendemos a importância da fotografia enquanto forma de compartilhamento do trabalho do artista pela Internet.

Nesse sentido, consideramos estas obras expostas ao público enquanto fonte documental. Propomos a seguir uma observação do processo de criação do artista. Para melhor conduzir o entendimento da leitura, dividimos o estudo em dois momentos: história/vivências e colagens/projeto pessoal.

6. História/Vivências

Wolney, como é conhecido, nasceu em Goiás, é artista visual e designer gráfico com pesquisa ligada ao fortalecimento de práticas de criação colaborativa, experiências com colagem e mapeamentos afetivos. O interesse pela colagem desenvolveu-se quando ainda criança, por influência dos trabalhos artesanais desenvolvido pela avó.

Desde menino sempre fui fascinado pelos ajuntamentos. Das tampinhas de garrafa aos álbuns de figurinhas, me encantava a possibilidade de reunir partes diversas em um mesmo conjunto. Creio que este meu fascínio acaba reverberando agora em minhas colagens porque o princípio é o mesmo. Além disso, gosto de saber que posso organizar o mundo a meu modo misturando partes, por vezes tão distintas, em uma mesma imagem que acaba dando conta daquilo que imagino, sonho ou desejo (FERNANDES, 2017).

As imagens artesanais são o resultado de um processo onde o seu produtor pode inserir fatos ou vivências, pensamentos e ideias por meio de símbolos materializados nos objetos/imagens inseridos. Elas buscam fundir o sujeito ao mundo. Esse processo é descrito por Wolney da seguinte forma:

Eu diria que minhas colagens são um modo de me mostrar sem as camadas formativas que a vida foi colocando em cima de mim. De modo muito particular, acredito que o cerne da qualificação das minhas colagens se dá pela montagem delas. É pela montagem que os elementos isolados, em junção ou mesmo em colisão com outros, assumem uma terceira significação que engloba e supera os sentidos primeiros na recriação de novas realidades (FERNANDES, 2017).

Ele percebeu na bidimensionalidade e tridimensionalidade um campo vasto de possibilidades expressivas e desafios de materiais. Sua carreira tem revelado fidelidade na tentativa de se estabelecer um diálogo com o público que o acompanha nas redes sociais. Em entrevista, Wolney afirma:

O meu trabalho é feito artesanalmente com pesquisas em jornais, revistas, catálogos, sendo um importante momento com grande influência no resultado final. Alguns trabalhos são feitos a partir de objetos reais, leituras individuais, vivências, lembranças. Considero um trabalho bidimensional e tridimensional (FERNANDES, 2017).

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7. Colagens/Projeto Pessoal

Segundo Wolney, suas ideias têm origem na observação dos sujeitos, pessoas do cotidiano, de aspectos relacionados ao próprio mundo à sua volta, lugares de vivência, leituras de livros, leituras de mundo. Ele é um observador de detalhes, característica esta que lhe confere um melhor aproveitamento, um insight consciente, com escolhas que fazem parte de seu prazer enquanto artista e gosto pessoal. Parte do seu processo criativo é descrito da seguinte forma:

Uma das operações que envolve as etapas de se fazer uma colagem é a montagem, pois antes de fixar as partes recortadas, há um movimento combinatório que permite misturar estilos variados, épocas distintas, diferentes categorias e significações. Para mim, essa é a melhor fase do trabalho porque é onde meu gosto pelas combinações pode atuar com liberdade (,,,) (FERNANDES, 2017).

Figura 2. As ramificações eletivas e afetivas / Foto: Lydia Himmen. Técnica: Mista/colagem/Materiais: fotografia, papel, plantas naturais e cola.

Conforme discutido, as imagens artesanais precisam de um suporte para receber os materiais que lhe darão corpo ou vida, processo muito similar ao descrito pelo artista Wolney, o que nos leva de forma bem categórica ao paradigma pré-fotográfico. Suas obras são únicas (figura 02), necessitando de um espaço adequado de armazenamento, com as devidas condições de ambiente seguro, conforme disponibilizados em museus e galerias. Seu compartilhamento, por meio da fotografia nas redes sociais, não descaracteriza a unicidade de seu trabalho, mais que isso, promove e democratização do mesmo.

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Figura 3. Série “Perfume de mármore” / Foto: Wolney Fernandes. Técnica: Mista/colagem/Materiais: fotografia, papel, cola.

Conforme Santaella e Nöth (2001), na imagem pré-fotográfica está contido o real imaginado por um sujeito, através de um sistema ilusionista de códigos. O resultado final é simbólico, ainda que se assemelhe com a realidade que se pretende apresentar. Nesse sentido, o processo criativo do artista em análise é feito por uma combinação desses códigos, partes de uma realidade, recortes de estilos e épocas, sem obedecer uma linearidade histórica. O resultado simbólico é a junção desses elementos, evocativos de uma realidade ilusionista (figura 03).

