Casa de Ferreiro, Espeto de Pau: Estratégias de Design Thinking aplicadas ao cotidiano do Designer

Resumo Como transformar o serviço do lettering, do design e da produção artística e romper com o modelo básico da prestação do serviço? O design thinking oferece ferramentas de análise e reestruturação da cadeia de serviço. Este projeto se propõe a através delas valorizar o serviço e sua prestação, destacando os aspectos de design e artísticos que envolvem o lettering.

Palavras-chave Design Thinking, Lettering, Design, Design de Serviços.

Autoria

  • Lucas Gomes

    Possuo graduação em Artes Visuais - Design Gráfico pela Universidade Federal de Goiás (2009). com especialização em História Cultural (2014) e em Processo e Produtos Criativos (2017) ambos na Universidade Federal de Goiás. Docente na Faculdade Sul Americana (2014 - 2018) para os cursos de Publicidade e Jornalismo, atualmente sou técnico-administrativo com a função de designer gráfico na Universidade Estadual de Goiás e faço pesquisas e trabalhos relacionados a tipografia, lettering e caligrafia.

  • Mateus Francisco Feitosa

    Graduado em design gráfico pela universidade federal de Goiás (2013) onde trabalha desde 2014 no centro integrado de aprendizagem em rede. Estuda e desenvolve tipografias profissionalmente. Sendo membro fundador do coletivo Tipografeed, que pesquisa e fomenta a cultura caligrafica e tipográfica em Goiás. Organizou em 2018 o 1° Diatipo em Goiânia que trouxe alguns dos maiores nomes nacionais relacionados à tipografia do Brasil. É pós graduado em processos e produtos criativos pela universidade federal de Goiás. Trabalha com audiovisual no Ciar, onde desenvolve animações, gravações e edições de vídeo bem como projetos fotográficos. Completa sua atuação profissional com projetos de design gráfico com o foco em lettering e design de superfícies, como estampas e padrões.

Orientadora

  • Lorena Abdala

    Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás - Faculdade de Artes Visuais. Graduada em Design de Moda pela Universidade Federal de Goiás, Graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi professora efetiva no curso superior de Tecnologia em Design de Moda da Universidade Estadual de Goiás - UEG. Atualmente é professora na pós-graduação de Processos e Produtos Criativos, FAV/UFG e professora adjunta no curso de Design de Moda da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.

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1. Problematização

Como transformar a produção artística em um negócio? De que forma transgredir o modelo básico de procura pelo serviço e repensar o serviço como uma venda? São inquietações que movem artistas visuais e designers, como posso converter o esforço imposto em teoria e prática visual em valor de serviço ofertado? Qual modelo de negócios é o mais estruturado para o designer?

Este projeto busca então analisar as realidades profissionais dos envolvidos, ambos prestadores de serviço de lettering (explicado mais a frente), de forma a encontrar estratégias e principalmente formas de utilizar o design thinking de serviço para otimizar a venda e a amplificação do público atingido nas plataformas de divulgação e deixar claro quais serviços são ofertados. Aumentar ou adequar a expectativa do cliente em cada projeto, sempre buscando fortalecer o valor do serviço.

PROBLEMA: otimizar o serviço a partir da metodologia do design thinking de serviço de forma a conseguir valorizar os aspectos manuais/artesanais/artísticos do serviço de lettering dos profissionais envolvidos.

2. Justificativa

A diferenciação é exigência do mercado atual, a grande oferta de serviços e produtos somada à destacada busca de experiências por parte dos consumidores criaram de maneira positiva a expectativa inerente de uma satisfação e experiência holística ao se contratar um serviço.

Feijó, Frandoloso e Gomez (2014, p.105-126) citam Mark e Pearson (2006) ao lembrar que os consumidores de hoje são bem informados e estão mais preocupados em encontrar e expressar sua individualidade. Eles procuram significado.

