A Mulher Empreendedora: a Inovação como Fator de Consolidação em Duas Marcas Goianas

Resumo Nos últimos anos, o Brasil tem se destacado pelo crescimento do empreendedorismo e, em especial, pela significativa presença da mulher neste contexto. A inovação é um dos principais elementos de competitividade comercial e de fortalecimento de um negócio. A partir do estudo de caso de duas marcas goianas da área do vestuário feminino, criadas e geridas por mulheres e, a partir de análises sistemáticas, verificou-se o modo que a inovação está sendo empregue para a consolidação do negócio. Constatou-se ainda o investimento em inovação como diferencial de obtenção de resultados, na medida em que tais marcas se tornaram referência, cada uma em seu segmento. Para as empreendedoras, alguns aspectos da inovação precisam ser ajustados, como ter uma estrutura organizacional mais aberta, com menos hierarquia, implementar ferramentas de gestão de projetos inovadores com uma política definida de investimento e ter uma visão sobre o ambiente que estimule a inovação, formando equipes competentes, motivadas e que aceitam desafios.

Palavras-chave Empreendedorismo feminino, Inovação, Mulher e negócios.

Autoria

  • Cacilda Nunes Vitória Pereira

    Graduada em Artes Visuais (UFG), Especialista em Arteterapia (UFG), Docência Universitária (Universo), Design Estratégico: Fashion Design (IED) e em Produtos e Processos Criativos (UFG). É professora no curso de Design de Moda na Universidade Salgado de Oliveira, e professora de artes no Centro Livre de Artes, Goiânia.

  • Ildeth Dias de Sousa

    Graduada em Design de Moda (UFG), especialista em Design Estratégico: Fashion Design (IED) e em Produtos e Processos Criativos (UFG). É professora no curso de Design de Moda na Universidade Salgado de Oliveira em Goiânia.

  • Maristela Nunes Vitória

    É jornalista e especialista em Assessoria de Comunicação (UFG) e Processos e Produtos Criativos (UFG). Foi repórter das áreas de educação, cidades e saúde em jornais e revistas goianos. Assessorou organizações como o Conselho Regional de Serviço Social Goiás e Comissão Pastoral da Terra Secretaria Nacional. Profissionalmente desenvolveu atividades com foco nas temáticas de Empreendedorismo, Mulher, Storytelling e Direitos Humanos.

  • Sara Nunes Vitória

    É realizadora audiovisual graduada em Comunicação Social (UFG), Especialista em Assessoria de Comunicação (UFG) e Processos e Produtos Criativos (UFG). Diretora premiada tem o foco da sua produção audiovisual em meio ambiente, cultura e direitos humanos.

Orientador

  • Ravi Passos

    Possui doutorado em Design pela Universidade de Aveiro - UA, mestrado em Design pela Universidade Anhembi Morumbi - UAM, especialização em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília - UnB e graduação em Desenho Industrial, com habilitação em Programação Visual, pela UnB. É Professor no curso de Design Gráfico da Universidade Federal de Goiás - UFG e pesquisador associado ao Media Lab / UFG e ao CPAI / UnB. Tem experiência na área de Design, com ênfase em Design da Informação, atuando principalmente nos seguintes temas: interface interativa, projeto gráfico, identidade visual e metodologia de projeto.

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1. Introdução

Na literatura econômica, o empreendedorismo é associado à criação de um negócio a partir de uma oportunidade. No Brasil, devido principalmente à crise político-econômica dos últimos anos, o crescimento do empreendedorismo se relaciona com a necessidade de renda. Dentro desta realidade, os números cresceram. Em 2016 se registrou a segunda maior Taxa Total de Empreendedores (TTE) de sua série histórica, com 36% da população adulta envolvida com atividade empreendedora (GEM, 2017). A TTE é a soma das taxas de Empreendedores Iniciais (TEA) e Empreendedores Estabelecidos (TEE).