As imagens artesanais são a cópia de uma aparência imaginada, uma “figuração por imitação” com o propósito de figurar o visível e o invisível. Nas colagens de Wolney evidencia-se o olhar do artista, que dá corpo ao pensamento figurado. Se enquadram nesta classificação, as imagens tradicionais de Flusser (1985).

Vimos que as imagens artesanais são dependentes de um suporte ou superfície para acomodar as substâncias que serão usadas pelo artista. Nas colagens de Wolney percebemos a presença de um suporte (tecidos, papéis e outros) que pode ser escolhido ou selecionado a partir da temática da obra em construção, e resultam em uma obra única.

Essas imagens permitem a unicidade entre o sujeito e o mundo. Sobre isso o artista declara:

A colagem para mim tem sido também um modo de me reinventar e de me movimentar em meio às inúmeras variações que a vida vai desfiando no entorno. Olhar para as situações e tirar delas um significado é recortá-las de uma realidade, por vezes insípida e opaca, e colá-las no meu cotidiano de modo que elas reacendam em sentidos particulares (...) (FERNANDES, 2017).

Segundo o artista, uma etapa importante para o seu processo criativo é a captação de imagens usando as câmeras digitais. Para ele, a escolha da câmera é baseada em um tipo de dispositivo que não provoca intimidação no sujeito que será fotografado, para tanto ele se utiliza das câmeras dos smarthphones, aparelhos estes mais próximos do alcance dos sujeitos que serão fotografados, diferentemente da câmera profissional.

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Quando lanço mão de imagens recortadas em livros antigos e as misturo com figuras que encontro em revistas contemporâneas, há nessa operação uma certa pretensão inicial, mas ela nunca está totalmente fechada porque depende daquilo que vou encontrando pelo caminho. Como minhas colagens são analógicas, essa busca acaba por ser uma etapa do trabalho que toma mais tempo e onde as pretensões iniciais podem se diluir por completo. Sempre gostei de captar imagens na rua, de momentos cotidianos (...) (FERNANDES, 2017).

A fotografia proporciona um realce para o elemento criativo necessário à arte. De acordo com Flusser (1985), além do aparelho fotográfico expor uma imaginação quase infinita, o fotógrafo também está inserido neste elemento imaginativo. Para ele,

(...) fotografias são imagens técnicas que transcodificam conceitos em superfícies. Decifrá-las é descobrir o que os conceitos significam. Isto é complicado, porque na fotografia se amalgamam duas intenções codificadoras: a do fotógrafo e a do aparelho. O fotógrafo visa eternizar-se nos outros por intermédio da fotografia. O aparelho visa programar a sociedade através das fotografias para um comportamento que lhe permita aperfeiçoar-se (...) (FLUSSER, 1985. p. 25).

Conforme o artista, este processo de captação de imagens ou busca em revistas e jornais é apenas parte do processo. A partir das imagens encontradas, a temática inicial pode se confirmar ou sofrer alterações, motivo que o leva a sempre deixar-se “influenciar” por esse processo de busca e captação.

Ao se pensar no trabalho de captação de imagens, a fotografia é um importante suporte, meio de comunicação, arte e, também, memória da produção realizada, com funções diversas, de acordo com o uso e o tipo de produtor e apreciador. As imagens que compõem esse regime visual da web arte são captadas da realidade e repassadas ao computador por meios digitais (BULHÕES, 2010).

Compreendemos que um trabalho com a câmera fotográfica vai muito além de uma prática de apenas captação de imagens, mas pensemos em uma manipulação analógica, conforme as colagens de Wolney e que é muito bem discutida por Flusser (1985), onde ele nos afirma sobre a possibilidade de realização de intervenções com desenhos em fotografias, prática esta que induz a criação de novas informações.

O resultado final das colagens pode ser apreciado nas redes sociais já mencionadas e por meio digital (fotografia). O artista compartilha algumas etapas de seu processo criativo com a gravação de vídeos, o que possibilita um maior conhecimento do trabalho final. Estas novas formas de divulgação de trabalhos artísticos são muito utilizadas atualmente através da Internet, sendo uma nova instalação no circuito tradicional. Portanto, “a arte detém, nesse amplo e difuso conjunto de infovias, lugares particulares que determinam as suas relações de pertencimento. Nessa rede de identidade de interesses, o indivíduo passa a compartilhar experiências e informações” (BULHÕES, 2010, p. 21).

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Figura 4. Senhora dos Finais / Foto: Wolney Fernandes. Técnica: Mista/colagem/Materiais: fotografia, papel, tecido e cola.