Aqui, buscamos ampliar a dimensão projetual do designer para fora da execução do trabalho e transbordá-la para repensar a venda do serviço. Identificando os pontos falhos que merecem mais atenção, e os que devem ser reforçados. Buscamos explicitar a execução de forma que ela seja também estratégia de venda e divulgação.

O tema abordado é especificamente o desenvolvimento de lettering, projetos de desenho de letras que misturam conceitos e técnicas de design em um limiar com a arte. O lettering está na tangente entre o design e a arte, já que no cotidiano profissional existe uma dinâmica muito imersa nas diretrizes de projeto enquanto o cliente ou quem recebe o serviço enxerga arte em si.

Utilizaremos a estrutura já consolidada das estratégias de design thinking para otimizar a percepção do lettering e assim valorizar o serviço como um todo.

3. Design Thinking e de Serviços

Stickdorn e Schneider (2014) exemplificam que se pedirmos para 10 pessoas a definição de design thinking, teríamos 11 respostas diferentes. Vamos trazer algumas definições que nos parecem mais assertivas a respeito da forma como trabalhar o design thinking.

Segundo o Conpenhagen Institute ff Interaction Design (2008), o Design de Serviços é uma área emergente, focada na criação de experiências cuidadosamente planejadas e isso oferece inúmeros benefícios à experiência final do usuário.

Já Mauricio Vianna [et. al.] (2012) define primeiro o termo "design", que é frequentemente associado à qualidade ou aparência de produtos, com o objetivo de promover o máximo bem-estar na vida das pessoas. Para depois a partir do próprio sufixo inglês "thinking" definir que o design thinking se refere à maneira do designer de pensar, com um pensamento abdutivo que busca formular questionamentos através da apreensão de fenômenos.

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Vamos nos apoiar nestas definições, por momentos mais em algumas do que outras, mas levaremos este entendimento como guia. Vianna [et. al] (2012) defende que a primeira fase do processo de Design Thinking é a imersão. Em que se aproxima-se do contexto do problema em duas frentes, uma preliminar e outra em profundidade. Pelo pouco tempo e espaço possível, nos limitaremos na abordagem preliminar identificando os problemas e abrindo caminho para o aprofundamento posterior.

Ambrose e Harris (2010) ressaltam que o processo de design possui sete passos que podem ser identificados: definição; pesquisa; ideação; prototipação; seleção; implementação e aprendizagem. Vamos nos apoiar nos três primeiros passos.

A definição exige estabelecer qual é o problema, e levantar alguns questionamentos. Como foi definido na problematização do artigo, identificamos que precisamos otimizar o serviço de forma a valorizar os aspectos manuais e artísticos do lettering e ainda assim converter o esforço imposto na teoria e prática visual em valor de serviço.

Ambrose e Harris (2010) continuam que para a pesquisa, uma vez que a definição foi feita e acordada, o designer busca informações que podem alimentar o processo criativo na Ideação. Essa pesquisa pode ser tanto quantitativa, quanto qualitativa com informações sobre o grupo estudado e seus hábitos.

Defendem ainda, assim como Vianna (2012), que uma pesquisa primária com o feedback de outros projetos com as mesmas características ajudam a dar um ponto de partida, analisando o que deu certo e o que não funcionou em cada projeto.

A última fase da proposição de Ambrose e Harris (2010) que vamos atingir é a Ideação, que busca criar potenciais soluções. As informações coletadas até então são usadas para criar soluções específicas para os problemas levantados.

Stickdorn (2014) explica que enquanto o marketing lida com organizações criando e construindo relacionamentos, definindo quem são ou podem vir a ser os usuários de um serviço, o design de serviços molda e dá forma às ideias. O autor ainda diz que o aspecto principal do design de serviços é entender o valor e a natureza das relações entre pessoas - coisas - organizações.