Neste contexto, a mulher vem se destacando cada vez mais. Em 2014, havia no Brasil 7,9 milhões de empreendedoras, dentro de um universo de 45 milhões de brasileiros envolvidos na criação ou manutenção de um negócio (GEM, 2014). As brasileiras estão à frente dos homens na criação de novos negócios. Em 2016 elas foram responsáveis pela criação de 51,5% dos novos empreendimentos, enquanto os homens criaram 48,5% (GEM, 2016).

Sabe-se que o processo histórico-cultural impôs à mulher um caminho cheio de desafios. Contudo, ela tem se lançado, adquirido conhecimento, conciliado as diversas jornadas com a família e investido no negócio com maturidade. Neste cenário, a inovação aparece como um diferencial para o crescimento e a manutenção do negócio.

O presente trabalho tem por objetivo analisar a inovação, e seus diversos aspectos, como elemento de consolidação do negócio no contexto do empreendedorismo feminino. Assim sendo, propomos a investigação do grau de inovação de duas microempresas da área do vestuário feminino sediadas em Goiânia, criadas e geridas por mulheres, por meio da ferramenta Octógono da Inovação. Os dados obtidos subsidiaram a elaboração deste trabalho.

2. Empreendedorismo Feminino

‘Ser mulher nunca foi fácil’ (GNT, 2016) – a citação da pesquisa Colaborativas, realizada pelo canal de televisão GNT, com mais de 1500 mulheres, revela os desafios da caminhada feminina. Boa parte das mulheres sempre trabalhou. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), citados por Tânia Andrade (2016), revelam que os primeiros números oficiais são de 1872, quando elas representavam 45,5% da força de trabalho. Em 2016 elas continuam a ser presença significativa no mercado de trabalho, ocupando 44% das vagas (IBGE, 2016).

Estar presente no mercado de trabalho e dividir com os homens as vagas, não significa que a mulher esteja em uma situação de igualdade de condições e oportunidade, até mesmo por questões históricas e culturais. Guimarães (2012, apud Andrade, 2016) revela que a mulher tem menos tempo para se dedicar à carreira, já que culturalmente e pela divisão sexual do trabalho, cabe a ela o cuidado e a reprodução social na esfera doméstica, que não são considerados trabalho formal. Elas ainda ocupam, em sua maioria, vagas com remunerações mais baixas, mesmo possuindo melhores qualificações. A situação piora, segundo Andrade, se considerar o fator raça. Na questão gênero;

a disparidade de rendimentos cresce nos níveis de maior escolarização: mulheres com mais de 12 anos de estudo recebem em média 65% do rendimento-hora dos homens dessa faixa; enquanto no grupo com até 4 anos de estudo, as mulheres chegam a 76% do rendimento dos homens (ANDRADE, 2016: 59).

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A mulher recebe, em média, 24% menos que o homem no mesmo cargo e função (PNUD, 2015). A presença da mulher nos cargos de liderança ainda é tímida. Andrade (2016) revela que 36% das mulheres estão presentes em cargos diretivos nos diferentes ramos de atividade econômica. O mercado também reserva para as mulheres vagas consideradas femininas. Bruschini (2007: 564, apud ANDRADE, 2016: 20) revela que ‘a estrutura ocupacional do mercado de trabalho brasileiro apresenta tendências recorrentes que pouco têm-se alterado nos últimos 30 anos’. Há um padrão de presença feminina elevada em setores tradicionais da indústria, como costureiras em confecção, cabeleireiras e esteticistas, faxineiras, lavadeiras e cozinheiras. Outras áreas eminentemente femininas identificadas são a enfermagem, nutrição, assistência social.

Esse contexto cultural, social, político e econômico revela o tamanho do desafio da mulher na luta cotidiana na busca por espaços, como por exemplo, ser presença significativa na criação e manutenção de pequenas e médias empresas. Em 2014, havia no Brasil 7,9 milhões de empreendedoras, dentro de um universo de 45 milhões de brasileiros envolvidos na criação ou manutenção de um negócio. Os dados são da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2014), coordenada no Brasil pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa – Sebrae e pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade – IBPQ. Atualmente, o universo de mulheres que empreendem só aumenta. As brasileiras estão à frente dos homens na criação de novos negócios. Em 2016, elas foram responsáveis pela criação de 51,5% dos novos empreendimentos, enquanto os homens criaram 48,5% (GEM, 2016).