No que se refere à linguagem digital, de acordo com Durán (2005), ela permite a codificação (na informação) e a significação (na comunicação) e sustenta a interconexão das redes sociotécnicas que enlaçam e se entrelaçam no ciberespaço. A linguagem digital promove o surgimento de novas modalidades de representação que substituem não apenas os objetos do mundo real, pois também rompem com as noções tradicionais de tempo e espaço e permitem novas formas de socialidade.

Esta socialização é uma forma percebida na página do artista (figuras 04 e 05), sendo utilizada pelo mesmo como forma não apenas de divulgação de seus trabalhos, mas como uma construção de conhecimentos. É uma construção que acontece, por exemplo, em momentos de leituras coletivas de livros por ele indicados e acatados por seus apreciadores/seguidores. O resultado destas leituras coletivas pode ser não somente a construção de um conhecimento coletivo, mas também a possibilidade de criação de novas ideias para futuros trabalhos/colagens.

Figura 5. Comentário na obra “Senhora dos Finais”.
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A Internet, enquanto espaço de divulgação e armazenamento dos trabalhos artísticos, apresenta-se com privilegiada característica enquanto espaço de propagação. Sua utilização aproxima objetos e seus respectivos grupos de interesse. Oportuniza ainda novas formas de comunicação para a arte, conforme podemos constatar nos comentários feitos por seguidores/apreciadores do artista Wolney (figura 05). São formas mais abertas e flexíveis com forte poder de diálogo do internauta nos territórios da arte (BULHÕES, 2010).

Bulhões (2010, p. 43) afirma que:

O que se percebe claramente é que a interatividade na rede web abre novas possibilidades de participação, criando também uma nova concepção de público. A dinâmica interativa, que se inaugura com esse tipo de proposta, otimiza e multiplica efeitos.

8. Conclusão

Com esse breve estudo, sem ter a intenção de caracterizar ou enquadrar o trabalho do artista Wolney Fernandes, buscamos, em suas colagens, a possibilidade de refletir sobre os processos criativos, de transmissão e recepção de imagens de acordo com os referenciais já mencionados.

A partir das considerações de Flusser (1985), Santaella e Nöth (2001), é possível compreender as colagens do artista Wolney Fernandes, considerando todo um processo criativo descrito pelo artista que se assemelha muito com a produção de imagens artesanais ou ao paradigma pré-fotográfico, conforme já discutido. São imagens autênticas, que exigem um ambiente adequado de conservação e transporte. Mais do que o resultado de um momento de captação, elas são o resultado de um processo de pesquisas, vivências, leituras e técnicas do artista que a elevam enquanto objeto de apreciação autêntico.

Para Santaella e Nöth (2001), os elementos presentes nas imagens do paradigma pré-fotográfico evocam para uma metáfora de um mundo simbólico e buscam uma junção deste com o produtor. Esta característica é comprovada até mesmo na fala do artista,

Minhas grandes referências são os surrealistas, de modo especial René Magritte, cujo trabalho é permeado por questões cotidianas apresentadas com uma visão metafórica e onírica. (FERNANDES, 2017).

O papel do receptor da imagem é elevado a uma forma também participativa, fugindo de uma ideia inicial apenas contemplativa do paradigma pré-fotográfico. Conforme relatos do artista Wolney, as criações também se envolviam em um processo coparticipativo, onde os sujeitos receptores participavam sugerindo leituras e discussões via redes sociais (figura 06) sobre as temáticas em análise.

Referências

BULHÕES, Maria Amélia. Ateliê de arte e tecnologia II: diálogos intermidiáticos. In: UFG/FAV. Manual em Licenciatura em Artes Visuais: Módulo 7 / Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais – Goiânia; CEGRAF/UFG, 2010. p. 10-44.

DURÁN, Débora. Os impactos das tecnologias da comunicação e informação na educação: uma perspectiva Vygotskyana. GT: Psicologia da Educação. n. 20. São Paulo: USP, 2005.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

FRIED, M. Absorption theatricality. Chicago: Chicago University Press, 1990.

GOMBRICH, E. H. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica. Tradução Raul de Sá Barbosa; Monica Stahel (rev. trad.). 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

LACAN, J. The four Fundamental Concepts of Physicoanalysis. New York: Norton, 1978. Seminário 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

MITCHELL, W. J. T. O que as imagens realmente querem? In: Emmanuel Alloa (Org.) Pensar a imagem. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015 (Coleção Filô/Estética).

SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.

SILVA, Rosane. Uma percepção do olhar: os três paradigmas da imagem à luz da semiótica peirceana. Revista ECA. Comunicação & educação, ano XIII, n. 3, set./dez. 2008.

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