Portanto, não trataremos de estratégias de marketing ou propaganda, ainda que esses objetivos sejam consequentes. Não faremos uma propaganda para o serviço, mas o foco no serviço em si e seus desdobramentos trarão resultados de divulgação.

Logo, o estudo aqui feito pode ser visto como parte integrante de um grande projeto futuro. Já que propomos ações que visam fortalecer a marca e reforçar a proposta de valor do serviço prestado como forma de diferenciação da concorrência e explicitar todo o caminho projetual do serviço.

4. Os 5 Princípios do Design Thinking

Stickdorn (2014) apresenta cinco princípios do design thinking que exploraremos a seguir, sendo eles: design centrado no usuário; cocriativo; sequencial; evidente e holístico.

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O design centrado no usuário preconiza que embora duas pessoas com características gerais parecidas possam em uma pesquisa superficial parecer possuírem os mesmos gostos, é necessário entender as especificidades de cada usuário já que a superficialidade do público e do usuário é traiçoeira e pode significar o fracasso da proposta. É preciso então a cada projeto obter insights autênticos sobre os usuários e compreender essas diferenças que são por vezes sutis.

Já a cocriação pressupõe a integração de todos os atores envolvidos no processo do serviço dentro da elaboração do mesmo. A cocriação dá voz a diferentes perspectivas de um mesmo problema e busca na soma de ideias um resultado ótimo. Trabalha na forma de funil em que todas as pessoas envolvidas lapidam o que foi apresentado para chegar a uma forma final. A força cocriativa está ainda no fato de que agrega valor ao serviço feito em parceria, o usuário como Stickdorn (2014) define e o cliente como chamamos aqui se sente cocriador de fato e sente o serviço prestado também como copropriedade.

O design sequencial desconstrói como o próprio nome sugere a sequência dos processos do serviço e seus pontos de contato do cliente com o mesmo. Aqui essa perspectiva se divide em três partes importantes: o pré-serviço; o serviço; e o pós-serviço. O pré-serviço abrange todos os aspectos que o cliente tem contato antes da contratação e a prestação do serviço; o serviço é a execução do mesmo, atendendo as definições do cliente; e o pós-serviço abraça a forma como esse cliente sai da prestação e como ele vai manter contato com o serviço e divulgá-lo.

Temos ainda o design evidente que como o autor defende muitas vezes o serviço ocorre longe dos olhares de todos. O que acaba por evidenciar uma injustiça com algum possível serviço que tem uma grande execução de bastidores, mas que não é aparente e o que fica é a simplicidade do mesmo.

Por fim, o design holístico vai buscar pensar e executar o serviço de uma maneira completa, abarcando todos os aspectos e pontos de contato. É claro que não é possível se ater a todos os pontos de maneira 100% eficiente, mas buscar tratar da maneira mais ampla possível o que o cliente não está percebendo. Esta abordagem une as demais e é um desafio constante.

5. Design Gráfico, Arte e Lettering

Vamos definir alguns conceitos e diferenciações presentes no objeto do serviço, discutir seus nuances, a percepção que o serviço impõe ao usuário final e a visão de caminho do designer/artista.

Hellen Armstrong (2015) em "A teoria do Design Gráfico" traz definições interessantes sobre o projeto de design gráfico. Primeiro, explica que entre as décadas de 50 a 70 o design gráfico se firmou como profissão. Desenvolvendo metodologias formais, se separando do viés propagandista e revolucionário. No entanto, o design como fruto da arte vive de movimentos e retomadas alternando entre a razão e a clareza para a intuição e emoção.

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O designer busca sempre a solução para algum problema detectado, como Bruno Munari (2008) apresenta, o designer parte de um problema e vai resolvendo a partir de uma ordem determinada de ações. Uma demanda projetiva, uma necessidade comunicacional. Sempre há um objetivo final a ser alcançado. Armstrong (2015), porém, ressalta que a descrição do problema é parte da solução e, justamente, por o design ser uma disciplina projetual, os designers buscam não tomar decisões criativas induzidas pelo sentimento, mas por critérios intelectuais. Isso significa que na prática, mesmo que o objeto final seja visualmente alimentado por emoção e intuição, esta é a solução encontrada através de pesquisas e refinamentos.