Os primeiros estudos sobre empreendedorismo feminino no Brasil surgiram no final dos anos 1990. De acordo com Gimenez, Ferreira e Ramos (2017), desde então o tema tem sido tratado em várias publicações. Na pesquisa Empreendedorismo Feminino no Brasil: Gênese e Formação de um Campo de Pesquisa (2017), os autores revelam que a origem dos estudos na área está voltada principalmente à compreensão das motivações, dificuldades e percepções das mulheres sobre o exercício do papel empreendedor na sociedade e seus resultados, seja do ponto de vista pessoal, organizacional ou social (GIMENEZ et al., 2017).

Machado (2000, apud GIMENEZ et al., 2017) relata que as mulheres, para empreenderem, precisam se dedicar intensamente, tanto em termos de horas, quanto em esforço pessoal. Há conflitos nos relacionamentos com cônjuges, filhos, como em seu grupo de origem; a culpa acompanha a trajetória da mulher. Ela também necessita de apoio emocional nos períodos de crescimento da empresa e sempre procura conciliar trabalho e família. Segundo os pesquisadores Jonathan e Silva (2007, apud GIMENEZ et al., 2017), as empreendedoras enfrentam três tipos de conflitos: no espaço do trabalho, entre exigências familiares e profissionais, e entre demandas do trabalho e pessoais. Para lidar com essas demandas as mulheres precisam gerenciar o tempo, buscar parcerias e cumplicidades, e ter algum mecanismo de alívio de tensão.

Pesquisa realizada pela Rede Mulher Empreendedora (2016), com 1.376 empreendedoras no Brasil, mostrou que nem sempre a vontade de empreender se adequa à realidade da mulher. No recorte de classe social, as classes A e B se dedicam mais horas aos seus negócios, enquanto a classe C fica com uma fatia menor, por ser sobrecarregada com outras tarefas além das do negócio. Os dados revelam que 37% dizem investir 45 horas semanais ao seu negócio e 43% se dedicam menos de 35 horas semanais, justamente por causa da divisão de tarefas no âmbito da casa e da família atrelada à falta de organização e planejamento pessoal e do negócio.

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Já o papel do homem e da mulher foi objeto de estudo de Gouvêa et al. (2013) com 9 empreendedoras da Câmara da Mulher Empresária de Santa Catarina, por meio da metodologia grupo de foco. As autoras revelam que as empreendedoras visualizam dois caminhos distintos entre homens e mulheres, ‘sendo um mais objetivo para os homens e outro envolvendo o exercício de múltiplos papéis para as mulheres’ (2013: 50). Na visão das entrevistadas, os universos público e privado são separados para os homens, enquanto para elas os dois mundos caminham simultaneamente, exigindo flexibilidade e criatividade. Elas ainda acreditam que os homens são mais focados, preparados e objetivos, enquanto elas não possuem tanto preparo, mas veem como positivo o fato de serem mais flexíveis em decorrência aos diversos papéis que desempenham (mãe, esposa, empresária, dentre outros) e, por isso, conseguem ser versáteis, criativas e encontrarem soluções diferenciadas para as mesmas situações.

3. Inovação

O conceito de inovação é estudado desde o início do século XX. Um dos principais pensadores, Joseph Alois Schumpeter, considerado o ‘Pai da Inovação’, foi o primeiro a colocar a inovação como um fator essencial para a evolução da economia. Shumpeter, durante a década de 1930, criou a Teoria Dinâmica da destruição segundo a qual, o Capitalismo cresce como ondas, quando novas tecnologias surgem e vêm acompanhadas do aumento da produtividade e do capital de trabalho, sendo o empresário inovador o agente da destruição criativa que protagoniza um sistema de desenvolvimento econômico alavancado por novos produtos, e foi a teoria de Shumpeter que derrubou a antiga Teoria Estática da economia, que se baseava em crescimento populacional (MOTA, 2016).