Muitos objetos expostos em museus fazem parte de nossa vida diária, e tem utilidade evidente… contudo, o ser humano também produz coisas que, apesar de não terem uma utilidade imediata, … isso nos mostra que o homem cria objetos não apenas para se servir utilitariamente, mas também para expressar seus sentimentos diante da vida. Dessa forma, as obras de arte não devem ser encaradas como algo extraordinário, ao contrário, devem ser vistas como profundamente integradas na cultura de um povo (PROENÇA, p. 7, 2005)

Com tais critérios, fica claro e evidente como o design se desenvolveu, como ele transita entre a racionalidade e a emoção. Um objeto primordial atenderá primeiro à sua função, deve funcionar, servir ao seu propósito. Só depois temos o desenvolvimento do útil em forma agradável. Hoje, contudo, essas especificidades se misturam e muitas vezes os designers ficam confusos entre o equilíbrio forma e função.

A caligrafia como Harris (2009) define, se inicia com a escolha das ferramentas e seus materiais, selecionados com muito cuidado já que frequentemente a dificuldade de alcançar um resultado que possa ser considerado satisfatório é dependente do suporte e do instrumento.

No desenvolver da caligrafia, muitas ferramentas e suportes foram desenvolvidos gerando técnicas e resultados gráficos diferentes. Para cada pena, ou caneta, uma escrita. Para cada técnica, outro resultado.

Figura 1. Caligrafia. Autor: Mateus Feitosa.

Já a tipografia compreende, segundo Niemeyer, "o desenho e a produção de letras e suas adequadas distribuição e espacejamento sobre uma superfície para transmitir informação e facilitar a compreensão." (NIEMEYER, p. 14, 2006).

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Figura 2. Tipografia. Autor: Mateus Feitosa.

Em contraponto, o lettering não depende exclusivamente da ferramenta para seu resultado gráfico e se trata mais do desenho de letras seguindo princípios tanto da caligrafia quanto da tipografia de maneira mais livre que as outras duas.

Willen e Strals (2009) ressaltam que a exclusividade de cada lettering permite ao designer flexibilidade e criatividade para responder ao contexto dado de cada projeto de diferentes maneiras específicas. Letras podem no lettering, diferentemente de suas duas companheiras, ser comprimidas, interligadas ou sobrepostas para se adequar a um espaço definido.

Figura 3. Lettering. Autor: Mateus Feitosa.

Logo, a maravilha do desenho das letras, seja na caligrafia, tipografia ou lettering está na dupla transmissão de sentidos e significados. Como na linguagem oral, a fala leva ao ouvinte não só a mensagem codificada como também o tom e a emoção dita, também o desenho das letras carrega consigo duplas mensagens. O desenho pode dizer algo sutil na palavra escrita, mas a forma transmitir intensa vibração gráfica, ou pode também seguir a mensagem traduzida pela leitura sendo um complemento para o que se quer dizer.

6. Análise do Serviço

O serviço prestado e objeto de análise é o lettering. Os autores prestam esse tipo de serviço, individualmente, há pelo menos quatro anos, desde 2014, para diferentes áreas e aplicações. As mais comuns são: o desenvolvimento de painéis, lousas e quadro negros com a arte em giz ou tinta acrílica; o desenho de lettering para aplicação no design de superfícies seja em estampas têxteis ou em variados suportes como azulejos e canecas; e o lettering para casamentos, desenvolvendo o monograma e nome em extenso do casal, bem como datas e adjacentes.

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Figura 4.1. Descrição do fluxo de trabalho do autor (Lucas Gomes - GOtype).
Figura 4.2. Descrição do fluxo de trabalho do autor (Mateus Feitosa).

O trabalho se baseia no design thinking de serviços, que tem como um dos seus princípios o design centrado no usuário, estabelecemos que precisaríamos de uma ferramenta para entender nosso usuário, ou seja, nosso cliente ou potencial cliente enxerga nosso serviço.

Como diz Stickorn:

[…] os serviços são criados por meio da interação entre provedor e usuário do serviço. A intenção inerente de um serviço é atender às necessidades do usuário e, consequentemente, ser utilizado com frequência e recomendado com sinceridade.[…]. (STICKDORN, 2014, p.38)

Sendo assim, é essencial conhecermos os nossos usuários e, para isso, escolhemos a entrevista a partir de um questionário online como ferramenta de melhor compreendê-lo, pela facilidade de enviarmos o link do questionário para o cliente, sem a necessidade de deslocamentos e reserva de tempo para entrevista.

6.1. Pesquisa com o Usuário do Serviço

Para elaborarmos a pesquisa dividimos nossos usuários (clientes) em três grupos:

Para elaboração do questionário seguimos o guia da professora Vera do Carmo (2012), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que sugere estabelecer um grupo de tópicos que possuem vínculos com o objetivo da pesquisa, esses tópicos seriam o planejamento do que esse questionário vai mensurar, a partir deles elaboramos as perguntas. Veja as perguntas e as respostas nos gráficos abaixo:

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Figura 5.1. Questionário enviado para interessados e respostas obtidas.
FFigura 5.2. Questionário enviado para clientes e respostas obtidas.
Figura 5.3. Questionário enviado para prospectos e respostas obtidas.

Obtivemos a seguinte taxa de resposta dos grupos:

Figura 6. Gráfico mostrando o número de respostas de cada grupo.
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Enviamos 7 formulários para cada grupo e no grupo de Interessados obtivemos o menor número de resposta, apenas 2, nos outros grupos, clientes e prospectos, obtivemos 4 e 7 respostas, respectivamente. Enviamos todos os questionários pelo aplicativo de mensagens WhatsApp e muitos usuários sequer leram as mensagens, principalmente do primeiro grupo, refletindo as dificuldades de conseguir respostas para esse tipo de pesquisa.

6.2. Análise dos Dados da Pesquisa

Os dados apresentados abaixo são os que se destacaram dentro das repostas recebidas, dada as limitações do artigo não apresentaremos todos os dados coletados, apenas os mais interessantes para análise do nosso serviço. Os dados, assim como os questionários, foram separados por grupos:

Interessados
Clientes
Prospectos

Percebemos então que indicação é um fator importante porque quase todos interessados e clientes chegaram aos autores por indicação. Os clientes se sentiram bem atendidos e envolvidos no processo de criação, algo que devemos valorizar na divulgação do trabalho. A partir da entrevista, percebemos também que existe uma subvalorização do nosso trabalho como arte, algo que precisa ser trabalhado na proposta de ações detalhadas adiante.

7. Propostas de Ações

Portanto, como aplicar todos os conceitos e práticas até aqui descritas e utilizar do conhecimento adquirido fruto da pesquisa de satisfação e motivação no ambiente do serviço do lettering?

Como já explicado anteriormente, o lettering tangência entre o design, por sua natureza projetual, e a arte, como expressão viva. Sendo assim, propomos duas estruturas de ações que tangenciam essas duas faces, uma focada no serviço e seus aprimoramentos necessários percebidos na pesquisa e outra foca no conceitual da arte, cuja necessidade se encontra na problemática desse trabalho.

Figura 7. Processo de construção de um lettering. Autor: Mateus Feitosa.
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A obra de arte, assim como queremos que o público veja o lettering, é consolidada culturalmente por três pilares "unicidade", "singularidade" e "autenticidade", listados por Walter Benjamin (1996) como elementos componedores da "aura" da obra de arte que apesar da "reprodutibilidade técnica", ou seja, capacidade de fazer cópias da obra de arte, que para Benjamin (1996) destruiria essa aura, esses três pilares ainda norteiam a valor conceitual e, consequentemente, o valor monetário que a obra de arte possui.