Num tempo marcado pela crescente incorporação de conhecimentos nas atividades produtivas, a inovação passou a ser entendida como variável ainda mais estratégica para a competitividade de organizações e países (CASSIOLATO e LASTRES, 2005). Porém, apesar da ideia de inovação estar relacionada a ‘algo novo’, há um considerável desacordo sobre o que pode ser considerado ‘novo’. Algumas questões são destacadas por Queiroz e Moreira (2007:14) nesse contexto: 'Como o novo é novo? Quão novo algo tem que ser, para ser inovação? Por quanto tempo temos de saber sobre ele ou usá-lo, antes que não seja mais uma inovação?' Segundo os autores, o principal aporte teórico que reapresenta institucionalmente pesquisas sobre inovação, servindo como base metodológica para a maioria das demais, é o Manual de Oslo. Ele é o principal documento utilizado internacionalmente para se coletar e interpretar dados sobre inovação, inclusive no Brasil. Tal documento estabelece que inovação é ‘a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método organizacional na prática de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas’ (OCDE; FINEP 2005: 56).

A inovação recebe vários tipos de classificação, sendo mais recorrente na literatura pesquisada a proposta por Chamberlin Knight (1967, apud QUEIROZ & MOREIRA, 2007), que é baseada no foco. Para o autor, há quatro tipos de inovação e estas estão inter-relacionadas, sendo que a introdução de um tipo terá impacto em uma ou mais das outras categorias. São elas: Inovação no produto - aplicada a bens ou serviços que a empresa oferece; no processo - diz respeito à introdução de novos elementos nas tarefas da organização; na estrutura organizacional - referente às mudanças nas relações de autoridade, alocações de trabalho, sistemas de remuneração; e nas pessoas - relacionada com mudanças nas crenças e nos comportamentos das pessoas dentro das organizações.

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Segundo o Relatório Especial – O Empreendedorismo e o Mercado de Trabalho (GEM, 2017), o Brasil está à frente de vários países como Estados Unidos, França, Alemanha e países do BRICS em relação à quantidade de pessoas envolvidas com empreendedorismo, porém, constata-se uma baixa qualidade deste empreendedorismo. O Brasil apresentou a menor proporção de Empreendedores Iniciais por oportunidade (57%), a menor proporção dos que afirmaram que seu produto é considerado novo para todos os clientes (8,1%) e a menor proporção de tecnologia com menos de 1 ano (0,6%). Ao contrário, por exemplo, dos Estados Unidos, onde a proporção de empreendimento por oportunidade chegou a 88%, e na Índia 43,4%.

Os últimos estudos do IBGE (2016, apud GEM, 2017), sugerem que os produtos e serviços oferecidos pelos empreendedores brasileiros precisam de sofisticação tecnológica e ineditismo. A maioria dos empreendedores entra no mercado oferecendo produtos simples, voltados ao atendimento das necessidades básicas do mercado interno. O mesmo relatório (GEM, 2017) ainda afirma que seria uma condição indispensável à ampliação do potencial dos Pequenos Negócios na geração de emprego e renda no país, um maior investimento no perfil dos empreendedores, tornando-os mais inovadores.

4. Metodologia

Do ponto de vista dos objetivos, esta é uma pesquisa exploratória, onde buscou-se aprofundar os temas empreendedorismo feminino e inovação. Segundo Prodanov e Freitas (2001: 51), a pesquisa exploratória ‘tem como finalidade proporcionar mais informações sobre o assunto que vamos investigar, [...] ou descobrir um novo tipo de enfoque para o assunto. Assume, em geral, as formas de pesquisas bibliográficas e estudos de caso’. Além disso, caracteriza-se como descritiva, pois pretende-se analisar o grau de inovação de duas empresas da área do vestuário têxtil geridas por mulheres. Ainda de acordo com estes autores a pesquisa descritiva ‘visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis’ (2001:52) e envolve o uso de técnicas padronizadas de coleta de dados.

Quanto aos procedimentos técnicos, configura-se em estudo de caso, que pode ser único ou múltiplos (YIN, 2001), como ocorre nesta pesquisa, quando se optou por investigar duas empresas. De acordo com Yin (2001: 22), ‘um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos’.