Buscamos assim que o público legitime o Lettering como obra de arte e, para chegarmos a esse ponto, necessitamos de legitimação das instituições e indivíduos vinculados à arte, como galerias, museus, agentes, galeristas, críticos, etc.

Segundo Costa (2008):

Ao defender a autonomia da obra de arte e a subjetividade privilegiada do artista como fatores determinantes do significado da arte na sociedade moderna, a teoria estética modernista subestimou o papel das instituições na conformação dos valores artísticos.

Seu texto deixa clara a importância das instituições na valorização da arte, Costa (2008) complementa:

a transformação cultural que possibilitou a assimilação da fotografia como arte pelo museu foi paradoxal: o museu passou a valorizar a fotografia não enquanto imagem reprodutível e versátil, mas enquanto objeto de coleção, pautado por valores como raridade, autenticidade, expressão pessoal e virtuosismo técnico (PHILIPS, 1982 apud COSTA, 2008, p.3).

Percebe-se então a importância da exposição artística como elemento fundamental para legitimação da fotografia como arte, mesma lógica pode então ser levada para o lettering. Propomos, a partir disso, a organização de uma exposição artística de lettering com trabalhos dos proponentes deste TCC e outros artistas que se utilizam da técnica de lettering como ferramenta de expressão, fazendo se valer assim dos três pilares da aura da obra artística de Benjamin (1996).

A exposição teria o objetivo de criar um panorama das diversas aplicações possíveis do lettering e comunicar essa exposição com grande público que a visite, valorizando conceitualmente o lettering como arte para o grande público, além de iniciar a legitimação do lettering pelas instituições associadas à arte. Para tanto, buscaremos apoio de galerias vinculadas aos mecanismos públicos, como a Vila Cultural Cora Coralina e o Museu de Arte de Goiânia, que estão abertas a propostas de exposições.

A House Industries, estúdio de design estadunidense, especializado em lettering e desenvolvimento de fontes lançou uma exposição no Henry Ford Foundation dedicada aos 24 anos de trabalho dedicados às letras, tanto lettering quanto tipografia, nos mais diversos suportes.

Figura 8. Cena do vídeo de divulgação da exposição “Type of Learning” do estúdio de design House Industries. Fonte: Canal do Youtube da Henry Ford Foundation. https://www.youtube.com/watch?v=EN6e0yVLGqc.
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Além da valorização conceitual do lettering, é necessário adequações na prestação do serviço. Como visto acima, o lettering como técnica tange o design como estrutura projetual e a arte como expressão viva. É preciso valorizar as duas frentes em momentos distintos no decorrer do serviço. Durante o planejamento e desenvolvimento do desenho valorizar-se-á o aspecto projetual, explicitando o processo. Ao passo que durante a execução final ou na entrega do serviço, o aspecto artístico deve ficar em evidência.

A intenção aqui é deixar claro o empenho e grau de dificuldade aplicado no planejamento e a diferenciação do ambiente ou produto final com uma arte 100% exclusiva. Stickdorn (2014) lembra que historicamente o design gráfico tem suas origens na arte aplicada, principalmente nas profissões de cartazistas e letristas. E o que se vive hoje é um resgate do valor no trabalho feito à mão, já que os computadores e o vasto catálogo tipográfico permite a fácil manipulação. Logo, o valor intrínseco do lettering é a fuga da pasteurização da comunicação gráfica.

Isso fica claro quando o mesmo autor defende na mesma citação que a tarefa do designer gráfico é desencadear modelos mentais do indivíduo ou influenciar positivamente o acúmulo de representações cognitivas de significado.

Ou seja, transmitir emoções e sensibilizar a audiência. Stickdorn (2014, p.75) deixa claro ainda que o pensamento holístico presente no design e na arte impõe que elementos gráficos de qualquer tipo nunca estão isolados. O impacto é dependente do ambiente físico e emocional do usuário.

Mantendo essa ideia de adaptação, exclusividade e adequação ao emocional justificamos a necessidade da implementação do design thinking no processo da prestação de serviço do lettering. Os designers autores e objetos de análise aqui entregam o desenho final de forma satisfatória, como ficou claro no resultado das pesquisas. A lacuna está na prestação e evidência do serviço.

Para iniciar os planejamentos de ações, primeiro, como sugere Vianna et al. (2012), foi feita a jornada do usuário, ou seja, o mapeamento gráfico das etapas de relacionamento do cliente com o produto ou serviço. Isto é importante para entender o ciclo de relacionamento do cliente com o serviço e ser capaz, portanto, de mapear as expectativas em cada ponto.

Figura 9. Descrição da jornada do usuário.
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O primeiro ponto de contato então é a descoberta do serviço e que existe tal profissional para executá-lo. Como a pesquisa evidenciou, a indicação é a forma mais frequente entre os trabalhos que são levados ao fim. Porém, os autores entendem que precisam explorar mais o digital de forma a garantir a vinda de clientes por esse meio, haja vista o potencial de divulgação e de audiência.

O segundo ponto é a identificação com o produto, o prospecto se identifica com o serviço e deseja tê-lo como decoração de um ambiente, ou aplicado para algum outro fim. É necessário despertar esse desejo.

Logo depois, o passo natural é o contato com o designer/artista e em seguida negociar preços, prazos e tipo de execução. Aqui é importante garantir o valor intrínseco que toda a jornada possui e conseguir manter uma margem profissional e de acordo com o mercado.

O quinto ponto de contato é a execução, em que o cliente aprova o desenho para a aplicação final do projeto. Aqui acontecem geralmente os possíveis desgastes, principalmente nas refações ou demora nas aprovações o que é um sinal de um briefing mal feito ou referências incompatíveis na pesquisa.

Os três últimos pontos acontecem em sequência e com uma maior proximidade uns dos outros. A entrega já começa o pós-serviço com a pesquisa local de satisfação do resultado final. A renovação depende de fatores externos, como a expansão do negócio contratante.

Até aqui o projeto se debruçou sobre a definição e a pesquisa. Como Ambrose e Harris (2010) defendem, o próximo passo segue para a ideação, e é aqui que fica claro se o diagnóstico foi feito corretamente e ainda se o feedback colhido é suficiente para criar propostas efetivas para a melhoria do serviço.

Para essa fase, usaremos a definição dos cinco princípios de design thinking propostos no livro "Isto é design thinking de serviços" de organização de Stickdorn (2014) já citados no presente trabalho. A busca é criar um caminho próximo da proposta holística, em que os pontos de contato do serviço encaminham para o melhor entendimento do que está sendo prestado ao cliente por parte do mesmo.

Quais aspectos são intangíveis e podem ser utilizados para despertar desejo? Pensemos em frentes de atuação, trataremos duas especificamente. A indicação, ponto frutífero para novos trabalhos e a divulgação em redes sociais, especificamente o instagram.

Para o instagram, não basta apenas divulgar o resultado final de um trabalho anterior, a foto final gera desejo, mas ainda fica muito afastada do prospecto, não há conexão. E é buscando essa conexão que para evidenciar o serviço usaremos do "Storytelling", que segundo Feijó, Frandoloso e Gomez (2014, p.105-126) é a capacidade de contar e recontar experiências de forma impactante.

A primeira proposta então é utilizar do design evidente, e mais especificamente do storytelling, o ato de contar histórias como estratégia. Ações evidentes que podem ser tomadas:

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O próprio uso do Storytelling envolve seus próprios métodos que não serão aqui discutidos por objetividade, mas que, como ferramenta de design, se enquadra de forma satisfatória nos objetivos a serem solucionados.