Sendo assim, dentro do empreendedorismo feminino, optou-se por duas microempresas goianas já consolidadas, que tivessem em comum a busca pela inovação e atuassem na produção do vestuário feminino. Para a coleta de dados, primeiramente, realizou-se a pesquisa bibliográfica, para a fundamentação teórica; e o estudo de caso das empresas, através da realização de entrevista qualitativa semiestrutura e do Diagnóstico Octógono da Inovação.

Para a entrevista foi elaborado, dentro de uma abordagem qualitativa, um questionário contendo 37 perguntas divididas em 14 aspectos diferentes. O questionário teve como base a metodologia proposta por Bachmann e Destefani (2008), a qual permite avaliar o grau de inovação das organizações de pequeno porte para realizar um levantamento qualitativo. O método definido por eles propõe mensurar o Grau de Inovação nas Micro e Pequenas Empresas não utilizando indicadores tradicionais como Número de Patentes e Percentual do Faturamento Aplicado em P&D, que são considerados inadequados às micro e pequenas empresas por serem difíceis e pouco práticos.

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O referencial teórico utilizado pelos autores para a elaboração do método foi o Manual de Oslo e principalmente a ferramenta Radar da Inovação, que relaciona 12 dimensões pelas quais uma empresa pode procurar caminhos para inovar. No questionário aplicado acrescentou-se dois aspectos que foram relativos ao porte das empresas pesquisadas e a percepção de atitude empreendedora adotada pelas empresárias.

Além disso, dentro de uma abordagem quantitativa, foi utilizada a ferramenta denominada de Diagnóstico Octógono da Inovação proposto pela Innoscience Consultoria em Gestão da Inovação (SCHERER & CARLOMAGNO, 2016), que permite visualizar graficamente como está o desempenho da empresa em relação às oito dimensões da inovação: liderança, estratégia, relacionamento, cultura, pessoas, estrutura, processos e funding. Esta ferramenta trabalha com 24 perguntas fechadas distribuídas nas oito dimensões, sendo três para cada dimensão, que devem ser pontuadas com uma nota entre 1 a 9. Depois das respostas dadas pelas empresárias, foi retirada a média das três respostas e em seguida elaborado o gráfico radar com relação à situação atual de cada dimensão da inovação. As dimensões do Octógono da Inovação definiram o protocolo de coleta e análise dos dados. A seguir (tabela 01), apresenta-se um resumo das oito dimensões:

Tabela 1 - As Oito Dimensões do Octógono da Inovação. Fonte: Adaptado de Scherer e Carlomagno (2016).
As Oito Dimensões
Liderança Refere-se ao comprometimento das lideranças com a inovação, principalmente a alta gerência. Onde os líderes são facilitadores do fluxo de ideias e do conhecimento e transformadores da realidade da empresa, alinhando discurso e prática.
Estratégia É um processo continuado de decisões, um fio condutor das ações, uma clara definição da direção a seguir. A estratégia de negócio deve estar alinhada com a estratégia de inovação e deve adotar objetivos e metas para gerenciar as atividades inovadoras.
Relacionamento A origem e abrangência das fontes de inovação (interna, aberta, em rede, cadeia) na qual a empresa se concentra naquilo que domina e terceiriza fases com outros agentes.
Cultura Refere-se à quão estimulante à inovação é o ambiente da empresa. Trata-se das ações que a alta gestão empreende para criar um ambiente que estimule a inovação e do modo como a empresa comunica e estimula as pessoas a correrem riscos e questionarem os paradigmas existentes.
Pessoas Envolve a diversidade de conhecimento valores e experiências das pessoas, incentivos e reconhecimento às pessoas inovadoras, para a formação de equipe com indivíduos competentes, motivados, compromissados e que aceitem desafios.
Estrutura A estrutura organizacional da empresa deve ser definida conforme o tipo de produto ou projeto da empresa, e definir como os projetos inovadores se inserem nesta. Uma estrutura organizacional mais plana, com poucos níveis hierárquicos tende a favorecer as trocas e a comunicação.
Processos Como a empresa gera, avalia, experimenta e seleciona as ideias nas quais investir. O uso de ferramentas de gestão de projetos inovadores pode otimizar os investimentos.
Funding A política de investimentos e financiamento, internos e externos, destinados a projetos inovadores. Normalmente a empresa aloca recursos para seus projetos diversos a partir de um orçamento anual que suporta o processo de estratégia da mesma.