Para os próximos três passos (contato, negócio e execução) abraçarão dois princípios de design thinking propostos por Stickdorn, a cocriação e o design centrado no usuário.

O até então prospecto começa a se sentir parte da criação e elaboração no contato e negócio, já que a proposta é que o usuário/cliente se sinta parte na construção do próprio orçamento ao compreender as nuances e o que faz com que o orçamento aumente ou diminua. A proposta é que as decisões de materiais, suportes e aplicações sejam tomadas em conjunto com os designers ensinando os clientes o que cada decisão envolve.

Entrega, pós-serviço e renovação são os últimos pontos de contato descritos, e para estes a proposta de ação é focar o design sequencial e holístico. A ação planejada é na entrega, que foca no aspecto artístico, entregar não somente o serviço, bem como as fotos e arquivos que serão usados como divulgação para o usuário/cliente. Essa ação valoriza o conceito sequencial e reforça a ideia do design evidente.

O pós-serviço e renovação são consequências dessa ação bem executada, valorizam o aspecto holístico de todo o processo abrindo novas oportunidades e gerando novas indicações já que ao final o valor do trabalho foi renovado.

8. Considerações Finais

Schneider (2014) lembra que a apresentação visual de um serviço desempenha um papel importante de três maneiras. Antecipa o processo do serviço, reduz as expectativas e pode estabelecer confiança.

Por isso, todas as ações propostas são fundamentadas em conceitos do design thinking e buscam impacto direto sobre a percepção do usuário/cliente, tanto nos aprimoramentos do serviço quanto na busca da valorização do lettering como arte. O objetivo descrito no início do artigo foi atingido, as soluções práticas valorizam o serviço e diferenciam o mesmo da prestação convencional de serviço do lettering e do design.

Abre ainda caminho para uma nova pesquisa e aprofundamento do que foi discutido no presente trabalho. Fica evidente que as ferramentas e os conceitos propostos de design thinking são valiosos para os designers e prestadores de serviço em geral, já que funcionam e forçam a autocrítica que muitas vezes não é bem feita ou bem digerida pelos profissionais.

As formas de pesquisa e metodologia aqui aplicadas são passíveis de adaptação para outros serviços e produtos. É dever do designer ser agente transformador de negócios e aqui se inclui a gestão do seu próprio negócio. Espera-se que estas reflexões possam instigar novos designers a compreender a profissão de maneira mais holística como aqui discutido, sem que percamos as inquietações que nos movem como profissionais interdisciplinares.

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Referências

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ARMSTRONG, H. Teoria do design gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

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CONPENHAGEN INSTITUTE OF INTERACTION DESIGN, 2008. In: STICKDORN, MARK. Isto é design thinking de serviços. Porto Alegre: Bookman, 2014.

FEIJÓ, V. C.; FRANDOLOSO, P. E. ; GOMEZ, L. S. R. Storytelling como metodologia projetual para a construção de uma identidade de marca: o caso do café de colombia. Projética, Londrina, v.5 n.2, p. 105-126. Dezembro /2014.

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VARGAS, Vera do Carmo C. O uso de questionários em trabalhos científicos. 2012. Disponível em: http://www.inf.ufsc.br/~vera.carmo/Ensino_2013_2/O_uso_de_questionarios_em_trabalhos_cient%edficos.pdf. Acesso em: 14 dez. 2017.

VIANNA, M. et al. Design thinking: inovação em negócios. Rio de Janeiro: MJV Press, 2012.

WILLIEN E STRALS. Lettering & Type: Creating Letters and Designing Typefaces. Princeton Architectural Press; Edição: 1. 2009

A legitimação é um conceito de origem político jurídica que designa o reconhecimento, pelas instituições do poder, e segundo articulações discursivas que esse mesmo poder domina, de determinados factos sociais, sejam eles