5. Desenvolvimento

Para melhor compreender a análise de resultados, apresentar-se-á primeiro um resumo do histórico das empresas estudadas, para visualizá-las com maior clareza. Por fim, serão discutidas as análises de resultados de acordo com os objetivos propostos neste estudo.

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5.1. Empresa A

A empresa A, de lingerie com foco na maternidade, foi fundada há cinco anos em Goiânia, em 28 de janeiro de 2013. A ideia da marca surgiu em março de 2012, quando a proprietária, que já amamentava há um ano, procurou lingerie no mercado e não encontrou peças que, além de favorecer a amamentação, fossem bonitas. Voltou para casa com uma nova ideia na cabeça: “ajudar outras mães, que assim como eu, desejavam usar uma roupa íntima confortável, funcional, mas também feminina e bonita”.

A empresa é responsável por lançar um novo produto no mercado de lingerie para maternidade, a lingerie fashion com as funcionalidades exigidas para o momento da gravidez e lactação, com ergonomia necessária para as mudanças corporais específicas das usuárias. Até a marca lançar esse novo produto, o mercado oferecia uma lingerie que era padronizada em cores de bege, sem nenhuma preocupação com a beleza ou com a moda. Como diz a empresária: “É como se a mulher deixasse de ser mulher, no momento em que fica grávida”.

A empresa investe em novos produtos cada vez mais sintonizados com as propostas das tendências da moda, sem deixar de atender as necessidades da mulher gestante e lactante. Desta forma, a marca vem se tornando referência para outras que também passaram a apostar neste novo nicho de mercado. Atuando basicamente no comércio atacadista, a marca está presente em todos os Estados brasileiros.

5.2. Empresa B

A empresa B é uma marca de roupas femininas estilo boutique, fundada há seis anos em Goiânia, em 30 de janeiro de 2012. A empresária é designer de moda e trabalhou como estilista e diretora de criação de grandes marcas goianas. O empreendimento surgiu da necessidade de não encontrar no mercado peças acessíveis com as características de design que procurava. Em suas peças autorais equilibra os aspectos conceituais e comerciais, sempre tendo em vista o mercadológico.

No primeiro ano de existência, a marca ganhou destaque nas araras de multimarcas do país. Voltada para o público feminino adulto, se diferencia no mercado através de peças com design fresh, atemporais, democráticas, confortáveis, elegantes, com qualidade e preço justo.

Atuando principalmente no mercado atacadista, em torno de 80% contra 20% varejista, a empresa inovou na estrutura física da loja. Localizada num bairro nobre de Goiânia onde funcionam juntas a indústria e a loja, os clientes têm contato visual com a parte da indústria através de paredes de vidro, o que favorece mais ainda o relacionamento dos clientes com a marca.

5.3. Diagnóstico das Empresas Pesquisadas

A empresa A no ranking do radar Octógono da Inovação, as dimensões que receberam as maiores notas foram Estratégia e Relacionamento. A dimensão da Estratégia alcançou nota máxima, a empresa apresenta iniciativas de inovação logicamente alinhadas com a estratégia da empresa e foco claro no crescimento por meio da inovação com temas, metas e objetivos definidos para a inovação. O bom desempenho na dimensão do relacionamento se deve à pontuação no item “conhecemos profundamente as necessidades reveladas e não reveladas de nossos clientes e não clientes”. Segundo o depoimento da empresária, isso ocorre grande parte pelo fato de que a ideia do produto teve origem inicialmente na necessidade e desejo da própria dona da marca que já passou por três gestações e precisou de um produto como o que ela desenvolve.

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As dimensões Estrutura e Funding ficaram em 2º lugar nas notas. Sendo que a dimensão da Estrutura apresentou como destaque os seguintes fatores: as iniciativas que são altamente inovadoras são tratadas fora da estrutura organizacional principal, em projetos específicos e por estas iniciativas e atividades receberem uma coordenação definida. Esse tipo de atividade pode ser observada nos bojos para sutiãs de lactante que foram desenvolvidos por um fabricante utilizando uma espuma especial. Na dimensão do Funding, o fato da empresa buscar recursos financeiros para inovação em diferentes fontes e avaliar novas ideias conforme medidas de desempenho foram os fatores que reforçam esta dimensão.

As dimensões que apresentaram as notas mais baixas foram as de Processos, Pessoas e Cultura, sinalizando que a empresa precisa reorientar suas ações, organizar, sistematizar ou implantar novas atividades para consolidar seu processo de Gestão da Inovação.

A seguir, apresenta-se o gráfico das oito dimensões da empresa A (figura 01).

Figura 1. Octógono da Inovação – empresa A.

No radar Octógono da inovação aplicado na empresa B a maior nota apareceu na dimensão da Liderança. Nesta dimensão, o fator de destaque está na clareza da liderança sobre o conceito e a importância da inovação dedicando tempo e atenção ao acompanhamento dos projetos. A segunda maior nota foi na dimensão da Estratégia, demonstrando que as iniciativas de inovação estão logicamente alinhadas com a estratégia da empresa, porém é preciso melhorar o foco claro no crescimento por meio da inovação.

A dimensão Cultura avaliada demonstrou um equilíbrio entre os incentivos financeiros e não financeiros, a tolerância aos erros e riscos, e os mecanismos de comunicação para fomento da inovação.

As dimensões Relacionamento e Pessoas obtiveram a mesma pontuação. No Relacionamento, a empresa utiliza bem as redes de clientes, fornecedores e até concorrentes para gerar e refinar novas ideias, sendo um dos pontos que mais chama a atenção. A empresária possui um elevado número de seguidores no Instagram (37.300 em 04/01/2018), onde posta os looks e stories que mantém a marca em evidência, levando-se a concluir que o relacionamento é uma mola propulsora deste empreendimento. O aspecto dos processos sistêmicos acabou diminuindo a média final nesta dimensão.

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Na dimensão Pessoas a pontuação obtida demonstra um bom entendimento de todos dentro da empresa em relação à inovação e os conhecimentos de ferramentas para inovar dentro da organização. Já o item da diversidade de conhecimentos requer mais atenção.

As dimensões que mais necessitam de melhorias são Estrutura, Processos e Funding. Na dimensão Estrutura constatou-se que praticamente não ocorrem iniciativas altamente inovadoras tratadas fora da estrutura organizacional principal. A dimensão Processo refere-se à utilização de ferramenta de gestão de projetos de inovação, a avaliação sistemática de resultados de iniciativas de inovação e de processo estruturado para seleção e geração de ideias. E, por último, no quesito Funding, a avaliação de novas ideias conforme medidas de desempenho é satisfatório, porém é necessário melhorar esta dimensão criando orçamentos específicos para inovação assim como a busca de recursos financeiros. Estas dimensões precisam ser desenvolvidas para que a marca se consolide de forma mais abrangente.

A seguir, apresenta-se o gráfico das oito dimensões da empresa B (figura 02).

Figura 2. Octógono da Inovação – empresa B.

6. Resultados

A natureza do empreendedorismo feminino e os aspectos da inovação no contexto brasileiro serviram de elementos para a observação das duas empresas goianas. O principal intuito foi verificar o fator de inovação como instrumento de crescimento e consolidação destes negócios.

O presente trabalho constatou que na empresa A, a inovação ocorreu principalmente na oferta de um produto diferenciado em um mercado que só ofertava produtos padronizados. A estratégia de continuar incrementando novos produtos faz parte da visão empreendedora da empresária, que investe em inovação por meio de parcerias com segmentos que já desenvolve tecnologias específicas. Na empresa B, a inovação ocorreu principalmente na estrutura organizacional, no que diz respeito às alocações de trabalho e estrutura física. A empreendedora também se preocupou com a forma de apresentar o produto e investiu nos sistemas de comunicação, que é um grande diferencial competitivo atualmente.

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7. Conclusões

O objetivo do presente trabalho foi analisar a inovação, e seus diversos aspectos, como elemento de consolidação do negócio no contexto do empreendedorismo feminino. As empreendedoras goianas, que fizeram parte da análise de caso, incorporaram a inovação, em graus diferentes, dentro da especificidade de cada marca, como um fator de consolidação do negócio. Através da ferramenta Octógono da Inovação, constatou-se que elas possuem clareza sobre o papel da liderança para a implementação de projetos inovadores.

As iniciativas de inovação estão logicamente alinhadas com a estratégia das duas marcas. Elas mostraram também que conhecem profundamente as necessidades reveladas ou não de seus clientes ou potenciais clientes. Uma delas tem parceria com segmento que já possui um desenvolvimento tecnológico e outra investe em comunicação como fator de competitividade.

Observou-se que elas possuem clareza sobre o tema, contudo, alguns aspectos da inovação ainda não foram incorporados ao negócio. Entre eles estão Estrutura, Processos, Funding, Pessoas e Cultura.

O estudo se mostra relevante na medida em que a presença da mulher é cada vez mais significativa no empreendedorismo brasileiro. Ela está à frente do homem na criação de novos negócios. O contexto social e cultural impõe à mulher um caminho mais árduo, que está sendo transformado com determinação, conhecimento e resiliência.

O tema empreendedorismo feminino foi incorporado pelo meio acadêmico recentemente, no final dos anos de 1990. Novos estudos, que enfoquem a inovação, se fazem necessários, possibilitando à mulher conhecimento para fortalecer seu negócio, se tornar referência e ser capaz de transformar a realidade econômica e social, no âmbito da comunidade em que está inserida, e do país.

Referências

Artigos em revistas acadêmicas/capítulos de livros

CASSIOLATO, José Eduardo; LASTRES Helena Maria Martins. Sistema de Inovação e Desenvolvimento as Implicações de Política. SciElo, São Paulo, Perspectiva. v.19, n.1, São Paulo, jan./mar. 2005.

GIMENEZ, F. A. P.; FERREIRA, J. M.; RAMOS, S. C. Empreendedorismo Feminino no Brasil: Gênese e Formação de um Campo de Pesquisa. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, v.6, n.1, p. 40-74, 2017.

GOUVÊA, A. B. C. T.; SILVEIRA, A.; MACHADO. H. P. V Mulheres empreendedoras: compreensões do empreendedorismo e do exercício do papel desempenhado por homens e mulheres em organizações. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, v. 2, n.2, p. 32-54, 2013.

Livros e material não publicados

CARVALHO, Helio Gomes de & REIS, Dálcio Roberto, CAVALCANTE, Márcia Beatriz. Gestão da inovação. Curitiba: Aymará, 2011.

PRODANOV, Cleber Cristiano & FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

QUEIROZ, Ana Carolina S. & MOREIRA, Augusto (Coord.). et al. Inovação organizacional e tecnológica. São Paulo: Ed. Thomson, 2007. 325 p.

SCHERER, Felipe Ost & CARLOMAGNO, Maximiliano S. Gestão da inovação na prática: como aplicar conceitos e ferramentas para alavancar a inovação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução Daniel Grassi. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

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Textos publicados na Internet

ANDRADE, Tânia. Mulheres no mercado de trabalho: onde nasce a desigualdade? Estudo Técnico Julho/2016, Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa da Área V Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema7/2016_12416_mulheres-no-mercado-de-trabalho_tania-andrade. Acesso em: 15 set. 2017.

BACHMANN, Dórian L. & DESTEFANI, Jully Heverly. Metodologia para mensurar o grau de inovações nas MPE – cultura do empreendedorismo e inovação. Curitiba, 2008. Disponível em: http://www.bachmann.com.br/website/documents/ArtigoGraudeInovacaonasMPE.pdf. Acesso em: 04 nov. 2017

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